ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2022 - Volume 12 - Número 2

Os desafios do transtorno do espectro autista: da suspeita ao diagnóstico

The challenges of autism spectrum disorder: from suspicion to diagnosis

RESUMO

O transtorno do espectro autista (TEA) é um distúrbio do neurodesenvolvimento cujo diagnóstico demanda profissionais capacitados e informados para realizá-lo de forma adequada. Sabendo que o prognóstico das crianças com o transtorno está diretamente relacionado com o diagnóstico precoce, esse estudo objetivou verificar a inclusão da busca ativa pelos sinais de risco para o autismo nas consultas de rotina dos pediatras. O público-alvo do estudo foi formado por pais ou responsáveis de crianças já diagnosticadas com o TEA, e a análise se deu através de questionário aplicado aos pais, bem como entrevista com estes. Os dados deste estudo mostraram que em 62,5% dos casos foram os pais os primeiros a identificar os sinais precoces do TEA e, em apenas 3,5%, foram os pediatras que os identificaram. A idade média das crianças no momento em que foram percebidos os sinais de alerta foi de 24,5 meses, sendo os dois anos de idade em 53,5% dos casos. Também se constatou que 42,8% dos pais tiveram suas queixas não valorizadas pelos pediatras, e que em 78,5% das crianças, o atraso na fala foi o sinal precoce que primeiramente chamou a atenção dos pais. Outros sinais precoces como não atender pelo nome estava presente em 51,8% das crianças e, também, 51,8% apresentava movimentos repetitivos. Verificou-se que ainda há carência de informação sobre o autismo tanto a nível profissional, como também social, visto que a maioria das famílias nunca tinha ouvido falar em autismo e que o preconceito ainda é uma dificuldade relacionada ao transtorno.

Palavras-chave: transtorno do espectro autista, pediatras, diagnóstico.

ABSTRACT

Autistic spectrum disorder (ASD) is a neurodevelopmental disorder whose diagnosis requires trained and informed professionals to perform it properly. Knowing that the prognosis of children with the disorder is directly related to early diagnosis, this study aimed to verify the inclusion of the active search for signs of risk for autism in routine pediatric consultations. The target audience of the study was formed by parents or guardians of children already diagnosed with ASD, and the analysis took place through a questionnaire applied to the parents, as well as interviews with them. The data in this study showed that in 62.5% of cases, parents were the first to identify early signs of ASD, and in only 3.5%, pediatricians identified them. The average age of the children at the time the warning signs were perceived was 24.5 months, with two years of age in 53.5% of cases. Was also found that 42.8% of parents had their complaints not valued by pediatricians, and that in 78.5% of children, delayed speech was the early sign that first caught the attention of parents. Other early signs such as not answering by name were present in 51.8% of children, and also, 51.8% had repetitive movements. It was concluded that there is still a lack of information about autism both at a professional and social level, since most families had never heard of autism and that prejudice is still a difficulty related in the disorder.

Keywords: autism spectrum disorder, pediatricians, diagnosis.


INTRODUÇÃO

A amplificação do conceito de transtorno do espectro autista (TEA) após a publicação da quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais¹ (DSM-V), direcionou para uma elevação no número de casos de autismo. O TEA engloba transtornos antes chamados de autismo infantil precoce, autismo infantil, autismo de Kanner, autismo de autofuncionamento, autismo atípico, transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação, transtorno desintegrativo da infância e transtorno de Asperger².

Seu diagnóstico é essencialmente clínico e considera os critérios estabelecidos pelo DSM-V, sendo estes: déficits persistentes na comunicação social recíproca e interação social, padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades. Os sintomas devem estar presentes precocemente no período do desenvolvimento, e causam prejuízo clinicamente significativo no desenvolvimento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo no presente.

