ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2022 - Volume 12 - Número 3

Raquitismo hipofosfatêmico ligado ao X: relato de caso

X-linked hypophosphatemic rickets: case report

RESUMO

INTRODUÇÃO: O raquitismo hipofosfatêmico ligado ao X é considerado a causa mais comum de raquitismo hereditário. É uma doença dominante ligada ao cromossomo X, causada por mutações no gene PHEX. Acredita-se que as alterações bioquímicas e na mineralização óssea sejam causadas pela ação aumentada de fator fosfatúrico decorrente da incapacidade do gene PHEX em inativar seu substrato.
RELATO DE CASO: Menina, 7 anos e 11 meses, acompanhada por ortopedia desde 1 ano de idade, devido a deformidade nos membros inferiores. Encaminhada à endocrinologia pediátrica para avaliação. Ao exame físico, apresentava genu varum e estatura em escore Z de estatura/idade - 4,8. Exames laboratoriais: fósforo sérico = 2,3mg/dl (4,5-6,6), cálcio iônico = 1,8mmol/l (1,17-1,32), paratormônio = 42pg/ml (12-88), fosfatase alcalina = 600U/L (<300). A paciente sempre apresentou má adesão ao tratamento. Atualmente, aos 12 anos e 2 meses, permanece com genu varum e baixa estatura, além da persistência das alterações laboratoriais. Foi realizado o sequenciamento do gene PHEX, que evidenciou mutação heterozigótica nesse gene, confirmando o diagnóstico de raquitismo hipofosfatêmico ligado ao X.
COMENTÁRIOS: O raquitismo hipofosfatêmico ligado ao X é uma doença rara com manifestações clínicas iniciadas desde os primeiros anos de vida. O diagnóstico e a intervenção são importantes por diminuir a morbimortalidade desses pacientes. A paciente iniciou o acompanhamento em nosso serviço tardiamente, com deformidades ósseas e baixa estatura, além de má adesão ao tratamento. Por estas razões, não houve melhora clínica ou laboratorial nesse período.

Palavras-chave: Raquitismo Hipofosfatêmico, Doenças Genéticas Ligadas ao Cromossomo X, Doenças Ósseas Metabólicas.

ABSTRACT

INTRODUCTION: The X-linked hypophosphatemic rickets is considered the most common cause of rickets. It is an X-linked dominant disease, caused by a PHEX gene mutation. It is believed that the biochemical and bone mineralization changes because of the increase of phosphaturic factor, resulting from the PHEX genes inability to inactivate its substrate.
CASE REPORT: A seven-year and eleven-month-old girl has been followed by an orthopedist since she was 1 year old, due to lower limb deformity. She was referred to a pediatric endocrinologist for further evaluation. At clinical examination, the patient presented genu varum and Z score of stature/age = 4.8. Laboratory tests: serum phosphorus = 2.3mg/dl (4.5-6.6), ionic calcium = 1,8mmol/l (1.17-1.32), parathyroid hormone = 42pg/ml (12-88), alkaline phosphatase = 600U/L (<300). The patient has always shown low adherence to treatment. Currently, at age 12 and 2 months old, endures with genu varum and short stature, besides the persistence of laboratory alterations. The PHEX gene sequencing, that evidenced a heterozygous mutation on that gene, confirming the X-linked hypophosphatemic rickets diagnosis.
COMMENTS: The X-linked hypophosphatemic rickets is a rare disease with clinical manifestations observed since the early years of life. Diagnosis and intervention are important to decrease these patients morbimortality. The patient started follow-up at our service belatedly, with bone deformity and short stature, resulting in low treatment adherence. For these reasons, there wasnt any clinical or laboratory improvement during that time.

Keywords: Rickets, Hypophosphatemic, Genetic Diseases, X-Linked, Bone Diseases, Metabolic.


INTRODUÇÃO

Raquitismo é caracterizado por insuficiência ou retardo da mineralização da matriz osteoide, recentemente formada durante o processo de ossificação endocondral, na placa de crescimento. As causas de raquitismo envolvem a deficiência de cálcio, vitamina D e fósforo, bem como as alterações no metabolismo ou na ação da vitamina D1,2.

Existem algumas síndromes que apresentam perda renal isolada de fosfato, resultando em hipofosfatemia, normocalcemia e raquitismo primário3,4. Este quadro clínico é causado por um aumento dos níveis de fator de crescimento fibroblástico-23 derivado do osso (FGF-23) que impede a reabsorção adequada de fosfato no túbulo renal e interfere na hidroxilação renal da vitamina D5,6.

