Artigo Original
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Ano 2022 -
Volume 12 -
Número
1
Psicologia hospitalar: estratégias de enfrentamento utilizadas pelos familiares de crianças em cuidados paliativos em um hospital oncológico de referência na cidade de Manaus
Hospital psychology: coping strategies used by family members of children in palliative care at a referral cancer hospital in the city of Manaus
Ágata Gomes Silva; Jaida Souza Costa; Lúcia Araújo Silva
RESUMO
De acordo com o INCA (Instituto Nacional de Câncer), o câncer infantil é considerado raro em comparação com o câncer que acomete adultos, porém é uma das maiores causas de morte em crianças. A presente pesquisa pretendeu descrever as reações psicológicas dos familiares de crianças com câncer frente à terminalidade; identificar as estratégias de enfrentamento dos familiares de crianças em cuidados paliativos; discutir as estratégias de enfrentamento utilizadas pelos familiares de crianças em cuidados paliativos para lidar com a terminalidade da criança; relatar como o psicólogo atua com a família da criança. A presente pesquisa conta com a metodologia de uma pesquisa de campo onde foram realizadas duas entrevistas semiestruturadas, uma com os familiares das crianças em tratamento paliativo na instituição e outra com o psicólogo que atuou na enfermaria oncológica pediátrica. Para coleta de dados e análise da pesquisa, utilizou-se a análise de conteúdo. Mediante a coleta foi possível identificar as reações dos familiares diante a fase de cuidados paliativos, bem como as estratégias de enfrentamento utilizadas por eles e a sua eficácia, assim como foi discorrido a respeito da atuação do psicólogo na equipe de cuidados paliativos. Os resultados deram suporte para a compreensão das estratégias de enfrentamento, buscando também com este estudo contribuir para a melhoria nas relações entre criança-família-equipe de saúde, mediante a compreensão de suas reações peculiares e estratégias de enfrentamento utilizadas neste contexto.
Palavras-chave:
cuidados paliativos, psico-oncologia, criança.
ABSTRACT
According to the INCA (National Cancer Institute), childhood cancer is considered rare compared to cancer that affects adults, but it is a major cause of death in children. This research aimed to describe the psychological reactions of family members of children with cancer in the face of terminality; identify coping strategies for family members of children in palliative care; discuss the coping strategies used by family members of children in palliative care to deal with the child’s terminality; report how the psychologist works with the child’s family. The present research uses the methodology of a field research in which two semi-structured interviews were carried out, one with the relatives of the children undergoing palliative treatment at the institution and the other with the psychologist who worked in the pediatric oncology ward. For data collection and research analysis, content analysis was used. Through the collection, it was possible to identify the reactions of family members to the phase of palliative care, as well as the coping strategies used by them and their effectiveness, as was discussed about the psychologist’s performance in the palliative care team. The results provided support for the understanding of coping strategies, also seeking with this study to contribute to the improvement in the relationships between child-family-health team, by understanding their peculiar reactions and coping strategies used in this context.
Keywords:
Palliative Care, Psycho-Oncology, Child Care.
INTRODUÇÃO
O câncer pediátrico, de acordo com o INCA (2018)1, é uma doença crônica degenerativa que possui altos índices de cura quando diagnosticado precocemente. No entanto, na realidade brasileira, o diagnóstico precoce não é realizado a tempo na maioria das vezes.
O câncer pediátrico se distingue do câncer no adulto por suas distintas características, possuindo sua origem com predominância nas células embrionárias, curto período de latência e crescimento, quase sempre rápido1. Não se sabe ao certo o que desencadeia o processo, o que dificulta a prevenção e o diagnóstico precoce, que poderiam aumentar as chances de cura dos pacientes.
Atualmente, as necessidades de intervenções psicossociais são reconhecidas e devem ser parte integrante dos cuidados médicos prestados ao doente oncológico.
A psico-oncologia é uma abordagem integrativa entre a psicologia e a oncologia aplicada aos cuidados dos pacientes com câncer, seus familiares e equipe envolvida em seu tratamento.
