Ética Médica - Ano 2011 - Volume 1 - Número 1
A sociedade brasileira tem um novo Código de Ética Médica
A sociedade brasileira tem um novo Código de Ética Médica
Foram dois anos de consulta pública, durante os quais 2.677 sugestões de médicos e entidades da sociedade civil foram enviadas e analisadas pelas Comissões Nacional e Estaduais de Revisão do Código de Ética Médica, que organizaram e discutiram cada proposta de mudança. Quarenta e quatro por cento das proposições foram oferecidas pelos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
A metodologia de trabalho envolveu reuniões das Comissões Estaduais, que organizavam por tema as idéias recebidas, discutiam e as remetiam à Comissão Nacional para análise. Para tratar os assuntos com anseios de mudanças encaminhados pelas comissões estaduais, foram realizadas três Conferências Nacionais.
Cada médico e cada entidade médica com registro no país tiveram oportunidade de se pronunciar por mudanças ou por textos inteiramente novos. Cada tema enviado foi exaustivamente discutido nas Conferências Nacionais, com debates nos grupos de trabalho e nas plenárias. Foi um trabalho exaustivo, porém gratificante. Nenhuma ideia ficou de fora, nenhum tema ficou sem discussão, nenhum desgosto restou, creio eu, naqueles que trabalharam pelo CEM, vigente desde 13 de abril de 2010.
Os trâmites legais foram cumpridos, como por exemplo, o vacatio legis, prazo legal que uma lei tem para entrar em vigor, de sua publicação até o início da sua vigência. O prazo estipulado foi de 180 dias, de 13 de setembro de 2009 a 12 de abril de 2010.
Uma das repercussões da vigência do novo CEM se relaciona ao princípio do tempus regit actum, ou seja, o tempo rege o ato, no sentido de que as coisas jurídicas se regem pela lei da época em que ocorreram. A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. Assim será com o novo CEM. Só retroagirá para beneficiar, mesmo nos casos transitados em julgado. O que ocorreu antes da sua vigência, será avaliado sob a visão do CEM antigo. Nestes casos, o novo CEM só será usado para benefício do acusado. Em suma, o que ocorrer a partir do dia 13 de abril de 2010, ou seja, na vigência do novo CEM, sob sua égide será analisado.
A entrada em vigor do CEM atualizado foi amplamente divulgada pelas assessorias de imprensa dos CRM e do CFM. Entretanto, sem surpresa para quem milita pela melhoria da assistência médica no país e pela dignidade da nossa profissão, o enfoque dado pela imprensa não foi pelo prisma da grande mudança, da modernização, da coragem de abordar temas como pesquisa médica em menores, procriação medicamente assistida, publicações científicas, docência, uso de placebo, genoma humano, relações comerciais, auditoria, perícia médica, cuidados paliativos, terapêuticas inúteis ou obstinadas, entre tantos outros temas. Tampouco a pujança que o Código traz em seus 25 princípios fundamentais do exercício da Medicina, 10 normas diceológicas, 118 normas deontológicas e cinco disposições gerais, tornando-o um dos códigos de ética médica mais completos e bem elaborados do mundo.
O aspecto em destaque na imprensa foi, por exemplo, a falta do médico ao plantão, a letra ilegível e suas punições. Como se o Código tivesse sido elaborado somente para punir e não, também, e principalmente, para orientar, normatizar e prevenir denúncias e erros. Grave, é a falta de médicos nas unidades de saúde devido aos salários indignos, condições de trabalho inaceitáveis, falta de concurso público, e não a falta de médicos ao trabalho.
Temos um CEM moderno, elaborado após ampla e democrática discussão. Caberá aos Conselhos Regionais e ao Conselho Federal analisar e julgar os casos omissos ou polêmicos, elaborando pareceres e resoluções, muitas das quais farão parte do próximo CEM que será elaborado, esperamos, não antes dos próximos 20 anos.
Abaixo tentaremos introduzir os conceitos éticos contidos no CEM por meio de casos reais, totalmente modificados para que não possa ser possível a identificação dos envolvidos.
Baseado no CEM, responda:
Caso 1
Adolescente de 17 anos procura seu médico e lhe pede uma receita de anticoncepcional, pois deseja manter relações sexuais com o seu namorado. Ela solicita que o médico não diga nada a seus pais, já que os mesmos jamais aceitariam a sua decisão. Este atende ao seu pedido.
Agiu corretamente o colega ou não?
Comentário: O adolescente tem a prerrogativa de comparecer à consulta médica sem estar acompanhado de seus responsáveis e o médico de atendê-lo, desde que conclua que o paciente tem discernimento suficiente para tal.
É dever do médico, neste caso, atender ao adolescente e manter o sigilo médico, profissional. O sigilo só poderá ser quebrado se o pediatra avaliar que seu paciente não tem capacidade de discernimento ou quando a não revelação possa acarretar dano ao paciente. É o que diz o artigo 74, abaixo. É claro que o pediatra deverá sempre tentar uma solução conjunta, convencendo o adolescente de que o melhor para ele é a participação e ajuda dos seus responsáveis na solução do problema.
Confira a sua resposta
Capítulo IX - Sigilo Profissional - “É vedado ao médico”
Art. 73. Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente.
Parágrafo único. Permanece essa proibição: a) mesmo que o fato seja de conhecimento público ou o paciente tenha falecido; b) quando de seu depoimento como testemunha. Nessa hipótese, o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento; c) na investigação de suspeita de crime, o médico estará impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal.
Art. 74. Revelar sigilo profissional relacionado a paciente menor de idade, inclusive a seus pais ou representantes legais, desde que o menor tenha capacidade de discernimento, salvo quando a não revelação possa acarretar dano ao paciente.
Caso 2
A mãe de um adolescente de 17 anos, cliente do mesmo médico desde os três anos, pede que este faça um atestado com data do dia anterior, dispensando o adolescente das atividades físicas daquele dia, por motivo de doença, para ser apresentado no colégio, pois faltara às atividades escolares para estudar. O último atendimento no consultório havia sido há uma semana.
Qual a conduta adequada nesse caso?
Comentário: Mesmo conhecendo o paciente, não deve o médico atestar ato que não praticou. Inúmeros são os casos de denúncias à Justiça e ao Conselho por este motivo. O médico, com boa fé e na intenção de ajudar seus pacientes e familiares, tem por hábito fazê-lo. Os riscos são grandes, ocorrendo o envolvimento, muitas vezes, em crimes graves.
Confira a sua resposta
Capítulo X - Documentos Médicos - É vedado ao médico.
Art. 80. Expedir documento médico sem ter praticado ato profissional que o justifique, que seja tendencioso ou que não corresponda à verdade.
Pediatra. Pneumologista pediátrico. Prof. Assistente do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Diretor da Sociedade Brasileira de Pediatria.