ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2022 - Volume 12 - Número 3

Incidência de restrição de crescimento extrauterino e fatores de risco e proteção associados em recém-nascidos de muito baixo peso

Incidence of extrauterine growth restriction and associated risk and protective factors for very low birth weight newborns

RESUMO

OBJETIVO:Determinar incidência de restrição de crescimento extrauterino (RCEU) em recém-nascidos de muito baixo peso ao nascer (RNMBP) e fatores associados.
MÉTODOS: Estudo longitudinal, prospectivo com recém-nascidos prematuros de muito baixo peso em maternidade escola, realizado no período entre outubro/2017 a setembro/2018. Foram avaliadas variáveis demográficas, clínicas e nutricionais. As curvas utilizadas ao nascimento e para monitorar o crescimento foram as do Projeto INTERGROWTH. RCEU foi definida como escore Z do peso de nascimento < -2. Na análise estatística inferencial foram utilizados os testes qui-quadrado, t de Student, Mann-Whitney e regressão logística.
RESULTADOS: Foram analisadas 97 crianças, destas 41,2% desenvolveram RCEU. O peso, escore Z de nascimento e o aporte calórico na primeira semana de vida foram maiores nas crianças sem restrição de crescimento. O uso de ventilação mecânica, tempo de internação na unidade de terapia intensiva, displasia broncopulmonar e sepse tardia apresentaram associação com a RCEU na análise bivariada. Na regressão logística multivariada apenas o escore Z do peso de nascimento (p<0,001) e o uso de ventilação mecânica (p=0,008) permaneceram associados ao desfecho. Com relação ao estado nutricional ao nascer, quanto maior o escore Z do peso, menor a incidência de RCEU.
CONCLUSÃO: A incidência de RCEU encontrada foi elevada, tendo o estado nutricional ao nascimento e uso de ventilação mecânica como principais fatores associados.

Palavras-chave: Crescimento, Recém-Nascido Prematuro, Recém-Nascido de Muito Baixo Peso.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To determine the incidence of extrauterine growth restriction (RCEU) in very low birth weight (VLBW) newborn and associated factors.
METHODS: Longitudinal, prospective study with very low birth weight premature newborns in a maternity school, carried out between October/2017 to September/2018. Demographic, clinical and nutritional variables were evaluated. The curves used at birth and to monitor growth were those of the INTERGROWTH Project. RCEU was defined as a Z score of birth weight < -2. In inferential statistical analysis, chi-square, Students t, Mann-Whitney and logistic regression tests were used.
RESULTS: 97 children were analyzed, of which 41.2% developed RCEU. Weight, Z score at birth and caloric intake in the first week of life were higher in children without growth restriction. The use of mechanical ventilation, length of stay in intensive care unit, bronchopulmonary dysplasia and late sepsis were associated with RCEU in the bivariate analysis. In multivariate logistic regression, only the Z score of birth weight (p<0.001) and the use of mechanical ventilation (p=0.006) remained associated with the outcome. Regarding the nutritional status at birth, the higher the Z score of weight, the lower the incidence of RCEU.
CONCLUSION: The incidence of RCEU found was high, with the nutritional status at birth and the use of mechanical ventilation as the main associated factors.

Keywords: Growth, Premature Newborn, Very Low Birth Weight Infant.


INTRODUÇÃO

A cada dia, aumenta o número de recém-nascidos prematuros admitidos nas unidades de terapia intensiva neonatal (UTIN) com idade gestacional e peso ao nascer cada vez menores1,2. Essa situação causa nos profissionais de saúde que atuam nesse seguimento maior preocupação com a qualidade da assistência prestada, que permita a redução das morbidades, crescimento e desenvolvimento adequado3,4.

Promover esse crescimento e desenvolvimento adequado nos prematuros tem sido cada vez mais desafiador, uma vez que a prematuridade interrompe a oferta de nutrientes, em especial a oferta energética e proteica, em um período em que a fase de crescimento ocorre de forma acelerada, colocando o recém-nascido em grande risco nutricional5. Além disso, morbidades específicas da prematuridade causam grande estresse metabólico nessas crianças, aumentando o metabolismo e necessidades nutricionais4,6.

A inadequação nutricional nesse período crítico resulta em restrição de crescimento extrauterino (RCEU), definida como a presença de déficit de crescimento quando o peso e/ou comprimento estão abaixo do percentil 10 ou quando o escore z for < -2 entre 36 e 40 semanas de idade gestacional corrigida ou no momento da alta4,7. A ocorrência de RCEU afeta o desenvolvimento neurocognitivo a longo prazo e pode comprometer permanentemente a vida dessa criança na fase adulta4,8.