Alves et al. (2018)2 relatam que essa abordagem, como nova área de conhecimento, surgiu com o propósito de auxiliar os pacientes com câncer a desenvolverem estratégias de enfrentamento para lidarem com o sofrimento decorrente do diagnóstico e proporcionar maior qualidade de vida aos pacientes.
O câncer é uma doença de grande incidência, que, apesar dos avanços tecnológicos para diagnóstico e tratamento, causa uma série de reações emocionais às pessoas que se deparam com a doença e seus familiares.
Mediante a isto, a psico-oncologia é uma especialidade que tem baseado suas ações essencialmente nas necessidades psicossociais do doente, sua família e profissionais de saúde, bem como na influência dos fatores emocionais e comportamentais no início e progressão da doença. Essa abordagem tem como objetivo assistir o doente em toda sua dimensão, reconhecendo a necessidade de cuidados psicológicos para além dos indispensáveis cuidados médicos.
Toda e qualquer doença que ameace a continuidade da vida causa no ser humano reações emocionais muito peculiares e distintas, principalmente quando quem é acometido pela doença é uma criança. Pelo fato do diagnóstico ser realizado tardiamente, os cuidados paliativos são mais acionados e se fazem mais presentes.
Cuidados paliativos (CP) é o termo geral utilizado para designar uma atenção multiprofissional a pacientes acometidos por uma doença crônica que ameaça a continuidade da vida e que estão fora de possibilidades de cura3.
Para Santos (2013)4, utiliza-se a abordagem multidisciplinar para compreender o paciente, a família e a comunidade com o foco de aliviar as expectativas e necessidades físicas, sociais, psicológicas e espirituais.
Em pediatria, os CP têm como finalidade buscar a melhoria da qualidade de vida da criança com o alívio da dor dos sintomas físicos, além do apoio às necessidades e expectativas psicossociais e espirituais das crianças e da família, levando em consideração que ela precisa de apoio no momento do luto5.
Neste contexto, é de suma importância que funcione a assistência profissional aos familiares, uma vez que a família é o primeiro grupo social no qual o ser humano é inserido. Um paciente nunca adoece sozinho, principalmente quando é a criança. Quando um adulto passa por um período de doença, principalmente doença crônica, a família sofre alterações em sua dinâmica; se incide sobre uma criança as alterações são mais intensas.
A experiência de ter uma criança com câncer ocasiona inúmeros efeitos na vida da família, perpassando por uma vivência de luta, levando os seus integrantes a ter a necessidade de desenvolver novas habilidades para resolver conflitos em seu cotidiano, em função das demandas da doença nos aspectos físicos, psicossociais e financeiros, bem como em função da hospitalização6.
A doença oncológica pode gerar no doente e sua família uma situação de crise uma vez que gera sofrimento psicológico significativo. Uma pessoa que passa por uma situação de estresse ou crise pode desenvolver uma gama de esforços para reagir a ela. A maneira como o sujeito desenvolve esses esforços, como irá enfrentar a dificuldade apresentada, pode variar e contribuir ou não para lidar com a situação.
Quando se avalia o enfrentamento na perspectiva do adoecimento, percebe-se que esta ocasião também é considerada como um evento estressor para os indivíduos, no qual os mesmos passam a desenvolver suas habilidades na tentativa de gerenciar a situação aversiva em consonância com as particularidades da fonte estressora4.
O psicólogo que atua no hospital tem como objetivo contribuir para a minimização do sofrimento do doente e sua família, auxiliando-os a desenvolverem estratégias de enfrentamento que auxiliem na recuperação e manutenção da saúde.
A atuação do psicólogo dentro dos hospitais é reconhecida como uma especialidade da psicologia, sendo regulamentada pelo Conselho Federal de Psicologia. Entretanto, seu trabalho neste contexto ainda é relativamente novo, assim como em outras áreas. Pesquisas evidenciam a diferença que este profissional faz neste contexto, contribuindo para a assistência ao paciente com doença ameaçadora de vida.
MÉTODOS
A presente investigação fez uso de uma pesquisa de campo de caráter descritiva. Realizada de acordo com seus objetivos, utilizou uma metodologia capaz de englobar a abordagem qualitativa, contando como instrumento duas entrevistas semiestruturadas realizadas com cinco (5) familiares de quatro (4) crianças que estavam hospitalizadas e com uma (1) psicóloga do local onde desenvolveu-se a pesquisa. Os dados coletados foram analisados e interpretados por meio da análise de conteúdo de Bardin, sendo submetido e aprovado pelo comitê de ética.
