Relato de Caso
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Ano 2022 -
Volume 12 -
Número
3
Sinus de úraco em lactente: relato de caso
Urachal sinus in an infant: a case report
Júlia Souza Vescovi; Clara Ribeiro Doria; Hamilton Filipe Correia de Malfussi
RESUMO
A persistência de úraco, estrutura tubular que liga a bexiga ao umbigo, é uma anomalia que consiste na sua permanência após o nascimento. Ela pode se apresentar de quatro formas diferentes, uma das mais raras é o sinus de úraco. Relata-se o caso de uma paciente de 41 dias, do sexo feminino e que apresentou saída de secreção da cicatriz umbilical. Inicialmente suspeitou-se de onfalite; entretanto, após a investigação diagnóstica, foi evidenciada através de exame de imagem a persistência do úraco. O tratamento inclui correção cirúrgica que pode ser realizada de forma eletiva.
Palavras-chave:
Úraco, Anormalidades Congênitas, Ultrassonografia, Umbigo.
ABSTRACT
The persistence of the urachus, a tubular structure that connects the bladder to the navel, is an anomaly that consists in its permanence after birth. It can have four different forms and one of the rarest is the urachal sinus. It was reported a 41-day-old female patient with an umbilical scar secretion. Initially, omphalitis was suspected; however, after a diagnostic investigation, it was evidenced, by examining the image, a persistent urachus. Treatment includes surgical correction that can be performed electively.
Keywords:
Urachus, Congenital Abnormalities, Ultrasonography, Umbilicus.
INTRODUÇÃO
O úraco é uma estrutura tubular presente no feto, que se estende da bexiga ao umbigo1,2. Ele desaparece em torno da 16ª semana de gestação, formando, assim, o ligamento umbilical mediano1,3,4. No entanto, caso a estrutura se mantenha, há possibilidade de formação de quatro tipos diferentes de anomalias, sinus de úraco, cisto de úraco, úraco patente/fístula e divertículo do úraco2,4.
A persistência de úraco pode levar à infecção local, sepse e malignização da estrutura remanescente5. Essas complicações ocorrem, principalmente, devido ao subdiagnóstico dessa anomalia. Assim, quanto mais precoce for o diagnóstico e a correção cirúrgica, menor a chance de complicações futuras2,4,5.
Um dos principais diagnósticos diferenciais é a infecção local de pele e subcutâneo, a chamada onfalite. Outros diagnósticos diferenciais incluem a hénia umblical, o sinus ou cisto ônfalo mesentérico, e as infecções de parede abdominal anterior3,4,6. Para essa diferenciação pode-se utilizar a ultrassonografia7. Outros exames de imagem, como a tomografia computadorizada e a ressonância magnética, podem ser solicitados, no entanto, não são necessários em todos os pacientes3,5,8.
O tratamento é realizado através de correção cirúrgica, que deve ser realizada o mais precocemente possível visando evitar complicações2,4,7.
RELATO DE CASO
Lactente de 41 dias de vida, sexo feminino, nascida de parto vaginal, com 40 semanas e 5 dias de idade gestacional, Apgar 8/9, sem intercorrências durante o nascimento, sem internações prévias.
Mãe com idade de 24 anos, sendo sua segunda gestação e segundo parto vaginal, sem histórias de aborto. Realizou 9 consultas de pré-natal, sorologias negativas durante toda a gestação, que correu sem qualquer intercorrência.
Paciente deu entrada na emergência com quadro de saída de secreção purulenta (amarelo-esverdeada) da cicatriz umbilical, em grande quantidade, com odor fétido e que havia iniciado há minutos. A mãe negou febre, prurido, edema e eritema local, e quaisquer outras queixas. Estava alimentando-se bem, em aleitamento materno exclusivo (AME). Eliminações vesicais e intestinais presentes sem qualquer alteração. Não se apresentou chorosa, irritada, sonolenta ou com sinais alteração do nível de consciência. Ao exame físico, a paciente encontrava-se em bom estado geral, hidratada, normocorada e eutrófica; abdome com ruídos hidroaéreos presentes, flácido, ausência de massas e visceromegalias, sem sinais de irritação peritoneal; cicatriz umbilical com ausência de sinais flogísticos e ausência de secreção, todavia havia presença de odor fétido no local. Paciente foi internada com suspeita de onfalite, sendo solicitado hemograma, hemocultura e proteína C-reativa (PCR). Foi iniciado ampicilina (200mg/kg/dia) e gentamicina 5mg/kg/dia intravenosos.
O hemograma evidenciou: hemoglobina 10,2; hematócrito 29,9; VCM 92,6; HCM 31,6; CHCM 34,1; RDW 13,2; leucócitos 7.480; segmentados 1.249,2 (16,7); linfócitos 5.273,4 (70,5); monócitos 703 (9,4); eosinófilos 231 (3,1); basófilos 22,4 (0,3%); plaquetas 607.000; PCR 3,1; hemocultura negativa.
