ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2022 - Volume 12 - Número 3

Ependimoma supratentorial esquerdo em paciente pediátrico: um relato de caso

Left supratentorial ependymoma in a pediatric patient: a case report

RESUMO

O presente trabalho apresenta um relato de caso de uma paciente de 2 anos que iniciou com quadro de dificuldade de marcha e ataxia. Foi realizada ressonância magnética de encéfalo, a qual comprovou o diagnóstico clínico de neoplasia supratentorial. A paciente foi submetida ao procedimento de craniotomia frontotemporoparietal esquerda. O resultado da avaliação imunohistoquímica mostrou-se sugestivo de ependimoma (grau II da OMS). A paciente recebeu alta sem nenhum déficit neurológico ao exame.

Palavras-chave: Ependimoma, Neoplasias Supratentoriais, Craniotomia, Lobo Frontal, Neurologia.

ABSTRACT

This paper represents a 2-year-old patient case report, which started with gait difficulties and ataxia. Brain magnetic resonance was performed, which confirmed the clinic diagnosis of supratentorial neoplasm. The patient was undergone a left frontotemporoparietal craniotomy procedure. The immunohistochemical evaluation result was suggestive of ependymoma (OMS grade II). The patient was discharged with no observed neurological deficit.

Keywords: Ependymoma, Supratentorial Neoplasms, Craniotomy, Frontal Lobe, Neurology.


INTRODUÇÃO

O ependimoma é um tumor do sistema nervoso central de crescimento lento. Na população pediátrica, os ependimomas intracranianos apresentam-se na proporção um terço supratentorial e dois terços infratentoriais1. As lesões infratentoriais são mais frequentes em crianças mais novas, enquanto os tumores supratentoriais ocorrem em crianças mais velhas e em adultos2. Este relato apresenta um caso de um extenso ependimoma no lobo frontal esquerdo, em uma pré-escolar que se recuperou do procedimento cirúrgico sem apresentar nenhum déficit neurológico.


RELATO DE CASO

Paciente de 2 anos de idade, do sexo feminino foi admitida com dificuldade de marcha e ataxia, principalmente ao levantar-se, uma semana antes do atendimento. Foi relatado a presença de cefaleia apenas uma vez durante o quadro e no dia anterior ao atendimento foi percebido sonolência e episódio febril, bem como foi negado a presença de vômitos ou convulsões tônico-clônicas generalizadas. Na chegada ao atendimento, a paciente apresentava episódio febril, demonstrava sinais de desiquilíbrio ao deambular e lateralização da marcha para a esquerda. Ao exame neurológico, constatou-se ataxia frontal e afasia de broca secundária ao tumor, uma condição que altera a capacidade de comunicação, sendo a produção da fala prejudicada, mas a compreensão preservada.

Realizou a ressonância magnética, e foi observado um volumoso processo expansivo intraparenquimatoso comprometendo o lobo frontal esquerdo, medindo cerca de 8,6x7,3cm, apresentando composição sólido-cística e realce irregular ao contraste, compatível com processo neoplásico primário. A lesão associava-se ao edema parenquimatoso adjacente e determinava significativo efeito compressivo sobre estruturas adjacentes, com apagamento do ventrículo lateral esquerdo e do terceiro ventrículo, e desvio de até 2cm das estruturas da linha média para a direita.

A paciente foi submetida a uma craniotomia frontotemporoparietal esquerda com exérese de cerca de 90% da lesão devido ao baixo peso (11kg) e instabilidade hemodinâmica. Ao final da cirurgia, a paciente apresentou hipotensão, sem resposta ao vasopressor e sem pulso periférico. Foi diagnosticado o choque hipovolêmico devido ao baixo débito cardíaco e foram iniciadas imediatamente as manobras de reanimação. O ciclo de RCP durou dois minutos com retorno do pulso, boa resposta a epinefrina e foi realizada a transfusão sanguínea.

A paciente chegou entubada na UTI pediátrica recebendo vasopressina e epinefrina. Após 36 horas da cirurgia, apresentou melhora gradual do quadro, permitindo redução de drogas vasoativas e suspensão da sedação, sendo extubada. Fez uso de vancomicina e cefepime durante sete dias e todas as culturas coletadas foram negativas, também fez uso de hidrocortisona para choque. A paciente permaneceu durante seis dias na UTI e cinco dias na internação.

O resultado de avaliação imunohistoquímica foi sugestivo de ependimoma (grau II da OMS). A RM pós-operatória demonstrou a presença de alterações da intervenção neurocirúrgica, com alguns focos de sangramento, de acordo com o esperado devido ao procedimento. Na última avaliação, a paciente estava alerta, deambulou, apresentou fala coerente e mobilizou os quatro membros, recebendo alta sem nenhum déficit neurológico aparente.


COMENTÁRIOS

O ependimoma corresponde a 8% das neoplasias encefálicas na infância e aproximadamente 60% das crianças com ependimomas têm menos de 5 anos de idade no momento do diagnóstico3,4. Quando o ependimoma é supratentorial, a localização esperada está relacionada ao terceiro ventrículo ou aos ventrículos laterais, mas os tumores ependimários podem se originar nos hemisférios, em um lugar distante do sistema ventricular. Esses tumores derivam, aparentemente, de restos de células ependimárias4.