As práticas nutricionais precoce e otimizada, o acompanhamento e avaliação do crescimento e desenvolvimento dessas crianças tem reduzido a incidência de RCEU9, assim é de extrema importância determinar quais fatores nutricionais e clínicos estão associados à incidência desse evento. Essas informações contribuirão com a melhora das práticas assistenciais de instituições que cuidam de recém-nascidos de muito baixo peso (RNMBP). Portanto, este estudo tem como objetivo determinar a incidência de restrição de crescimento extrauterino em recém-nascidos prematuros de muito baixo peso ao nascer e quais fatores estão associados a esse desfecho.


MÉTODOS

Trata-se de um estudo de coorte longitudinal, prospectivo, conduzido em maternidade escola, referência em gestação de alto risco do Rio Grande do Norte, a qual faz parte do complexo hospitalar da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Foram incluídos todos os recém-nascidos prematuros com peso <1.500 gramas admitidos na UTIN no período de outubro de 2017 a setembro de 2018, usando uma amostra de conveniência. Os critérios de exclusão foram: crianças portadoras de malformações congênitas graves, cromossomopatias, erro inato do metabolismo, gemelaridade (>2 fetos), os transferidos para outras unidades neonatais e aqueles que vieram a óbito no período da pesquisa.

As variáveis incluídas foram: idade materna, número de consultas de pré-natal, gênero da criança, Apgar no 5° minuto de vida. A idade gestacional foi estimada através da ultrassonografia de primeiro trimestre ou data da última menstruação (DUM), preferencialmente, ou na sua ausência, calculada a partir do método de New Ballard. O peso e comprimento foram verificados pela equipe habitual de assistência, utilizando técnica padronizada, em balança pediátrica UBB 15/5 com divisão de 5 gramas e régua antropométrica com classificação de acordo com a idade gestacional e sexo através das curvas de nascimento do Projeto INTERGROWTH10. O peso foi considerado adequado para idade gestacional (AIG) ao nascimento quando situado entre o percentil 10 e 90 e pequeno para idade gestacional (PIG) quando menor que percentil 10. Outras variáveis independentes foram: tempo para recuperação do peso de nascimento, tempo de internação hospitalar e na UTIN, uso de corticoide antenatal e pós-natal.

Foram verificadas ainda a presença das seguintes morbidades: hemorragia peri-intraventicular classificada segundo Papile et al. (1978)11, enterocolite necrosante e displasia broncopulmonar (DBP), definidos pelos critérios de Bell et al. (1978)12 e pela dependência de oxigênio por tempo ≥28 dias de vida13, respectivamente. A doença metabólica óssea foi definida pela fosfatase alcalina >800U/I e/ou fósforo <5,5mg/dl, segundo protocolo da instituição (avaliada a partir de 30 dias de vida). As infecções foram consideradas segundo os critérios definidos pela ANVISA em 201714.

Foram registradas as seguintes práticas alimentares: dias de nutrição parenteral e para atingir nutrição enteral plena (≥120ml/kg/d), dieta enteral predominante (leite materno ordenhado cru, leite humano pasteurizado e fórmula infantil) e aporte energético-proteico em kcal/kg/d e g/kg/d, respectivamente, na primeira semana de vida e no período de 7-27 dias. O suporte nutricional da instituição baseia-se no uso preferencialmente do leite materno da própria mãe. Na sua ausência é utilizado o leite pasteurizado do banco de leite humano (BLH) e em último caso é utilizado fórmulas infantis. As práticas nutricionais empregadas na instituição são: nutrição parenteral precoce (nos primeiros dois dias de vida) e otimizada (início com 2g/kg/dia de proteína até o máximo de 3,5g/kg/dia, velocidade de infusão de glicose de 4-6mg/kg/min, com progressão até 10-12mg/kg/min, e oferta de lipídios de 1,5g/kg/dia até o máximo de 3g/kg/dia), nutrição enteral precoce (inicio de nutrição enteral mínima no primeiros 2 dias de vida, de preferência nas primeiras 24 horas, com volume de 10-20ml/kg/dia a cada 3 horas com progressão de volume, na velocidade de 20-35ml/kg/dia, após estabilização hemodinâmica e ausência de sinais de intolerância alimentar até alcançar nutrição enteral plena - 120ml/kg/dia), e uso de aditivos do leite materno (quando nutrição enteral com volume ≥100ml/kg/dia).

