ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo de Revisao - Ano 2022 - Volume 12 - Número 1

TOD: perspectivas comportamentais e sua associação ao TDAH e à TC

ODD: behavioural perspectives and their association with ADHD and CT

RESUMO

O transtorno de oposição desafiante (TOD) é caracterizado por distúrbios do controle de impulsos e da conduta, e por comportamentos agressivos. Frequentemente é associado a outros transtornos, em especial ao transtorno de conduta (TC) e ao transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). Trata-se de uma revisão integrativa da literatura médica de natureza qualitativa, que objetiva apresentar quais são as perspectivas para um paciente com TOD e suas principais associações: TC e TDAH. Essas psicopatologias influenciam diretamente relações pessoais e profissionais dos indivíduos e são associados a maior propensão a agressões, crimes e furtos quando não controladas. Portanto, é fundamental diagnosticar esses transtornos e promover as intervenções necessárias.

Palavras-chave: Transtornos de Déficit da Atenção e do Comportamento Disruptivo, Transtornos Disruptivos de Controle do Impulso e da Conduta, Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade.

ABSTRACT

Oppositional Defiant Disorder (ODD) is characterized by impulse and conduct control disorders and aggressive behavior. It is often associated with other disorders, especially conduct disorder (CT) and attention deficit hyperactivity disorder (ADHD). This is an integrative review of medical literature of a qualitative nature, which aims to present what are the perspectives for a patient with OCD and its main associations: CT and ADHD. These psychopathologies directly influence the personal and professional relationships of individuals and are associated with a greater propensity to aggression, crime and theft when not controlled. Therefore, it is essential to diagnose these disorders and promote the necessary interventions.

Keywords: Attention Deficit and Disruptive Behavior Disorders, Disruptive, Impulse Control, and Conduct Disorders, Attention Deficit Disorder with Hyperactivity.


INTRODUÇÃO

A infância é o período de maior transformação individual e social de um indivíduo, e durante esse período, muitos desenvolvem e manifestam transtornos psiquiátricos. Os transtornos disruptivos, do controle de impulsos e da conduta são caracterizados pela agressividade verbal e física contra pessoas e propriedades e/ou conflitos contra normas e figuras de autoridade, causados por dificuldades na regulação emocional e habilidades sociais pobres¹. Dentre esses transtornos, o transtorno de oposição desafiante (TOD), também conhecido como transtorno opositor desafiador, é caracterizado pela oposição hostil e proposital à qualquer figura de autoridade, como pais, cuidadores e professores, pela negação constante de tudo o que lhe é solicitado2-4.

Crianças e adolescentes com TOD apresentam reações rápidas, intensas e inconsequentes com baixo limiar à frustração, características que aparecem no início do desenvolvimento cognitivo. Aversão à espera e impulsividade agravam essas características. Em alguns casos, a quebra das regras e o comportamento antissocial é bem arquitetado, e frequentemente associado à frieza1. Esse transtorno é apontado como um dos principais precursores de psicopatologia na idade adulta5.

Os fatores familiares contribuem fortemente para o desenvolvimento das características do TOD6. Crianças expostas a intensas emoções negativas, agressividade física, verbal e sexual, métodos punitivos e falta de cuidados com o seu desenvolvimento emocional e cognitivo por parte dos responsáveis manifestam temperamentos altamente impulsivos e irritáveis. Fatores gestacionais e hereditários também podem estar relacionados, como estressores gestacionais e nascimento com baixo peso¹. Fatores biológicos, como anormalidades do córtex pré-frontal e amígdala, da transmissão nervosa e hormonal7, e do desenvolvimento do sistema empático promovem grande susceptibilidade ao quadro1.

Essa irritabilidade, raiva e agressividade diante de situações emocionais negativas envolvem dois sistemas, o “bottom-up” e o “top-down”. O primeiro é composto por estruturas subcorticais responsáveis por emoções básicas como essas citadas, enquanto o segundo possui estruturas corticais pré-frontais e envolve mecanismos do controle inibitório e processamento de informações de estruturas mais primitivas, o que permite um planejamento de ações5.

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) apresenta como critérios diagnósticos para o transtorno um padrão raivoso ou irritável, de comportamento questionador e desafiante, ou índole vingativa com duração de pelo menos seis meses com pelo menos um indivíduo, excetuando-se um irmão7,8. Dessa forma, a apresentação clínica pode variar de violência e impetuosidade à manipulação e vingança. Os portadores de TOD costumam justificar seu comportamento com base nas situações a que foram submetidos, encobrindo suas verdadeiras características7.