A diferenciação histológica não se correlaciona com a evolução, pois um ependimoma de baixo grau, benigno quanto à aparência, pode ser um tumor localmente muito agressivo5. Essa neoplasia apresenta-se com um crescimento lento e com um quadro clínico de aumento de pressão intracraniana por hidrocefalia obstrutiva6.

É comum a criança entre 1 e 5 anos apresentar cefaleia e vômitos. O deslocamento de estruturas adjacentes ou até mesmo a invasão pode compor a clínica, como no caso de lesão do parênquima cerebelar levando a ataxia e incoordenação5. Após o procedimento cirúrgico, toda a função neurológica foi preservada, mas é indispensável destacar a importância do acompanhamento pós-operatório, devido ao risco de recorrência e transformação maligna dessas lesões.

Sobre o manejo de PCR em paciente pediátrico, é indispensável o conhecimento de que quanto menor é a criança, maior a dependência da frequência para manter o débito cardíaco, pois a massa muscular do ventrículo é menor do que no adulto. Porém, a criança apresenta uma reserva de frequência cardíaca limitada, visto que seu nível basal já é elevado e, quanto mais jovem, maior a probabilidade de uma resposta inadequada. Sendo assim, ocorre um aumento da resistência vascular sistêmica, a fim de manter a pressão arterial normal7.

Dessa forma, a hipotensão se torna um sinal súbito de descompensação cardiovascular, e ao suspeitar de hipovolemia grave, o reconhecimento deve ser o mais precoce possível e o tratamento deve ser instantâneo, pois a velocidade de intervenção é indispensável para um bom desfecho, somada às habilidades necessárias para o início da ressuscitação8. No paciente pediátrico, a hipovolemia grave está associada ao choque séptico, e este à mortalidade9.

Em conclusão, novas abordagens, particularmente para o controle local de tumores em pacientes mais jovens, são necessárias para melhorar a sobrevida10. Ressalta-se que ressecção total cirúrgica é o tratamento padrão-ouro, seguida de controle radiológico e vigilância rigorosa com imagens periódicas de RM, de 6 em 6 meses nos primeiros 2 anos e após esse período, repetir anualmente, até que complete 5 anos. Além disso, sempre atentar que em crianças com menos de 3 anos, o período de vigilância deve ser dobrado11.


REFERÊNCIAS

1. Zacharoulis S, Moreno L. Ependymoma: an update. J Child Neurol. 2009;24:1431-8.

2. McGuire CS, Sainani KL, Fisher PG. Incidence patterns for ependymorna: a surveillance, epiderniology, and end results study. J Neurosurg. 2009;110:725-9.

3. Gagliardi RJ, Takayanagui OM. Tratado de neurologia da Academia Brasileira de Neurologia. Rio de Janeiro: Elsevier; 2013.

4. Piña-Garza JE. Fenichel neurologia clínica pediátrica. 7ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2014.

5. Siqueira MG. Tratado de neurocirurgia. Barueri: Editora Manole; 2016.

6. Botelho RV, Daniel JW, Boulosa JL, Colli BO, Farias RL, Moraes OJ, et al. Effectiveness of methylprednisolone in the acute phase of spinal cord injuries - a systematic review of randomized controlled triais. Rev Assoc Med Bras. 2009 Nov/Dec;55(6):729-37.

7. McKiernan CA, Lieberman SA. Circulatory shock in children: an overview. Pediatr Rev. 2005 Dez;26(12):451-60.

8. American Heart Association (AHA). PALS - Pediatric advanced life support - provider manual. Dallas: AHA; 2006.

9. Carcillo JA, Fields AI. Parâmetros de prática clínica para suporte hemodinâmico a pacientes pediátricos e neonatais em choque séptico. J Pediatr (Rio J). 2002;78(6):449-66.

10. Horn B, Heideman R, Geyer R, Pollack I, Packer R, Tomita T, et al. A multi-institutional retrospective study of intracranial ependymoma in children: identification of risk factors. J Pediatr Hematol Oncol. 1999 Mai/Jun;21(3):203-11.

11. Palma L, Celli P, Mariottini A, Zalaffi A, Schettini G. The importance of surgery in supratentorial ependymomas. Long-term survival in a series of 23 cases. Childs Nerv Syst. 2000 Mar;16(3):170-5.










1. Universidade Luterana do Brasil, Medicina - Canoas - Rio Grande do Sul - Brasil
2. Santa Casa de Misericórdia, Residente em Neurocirurgia Pediátrica - Porto Alegre - RS - Brasil
3. Santa Casa de Misericórdia, Neurocirurgião Pediátrico - Porto Alegre - RS - Brasil

Endereço para correspondência:

Bianca Brinques da Silva
Universidade Luterana do Brasil
Av. Farroupilha, nº 8001, São José
Canoas, RS, Brasil. CEP: 92425-020
E-mail: bianca.brinques@gmail.com

Data de Submissão: 09/07/2020
Data de Aprovação: 25/11/2020