O cálculo da oferta calórica e proteica foram realizados diariamente segundo tipo e volume de dieta prescrita e administrada. Quando administrado leite materno da própria mãe considerou-se a quantidade de calorias e proteínas presente em cada 100ml de acordo com a idade pós-natal: 1a semana (60kcal e 2,2g/proteína), 2a semana (71kcal e 1,5g/proteína), 3a e 4a semana (77kcal e 1,4g/proteína), 5a semana (63kcal/1,1g/proteína)15. Na administração de leite pasteurizado do BLH foi considerado 60kcal e 1,3 g/proteína em 100 ml de leite16. Na utilização do aditivo do leite materno, o aporte se deu pela somatória da oferta nutricional do leite materno cru ou pasteurizado e do aditivo, segundo rótulo nutricional. Quando administrado fórmulas infantis foi utilizado a composição encontrada na rotulagem para cálculo do aporte nutricional. Na alta hospitalar foram registrados: idade gestacional corrigida, peso e comprimento e classificação dos parâmetros de crescimento através das curvas de acompanhamento do prematuro do Projeto INTERGROWTH17. Foi considerado RCEU (no momento da alta hospitalar) a presença de peso com escore z <-27,10.

A análise estatística foi realizada no programa SPSS Statistics 22, com avaliação descritiva dos dados (percentuais absolutos e relativos nas variáveis categóricas e medidas de tendência central e dispersão – desvio-padrão – nas quantitativas) e análise inferencial para tentar demonstrar associação entre as variáveis. As variáveis categóricas foram analisadas através do teste de qui-quadrado e para comparação das variáveis quantitativas entre os grupos com e sem RCEU foi utilizado o teste t de Student para amostras independentes e teste de Mann-Whitney para varáveis com e sem distribuição normal, respectivamente. Foi construído um modelo de regressão logística binária para a análise multivariada, incluindo as variáveis com valor de p<0,05 na avaliação bivariada, foi considerado significativo p<0,05 com intervalo de confiança de 95%.

Todas as crianças que participaram do estudo tiveram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) assinados por seus respectivos responsáveis. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética e pesquisa da UFRN, sob o número do certificado de apresentação para apreciação ética (CAAE): 76397417.5.0000.5292.


RESULTADOS

Um total de 147 prematuros com peso ao nascer <1.500 gramas foram admitidos na UTIN no período de outubro de 2017 a setembro de 2018. Foram considerados elegíveis 97 crianças. Duas crianças foram excluídas devido presença de malformações congênitas graves, 3 por não assinatura do TCLE, 4 por serem quadrigêmeos (evento incomum, em que a ordem de nascimento e gemelaridade múltipla poderia interferir com os resultados neonatais e desfecho estudado), 38 foram a óbito e 3 foram transferidas para outras unidades.

As características da população do estudo estão descritas na Tabela 1. Do total de crianças acompanhadas 52,6% eram do sexo masculino, a média da idade gestacional e do peso ao nascimento foi de 29,8±2,18 semanas e 1.185,5 ±214,1 gramas, respectivamente. Quanto ao estado nutricional ao nascimento 22,7% dos pacientes eram pequenos para idade gestacional e 12,4% apresentaram escore z do peso < -2. Já no momento da alta hospitalar 41,2% das crianças foram diagnosticadas com restrição de crescimento extrauterino. Os prematuros incluídos no estudo receberam alta hospitalar com uma mediana de idade gestacional corrigida de 37,2 semanas e peso de 1.997,5 g.




Os pacientes com RCEU tinham menor peso ao nascimento e caíram mais nas curvas de crescimento até a alta (evidenciado pelo escore z), ficaram mais dias em ventilação mecânica (VMC), tiveram maior tempo de internamento hospitalar e na UTIN, e receberam menor aporte calórico na primeira semana de vida. Também tiveram mais morbidades como displasia broncopulmonar e sepse tardia. Os resultados podem ser visualizados nas Tabelas 2 e 3.






Na análise de regressão logística binária (método de entrada das variáveis Enter) usando como desfecho o diagnóstico de RCEU, foram utilizadas as seguintes variáveis: peso de nascimento, cota calórica, escore z do peso de nascimento, displasia broncopulmonar, sepse tardia, tempo de internação em UTIN e uso de VMC. Tempo de internação hospitalar e de uso de ventilação mecânica não foram incluídos devido presença de multicolinearidade. O modelo foi significativo e bem ajustado [X2(9) = p<0,001, R2 Negelkerke = 0,469, teste de Hosmer e Lemeshow = 0,18, a porcentagem correta na tabela de classificação final foi 76,3%]. Das variáveis analisadas apenas o escore z do peso do nascimento (p<0,001; OR=0,18; IC95% = 0,08-0,41) e o uso de ventilação mecânica (p=0,006; OR=11,2; IC95% = 1,97-63,7) permaneceram associados a RCEU, sendo o escore Z do peso como fator de proteção, quanto maior esse escore, menor o risco de RCEU. Os resultados estão apresentados na Tabela 4.