A pesquisa de campo, de acordo com Minayo (2016)7, possibilita, além de uma aproximação mais profunda com o objeto alvo de estudo, uma compreensão da realidade do grupo em questão.
No que concerne à abordagem qualitativa, conforme Freitas e Prodanov (2013)8, o pesquisador mantem contato direto com o ambiente e o objeto em estudo, descrevendo a complexidade do comportamento humano e ainda fornecendo análises mais detalhadas sobre as investigações, atitudes e tendências de comportamento.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A família diante da terminalidade da criança
A comunicação do diagnóstico de uma criança com câncer é um momento perturbador para várias pessoas, principalmente para aqueles que possuem fortes laços afetivos com ela. Em um estágio mais avançado desta doença crônica, os sentimentos podem se intensificar, ocasionando inúmeras reações emocionais e comportamentais.
“A família dela toda sofreu junto com ela porque meus familiares vinham e ela chorava, ela ficou bem magrinha e foi um abalo muito grande pra família quando nós descobrimos do avanço da doença.” (Polly).
“Nossa, dói pra caramba, não quero ninguém aqui com a gente não, não quero que ninguém passe por isso, é uma dor que eu não desejo pra ser humano nenhum. É uma dor que ela não dói no coração, ela tira sangue da sua alma.” (Boneca LOL).
A dor da perda e o medo da morte são reais. Tais aspectos se sobressaíram após o sentimento de desespero inicial e a compreensão do avanço da doença como a possibilidade da morte.
A esse respeito, Menin e Pettenon (2015)9 pontuam que, quando a possibilidade da morte se torna real mediante a uma doença crônica que ameace a continuidade da vida, a criança e seus familiares perpassam por diversas situações e sentimentos distintos.
“Eu não sabia o que era tumor entendeu? Não sabia que tumor era câncer, não sabia nem que existia esse hospital aqui entendeu? E quando eu cheguei aqui eu encontrei uma mãezinha e expliquei a situação, aí ela disse que tumor era câncer e aí eu desesperei entendeu? Eu falei: Não, a doutora lá falou que pode ser um tumor aí ela disse: Olha esse aqui é um hospital de câncer, o tumor que eles falam é câncer e ela vai fazer uma biopsia pra saber se é ou não, aqui eles tratam de pessoas com câncer, aí eu me desesperei porque assim né eu tive esse apoio entendeu? Tipo assim: Ó mãezinha, pode ser um tumor, mas olha tumor é câncer.., entendeu? Essas coisas assim... eu fui pega de surpresa aqui, eu fiquei estatalada” (Polly).
“Eu disse pra ela (médica): Ela não tava desse jeito, a senhora viu que ela chegou aqui ela era uma criança normal, ela comia bem e depois que ela começou a quimioterapia ela fez foi piorar, então eu tava desesperada porque Deus me livre do que eu via ela pra mim ver ela agora, né. Eu fiquei desesperada, aí foi que ela foi dizer pra nós que podia também crescer, foi quando eu disse: Eu quero uma coisa pra minha filha que ela melhore, então a senhora diga logo a verdade se não tem jeito, aí foi que ela foi explicar pra nós que não tinha mais jeito, que era um câncer grave e o tratamento não era mais pra curar...” (Barbie).
Observou-se que, de acordo com os relatos, os familiares não se sentiram bem esclarecidos acerca da doença e de seu prognóstico, pois verbalizaram a necessidade de receber informações reais e objetivas sobre as condições de saúde da criança. Mesmo com vulnerabilidade emocional as famílias afirmam desejar conhecer o prognóstico. A partir da fala dos participantes é possível inferir que a comunicação esclarecida sobre a doença auxilia a preparação da perda e a aceitação da morte.
Sobre o assunto Sanches et al. (2014)10, apontam que os familiares necessitam de informações claras e objetivas para que possam se apropriar do que está acontecendo e se sentir mais seguros para que consigam se preparar para enfrentar a possível morte da criança.