Dentre os sinais precoces que podem ser percebidos nas crianças com o transtorno autista, o principal motivo de procura por uma avaliação médica é o atraso na linguagem, porém existem outros sinais que podem estar presentes até mesmo antes da percepção do distúrbio da linguagem, como a pobreza na interação social que pode ser percebida ainda durante a fase de aleitamento, quando há ausência do olhar compartilhado com a mãe durante o período de amamentação³. Outros sinais que podem ser visualizados precocemente em crianças com autismo é o comportamento estereotipado ou repetitivo, incluindo o uso excessivo de objetos, distúrbios do sono, ausência de brincadeiras de faz-de-conta, bem como a pouca ou nenhuma capacidade de iniciar interações sociais e de compartilhar emoções4.

Embora a idade média de diagnóstico seja, hoje, aproximadamente 3 anos5, estudos recentes demostram que o diagnóstico precoce do TEA pode ser feito ainda nos primeiros meses de vida da criança, pois estas podem manifestar sinais antes mesmo dos 18 meses de idade. Atraso nas aquisições de desenvolvimento global e ausência de comportamentos esperados para a idade cronológica são percepções que podem ser feitas tanto pelos pais, como também pelos pediatras durante as avaliações de desenvolvimento das crianças, entretanto, a identificação precoce esbarra na falta de preparo e insegurança dos pediatras para a identificação destes sinais, adiando o diagnóstico, geralmente, para períodos entre os 3 e 5 anos de idade.

Hoje sabemos que a origem do TEA está na intersecção entre fatores ambientais e múltiplas mutações em diferentes genes, havendo variabilidade no conjunto de mutações entre os portadores do transtorno, o que dificulta um rastreio genético para o mesmo6. Através da elucidação da base genética do TEA e da observação de que irmãos mais novos de crianças portadoras do TEA possuem uma taxa de recorrência para o transtorno de aproximadamente 18,7%7, estabeleceu-se a importância do rastreio precoce em crianças que possuem irmãos mais novos portadores do transtorno, além daquelas que possuem outros fatores de risco, pela influência ambiental, como baixo peso ao nascer, nascimento prematuro, elevada idade parental na concepção, hipotireoidismo materno na gestação e outros fatores que podem estar associados no desenvolvimento do TEA8.

Devido ao contato diário com as crianças, são os pais quem geralmente percebem os primeiros sinais, porém, o significado desses sinais nem sempre está esclarecido e acabam sendo declarados normais. Cabe então ao pediatra, figura constantemente presente no cotidiano das crianças, a curiosidade de buscar ativamente ou questionar sobre o desenvolvimento e comportamento da criança a fim de identificar os marcos patológicos do desenvolvimento.

Em tempos onde os meios de comunicação dispõem de informação rápida e gratuita, os pais estão mais conscientes sobre o TEA e, portanto, mais propensos a desenvolver preocupações sobre a possibilidade do autismo. Nesse contexto é importante que os pediatras acolham as dúvidas levantadas pela família e realizem a busca ativa dos sinais do TEA. Para facilitar o rastreamento precoce do autismo foram desenvolvidos questionários de triagem, esses oferecem um método rápido e barato de para a identificação precoce de crianças com autismo9. Um dos mais utilizados é o “Modified Checklist for Autism in Toddlers” (M-CHAT). Essa escala apresenta um excelente instrumento a ser incluído na rotina pediátrica, sendo recomendada pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)10, pois pode ser aplicada em todas as crianças durante as visitas pediátricas, inclusive aquelas que não apresentam sintomas, mas possuem fator de risco para o transtorno11.

Em ciência de que o diagnóstico precoce do TEA é a principal ferramenta para um prognóstico efetivo, e que para isso é necessário que os profissionais em contato com as crianças possuam a informação e a aptidão para realizá-lo de forma adequada, o presente estudo, desenvolvido em Mossoró, município do oeste potiguar, objetivou verificar a inclusão da busca ativa pelos sinais de risco para a autismo nas consultas de rotina dos pediatras, analisando qual a percepção dos pais de crianças diagnosticadas com o TEA, no que tange a atuação dos médicos pediatras na investigação e diagnóstico do autismo.