Os genes envolvidos e o modelo de herança desta síndrome podem ser diversos, sendo o raquitismo hipofosfatêmico ligado ao X considerado a causa mais comum de raquitismo hereditário, com uma prevalência variando de 1,7 por 100.00 crianças a 4,8 por 100.000 indivíduos, incluindo adultos e crianças7. Esta forma de apresentação é causada por mutações no gene PHEX, localizado em Xp22.1, que codifica a expressão e degradação do FGF-231,8.

O diagnóstico definitivo da doença é feito através da investigação molecular, porém o exame físico e a avaliação laboratorial e radiológica rotineira podem nortear a investigação diagnóstica, possibilitando o tratamento precoce da doença3.

O tratamento tem como objetivos principais a redução das deformidades esqueléticas e a melhora do ritmo de crescimento, sendo realizado com a reposição de fósforo e calcitriol. A instituição precoce do tratamento é capaz de reduzir a intensidade do retardo de crescimento e das deformidades em membros inferiores3,9.

O burosumab, também indicado nessa condição, é um anticorpo monoclonal com ação em reconhecer e ligar-se à proteína FGF23, bloqueando a sua atividade, o que permite que os rins reabsorvam o fosfato e restaurem os níveis normais de fosfato no sangue. Permite, também, a hidroxilação da vitamina D pelos rins, aumentando os níveis de calcitriol, forma ativa da vitamina D 10,11.

Este trabalho tem como objetivo relatar um caso de uma paciente com raquitismo hipofostâmico ligado ao X, descrevendo as suas características clínicas e laboratoriais da doença, alertando para o diagnóstico precoce desta rara condição.


RELATO DE CASO

Menina, 7 anos e 11 meses, acompanhada pela ortopedia desde 1 ano de idade, devido à deformidade nos membros inferiores. Encaminhada à endocrinologia pediátrica para avaliação.

Na primeira consulta aos 7 anos e 11 meses, apresentava genu varum (Figura 1) e baixa estatura (SDS estatura/idade = -4,8). Exames laboratoriais: fósforo sérico = 2,3mg/dL (4,5-6,6), cálcio iônico = 1,8mmol/L (1,17-1,32), paratormônio = 42pg/mL (12-88), fosfatase alcalina = 600U/L (<300). Iniciada reposição de fósforo e calcitriol, porém sempre apresentou má adesão ao tratamento. A Tabela 1 descreve a evolução clínica e laboratorial da paciente durante o acompanhamento com a endocrinologia pediátrica.


Figura 1. Genu varum em membros inferiores.




Atualmente, aos 12 anos e 2 meses, permanece com genu varum e baixa estatura (SDS estatura/idade= - 4,48) e queixa de dores ósseas. Exames laboratorias: fosfatase alcalina = 415U/L (<300), cálcio iônico = 1,25mmol/L (1,17-1,32), fósforo sérico = 2,5mg/dL (4-7), paratormônio = 37pg/mL (12-88), vitamina D = 18,5ng/mL (20-280). Foi realizado o sequenciamento do gene PHEX, que evidenciou mutação heterozigótica nesse gene, confirmando o diagnóstico de raquitismo hipofosfatêmico ligado ao X.

Comentários

Os pacientes com raquitismo hipofosfatêmico ligado ao X apresentam altura normal ao nascer e redução da velocidade de crescimento durante os primeiros anos de vida. Após o início da deambulação, as manifestações clínicas típicas da doença se desenvolvem caracterizadas por baixa estatura e deformidades em membros inferiores (genu varum ou genu valgum)1.

Laboratorialmente, a doença manifesta-se por hipofosfatemia, elevação da concentração plasmática de fosfatase alcalina, níveis normais de cálcio sérico, calciúria normal ou diminuída, redução da reabsorção tubular de fósforo e concentração plasmática de paratormônio normal1,9.

As alterações radiológicas são caracterizadas pela perda de definição, alargamento e imagem em cálice observados na zona de calcificação provisória nas metáfises da tíbia, fêmur distal, rádio e ulna1.

A paciente iniciou o acompanhamento em nosso serviço tardiamente, com deformidades ósseas e baixa estatura importantes, além de má adesão ao tratamento. Por estas razões, não houve melhora clínica ou laboratorial nesse período.


REFERÊNCIAS

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Hospital Universitário Walter Cantídio, Serviço de Endocrinologia Pediátrica - Fortaleza - Ceará - Brasil

Endereço para correspondência:

Camila Sousa Gonçalves
Hospital Universitário Walter Cantídio
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E-mail: camilagoncalves_@hotmail.com

Data de Submissão: 16/06/2020
Data de Aprovação: 09/03/2021