A comunicação da terminalidade da criança é um momento estressante que suscita nos familiares dúvidas, angústia e medo. A família passa a conviver com esta possibilidade da perda e os significados dela, além da preocupação acerca do futuro11 (Helsefh, Ulfsaet, 2005 apud Castro, 2010).
“Fiquei desesperada quando soube [...] senti a dor de uma perca só (choro) [...] a gente não quer que isso aconteça, mas não podemos fazer nada [...] eu já sinto a dor de uma perca terrível” (Bola de futebol).
“Quando nós soubemo ficamo desesperado [...] eu senti uma dor como se tivesse perdendo ela pra doença...” (Boneca LOL).
“Bateu um desespero entendeu? Eu não conseguia pensa nada, só que minha filha ia morrer [...] é só o que a gente pensa [...].” (Polly).
Dessa forma, as angústias, o sofrimento e o medo são comuns nesse contexto que podem se intensificar à medida que os familiares compreendem a gravidade e o avanço da doença. Contudo, estudos tem demonstrado que o conhecimento e o prognóstico são de extrema importância para os familiares e podem auxiliar de forma significativa no enfrentamento da doença12.
A eficácia das estratégias de enfrentamento diante da terminalidade infantil
A situação na qual a família se encontra quando uma criança está em cuidados paliativos ocasiona reações de estresse que são responsáveis pela mudança comportamental de seus membros.
A esse respeito Barros e Lopes (2007) apud Mattos et al. (2016)13 apontam que essas mudanças definem as estratégias de enfrentamento em que se apoiarão os familiares durante o processo de adoecimento.
Dentre as estratégias de enfrentamento utilizadas pelos familiares dessa pesquisa, destacaram-se: espiritualidade, suporte social e bem-estar da criança. Para que fossem avaliadas como adaptativas ou não, partiu-se do princípio da influência que determinadas estratégias têm na compreensão e aceitação da criança em tratamento paliativo. Destacam-se tais falas:
“A gente não quer que isso aconteça, mas não podemos fazer nada, é só confiar em Deus, só ele pode confortar [...].” (Bola de futebol).
“E eu creio que ele (Deus) vai fazer alguma coisa, né? E se ele não fizer eu também não posso ir contra porque tudo gira em sistema da vontade dele, entendeu? [...] Mas enquanto ela tá aqui a gente vamo fazer o melhor por ela, o que a gente puder, o que tiver ao nosso alcance a gente faz, entendeu?” (Boneca LOL).
Diante das falas acima, observa-se que a forma como os familiares utilizam da espiritualidade auxiliam na compreensão da realidade em que se encontram, apesar do sentimento de dor diante da situação. Como estratégia é eficaz, pois contribui para compreenderem a situação na qual a criança se encontra e que, apesar de ter a consciência da terminalidade, ainda conseguem manter a esperança e confiança no Deus em que acreditam afirmando que Ele sabe o que é melhor para a criança.
Sobre a apropriação dessa estratégia de enfrentamento, Bouso et al. (2011) apud Barbosa et al. (2017)14 pontuam que quanto mais a família se apropria de aspectos espirituais, mais ela detém condições e melhores capacidades para manter sua energia e seguir com a situação estressante que a doença acarreta.
A religião, para Pargament (1997) apud Alves e Assis (2015)15, constitui-se como um processo de busca de significados por meio do sagrado através de caminhos, tendo um de seus objetivos a procura do significado da existência.
Em contrapartida, essa mesma estratégia pode ser utilizada de forma nociva:
“Sem medo de falar, você vai ver “Pô, a menina morreu?”, “Não, um capítulo ruim, é só um capítulo ruim, ela não vai morrer”. Meus amigos que perderam já falam “Tá bom, chega, para, deixa Deus levar”, Deus vai levar, mas não acompanhada do câncer, não! Isso não existe, quem me deu ela foi Deus, não foi o câncer não, que todos nós vamos morrer vamos, de todas as formas, mas o câncer não vai levar a minha filha [...] Minha filha vai ficar curada, vai sair daqui andando, eu falo isso pra todo mundo, ela vai ficar boa, vai [...] Não, a minha filha vai morrer de outra forma, mas que o câncer vai levar ela ele não vai, de jeito nenhum, de jeito nenhum!” (Guerreiro).
