ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2021 - Volume 11 - Número 3

Raquitismo carencial: estado de alerta

Needless rickets: alertness

RESUMO

OBJETIVOS: O presente estudo se objetiva em destacar o ressurgimento do raquitismo carencial e a importância do tratamento precoce para evitar sequelas incapacitantes.
RELATO DE CASO: Criança com 11 meses de idade cronológica, 9 meses de idade corrigida, nascido de parto cesariano, devido à doença hipertensiva específica da gestação e centralização fetal, prematuro de 30 semanas, peso 1.065 gramas. Recebeu leite materno exclusivo até os seis meses de idade, com bom ganho de ponderal. Evoluiu com desnutrição primária após introdução de alimentação complementar com baixa aceitação da dieta, durante uma consulta pediátrica foi constatado atraso do desenvolvimento secundário ao estado de desnutrição caracterizando raquitismo carencial, diante das curvas de crescimento utilizando os gráficos da Organização Mundial de Saúde (OMS), com peso e comprimento abaixo do Z-score - 3 para a idade. Evidências radiológicas demonstravam desmineralização óssea generalizada, com alargamento das extremidades e metáfises do fêmur distal e tíbia proximal em forma de taça. Foi internado em um hospital do Distrito Federal por sete dias, onde recebeu dieta por sonda nasogástrica e oral, no final da internação evoluiu com retorno do apetite e bom ganho ponderal, mantém seguimento ambulatorial em uso contínuo de vitamina D e A, além de sulfato ferroso. O que se destaca no caso, é a importância de fazer o diagnóstico precoce, além de instituir mecanismos e condutas que contribuam para a adesão ao tratamento.

Palavras-chave: Criança, Raquitismo, Transtornos da Nutrição Infantil.

ABSTRACT

OBJECTIVES: The present study aims to highlight the resurgence of deficient rickets and the importance of early treatment to prevent disabling sequelae.
CASE REPORT: Child aged 11 months, 9 months corrected, born by caesarean section due to specific hypertensive disease of pregnancy and fetal centralization, premature 30 weeks, weight 1,065 grams. He received exclusive breast milk up to six months of age, with good weight gain. Evolves with primary malnutrition after introducing complementary diet with low dietary acceptance, during a pediatric consultation it was found developmental delay secondary to the state of malnutrition characterizing deficient rickets, facing the growth curves using the World Health Organization (WHO) graphs, with weight and length below Z-score - 3 for age. Radiological evidence showed generalized bone demineralization, with widening of the extremities and distal femoral metaphysis and cup-shaped proximal tibia. He was admitted to a hospital in the Federal District for seven days where he received diet by nasogastric tube and oral, at the end of hospitalization evolved with appetite return and good weight gain, maintains outpatient follow-up on continuous use of vitamin D and A, and ferrous sulfate. What stands out here is the importance of early diagnosis, as well as instituting mechanisms and behaviors that contribute to treatment adherence.

Keywords: Child, Rickets, Child Nutrition Disorders.


INTRODUÇÃO

O raquitismo e a osteomalácia são doenças caracterizadas pelo defeito de mineralização do osso. A osteomalácia ocorre por defeito na mineralização da matriz óssea, se apresenta na vida adulta e é uma das causas de baixa densidade mineral óssea; raquitismo é o defeito de mineralização das cartilagens de crescimento na criança e se apresenta com retardo no crescimento e deformidades esqueléticas1.

O retardo da mineralização óssea, característico do raquitismo, deve-se a anomalias dos mecanismos homeostáticos que controlam as concentrações dos íons cálcio e fósforo, nos fluidos extracelulares, indispensáveis para a mineralização. Para manutenção dos níveis normais destes íons, intervêm vários mecanismos homeostáticos, o principal ligado ao metabolismo da vitamina D. Diversas etiologias podem levar ao raquitismo, como distúrbios primários do metabolismo do cálcio e fósforo, doenças hepáticas e renais, deficiência de precursores da vitamina D, sendo este último chamado de raquitismo carencial2.