MÉTODOS

Trata-se de uma pesquisa quantitativa e transversal realizada no município de Mossoró/RN e região. O grupo de estudo foi constituído por pais e mães de crianças com diagnóstico estabelecido para o transtorno do espectro do autismo e residentes de Mossoró/RN e região. A abordagem destes participantes se deu em associações para pais de crianças com autismo existentes nessas regiões e também no projeto de extensão “Ação Pró-TEA” que atua na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. O instrumento de pesquisa foi um questionário objetivo, composto por dez perguntas englobando questões referentes ao diagnóstico do TEA e seus desafios sob a perspectiva dos mesmos. Os pais foram abordados individualmente e então apresentados ao termo de consentimento livre esclarecido (TCLE), onde puderam conhecer os objetivos do estudo e suas garantias éticas. Aqueles que concordaram em participar responderam o questionário de forma individual, possibilitando a privacidade e confidencialidade dos dados. Foi designado um questionário para cada criança diagnosticada com o TEA, visto que algumas famílias possuem mais de um filho com o transtorno, e a diversidade no processo diagnóstico de cada um. Juntamente ao questionário foi realizada uma entrevista previamente estruturada, na qual foram questionadas como se deu o processo de suspeita da criança, se o médico pediatra que acompanhava a criança regularmente percebeu os sinais precoces do TEA, se o mesmo foi procurado e questionado sobre a suspeita, e qual foi o comportamento do mesmo diante da queixa.

As crianças representadas neste estudo tiveram seus diagnósticos realizados seguindo os critérios do DSM-V, e por variados profissionais, como neuropediatras, neurologistas, psiquiatras e neuropsicólogos.

Os dados referentes ao questionário foram tabulados no programa Excel versão 2016 e, em seguida, foi aplicado uma análise de variância (Anova), enquanto que a análise dos dados referentes à entrevista foi realizada a partir do método “Análise de prosa”12. Realizou-se, então, leitura das anotações produzidas durante as entrevistas, buscando o significado dos dados qualitativos e gerando, ao mesmo tempo, tópicos contextualizados com o estudo.

Respeitando as normas éticas em pesquisa, o presente estudo foi submetido ao comitê de ética em pesquisa da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, sendo aprovado como afirma o registro 02454818.8.0000.522 e parecer de número 3.101.712.


RESULTADOS

Participaram do estudo 56 pais ou responsáveis de crianças diagnosticadas com o transtorno do espectro do autismo residentes de Mossoró/RN e região. Destes, 62,5% referiram que foram os primeiros a perceber os primeiros sinais atípicos na criança, enquanto que em 8,9% dos casos foram os avós, 5,4% os vizinhos, 16% os professores e apenas 3,5% afirmou que o pediatra foi o primeiro a perceber os sinais precoces (Tabela 1). Ainda, 17,8% dos pais apontaram que outras pessoas como amigos, tias, psicólogos, fonoaudiólogos e clínicos plantonistas na emergência foram os primeiros a perceber os sinais precoces nas crianças.




Quanto à idade das crianças quando foram percebidos os primeiros sinais do TEA, a média foi de 24,5 meses, com o mínimo de 6 meses e máximo de 60 meses. 53,5% dos pais afirmaram que os dois anos de idade foi o marco inicial, ao passo que 16% apontou que os primeiros sinais foram percebidos aos três anos de idade, e 8,9% quando a criança tinha menos de um ano (mínimo de seis meses e máximo de 10 meses); 8,9% dos pais afirmaram que a criança possuía mais de três anos de idade quando perceberam os primeiros sinais do TEA.

Quando questionados sobre a atuação do pediatra no processo diagnóstico das crianças 42,8% dos pais afirmaram que os pediatras não valorizaram suas queixas, 23,2% apontaram que o profissional acolheu a queixa e encaminhou a criança para um neuropediatra, enquanto que 12,5% acolheu a queixa e não diagnosticou autismo na criança; 21,4% dos pais afirmaram que procuraram diretamente o neuropediatra, seja por indicação da escola ou de outros profissionais, como psicólogos e fonoaudiólogos.