No caso do familiar Guerreiro, essa estratégia tem sido utilizada no sentido de mascarar e negar a realidade, pois não admite que a criança esteja em processo terminal da doença, mesmo obtendo evidências do agravamento dela.
Conforme Seidl et al. (2009) apud Gobatto e Araújo (2010)16, a espiritualidade como forma de enfrentamento está relacionada desde a presença de sentimentos de esperança e fé ao pensamento fantasioso, justificando comportamentos passivos de esquiva ou fuga e espera de um milagre, o que pode dificultar a adesão ao tratamento.
A despeito disto, segundo Almico e Faro (2014)17, tais aspectos podem comprometer tanto a qualidade de vida do cuidador, no que diz respeito ao ato do cuidado, quanto da própria criança, dificultando a melhora dela.
Estudos apontam que a espiritualidade como estratégia de enfrentamento é um dos mais utilizados pela maioria dos familiares. Essa estratégia pode auxiliar ou prejudicar os familiares a enfrentarem o momento de adoecimento da criança. Dessa forma, o estudo entra em consonância com a literatura, observando, mediante as falas, que a espiritualidade pode ser uma forma de enfrentar a situação ou negá-la.
No que diz respeito ao suporte social, de acordo com Gottardo e Ferreira (2015)18, descobre-se cada vez mais que as relações interpessoais têm uma função importante na maneira como as pessoas reagem às situações adversas da vida. Sobre isso, destaca-se tais falas:
“A gente tamo sempre unido com a família, vamo pra indo pra igreja. A gente tamo com a família a gente conversa e ajuda a esclarecer algumas coisas” (Barbie).
“A doutora conversou bastante comigo. Aí em casa eu conversei com meu esposo [...] ele foi muito otimista, ele me ajuda muito assim, entende? [...] eu tive muito o apoio dos pessoal do GAAC (Grupo de Apoio a Criança com Câncer), do assistente social, do psicólogo, aqui também a Moranguinho (psicóloga da instituição) [...] Lá no GAAC com as mãezinhas eu converso bastante também [...]” (Polly).
“[...] eu tenho que ter força né, eu não tenho que demonstrar pra ele que eu tô triste, tenho que demonstrar que eu tô aqui com ele embora que ele não teje me vendo, mas tá me ouvindo né, e isso ai eu tenho que tentar fazer, o máximo que eu posso, tanto com ele quanto com o pai pra que quando ele parta possa partir em paz e seguro, não se sinta sozinho porque nós tamo com ele ali naquele momento” (Bola de futebol).
Assim, pode-se observar que esse tipo de estratégia fora de suma importância para a família enfrentar todo o processo. Desde o diagnóstico até a fase de cuidados paliativos, puderam-se aliviar as angústias, medos e ansiedades, através de conversas que foram consideradas esclarecedoras por alguns familiares.
Sobre sua efetividade, Larges et al. (2011)19 apontam que por esta ser uma estratégia bastante utilizada pelos indivíduos e estar relacionada a busca de apoio nas pessoas e no ambiente, constitui-se como um fator psicossocial positivo que auxilia as pessoas a lidarem com o efeito indesejável da situação ocasionadora de estresse, obtendo uma resposta apropriada à situação.
Nesse contexto, outra forma de enfrentamento é o próprio familiar ser o suporte da criança, o que pode ser definido, segundo Goldsmith (2007) apud Gottardo e Ferreira (2015)18 como apoio instrumental, que por sua vez, é traduzido no cuidado e assistência às crianças.
Sobre a condição da criança como estratégia de enfrentamento utilizadas por familiares, observa-se que foi um tipo utilizado:
“Ontem eu vim e ela tava bem, então eu fico bem” (Guerreiro).
“[...] Era pra tá com dor, falaram né, mas não tá não, não sente dor [...] e isso me conforta e me ajuda a prosseguir” (Boneca LOL).
“Ela tá bem com esse tratamento, tá respondendo bem apesar da quimioterapia não matar o tumor, mas ela tá vivendo bem e eu fico grata [...] ela sem dor eu fico grata de não ver ela sofrer, ela me dá forças” (Polly).
