Relato de Caso
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Ano 2021 -
Volume 11 -
Número
3
Adolescente com síndrome de Edwards: relato de um caso raro
Teenager with Edwards’ syndrome: a rare case report
Igor Soares Trindade; Marise Vilas Boas Pescador
RESUMO
A síndrome de Edwards é uma doença genética grave (trissomia do cromossoma 18) e que possui um prognóstico bastante reservado, resultando em morte prematura do portador. Esse estudo teve como objetivo relatar um caso de sobrevida de uma paciente com a referida síndrome, atualmente com 12 anos de idade, com diagnóstico nos primeiros meses de vida, sua evolução clínica e os tratamentos realizados pela mesma. O tratamento multidisciplinar realizado pela adolescente desde os primeiros meses de vida reforça a importância dessa abordagem para melhora na qualidade de vida dos portadores dessa síndrome.
Palavras-chave:
Síndrome de Edwards, Prognóstico, Qualidade de Vida.
ABSTRACT
Edwards’ syndrome is a severe genetic disease (chromosome 18 trisomy) that has a very restrict prognosis, resulting in premature death of the carrier. This study aims to report a case of survival of 12 years old girl diagnosed in the first months of life, her clinical evolution and the treatments performed by it. The multidisciplinary treatment performed by the adolescent since the first months of life shows the importance of this approach to improve the quality of life of patients with this syndrome.
Keywords:
Edwards’ Syndrome, Prognosis, Quality of Life.
INTRODUÇÃO
A síndrome de Edwards (SE) é uma trissomia autossômica do cromossoma 18, apresentando um quadro clínico amplo, com acometimento de múltiplos órgãos e sistemas, sendo a segunda trissomia autossômica mais frequentemente observada ao nascimento, ficando atrás apenas da síndrome de Down. Sua prevalência estimada é de 1 caso para cada 3.600 a 8.500 nascidos vivos, tendo como característica o cariótipo 47, XX, +18 ou 47, XY, +181.
O sexo feminino é mais afetado que o sexo masculino, na proporção de 4 meninas para cada menino que nasce com a doença. Sua incidência em gestações que não evoluem até o termo é alta, porém 95% delas progridem para abortos, ocorrendo na maioria das vezes, de maneira espontânea2.
A hipótese de diagnóstico da SE pode ser feita pela ultrassonografia fetal e através de níveis bioquímicos (dosagens diminuídas de gonadotrofina coriônica humana - HCG), porém a confirmação diagnóstica se dá pela análise dos cromossomos fetais através de métodos como amniocentese e punção das vilosidades coriônicas3.
As manifestações clínicas da síndrome são diversas com descrição na literatura de mais de 130 diferentes anomalias podendo envolver praticamente todos os órgãos e sistemas, as características fenotípicas mais comumente presentes são: deficiência mental grave com retardo no desenvolvimento neuropsicomotor; anormalidades de crescimento, crânio e face, tórax e abdome, extremidades, órgãos genitais, além de malformações em órgãos externos4-6.
Em torno de 90% dos indivíduos que possuem a trissomia acabam falecendo no primeiro ano de vida, com algumas exceções para crianças de origem não caucasoide, que acabam tendo uma expectativa de vida um pouco maior7, 30% dos acometidos pela síndrome falecem nos primeiros 30 dias de vida8.
OBJETIVOS
Relatar um caso de sobrevida de uma paciente com SE, analisando sua evolução clínica e os tratamentos realizados pela mesma.
RELATO DE CASO
KVSC, sexo feminino, 12 anos, natural de Capitão Leônidas Marques, apresentou nascimento pretermo limítrofe (37 semanas) por parto cesáreo, com 2,310g de peso (pequeno para idade gestacional - PIG), 42cm de comprimento e perímetro cefálico medindo 32,5 (25º percentil). O Apgar foi 3 no primeiro minuto e 7 no quinto minuto, necessitando de estimulação tátil e oxigênio inalatório na sala de parto. A mãe fez pré-natal sem intercorrências durante esse período.
No período neonatal apresentou complicações respiratórias e cardíacas com diagnóstico de comunicação interventricular, necessitou de cuidados em unidade de terapia intensiva (UTI) sendo suspeitado de síndrome de Edwards pelas manifestações clínicas apresentadas, como: choro débil, dificuldade de sucção e alguns outros sinais característicos da síndrome, como mãos cerradas, hipoplasia de unhas, pescoço curto; hipertonia e com uma fácies característica (microcefalia, microrretrognatia, além de um palato alto e arqueado), sendo encaminhada para um hospital de maior complexidade. Permaneceu 4 meses internada na UTI pediátrica, sendo confirmado o diagnóstico de SE através da realização do cariótipo com aproximadamente 30 dias de vida. A menor apresentou dificuldade no desmame ventilatório e na deglutição, apresentando também crises de apneia e um episódio de pneumonia aspirativa durante o período de internação, recebendo alta para o domicílio com traqueostomia e gastrostomia.