Após 12 horas de internação a paciente foi reavaliada, mantendo-se sem nova drenagem umbilical e afebril, optou-se por manter a antibioticoterapia endovenosa e por reavaliar o quadro no dia seguinte.
Após 36 horas de internação, a paciente foi reavaliada e considerada a hipótese diagnóstica de persistência de úraco. A paciente mantinha-se sem drenagem de secreção e afebril. Em sequência, foi solicitada uma ultrassonografia de abdome total, que foi realizada no mesmo dia por médica radiologista pediátrica. O exame evidenciou uma imagem tubular de paredes estratificadas que se estendia da cúpula vesical até a cicatriz umbilical, compatível com o diagnóstico de sinus de úraco (Figura 1). No mesmo dia a paciente completou 48 horas de antibioticoterapia intravenosa, progredindo para antibioticoterapia via oral através de cefalexina 60mg/kg/dia.
Figura 1. Ultrassonografia de abdome total. Presença de imagem tubular de paredes estratificadas que se estende da cúpula vesical até a cicatriz umbilical (ponto A ao B), caracterizando provável sinus de úraco.
Após 3 dias de interação, a paciente não apresentou nova saída de secreção, abscesso, hiperemia local ou febre. Com isso, teve alta hospitalar com diagnóstico de sinus de úraco com infecção em tratamento. Foi receitado antibioticoterapia oral (cefalexina 60mg/kg/dia por 10 dias) e encaminhada ao ambulatório de cirurgia pediátrica do hospital para seguimento e posterior correção cirúrgica.
DISCUSSÃO
Dentre as anomalias do úraco, o sinus está entre as duas mais raras4,5. Ele é caracterizado por ter a extremidade umbilical aberta, porém sem comunicação total com a bexiga, ou seja, acaba em fundo cego2,7. Na maioria dos casos a persistência do úraco é um diagnóstico incidental, já que os pacientes tendem a ser assintomáticos3,5. Entretanto, quando há presença de algum sintoma local na cicatriz umbilical, deve haver uma alta suspeição, evitando assim um subdiagnóstico da doença3,5.
A paciente apresentada no caso teve presença de saída de secreção local na cicatriz umbilical, todavia apresentou apenas 1 episódio. Com a suspeita de persistência do úraco, foi realizada a ultrassonografia, visto que a história incialmente poderia induzir ao diagnóstico de onfalite e, dessa maneira, seria realizado antibioticoterapia e a paciente receberia alta sem o diagnóstico da anomalia. A priori, essa paciente poderia apresentar nova infecção no futuro, sepse e até mesmo malignização da estrutura5. Destaca-se, também, que o sinus de úraco pode estar associado a um cisto de úraco infectado que drena através da cicatriz umbilical, levando a um quadro semelhante ao apresentado pela paciente.
Quanto ao exame de imagem, a ultrassonografia foi a escolhida por ser um exame barato, não invasivo, sem radiação e que ajuda no diagnóstico da anomalia, sendo descrita na literatura como o primeiro exame a ser realizado3-5,8. A desvantagem do exame é ser operador dependente. Por isso ele deve ser realizado preferencialmente por um radiologista pediátrico. Outros exames de imagem, como a tomografia computadorizada, podem ser realizados para maior elucidação do caso e diferenciação entre os tipos de anomalias do úraco, porém não são essenciais para o diagnóstico8.
No caso descrito, observou-se com clareza a anomalia através da ultrassonografia, dessa forma optou-se por não realizar outro exame de imagem, já que a tomografia computadorizada é um exame que expõe a criança à radiação, tem um custo elevado e muitas vezes necessita de sedação para que possa ser realizado na população pediátrica. Dessa forma, a paciente foi encaminhada diretamente para a consulta com cirurgião pediátrico, deixando a critério desse profissional a avaliação sobre a necessidade de um outro exame, evitando, assim, a realização de possível exame desnecessário no momento da internação. Quanto aos exames de laboratório, não se observaram alterações. Entretanto, na região examinada, havia odor fétido e saída de grande quantidade de secreção no início do quadro, optando-se, desta maneira, por manter a antibioticoterapia.
CONCLUSÃO
Descreveu-se neste trabalho um caso de sinus de úraco em lactente de 41 dias. Dentre as anomalias de úraco, o sinus é uma das mais raras. Contudo, na presença de sinais e sintomas que sugerem sua presença, a alta suspeição e o diagnóstico precoce são de suma importância visando uma correção cirúrgica precoce e, assim, uma redução de possíveis complicações futuras. O exame de ultrassonografia deve ser o primeiro a ser realizado, já que apresenta um bom custo benefício e não traz malefícios importantes à criança.
REFERÊNCIAS
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8. Uead Y, Oki M. An infected urachal remnant. CMAJ. 2019 Mai;191(20):E562. DOI: https://doi.org/10.1503/cmaj.181400
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Júlia Souza Vescovi
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Data de Submissão: 29/06/2020
Data de Aprovação: 12/08/2020