Na literatura há uma escassez no que diz respeito a pesquisas voltadas para esse tipo de estratégia, porém, de acordo com Kronenberger e Carter (2008) apud Caprini e Motta (2017)20 no câncer infantil os mais diversos tipos de estratégias podem variar dependendo da função da fase de tratamento.
Conforme Starub (2005) apud Maturana e Valle (2014)21 é importante destacar que a maioria dos autores compreende o enfrentamento de estímulos estressores como um processo dinâmico que abrange variados tipos de respostas, envolvendo a interação do indivíduo com o seu ambiente.
Além desse tipo de estratégia ser utilizada pelos familiares para lidarem com a fase de cuidados paliativos, de acordo com estudos de Rodriguez et al. (2012) apud Caprini e Motta (2017)22 o modo como os pais lidam com a doença e a condição do filho podem influenciar no enfrentamento das próprias crianças, pois uma vez que a criança percebe que os pais não estão bem, sentem-se menos fortes e menos confiantes para enfrentar a situação.
O psicólogo e sua atuação com familiares de crianças em cuidados paliativos
Com o avanço da medicina e das tecnologias, a luta contra doenças crônicas tem se prolongado cada vez mais, estendendo a vida de pacientes cujo tratamento não é mais curativo. Essa realidade crescente tem levado os profissionais da área da saúde a buscar novas práticas com a finalidade de melhorar a administração do período final de vida do doente, sendo o psicólogo um agente ativo na busca por práticas mais humanizadas de atendimento.
De acordo com os resultados dessa pesquisa, a atuação do psicólogo no contexto da assistência aos familiares de crianças em cuidados paliativos se deu na comunicação esclarecida do que são os cuidados paliativos e esclarecimento dos comportamentos que podem prejudicar a adaptação da criança e busca pela sua melhor qualidade de vida, tanto dela quanto do familiar.
“Quando é comunicado pela médica e efetivado o encaminhamento para cuidados paliativos [...] eu já começo o trabalho com as famílias no sentido delas entenderem o que é cuidados paliativos, o que significa isso para o tratamento em relação à doença pra que eles possam pensar como que eles vão começar a se relacionar com o hospital, com a criança, com a equipe” (Moranguinho).
Sobre a boa comunicação, Ferreira et al. (2013)23, pontuam que envolve compreensão, percepção e transmissão de mensagens por meio da linguagem, seja ela verbal ou não-verbal.
Desta forma, o psicólogo irá atuar para expandir o canal de comunicação entre o paciente, a família e a equipe de saúde, identificando as demandas oriundas da fase de tratamento e esclarecendo assuntos pertinentes ao tratamento paliativo, buscando aumentar a qualidade de vida do paciente e dos familiares, oferecendo medidas de apoio, entre outros objetivos.
“Depois de toda comunicação efetivada, verificamos o que eles pensam à medida que a ficha vai caindo, aí que a gente vai falando sobre o que é essa nova etapa, o que eles estão entendendo como vida, como qualidade de vida, o que eles esperam ainda com o tratamento” (Moranguinho).
Após o momento da comunicação da paliatividade da criança, quando os familiares conseguem assimilar o que está acontecendo, o psicólogo começa a intervir. Auxilia no sentido de compreender o que significa para eles aquele momento e o que esperam que ocorra dali em diante. Entendendo o significado do que estão vivendo, torna-se possível um momento para os familiares expressarem suas emoções, viabilizando a autonomia para tomada de decisões e melhoria da qualidade de vida durante a fase de cuidados paliativos.
Para Domingues et al. (2013)24 discutir sobre a morte é tão urgente quanto viver. Dessa forma, faz-se necessário criar espaços nos quais se encontre solidariedade e a ajuda para enfrentar a própria morte ou a de uma pessoa significativa.
Porém, existem os familiares que negam a condição clínica da criança, e é trabalho do psicólogo encaminhar a família a outros profissionais, uma vez que seu trabalho no contexto hospitalar, principalmente em cuidados paliativos, é multidisciplinar.