Identificaram-se 3 dimensões subjacentes ao TOD: “irritable”, que compreende os sintomas raivoso ou ressentido, descontrole com frequência e facilidade em ser incomodado por outras pessoas; “headstrong”, que engloba sintomas de discussão com adultos, desafio ou se recusa de seguir regras e pedidos de adultos, incomodar outros de propósito e culpá-los por sua má conduta; e “hurtful”, composta de atitudes vingativas ou malvadas5.

Mais comum no sexo masculino em uma proporção de 3:1, a prevalência de TOD entre crianças de 7 a 14 anos pode chegar a 3,2%, com base em estudos nacionais. Evidências apontam maior porcentagem de casos pertencente a crianças advindas de famílias com baixas condições socioeconômicas1. Além disso, o TOD está presente, em muitos casos, em associação com outros transtornos2, como transtorno de conduta (TC) e transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH)9.

Diante desta introdução, destaca-se como objetivo apresentar as duas principais associações psiquiátricas do TOD, TC e TDAH, o modo como essas associações determinam o prognóstico do portador, e quais são as perspectivas para um paciente com TOD.

REVISÃO DE LITERATURA

Este trabalho foi uma pesquisa bibliográfica por revisão integrativa da literatura médica de natureza qualitativa. A busca das produções científicas foi realizada nos seguintes bancos de dados: Scientific Electronic Library Online (SciELO), PubMed e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS). Também foram utilizados livros de medicina de grande relevância na área da psiquiatria. Os critérios de inclusão definidos para a seleção dos artigos foram: 1) artigos publicados nos últimos dez anos; 2) artigos publicados nas línguas portuguesa, espanhola e inglesa; e 3) artigos que abordassem os sinais e sintomas do transtorno de oposição desafiadora, associados à neurofisiologia e à psicologia. Foram excluídos artigos publicados em anos anteriores a 2010, que focavam áreas da saúde exceto a neurologia e a psiquiatria, que possuíam títulos discrepantes, e que não apresentavam associações com o transtorno em objetivo. Foram utilizados, para a busca dos artigos, os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) “transtornos de déficit de atenção e do comportamento disruptivo”, “transtorno de personalidade antissocial”, “transtorno do déficit de atenção com hiperatividade” e “transtorno da conduta”, seus sinônimos e seus correspondentes em inglês e espanhol. Os artigos selecionados para análise foram então copiados das bibliotecas virtuais e organizados conforme a ordem de seleção.

Foram encontrados 43 artigos na Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde e no Scientific Electronic Library Online, dos quais 30 foram eliminados em virtude à não correspondência com o assunto em questão e à ausência de informações objetivas. Após a leitura integral dos 13 trabalhos, foram selecionados 11 desses por atenderem a todos os critérios de inclusão vigentes.


DISCUSSÃO

Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade


O TDAH é um transtorno do neurodesenvolvimento definido por níveis prejudiciais de desatenção, desorganização e/ou hiperatividade-impulsividade que possui maior apresentação clínica substancial durante a infância7,10. Sabe-se que indivíduos com TDAH podem apresentar dificuldades de aprendizado em 19 a 26% dos casos sendo a principal causa para consulta de crianças em idade escolar com o neuropediatra1.

Além disso, indivíduos com TDAH tendem a ser interpretados como preguiçosos e irresponsáveis influenciando diretamente em suas relações pessoais e profissionais. O modo e intensidade que afeta suas interações interpessoais são vinculados a forma de suas manifestações. A desatenção predominante é associada a déficits acadêmicos, problemas escolares e negligência pelos colegas, já a rejeição por colegas e, em menor grau, lesões acidentais são mais proeminentes com sintomas acentuados de hiperatividade ou impulsividade quando grave, o transtorno afeta a adaptação nas esferas social familiar e escolar/profissional7.

Crianças com TDAH geralmente tem outras comorbidades clinicas ou psicológicas como transtornos específicos, transtorno opositor desafiante, comportamento antissocial, transtorno de ansiedade e transtorno de humor1. Na infância, o TDAH frequentemente se sobrepõe a transtornos em geral considerados “de externalização”, tais como o transtorno de oposição desafiante e o transtorno da conduta7.

Alguns estudos consideram que cerca de 30% das crianças com TOD apresentam TDAH. Muitos indicam que os sintomas de ambos se desenvolvem paralelamente4. Nesses casos são associados ao humor instável, com irritabilidade fácil, pode ter acesso de raiva1. A associação entre os dois transtornos pode ser o resultado de fatores de risco temperamentais compartilhados7.

