ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2021 - Volume 11 - Número 3

Relato de caso: derrame pericárdico com “swimming heart” após cateterismo venoso umbilical

Case Report: Pericardial effusion with “Swimming Heart” after umbilical venous catheterization

RESUMO

Cateterismo umbilical venoso (CUV) em recém-nascidos (RN) é um acesso vascular utilizado com frequência. Devido à sua característica invasiva, complicações podem ocorrer, tal como o tamponamento cardíaco. O objetivo deste artigo é relatar um caso de derrame pericárdico com “swimming heart” decorrente de um CUV em RN e propor abordagens preventivas, a fim de se evitar complicações relacionadas ao CUV.

Palavras-chave: Cateterismo, Derrame Pericárdico, Recém-Nascido, Tamponamento Cardíaco.

ABSTRACT

Umbilical vein catheterization (UVC) in newborns (NB) is frequently used as a vascular access. Due to its invasive characteristics, complications may occur, such as cardiac tamponade. The aim of this article is to report a case of pericardial effusion with “swimming heart” resulting from a newborn UVC and to propose preventive approaches to avoid UVC-related complications.

Keywords: Catheterization, Pericardial Effusion, Infant, Newborn, Cardiac Tamponade.


INTRODUÇÃO

O cateterismo umbilical venoso (CUV) é muito utilizado nas unidades de neonatologia1, já que é a via intravenosa mais acessível para a administração de medicamentos no recém-nascido nos primeiros dias de vida. Pode ser realizado de maneira rápida e segura2. O procedimento pode ser indicado para exsanguinotransfusões, monitoramento da pressão venosa central e administração de líquidos, medicamentos e nutrição parenteral2-4. Por ser um procedimento invasivo, o CUV pode desencadear complicações graves, dentre elas o tamponamento cardíaco.

O tamponamento cardíaco como complicação do CUV em RN é raro, porém grave1 e apresenta elevada mortalidade5. A rápida deterioração cardiovascular ou respiratória do RN com CUV pode indicar a presença de tamponamento6. O ecocardiograma confirma o diagnóstico e auxilia na realização da pericardiocentese de emergência, única medida efetiva para evitar o óbito5. O diagnóstico e o tratamento devem ser feitos de forma rápida, a fim de diminuir o risco de mortalidade.


RELATO DE CASO

RN do sexo feminino, IG: 31 semanas, mãe com pré-natal regular, idade de 40 anos, G3P2A0, presença de diabetes gestacional sem tratamento, sorologias e ultrassons gestacionais normais. Evoluiu com parto normal por trabalho de parto prematuro, Apgar 6/7, peso ao nascimento: 1,740g, reanimação neonatal com ventilação com pressão positiva e intubação traqueal. Foi realizado cateterismo umbilical venoso após o nascimento. Apresentou diagnóstico de síndrome do desconforto respiratório com necessidade de uma dose de surfactante no primeiro dia de vida. Extubação eletiva no segundo dia de vida e foi colocado em CPAP com boa tolerância.

No oitavo dia de vida evoluiu com piora do desconforto respiratório com taquipneia e taquicardia, mantendo-se estável hemodinamicamente com tolerância do CPAP apesar da piora clínica. Realizou-se RX de tórax que evidenciou pulmões sem alterações, CUV em T11 e área cardíaca aumentada em relação ao exame anterior. Ecocardiograma transtorácico com a evidência de derrame pericárdico importante, anterior e posterior, com tamponamento cardíaco, imagem sugestiva de “swimming heart”. Foi realizada pela cirurgia cardíaca, drenagem pericárdica guiada por ultrassom, com saída de 15ml de líquido leitoso sugestivo de nutrição parenteral. Evoluiu após o procedimento com hipotensão com melhora rápida após expansão volêmica. Retirou-se o cateter umbilical. E foi suspenso CPAP 24 horas após o procedimento.

Paciente apresentou boa evolução clínica após o procedimento, sendo mantido em ar ambiente. Sem novas intercorrências durante internação, com alta hospitalar com 28 dias de vida.


DISCUSSÃO

Como cada vez mais bebês prematuros extremos e de muito baixo peso são reanimados em sala de parto, e sobrevivem, o cateterismo umbilical venoso está sendo usado mais frequentemente em terapia intensiva neonatal7. O procedimento deve ser feito cuidadosamente, seguindo rigorosamente à técnica de inserção do cateter. A definição do comprimento do cateter a ser inserido é fundamental para um posicionamento adequado da ponta do cateter. Entretanto, uma variedade de cálculos para definição do comprimento existe e pode ser baseado no comprimento ou peso do paciente e na distância ombro-umbigo. Essas equações permanecem inexatas8. Idealmente, a ponta do cateter umbilical deve ficar localizada na junção da veia cava inferior com o átrio direito1,3,9-11 ou na porção torácica da veia cava inferior acima do diafragma9,11.

A posição da ponta do cateter deve ser identificada com radiografia de tórax e de abdome3,4. Radiologicamente, a ponta do cateter deve permanecer fora da silhueta cardíaca, mas ainda dentro da veia cava (aproximadamente 1cm fora da silhueta cardíaca em bebês prematuros e 2cm em bebês a termo)6. A infusão de soluções hipertônicas só está liberada para uso após identificação da ponta do cateter. A radiografia deve ser rotineiramente repetida, para que se identifique um deslocamento da ponta do cateter6,9,11, pois o cateter pode se mover mesmo depois de corretamente posicionado. Se a ponta estiver dentro do átrio, deve ser retirada imediatamente11.