Com elevada prevalência até há três décadas, o raquitismo carencial permanece um problema de saúde pública nos países desenvolvidos, onde tem ressurgido na última década devido a alterações no estilo de vida e hábitos alimentares3,4.

Os dados epidemiológicos são escassos por essa doença ter sido quase extinta no final do século XX. Apesar da preocupação relativa à persistência e potencial aumento da incidência de raquitismo carencial nos países desenvolvidos, a sua incidência atual é desconhecida5.


RELATO DE CASO

Criança com 11 meses de idade cronológica, 9 meses de idade corrigida, nascido de parto cesariano, devido à doença hipertensiva específica da gestação e centralização fetal, prematuro de 30 semanas, peso 1.065 gramas. Recebeu leite materno exclusivo até os seis meses de idade, com bom ganho de ponderal. Evolui com desnutrição primária após introdução de alimentação complementar com baixa aceitação da dieta, durante uma consulta pediátrica foi constatado atraso do desenvolvimento secundário ao estado de desnutrição caracterizando raquitismo carencial, diante das curvas de crescimento utilizando os gráficos da Organização Mundial de Saúde (OMS) com peso e comprimento abaixo do Z-score - 3 para idade. Evidências radiológicas demonstravam desmineralização óssea generalizada, com alargamento das extremidades e metáfises do fêmur distal e tíbia proximal em forma de taça. Fósforo sérico: 2,2mg/dL (valor de referência (VR): 4-7). Foi internado em um hospital do Distrito Federal por sete dias onde recebeu dieta por sonda nasogástrica e oral, no final da internação evoluiu com retorno do apetite e bom ganho ponderal, mantém seguimento ambulatorial em uso contínuo de vitamina D e A, além de sulfato ferroso.


DISCUSSÃO

A deficiência de vitamina D é uma das principais causas tanto de raquitismo como de osteomalácia. Essa vitamina normalmente é sintetizada na pele humana exposta a raios ultravioleta B (UVB) e é transformada no fígado em 25-hidroxivitamina D, que é a forma mais abundante da vitamina e é medida como seu marcador de suficiência. No rim, sob controle mais estrito, é sintetizada a forma mais ativa dessa vitamina, a 1,25-dihidroxivitamina D. Uma das principais causas de raquitismo é a hipofosfatemia, que pode ocorrer por perda tubular de fosfato secundária ao excesso de hormônio da paratireoide (PTH) ou não. Essa alteração pode ocorrer como parte da síndrome de Fanconi, na qual há defeito tubular proximal, tendo o mieloma múltiplo como causa mais comum em adultos6. Outra causa são as tubulopatias perdedoras de fósforo primárias, que podem ser herdadas ou adquiridas7.

As causas mais comuns de raquitismo hipocalcêmico são a deficiência de vitamina D ou resistência à sua ação, enquanto que o raquitismo hipofosfatêmico é mais comumente causado por perda renal de fosfato. As causas de raquitismo também podem ser divididas em carenciais (que compreendem a exposição solar inadequada ou a ingestão inadequada de vitamina D, cálcio ou fósforo), dependentes de vitamina D (sendo o tipo I secundário a um defeito genético que diminui a hidroxilação renal da vitamina D e o tipo II secundário a um defeito genético no receptor de vitamina D) e resistentes à vitamina D (decorrentes de perda renal de fosfato)1.

As evidências coletadas na história clínica do paciente em questão, além dos dados laboratoriais, elucidam evidências consistentes de que a causa do raquitismo do paciente em questão seja carencial. Não foi possível a dosagem de vitamina D.

O atraso pônderoestatural e as irregularidades ósseas do paciente com raquitismo são decorrentes da hipofosfatemia prolongada, pois é sabido que a manutenção dos níveis de fosfato intra e extracelulares dentro de uma faixa estreita é importante para vários processos biológicos, dentre eles o metabolismo energético, o desenvolvimento esquelético e a integridade óssea. Além disso, a deficiência de fósforo pode comprometer a manutenção dos condrócitos, ocasionando bloqueio da neoformação óssea, resultando em atraso de crescimento e raquitismo8. O que chama atenção no caso e que o diagnóstico foi feito antes que ocorressem alterações radiológicas descritas na literatura na maioria dos casos.