Transtorno de conduta

O TDAH e o TOD são comuns em indivíduos com transtorno da conduta (TC), sendo essa correlação preditora de piores evoluções7.

O transtorno de conduta é caracterizado por comportamentos sociais inadequados que transgridem leis e fogem às regras do meio social em que se vive. O TC é mais comum em crianças acima de dez anos e do sexo masculino11,12.

Inclui como critérios diagnósticos ações relacionadas à agressão de pessoas ou animais, destruição de propriedade, falsidade ou furto e violações graves de regras nos últimos 12 meses. Além disso, possui subtipos de acordo com o período de início dos sintomas (infância, adolescência ou não especificado), que podem ocorrer nas formas leve, moderada ou grave7.

No TC com início na infância, os indivíduos do sexo masculino, costumam apresentar agressão física contra outras pessoas13, relacionamentos conturbados, podem ter tido TOD precocemente na infância e muitas também têm transtorno de déficit de atenção ou outras dificuldades do neurodesenvolvimento concomitantemente7.

A correlação entre TC e TOD se dá porque ambos apresentam sintomas que colocam o indivíduo em conflito com adultos e figuras de autoridade (pais, professores, chefes de trabalho). Geralmente, os comportamentos de TOD são de natureza menos grave que TC e não incluem agressão a pessoas ou animais, destruição de propriedade, padrão de furto ou falsidade. Ademais, o TOD relaciona-se com problemas de desregulação emocional, como humor irritável e raivoso, que não estão incluídos na definição de transtorno da conduta.

Estudos mostram que apesar de a maioria das crianças com TOD não evoluírem para TC, em algumas situações tal fenômeno ocorre, e que na idade adulta, terão continuidade para transtorno da personalidade antissocial11.

Perspectivas de comportamento social

O círculo de fatos que está presente no dia a dia da criança com TOD é composto de provocações, que geram reclamações e críticas, e que se transformam em baixa autoestima, aumentando a necessidade de revides2. A agressividade, a manipulação e a quebra das regras constante provoca afastamento de suas interações sociais1. Podem considerar qualquer tipo de relacionamento humano como insatisfatório8.

No âmbito escolar, esse círculo não afeta só o desempenho escolar do portador, mas também de toda a turma, que passa a questionar a autoridade do professor, e caso a criança com TOD seja líder entre os outros alunos, este pode dar maus exemplos2. Quando não há presença de outros transtornos associados, possuem inteligência suficiente para um bom desempenho escolar. Porém, se recusam a interagir com os colegas e professores, resistem às tarefas escolares determinadas e insistem em resolver seus problemas sozinhos8. Ainda nessa esfera, segundo estudo transversal realizado no México, por Albores-Gallo et al. (2011)14, crianças que expressam comportamento de vítimas e agressores no fenômeno de bullying, frequentemente apresentam TOD e TDAH, ou outros distúrbios externalizantes.

Quando não tratado durante a infância, o portador pode evoluir para distúrbios antissociais que afetarão seu dia a dia, sua relação familiar e profissional, e assim, tornam-se adultos problemáticos8, portando outros diagnósticos como esquizofrenia, psicoses e transtorno de personalidade antissocial13. Em casos extremos, atos extremamente radicais podem ser cometidos, como roubos, violação de propriedades privadas e crimes em grupo, atos estes que podem ser iniciados na adolescência15.


CONCLUSÃO

Os estudos analisados demonstraram os principais sinais e sintomas do transtorno de oposição desafiadora, e a importância social e individual do diagnóstico precoce. Não somente o aspecto profissional do portador estará prejudicado, mas também todos os seus relacionamentos. A ausência de tratamento psiquiátrico, terapêutico ocupacional, psicológico e familiar promoverá o desenvolvimento de novos transtornos e comportamentos cada vez mais agressivos. O acompanhamento da comunicação e aprendizado é necessário para avaliação da necessidade de intervenção fonoaudiológica e correção de possíveis atrasos. Não menos importante, a diferenciação ou a associação do TOD com TDAH e TC são fundamentais para o prognóstico do paciente e para a compreensão das causas e consequências desses transtornos.


REFERÊNCIAS

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1. Universidade de Rio Verde, Faculdade de Medicina - Rio Verde - Goiás - Brasil
2. Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Faculdade de Medicina - Campo Grande - Mato Grosso do Sul - Brasil

Endereço para correspondência:

Taynara Souza Silva
Universidade de Rio Verde. Fazenda Fontes do Saber, s/n
Rio Verde, GO, Brasil. CEP: 75901-970
E-mail: taynarasouzas@hotmail.com

Data de Submissão: 29/07/2020
Data de Aprovação: 25/08/2020