Após a alta hospitalar, permaneceu em tratamento e acompanhamento médico em um centro universitário na cidade de Cascavel (Paraná), dos 4 aos 10 meses de vida, quando retornou à cidade de origem com 5,950kg de peso corporal, sendo iniciado acompanhamento na APAE com a equipe multidisciplinar, com tratamento estimulatório através de fisioterapia motora e respiratória, fonoterapia e terapia ocupacional.
A criança realiza acompanhamento com cardiologista desde o nascimento, sem nenhuma intercorrência de maior complexidade. Apresenta B3 à ausculta, uma CIV com mecanismo de fechamento de 0,7mm e um ECG em ritmo sinusal, sem sobrecarga, considerado normal para idade. Durante todo esse período de consultas e acompanhamento na APAE, apresentou algumas internações na cidade de origem, devido a quadros de baixa gravidade, como bronquite, pneumonia e gastroenterite, sem maiores complicações.
Em fevereiro de 2017, foi realizada uma cirurgia ortopédica devido a um encurtamento de tendão aquileu, transcorrendo sem complicações.
Atualmente, a menor está iniciando a puberdade, com estadiamento puberal com base nos critérios de Tanner com pilificação grau 1 e desenvolvimento de mamas grau 1 à esquerda e 2 à direita. Está com 23,6 kg de peso corporal, estatura aproximada de 128cm (houve dificuldade técnica na aferição devido à hipertonia de membros inferiores). Além do acompanhamento médico, a criança faz fonoterapia uma vez por semana e terapia ocupacional, onde são praticados estímulos para habilidade cognitiva, treino proprioceptivo, intenção comunicativa e interação com o meio, bem como fisioterapia com realização de exercícios de integração sensorial 2 vezes por semana, apresentando boa resposta a essas atividades, conseguindo realizar postura sentada sem apoio e rastejar sentada por todo ambiente.
DISCUSSÃO
A síndrome de Edwards é uma doença genética grave que apresenta inúmeros sistemas acometidos. Manifestações com baixo peso ao nascer, choro fraco, sucção débil, palato alto, micrognatia e mamilos pequenos são algumas das peculiaridades presentes em recém-nascidos que apresentam a doença8-10. No presente estudo, a paciente apresentava a maioria dessas características que somada às fácies sindrômicas da criança possibilitaram que a hipótese de SE fosse levantada, sendo esse diagnóstico confirmado nos primeiros 30 dias de vida (Figura 1).
Figura 1. Nota-se joelho em valgo, pés voltados para dentro (in-toeing) e fácies características da síndrome.
Devido ao prognóstico reservado da síndrome, a confirmação diagnóstica precoce é importante não só para o adequado manejo clínico destes indivíduos, como também para o correto aconselhamento genético a ser ministrado à família. A suspeita diagnóstica SE no período pré-natal pode ser levantada pela ultrassonografia fetal (incluindo a realização da medida da translucência nucal) pelas dosagens bioquímicas (como níveis reduzidos de gonadotrofina coriônica humana, alfa-fetoproteína e estriol não conjugado no soro materno durante o primeiro e o segundo trimestre de gravidez), e confirmada pela análise cromossômica fetal por meio de procedimentos como a punção das vilosidades coriônicas e a amniocentese3. No Brasil, a identificação dos pacientes com trissomia do cromossomo 18 durante o pré-natal é importante, especialmente para planejar o nascimento, uma vez que a interrupção da gravidez não é permitida por lei11.
A sobrevida dos indivíduos acometidos é baixa, a maioria dos fetos portadores da síndrome não chega ao termo, evoluindo para óbito ainda no período fetal. Dos recém-nascidos afetados, 90% irão ao óbito até os 6 meses de vida14. A criança relatada neste estudo apresentava uma idade muito acima da considerada como limite de expectativa de vida para os indivíduos acometidos pela síndrome.
Raramente os portadores de SE alcançam a fase da adolescência, principalmente devido à seriedade das malformações cardiorrespiratórias que acontecem esses indivíduos12. Crianças com mais de 30 dias de vida frequentemente morrem em decorrência de problemas cardíacos13. No presente caso, a criança já apresenta 12 anos de idade, está em fase inicial de desenvolvimento puberal, sendo considerada assim uma adolescente e, diferente do estudo relatado por Torres et al. (2005)12, não apresenta nenhuma alteração cardíaca significativa além da presença de B3 à ausculta e uma CIV perimembranosa de via de saída mínima, sem a presença de complicações respiratórias mais graves.
Devido aos poucos casos relatados na literatura com uma expectativa de vida prolongada, quando se considera o tratamento para os portadores da síndrome, não existe ainda protocolos que deixem claro seu benefício. A menor citada nesse estudo, apresenta atendimentos voltados para a melhoria de seus déficits motores e cognitivos, interação com o meio e também o fortalecimento de sua motricidade oral, sendo acompanhada por fisioterapeuta e fonoaudiólogo, apresentando uma melhora em seu desenvolvimento quando comparado com o período anterior ao tratamento mais intensivo. Sendo assim, considera-se que o tratamento multidisciplinar poderia auxiliar os portadores da SE a apresentar uma melhora na sua qualidade de vida.
REFERÊNCIAS
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Endereço para correspondência:
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E-mail: iigortrindade@hotmail.com
Data de Submissão: 08/11/2019
Data de Aprovação: 21/01/2020