Esse menino tem autismo?”, “Você está procurando problema no seu filho”, “Isso é normal, mãe, cada criança tem seu tempo”, “Seu filho vai falar, não falou ainda porque é preguiçoso”. Essas são algumas das frases que os participantes desse estudo revelaram ter ouvido dos pediatras quando apresentaram as queixas referentes ao TEA em seus filhos.

Uma mãe relatou a experiência negativa de quando procurou o pediatra por suspeitar que seu filho mais novo tivesse dentro do espectro, já que o mesmo apresentava alguns comportamentos semelhantes ao seu filho mais velho já diagnosticado com o TEA: “Você quer mesmo tratá-los como autistas? Você quer mesmo dizer a todo mundo que eles são autistas? Não tem medo do que eles vão sofrer, os preconceitos que eles podem sofrer?”. Foi percebido e descrito pela mesma o tom preconceituoso no discurso do médico, acentuando sua ansiedade frente à dúvida do diagnóstico e do futuro dos filhos.

No que diz respeito aos sinais precoces manifestados pela criança, em 78,5% dos casos foi o atraso na fala o primeiro sinal que chamou a atenção. Entre os outros sinais percebidos, 51,8% dos pais afirmaram que as crianças não atendiam pelo nome, 51,8% possuía comportamento repetitivo, 42,8% não firmava contato com os olhos, 34% apresentava sensibilidade à luz ou som e 50% demonstravam isolamento social (pobreza de interação). Outros sinais, como ecolalia, hiperatividade, choro excessivo, deambulação na ponta dos pés, grafismo e fixação por letras e números esteve presente em 17,8% das crianças (Tabela 1).

Das crianças diagnosticadas com o TEA que foram representadas nesse estudo, 78,5% dos diagnósticos foram efetuados por um neuropediatra, 14,3% pelo psiquiatra e 5,3% por outros profissionais como neurologista e neuropsicólogo.

O tempo transcorrido entre a apresentação da suspeita para um profissional e o diagnóstico foi de menos de um ano em 39,2% dos casos, um ano em 19,6% dos casos, dois anos em 19,6%, três anos em 8,9% e em 12,5% demorou mais de três anos para concluir o diagnóstico (Tabela 2).




Quando perguntados se a criança recebeu algum outro diagnóstico antes do TEA, 66% dos pais afirmaram que não, enquanto que 10,7% referiu que o filho recebeu diagnóstico de atraso no desenvolvimento, 7,1% foi diagnosticado com TDAH, 10,7% com hiperatividade, 3,5% com atraso primário de linguagem e outros 3,5% receberam outros diagnósticos como “tiques” e síndrome de Dandy-Walker (Tabela 2). Nesse estudo, constatou-se que as crianças passaram por uma média de dois profissionais para a conclusão do diagnóstico do TEA, sendo que 23,2% das crianças passou por apenas um profissional, 46,4% por dois profissionais, 16% por três profissionais e apenas 12,5% passou por mais de três profissionais para então receber o diagnóstico de TEA.


DISCUSSÃO

Os dados obtidos no presente estudo demonstraram que os pais foram os principais responsáveis pela percepção dos primeiros sinais atípicos do TEA nas crianças (62,5%). Em pesquisa realizada no México, em 2013, Sampedro-Tobón et al.13, encontraram resultados semelhantes ao apresentado nesse estudo, sendo em 59,5% dos casos, os primeiros sinais foram percebidos pelos pais, 21,4% pelos professores e em apenas 2,4% pelos pediatras, confirmando que os pais ainda são a principal fonte no processo de identificação de sinais de risco para o TEA.

Os professores aparecem em segundo lugar como identificadores dos sinais precoces em ambos os estudos, sugerindo que estes estão buscando a informação e a capacitação para trabalhar a inclusão em sua sala de aula, bem como para identificar os sinais de alerta, constituindo, então, importantes aliados no processo de diagnóstico do autismo.

