Artigo Original
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Ano 2022 -
Volume 12 -
Número
1
Perfil dos pacientes pediátricos portadores de doença falciforme internados no Hospital da Criança das Obras Sociais Irmã Dulce em Salvador (BA)
Profile of pediatric patients with sickle cell disease admitted to Children’s Hospital of the Irma Dulce Social Works in Salvador (BA)
Ariadne Carvalho Godinho; Ivana Paula Ribeiro Leite
RESUMO
OBJETIVOS: Traçar o perfil dos pacientes com doença falciforme (DF) internados no Hospital da Criança das Obras Sociais Irmã Dulce (HC-OSID) em Salvador/BA.
MÉTODOS: Consiste em um estudo descritivo por meio da análise dos dados de internamentos registrados no livro da Residência Médica em Hematologia Pediátrica e no Sistema de Informação Hospitalar do HC-OSID, no período de março de 2018 a março de 2019.
RESULTADOS: A principal causa de internamento é por crise vaso oclusiva (59,5%) e a faixa etária mais afetada é de 1 a 5 anos (30%). Pacientes oriundos da capital baiana somam 65%. O tempo médio de internamento é de seis dias. A maioria dos pacientes ainda não usa hidroxiureia e 6% não fazem acompanhamento ambulatorial regular.
CONCLUSÕES: Conhecer o perfil dos pacientes com DF atendidos no HC-OSID pode servir como base para a melhoria dos cuidados específicos que esse público necessita e para a elaboração de medidas de detecção precoce da doença e de implementação de centros de referência no interior do estado.
Palavras-chave:
Epidemiologia, Anemia Falciforme, Hematologia, Pediatria
ABSTRACT
OBJECTIVES: To describe the profile of patients with sickle cell disease admitted to the Childrens Hospital of the Irma Dulce Social Works in Salvador city, Brazil.
METHODS: Descriptive study through the analysis of hospitalization data registered in the book of Medical Residence in Pediatric Hematology and in the Hospital Information System, from March 2018 to March 2019.
RESULTS: The main one cause of hospitalization is due to occlusive vessel crisis (59.5%) and the age group most affected is from 01 to 05 years (30%). Patients from Salvador city, capital of Bahia state, account for 65%. The average hospital stay is six days. Most patients still do not use hydroxyurea and 6% do not undergo regular outpatient follow-up.
CONCLUSIONS: Knowing the profile of patients with sickle cell disease can serve as a basis for improving the specific care that this public needs and for the development of actions for the early detection of the disease and the implementation of reference centers in the interior of the state of Bahia.
Keywords:
Epidemiology, Anemia, Sickle Cell, Hematology, Pediatrics.
INTRODUÇÃO
A doença falciforme (DF) é uma das enfermidades mais comuns no mundo. Trata-se de um conjunto de patologias hematológicas crônicas e hereditárias que tem em comum a presença da hemoglobina S (HbS) nas hemácias. A HbS, quando desoxigenada e em alta concentração, apresenta uma mudança em sua conformação e assume a forma de foice, gerando o fenômeno vaso oclusivo, que causa dor aguda e crônica, principal característica clínica da DF e principal motivo de internamento1.
O gene da hemoglobina S é de alta frequência no Brasil, sendo mais comum nas regiões Sudeste e Nordeste. Estima-se que três mil crianças por ano nascem com essa doença no país2, com tendência a atingir parcela cada vez mais significativa da população devido ao alto grau de miscigenação3. Por esse motivo, a doença falciforme pode ser considerada um problema de saúde pública no país.
Trata-se de uma enfermidade hereditária de curso crônico, que causa um grande impacto em toda família e, por isso, todos os aspectos que a envolvem precisam ser bem conhecidos pelos serviços de saúde4. Uma doença crônica é fonte de estressores permanente, podendo gerar dificuldades no relacionamento familiar, na interação com colegas, no rendimento acadêmico e no desenvolvimento de uma autoimagem positiva5.
O presente estudo tem o objetivo principal de traçar o perfil das internações de pacientes com DF no Hospital da Criança das Obras Sociais Irmã Dulce (HC-OSID) em Salvador/BA, para que os resultados possam servir como base para a melhoria dos cuidados específicos que esse público necessita e para a elaboração de medidas de detecção precoce da doença e de implementação de centros de referência no interior do estado.