Radiologicamente o raquitismo é caracterizado por epífises e metáfises alargadas, “em taça”, com linhas de mineralização irregulares, sem contornos definidos e atraso na maturação. Nas demais regiões observam-se os sinais de osteomalácia, com osteopenia generalizada, encurvamento dos ossos longos, varismo ou valgismo em membros inferiores, pseudofraturas (zonas de Looser) que são mais frequentes em colo de fêmur, omoplata e púbis, fraturas, deformidades na caixa torácica e coluna vertebral: vértebras bicôncavas, cifoescoliose, lordose acentuada. Flutuações na severidade da doença durante o crescimento, resultam no aparecimento de linhas radiodensas, paralelas à metáfise. Nos casos dependentes de vitamina D, com hiperparatiroidismo secundário, há áreas de reabsorção subperiosteal e cistos9. No caso em questão, a alteração radiológica se caracterizou pela borda em escova, alargamento metafisário, baixa mineralização de núcleo de ossificação secundária em forma de taça em fêmur distal e tíbia proximal (Figura 1).


Figura 1. Borda em escova, alargamento metafisário, em forma de taça em fêmur distal e tíbia proximal.



CONCLUSÃO

Diante das evidências do caso aqui descrito, pode se concluir que, o diagnóstico precoce, é essencial para diminuir a probabilidade de sequelas decorrentes das carências de minerais. A adesão ao tratamento medicamentoso, assim como a instituição de hábitos alimentares saudáveis são de extrema importância na prevenção e tratamento relacionados a esta causa evitável de morbimortalidade.


REFERÊNCIAS

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2. Mascaretti LAS. Raquitismo carencial. In: Issler H, Leone C, Marcondes E, coords. Pediatria na atenção primária. 2ª ed. São Paulo: Sarvier; 2002. p.176-9.

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4. Ward LM, Gaboury I, Ladhani M, Zlotkin S. Vitamin D-deficiency rickets among children in Canada. CMAJ. 2007 Jul;177(2):161-6.

5. Thatcher TD, Fischer PR, Tebben PJ, Singh RJ, Cha SS, Maxson JA, et al. Increasing incidence of nutritional rickets: a population-based study in Olmsted County, Minnesota. Mayo Clin Proc. 2013 Feb;88(2):176-83.

6. Clarke BL, Wynne AG, Wilson DM, Fitzpatrick LA. Osteomalacia associated with adult Fanconi’s syndrome: clinical and diagnostic features. Clin Endocrinol (Oxf). 1995 Oct;43(4):479-90.

7. Menezes FH, Castro LC, Damiani D. Hypophosphatemic rickets and osteomalacia. Arq Bras Endocrinol Metab. 2006 Aug;50(4):802-13.

8. Penido MG, Alon US. Phosphate homeostasis and its role in bone health. Pediatr Nephrol. 2012 Nov;27(11):2039-48.

9. Mechica JB. Raquitismo e osteomalacia. Arq Bras Endocrinol Metab. 1999 Dez;43(6):457-66.










1. Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Medicina - Goiânia - Goiás - Brasil
2. Residência Médica em Pediatria. R2 Hospital Regional da Ceilândia, Medicina - Ceilândia - Distrito Federal - Brasil
3. Universidade Católica de Brasília, Mestre em Gerontologia, Medicina - Brasília - Distrito Federal - Brasil
4. SES - DF Preceptor(a) do Serviço de Residência Médica do Hospital Regional da Ceilândia, Medicina - Ceilândia - Distrito Federal - Brasil

Endereço para correspondência:
Cláudio Nunes da Silva
Pontifícia Universidade Católica de Goiás
Av. Universitária, nº 1440, Setor Universitário
Goiânia, Goiás. Brasil. CEP: 74605-010
E-mail: claudiopalmeiropolis@gmail.com

Data de Submissão: 05/08/2019
Data de Aprovação: 29/08/2019