Zalaquett et al. (2015)14 apontam que a intervenção precoce pode ser empregada para modificar o curso do autismo à nível cerebral, através do direcionamento do desenvolvimento para uma trajetória mais adaptativa, otimizando o prognóstico, logo é importante que o diagnóstico seja realizado tão precoce quanto possível, fazendo-se necessário que tanto os pais como também os profissionais que estão em contato com as crianças, como os pediatras, por exemplo, estejam alertas para os sinais que as crianças podem estar manifestando, além de possuir a capacitação para a identificar de forma adequada esses atrasos no desenvolvimento.

Dito isso, é importante que os pediatras saibam identificar os sinais do TEA, diagnosticar e também conhecer e saber recomendar o tratamento adequado, a fim de que pouco tempo seja gasto até o seu início, favorecendo a evolução dos pacientes. Flores e Smeha, em 200915, verificaram em seu estudo que os pediatras embora conhecessem os sinais precoces mais clássicos do TEA, desconheciam sinais como hipotonia, recusa no olhar, perturbação no sono e recusa alimentar. Já Ferreira e Smeha, em 201816, apontaram uma evolução nos conhecimentos dos pediatras, embora ainda precárias, mostrando que este grupo ainda carece de informação sobre o transtorno, pondo em risco, através da desinformação, o bom prognóstico.

Analisando os dados deste estudo podemos afirmar que em Mossoró os pediatras ainda carecem de formação sobre o autismo. É preocupante que 42,8% dos pais não tenham tido suas preocupações acolhidas e investigadas por esses profissionais, e que 12,5% das famílias que tiveram as queixas atendidas não tenham recebido um diagnóstico adequado, gerando angústia e claramente retardando o diagnóstico das crianças.

De acordo com a percepção dos pais relatada durante a entrevista, os pediatras são resistentes em diagnosticar principalmente os casos mais leves do autismo, dado o estigma social de que autistas são aquelas crianças estereotipadas, agitadas, agressivas, que não conseguem desenvolver vínculos. Para muitos, principalmente aqueles com formação há mais tempo na pediatria, o diagnóstico do autismo se emprega apenas naqueles casos mais graves, os casos “típicos”, sendo esta conduta fruto da escassez de informação e capacitação profissional.

O preconceito foi um tema bastante citado pelos participantes desse estudo, sendo possível depreender que a origem dessa problemática está na carência de informação sobre o transtorno. É comum a associação do autismo à loucura e invalidez, causando incomodo às pessoas mais próximas quando o diagnóstico é sugerido17. O mais impactante, na verdade, foi a constatação de que o preconceito está presente até no próprio consultório médico, sendo a queixa mais frequente dos pais durante a entrevista deste estudo.

O atraso na linguagem a partir do segundo ano de vida foi o sinal mais citado pelos pais, quando questionados sobre os sinais percebidos previamente ao diagnóstico, mas sabemos que na verdade outros sinais já estão presentes de forma mais precoce, e são ponderados apenas quando questionados retrogradamente pelos profissionais, principalmente o comprometimento no desenvolvimento social, o qual Zanon et al. (2017)18 apontaram como um dos primeiros sinais a se manifestar, mas que é pouco percebido pelos pais. Nas crianças menores de um ano, esse comprometimento se manifesta principalmente pela não correspondência ao olhar materno durante as mamadas, a rejeição ao seio materno e a alteração da qualidade do sono. É importante salientar que esses sinais isolados não configuram diagnóstico de TEA, mas devem despertar um alerta para a busca de uma avaliação profissional e vigília dessa criança para a presença de outros sinais.

Em sua maioria os pais referiram que perceberam atrasos e comportamentos “diferentes” em seus filhos, porém não atribuíram um significado para tais atipias por não conhecerem o autismo, alguns afirmaram nunca ter ouvido falar no transtorno. Zanon et al. (2017)18 também demostraram em seu estudo que a crença dos pais em relação à natureza dos primeiros sinais manifestados pelo filho altera a cronologia do diagnóstico, visto que aqueles pais que os atribuíram a birra, desobediência e difícil personalidade, ou seja, motivos não específicos do transtorno, receberam o diagnóstico de forma retardada.