MÉTODOS
O estudo é descritivo e foi realizado por meio da análise dos dados de internamentos de pacientes com DF registrados no livro de anotações da Residência Médica em Hematologia Pediátrica e no Sistema de Informação de Prontuários do HC-OSID. O recorte temporal foi de março de 2018 a março de 2019, não havendo separação quanto aos genótipos específicos das hemoglobinopatias. As informações priorizadas foram sexo, faixa etária, motivo e tempo de internamento, acompanhamento ambulatorial, local de residência dos pacientes, utilização de hidroxiureia.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O total de internamentos no período estudado foi de 90, sendo 52% de pacientes do sexo feminino. A faixa etária de maior frequência foi entre 1 e 5 anos (30%), seguida pela faixa de 5 a 10 anos (28%), conforme Figura 1. Resultado semelhante quanto à faixa etária das internações pediátricas por DF foi encontrado em um estudo6 realizado no Espírito Santo, em 2016. Dos pacientes pesquisados, 17% apresentaram média de três reinternações no período de um ano. O período médio de internamento foi de seis dias, com permanência mínima de três e máxima de 16 dias.
Figura 1. Porcentagem dos pacientes por faixa etária.
As causas de internações foram crise vaso oclusiva (59,5%), síndrome torácica aguda (19,5%), febre sem foco definido (11%), sequestro esplênico (8%) e pós-operatório de colecistectomia (2%). As crises álgicas ocasionadas pela obstrução da microcirculação corpórea são um dos principais sintomas da doença falciforme, sendo responsável pela maioria das internações e atendimentos emergenciais7. Dentre o grupo estudado, apenas 18% faziam uso da medicação hidroxiureia na dose média de 18.6mg/kg. Em outro estudo, realizado também na cidade de Salvador, contatou-se que apenas 31% dos pacientes com DF faziam uso deste medicamento8. A hidroxiureia é um medicamento próprio para DF, que tem como uma das formas de ação o aumento da hemoglobina fetal e, consequentemente, diminuição dos eventos agudos da doença. Dessa forma, é desejável que esse medicamento seja prescrito para um maior número de portadores de DF. Contudo, para que isso ocorra, é necessário o acompanhamento regular do paciente com um hematologista.
A única opção curativa para a DF até o momento é o transplante de células-tronco hematopoéticas aparentado, indicado a crianças que tenham doador compatível na família1 e que apresentam casos graves como, por exemplo, ocorrência de acidente vascular cerebral. Entretanto, o crizanlizumabe, uma medicação que atua na subrregulação da P-selectina em células endoteliais e plaquetas, pode contribuir para as interações célula-célula que estão envolvidas na patogênese da vaso-oclusão9, prometendo minimizar crises de dor falciforme e, assim, melhorar a qualidade de vida dos pacientes com DF. No entanto, não se verificou no estudo nenhum paciente que faz uso desse medicamento.
Em relação ao acompanhamento de pacientes com DF, 23% fazem no HEMOBA, como se observa na Figura 2. O que chama atenção é que 6% dos pacientes não fazem acompanhamento regular, muito provavelmente pela distância do seu município domiciliar da capital baiana, haja vista que poucas cidades do interior do estado possuem assistência especializada em hematologia pediátrica.
Figura 2. Unidades de Saúde onde os pacientes fazem acompanhamento ambulatorial.
Do grupo estudado, 65% são oriundos de Salvador, conforme ilustrado na Figura 3. Mesmo sendo minoria, pacientes do interior do estado somam uma quantidade significativa e, por isso, acaba gerando o debate sobre a descentralização do atendimento especializado em hematologia pediátrica. Neste contexto, o atendimento especializado em DF deve ser ofertado também em outras regiões do estado, visando uma melhor assistência aos pacientes, tendo em vista os transtornos (logísticos e financeiros, dentre outros) das famílias em viajar grandes distâncias para receber o atendimento adequado.
Figura 3. Regiões da Bahia de onde os pacientes eram oriundos.