Apesar da radiografia simples de tórax realizada no leito ser o método mais utilizado para certificar a localização do cateter umbilical em todo o mundo, vários estudos têm demonstrado um posicionamento incorreto em pacientes que apresentavam localização ideal no primeiro exame radiológico1. Observou-se que, ao realizar ecocardiograma, principalmente em prematuros, um número significativo de cateteres estavam situados dentro do lado esquerdo ou direito do átrio, apesar de aparentarem estar na posição ideal na análise radiográfica9. A utilização rotineira da ultrassonografia à beira do leito seria o procedimento mais adequado, pois apresenta vantagens sobre a radiografia de tórax, uma vez que não utiliza radiação ionizante, possui maior portabilidade de equipamento, obtém uma imagem em tempo real e pode ser executado pelo próprio médico à beira do leito, dispensando a necessidade de um técnico para operar o equipamento9,12.

O correto posicionamento do cateter pode ser difícil, especialmente para a equipe médica inexperiente, e as taxas de sucesso só melhoram à medida que se ganha experiência10. A taxa de posicionamento correto não chega a 25% e essa porcentagem não tende a melhorar com treinamento específico da equipe para realização do CUV10.

A maioria das complicações do CUV está relacionada ao mau posicionamento ou deslocamento do cateter, sendo a prematuridade um fator de risco adicional13. Dentre as principais complicações, uma delas é o derrame pericárdico1,3,4,9.

Em neonatos, o risco de tamponamento cardíaco associado ao uso de CUV é de 3%16. Beardsall et al. (2003)15 analisaram cerca de 46.000 linhas centrais e encontraram derrame pericárdico e/ou tamponamento cardíaco em 1,8/1.000 linhas venosas instaladas e morte em decorrência desta complicação em 0.7/1.000, sendo que em 24% dos casos o diagnóstico somente ocorreu após o óbito do recém-nascido. A mortalidade do tamponamento cardíaco associado ao CUV foi estimada em 45% a 67%, o que é secundário à falta de sinais de alerta com descompensação súbita6. A elevada mortalidade está associada ao retardo do diagnóstico, sendo 75% quando não realizada a pericardiocentese5.

O tamponamento cardíaco devido ao CUV é uma complicação que todo neonatologista deve saber diagnosticar rapidamente, devido à sua alta mortalidade na ausência de tratamento. A hipótese de tamponamento deve ser considerada para qualquer recém-nascido com CUV que apresenta deterioração clínica repentina, apresentando sinais inespecíficos, como bradicardia, hipotensão, cianose, dispneia, queda de saturação ou parada cardiorrespiratória, necessitando ou não de CPAP, intubação e RCP1,5.

O tamponamento cardíaco ocorre quando há acumulo anormal de líquido na cavidade pericárdica, com volume grande o suficiente para impedir a preenchido do coração na diástole (em crianças >1ml/kg)14. O tamponamento ocorre geralmente no terceiro ou quarto dia após o CUV perfurar o átrio7. A fisiopatologia do derrame pericárdico em RN com acesso venoso central é incerta1,6. Esta pode ocorrer por lesão direta da ponta do cateter no momento da sua instalação, por migração do cateter, por necrose da parede causada por infusão de solução hiperosmolar, por um mecanismo inflamatório local levando à transudação para o espaço pericárdico ou por aderência da extremidade do cateter ao miocárdio, com formação e deslocamento do trombo1,5,6,15.

Idealmente, a presença de derrame pericárdico deve ser confirmada com ecocardiograma e, havendo sinais de restrição de enchimento de cavidades, a pericardiocentese deve ser logo realizada1. A radiografia pode não mostrar o aumento na silhueta cardíaca, assim o ecocardiograma confirma o diagnóstico e auxilia na pericardiocentese de emergência, única medida efetiva para evitar o óbito5. A pericardiocentese foi associada à redução significativa da mortalidade6, entretanto a maioria dos hospitais brasileiros não possui equipe de cirurgia cardíaca infantil ou cirurgia torácica com treinamento operatório em crianças, tornando o tratamento do tamponamento pericárdico em recém-nascidos um desafio para a equipe médica assistente12. Embora a equipe de cirurgia pediátrica esteja habilitada, sem dúvidas, a realizar o procedimento, não faz parte de sua rotina a abordagem das complicações relacionadas à pericardiocentese, como necessidade de toracotomia, pericardiotomia e rafia cardíaca12.


CONCLUSÃO

O posicionamento correto do cateter venoso umbilical deve ser sempre confirmado, a fim de aumentar a segurança do procedimento e diminuir complicações com aumento de morbidade e mortalidade.


REFERÊNCIAS

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1. Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Vitória, Neonatologia - Vitória - Espírito Santo - Brasil
2. Vila Velha Hospital, UTIN - Vila Velha - Espírito Santo - Brasil

Endereço para correspondência:
Sara dos Santos Jorge
Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Vitória
R. Dr. João dos Santos Neves, 143 - Vila Rubim
Vitória/ES, 29025-023
E-mail: sarasj10@gmail.com

Data de Submissão: 13/01/2020
Data de Aprovação: 06/02/2020