Constatou-se, ainda, que as crianças passaram por uma média de dois profissionais para a conclusão do diagnóstico do TEA, o que destoa dos resultados encontrados por Sampedro-Tobón et al. (2013)13, que revelou uma média de cinco profissionais buscados antes do diagnóstico (mínimo de dois e máximo de dez), e que até 33% das crianças recebiam algum diagnóstico antes do TEA, sendo possível concluir que houve progresso no que se diz respeito à flexibilização do processo de diagnóstico, sendo este realizado de forma mais direta e precisa e em tempo menor que um ano em 39,2% dos casos, em geral pelos neuropediatras e psiquiatras, como já apontou esse estudo.

De modo geral, os dados deste estudo referentes ao diagnóstico corroboram com a percepção frequentemente relatada pelos pais de que os pediatras se ausentam da responsabilidade de investigação e diagnóstico, imediatamente encaminhando a criança para um neuropediatra ou psiquiatra, sem nem mesmo executar uma avaliação inicial em seu consultório ou oferecer informações sobre o transtorno.

Jendreieck (2014)19 caracterizou em seu estudo quais são as dificuldades apontadas pelos pediatras no diagnóstico precoce do TEA, sendo: a dificuldade de conhecer melhor a criança e a família, dado o curto tempo das consultas, além do ambiente diferente; a falta de conhecimento da família sobre o autismo; necessidade de acompanhar a criança por mais tempo; a existência de diferentes graus de comportamento dentro do espectro; a necessidade de informar a família sobre o diagnóstico. A fim de superar essas dificuldades os pediatras podem sugerir aos pais a observação comportamental da criança, sendo um dos recursos o sugerido por Garcia e Lampréia (2011)20 e Mansur et al. (2017)3, os quais sugerem o emprego de vídeos familiares retrospectivos na busca pelos sinais precoces, principalmente no primeiro ano de vida, pois afirmam auxiliar na identificação, sobretudo, dos sinais mais sutis, como a ausência do olhar compartilhado, sorrisos e irritabilidade.


CONCLUSÃO

Este estudo evidenciou que o município de Mossoró/RN e região, ainda carece de médicos pediatras preparados para identificar os sinais precoces do autismo e diagnosticá-lo de forma adequada, caracterizando que os sinais de risco para o TEA ainda passam despercebidos pelos profissionais, retardando o diagnóstico e culminando em intervenções tardias. Ademais, demonstrou que quando comparados com estudos anteriores houve progresso relacionado ao tempo decorrido entre a suspeita e o diagnóstico, bem como na quantidade de profissionais procurados pela família antes de ter um diagnóstico.

A escuta ativa das queixas reportadas pelos pais é veemente importante, assim como uma comunicação efetiva, explicando-os sobre o transtorno, aplicando, quando pertinente, os testes rápidos e também encaminhando para outros profissionais quando julgar apropriado. É preciso que os profissionais pediatras busquem a informação e a capacitação para que a identificação dos sinais de risco para o autismo, o diagnóstico e o esclarecimento à família sejam feitos de forma adequada e precoce.


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1. Universidade do Estado do Rio Grande do norte, Graduanda do Curso de Medicina - Mossoró - Rio Grande do Norte - Brasil
2. Universidade do Estado do Rio Grande do norte, Professora da disciplina de Pediatria - Mossoró - Rio Grande do Norte - Brasil
3. Universidade do Estado do Rio Grande do norte, Professora Doutora Adjunta - Mossoró - Rio Grande do Norte - Brasil

Endereço para correspondência:

Bianca Nayara Leite Siqueira
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
Rua Sinhazinha Wanderley, nº 871, Centro
Açu, RN, Brasil. CEP: 59650-000
E-mail: biancanayyaraleitesiq@gmail.com

Data de Submissão: 21/06/2020
Data de Aprovação: 02/07/2020