As políticas públicas em saúde precisam caminhar para uma assistência universal que inclui, dentre outras coisas, uma maior adesão ao tratamento. As demandas assistenciais referentes às marcações de consultas especializadas, realização de exames de alto custo, internações hospitalares e cirurgias eletivas ainda não estão estruturadas/reguladas na rede de atenção à saúde, o que afeta significativamente a atenção integral a esses pacientes4.
A abordagem adequada ao paciente com doença falciforme depende da atuação de equipe multiprofissional, da participação da família e da comunidade, visando sempre a integralidade das ações de saúde para uma assistência qualificada5. Assim, fica clara a necessidade do paciente com DF ser atendido por uma equipe de profissionais especializados na cidade ou região em que reside, até mesmo para uma assistência mais adequada.
CONCLUSÃO
O perfil de pacientes pediátricos internados por doença falciforme apresentado neste estudo tem potencial de auxiliar na elaboração de medidas de atenção à saúde para os portadores da doença. A principal causa de internamento é por crise vaso oclusiva, sendo que poucos pacientes fazem uso de hidroxiureia, um medicamento próprio que diminui os eventos agudos da DF. Há um número significativo de pacientes oriundos do interior da Bahia. Logo, o acompanhamento regular deles com hematologistas pediátricos na cidade ou região onde residem deve ser priorizado, visando um atendimento mais adequado e integrado. Para isso, é fundamental a implementação de centros de referência também no interior do estado para o diagnóstico precoce, a redução da morbidade, das internações e dos custos associados ao acompanhamento clínico e, principalmente, a melhoria na sobrevida e na qualidade de vida das crianças com DF, em especial as menores de cinco anos.
REFERÊNCIAS
1. Zago MA, Falcão RP, Pasquini R. Tratado de hematologia. São Paulo: Editora Atheneu; 2013.
2. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada. Doença falciforme: condutas básicas para o tratamento. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2013.
3. Soares LF, Lima EM, Silva JA, Fernandes SS, Silva KMC, Lins SP, et al. Prevalência de hemoglobinas variantes em comunidades quilombolas no estado do Piauí, Brasil. Ciênc Saúde Colet. 2017 Nov;22(11):3773-80.
4. Vasconcelos DMVP. Assistência prestada a crianças com doença falciforme na rede de atenção à saúde de Belo Horizonte, com ênfase nos eventos clínicos e na adesão aos protocolos assistenciais [dissertação]. Belo Horizonte (MG): Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); 2015.
5. Santos ARR, Miyazaki MCO. Grupo de sala de espera em ambulatório de doença falciforme. Rev Bras Ter Comport Cogn. 1999;1(1):41-8.
6. Sabino MF, Gradella DBT. Perfil epidemiológico de pacientes internados por doença falciforme no estado do Espírito Santo, Brasil (2001-2010). Rev Bras Pesq Saúde. 2016 Abr/Jun;18(2):35-41.
7. Miranda FP, Brito MB. Assistência multidisciplinar ao paciente com anemia falciforme na internação de crises álgicas. Rev Enferm Contemp. 2016;5(1):143-50.
8. Neta MBSLF, Cendon CMCC. Perfil de crianças falcêmicas internadas em crise. Resid Pediatr. 2019;9(3):1-6. DOI: https://doi.org/10.25060/residpediatr-2019.v9n3-06
9. Zambon LS. Crizanlizumabe para prevenção de crise falciforme. MedicinaNET [Internet]. 2017; [acesso em 2019 Set 16]. Disponível em:
https://www.medicinanet.com.br/conteudos/artigos/7133/.htm
Secretaria de Saúde do Estado da Bahia, Residência Médica em Hematologia e Hemoterapia Pediátrica - Salvador - Bahia - Brasil
Endereço para correspondência:
Ariadne Carvalho Godinho
Secretaria de Saúde do Estado da Bahia
4ª Avenida Centro Administrativo da Bahia, 400, Centro Administrativo da Bahia, Salvador, BA, Brasil
CEP: 40301-110
E-mail: ariadnegodinho@gmail.com
Data de Submissão: 16/12/2019
Data de Aprovação: 29/02/2020