DISCUSSÃO

A restrição de crescimento extrauterino é um problema frequente e significativo entre todos os recém-nascidos de muito baixo peso, atingindo prevalências entre 28 e 97% dessa população18. Em nosso estudo, observamos que 41,2% dos RNMBP evoluíram com RCEU, percentual considerado significativo devido à implicação desse desfecho com piores resultados a curto e longo prazo.

No Rio Grande do Norte, Barreto et al. (2013)19 em um estudo transversal realizado na mesma instituição, avaliou 112 prematuros de muito baixo peso e observou que 89,3% dos prematuros que receberam alta hospitalar apresentavam RCEU. Em nosso estudo, o percentual observado de RCEU foi menor, no entanto, vale salientar que durante a primeira pesquisa o uso de nutrição parenteral e a fortificação de leite materno não era comum, além disso, outra curva era utilizada para acompanhar o crescimento desses prematuros que tem a tendência de classificar mais pacientes com RCEU20.

Uma revisão retrospectiva realizada por Clark et al. (2003)9 através de uma base de dados administrativa com mais de 24.000 bebês prematuros de 124 UTIN administradas pelo Pediatrix Medical Group, Inc. (Flórida, EUA), mostrou que 28%, 34% e 16% dos pacientes apresentaram RCEU para peso, comprimento e perímetro cefálico, respectivamente. Na Nova Zelândia, um estudo prospectivo observacional com 293 crianças dos quais 104 eram prematuras mostrou uma queda no estado nutricional durante a internação hospitalar com a proporção dos bebês prematuros classificados com subnutrição aguda significante aumentando de 14% para 32% da admissão até a alta21.

Há evidências de que a incidência de RCEU aumenta à medida que o peso de nascimento diminui, uma vez que prematuros menores tendem a perder mais peso e a demorar mais para recuperar o peso de nascimento22,23. Em nosso estudo, crianças com menor peso apresentaram maior restrição de crescimento, embora não tenha havido diferenças significativas no tempo para recuperação de peso. Da mesma forma, o menor escore z ao nascimento foi a variável que apresentou maior associação com o desfecho após a regressão logística binária, sendo um resultado bastante comum em estudos de restrição de crescimento ocorrendo em maior ou menor magnitude.

Uma diminuição no escore z, independente da intensidade, a partir do nascimento pode acarretar ou agravar a restrição de crescimento24. No nosso estudo, houve um decréscimo de pelo menos 1 ponto na média da diferença de escore z do nascimento até a alta, sendo maior naquelas que desenvolveram RCEU (1,85 ±1,04). Ávila-Alvarez et al. (2018)24 em seu estudo retrospectivo com RNMBP de uma unidade neonatal encontraram resultados semelhantes. Houve uma diminuição de 1 ponto na média dos escore z de peso e comprimento na alta em todas as 130 crianças que participaram do estudo durante a internação hospitalar. Um estudo multicêntrico conduzido por Rodrigo et al. (2017)25 analisou os padrões de ganho de peso após o nascimento em uma coorte de 4.520 recém-nascidos com idade gestacional ao nascimento <28 semanas e descobriu que esse escore havia diminuído em -1,7.

A nutrição inadequada nessas crianças constitui um fator de risco para o desenvolvimento de RCEU, principalmente nas primeiras semanas de vida, período em que o cérebro ainda está em desenvolvimento, resultando em redução do número de células cerebrais e déficits no comportamento, memória e aprendizado19,22,26. Estudos mostram que a ingestão adequada de energia e proteínas na primeira semana de vida está associada com melhor crescimento e desfecho neurológico19,22,23,26. Assim, recomenda-se iniciar o suporte nutricional o mais precoce possível, combinando a nutrição parenteral e enteral e otimizando os aportes de energia e proteínas5.

Embora não tenha havido diferenças significativas em ambos os grupos, no que se refere à ingestão proteica na primeira semana de vida, o maior consumo de energia por parte das crianças sem RCEU contribuiu para esse desfecho, uma vez que, é necessária uma ingestão adequada de energia para que não haja prejuízo ao metabolismo de aminoácidos e proteínas e, consequentemente, na formação de massa magra26. Um estudo realizado em três UTINs em Toronto, no período de outubro de 2010 a dezembro de 2012, com objetivo de descrever a ingestão de energia e macronutrientes pela nutrição enteral e parenteral em relação com as recomendações mais atuais de nutrição agressiva, mostrou que com o suporte nutricional precoce e otimizado houve maior consumo de energia e nutriente, no entanto, 34% e 71% dos RNMBP não atingiram as recomendações de proteínas e energia, respectivamente26.