“Existem os familiares que recorrem às suas questões religiosas para dizer “Vai ficar curada, eu vou provar para vocês que vai ser diferente” ou não vão para cuidados paliativos quando são encaminhados pro serviço de cuidados paliativos [...] se tornam evitativos sobre esse assunto [...] às vezes a gente tem que ir pelo caminho da capelania mesmo e aí aciona a capelã e ela que vai intervir nessa questão da espiritualidade quando essa espiritualidade começa a ser um obstáculo [...] quando ela consegue efetivar o trabalho dela, a gente consegue entrar e falar sobre emoções e relações com a criança e com a família e tudo mais. (Moranguinho).
Dessa forma, achados dessa pesquisa apontam que é comum familiares se comportarem de forma a evitar falar sobre paliatividade, assumindo comportamentos desadaptativos e cabe ao psicólogo acionar outros profissionais. É preciso respeitar o tempo da família para que, quando estejam prontos, os especialistas abordem o assunto e intervenham quando necessário, esclarecendo a respeito do assunto e levando-os a refletir em relação a si mesmo e à qualidade de vida da criança, além de orientar como expressarem suas emoções neste momento.
A respeito disso, Domingues et al. (2013)24 aponta como função do psicólogo instruir a família a expressar seus conteúdos emocionais dentro do padrão de recepção usual da família.
“Quando eles ainda ficam e quimioterapia paliativa, radioterapia paliativa eles ainda ficam na expectativa de uma cura milagrosa. Eles só conseguem entender que vai chegar o momento da doença vencer quando eles veem que a doença voltou a progredir e que não tem mais quimioterapia ou radioterapia que possa ser feita, aí efetivamente eles se apropriam dos cuidados paliativos e passam a viver em função da qualidade de vida da criança mesmo” (Moranguinho).
Nota-se que quando os familiares já se encontram mais situados no processo de tratamento paliativo e compreendem a proposta desse tipo de assistência, conseguem refletir sobre o momento e passam a priorizar a qualidade de vida da criança. Infere-se que um esclarecimento efetivo possibilita aos familiares assimilarem as informações, por mais que causem sofrimento, e a partir disso se adaptar à realidade em que estão, bem como priorizar a qualidade de vida da criança.
A atuação do psicólogo no contexto dos CP é bem ampla, pois há muito a ser feito quando já não há mais tratamento que tenha como objetivo a cura da doença. Apesar da doença estar em progressão e consequentemente levar o paciente à morte, ainda existe um ser humano dotado de sua subjetividade e individualidade que pode estar em sofrimento, bem como os familiares que o cercam. Dessa forma, o psicólogo tem diversas maneiras de intervir, sendo o objetivo principal de seu trabalho a minimização do sofrimento dos familiares e do paciente que se encontram com uma doença que ameaça a continuidade da vida.
CONCLUSÃO
A pesquisa teve por objetivo identificar as estratégias de enfrentamento dos familiares de crianças em cuidados paliativos e sobre a classificação delas. Ambas foram avaliadas mediante a consequência positiva que o enfrentamento proporcionou. Constou-se que uma mesma estratégia pode ser classificada como adaptativa ou mal adaptativa, pois sua utilização e classificação depende de características individuais que fazem parte de cada sujeito, assim como o contexto causador de estresse em que ele se encontra.
Sobre a atuação do psicólogo junto à família das crianças fora de possibilidade terapêutica, seu trabalho é bastante amplo, porém este se dá principalmente na compreensão do que os cuidados paliativos significam para os familiares. Além disso, o trabalho volta-se para o esclarecimento desse cuidado para que os familiares entendam e passem a refletir sobre a etapa do tratamento paliativo, sobre o que é vida e qualidade de vida, para que se apropriem da realidade em que se encontram e passem a desenvolver estratégias efetivas; ter autonomia e segurança para lidar com a situação e assim, poder mobilizar suas ações para promover qualidade de vida para a criança.
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Universidade Nilton Lins, Psicologia - Manaus - AM - Brasil
Endereço para correspondência:
Ágata Gomes Silva
Universidade Nilton Lins
Parque das Laranjeiras, Av. Prof. Nilton Lins, 3259 - Flores, Manaus - AM. Brasil
CEP: 69058-030
E-mail: gomesagataa@gmail.com
Data de Submissão: 19/03/2020
Data de Aprovação: 26/04/2020