Muitas vezes os déficits de crescimento não estão relacionados diretamente com o suporte nutricional. Os RNMBP apresentam morbidades específicas da prematuridade que provocam situações de estresse e inflamação no organismo que aumentam o catabolismo interferindo nos processos anabólicos e no crescimento23,26,27.

Em nosso estudo a necessidade de suporte ventilatório, situação que provoca estresse metabólico, esteve associada à RCEU. Os que apresentaram restrição de crescimento usaram VMC pelo dobro de dias (mediana = 7) do que aqueles que não tiveram déficits de crescimento (mediana = 3), além disso, o uso de VMC foi uma das variáveis que permaneceu associada a RCEU na regressão logística. Em prematuros o uso de suporte ventilatório muitas vezes é acompanhado por inflamação pulmonar e sistêmica devido às altas taxas de concentrações de oxigênio, resultando em estresse metabólico23.

Bose et al. (2013)27 realizaram um estudo com 726 crianças com idade gestacional <28 semanas, a fim de explorar a relação entre ventilação mecânica e inflamação sistêmica. Seus resultados mostram a presença de proteínas inflamatórias na segunda semana de vida, sugerindo que a inflamação sistêmica pode começar logo após o início da ventilação mecânica e tende a aumentar com a exposição prolongada causando danos a outros órgãos27.

O uso de VMC pode levar ao desenvolvimento da displasia broncopulmonar, resultando em uma maior probabilidade de desenvolver desnutrição uma vez que a energia que deveria ser utilizada para o crescimento é desviada para as suas necessidades respiratórias27,28. Essas crianças gastam quantidades altas de energia para manter a sua taxa metabólica, seu padrão respiratório, termorregulação e síntese de novos tecidos. Além disso, é comum que nessas crianças os fluidos sejam restritos e que haja a administração de certas drogas que interfiram no aporte e absorção de nutrientes28,29. Por outro lado, a nutrição pós-natal pode afetar o desenvolvimento pulmonar e a incidência de displasia broncopulmonar, segundo sugerido por Mataloun et al. (2009)30. Nesse estudo os autores demonstraram que, em coelhos prematuros, a redução do número de alvéolos e das fibras de colágeno e elastina foi intensificada quando a má nutrição esteve associada a hiperóxia30.

O uso de certos medicamentos também pode resultar em efeitos adversos no crescimento e metabolismo dos nutrientes, a exemplo, os corticosteroides que promovem o catabolismo, os diuréticos que causam perdas de cálcio, fósforo e sódio importantes para o desenvolvimento muscular e ósseo, e os antibióticos que provocam disbiose intestinal levando a uma má digestão e absorção de nutrientes23. No nosso estudo, a incidência de RCEU também foi maior nos bebês que usaram corticoide pós-natal, embora sem significância estatística. Seria necessário um tamanho amostral maior para confirmar essa associação.

O número pequeno da amostra constitui uma limitação do estudo, dificultando a associação das variáveis analisadas com o desfecho estudado, sendo identificados apenas dois fatores associados na análise multivariada. No entanto, por ser um estudo de coorte prospectivo apresenta características positivas por permitir o acompanhamento ao longo do tempo, resultando em dados mais precisos.

A restrição de crescimento extrauterino ainda é um problema observado em RNMBP, tendo o pior estado nutricional ao nascimento e o uso de ventilação mecânica como principais fatores para seu desenvolvimento. Assim, é necessário melhorar o suporte nutricional pós-natal, fazer a monitorização adequada do crescimento, vigiar fatores clínicos e nutricionais que possam interferir no mesmo, tentar diminuir uso e duração da ventilação mecânica nos prematuros, principalmente naqueles com menor peso e escore z ao nascimento a fim de diminuir as complicações a curto e longo prazo.

Além disso, é de extrema importância que haja uma maior atenção ao pré-natal, através de prevenção, identificação precoce e intervenção adequada em gestantes com risco de parto prematuro e com fetos apresentando restrição de crescimento intrauterino, com objetivo de diminuir nascimento de crianças com maior comprometimento do estado nutricional.


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Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Maternidade Escola Januário Cicco - Natal - Rio Grande do Norte - Brasil

Endereço para correspondência:

Anna Christina do Nascimento Granjeiro Barreto
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Campus Universitário - Lagoa Nova
Natal/RN - Brasil. CEP: 59078-970
E-mail: annachristina.natal@hotmail.com

Data de Submissão: 17/10/2020
Data de Aprovação: 19/12/2020