Cartas ao Editor - Ano 2022 - Volume 12 - Número 2
Para pais e pediatras: por que os jovens estão se iniciando no cigarro eletrônico?
To parents and pediatricians: why young people are attracted to electronic cigarettes
Porque fumar era chique e sexy;
O cigarro era considerado charmoso;
O cigarro tinha glamour;
Fumar dava prazer;
Fumar acalmava;
O cigarro era uma forma de se socializar;
A maioria das pessoas fumava (fake news);
Achavam que tabaco não viciava;
Não conheciam os problemas de saúde causados pelo cigarro.
Perguntei-lhes o porquê do adolescente de hoje estar querendo fumar cigarro eletrônico (CE). Não souberam responder. Então eu mesmo respondi a eles:
Fumar CE é chique e sexy;
O CE é considerado charmoso;
Tem glamour;
Fumar CE dá prazer;
Fumar CE acalma;
O CE é uma forma de se socializar;
A maioria das pessoas fuma (fake news);
Acham que CE não vicia;
Não conhecem os problemas de saúde causados pelo CE;
Utilizam apenas informações da internet, geralmente fake news.
O grande problema é que as informações reais e científicas não chegam à população. A informação que se tem sobre muitas coisas e, inclusive o cigarro eletrônico, é pela internet. E aí as fake news preponderam. E as fake news sobre drogas vem aumentando a cada ano1. Aí está o “conhecimento” dos jovens, dos pais e até de muitos médicos.
O tabaco existe há séculos e a dependência à nicotina também. O CE foi bolado na mesma época em que se proibia em vários países o fumo em ambientes fechados, um dos requisitos da Comissão Quadros da Organização Mundial de Saúde para o controle do tabaco no mundo2.
Esta indústria do tabaco omitiu os malefícios da droga e a dependência da nicotina até 1975, quando houve uma abertura das atas das reuniões da indústria tabaqueira nos EUA, por ordem judicial. Eles diziam que:
“Nosso negócio é vender cigarro com nicotina por que dá dependência.”
“Nosso negócio é vender cada vez mais cigarros com nicotina forte, pois cigarros fortes causam maior dependência.”
“O sucesso comercial é maior quanto maior for a dependência da nicotina”.
Ou seja, a indústria tabaqueira apesar de omitir a possibilidade de dependência de nicotina e omitir os malefícios do tabaco, já conhecia tudo e continuou produzindo independente do risco da droga.
Esta indústria é a mesma que diz ser inofensivo o CE. Apesar de ser indicado para os idosos que não conseguiriam parar de fumar, a propaganda foi feita para os jovens do ensino fundamental e médio nos EUA, acarretando em milhares de dependentes de nicotina precoce. Apesar de não ter a queima que é a pior fumaça aspirada, o material para nebulizar a nicotina é cancerígeno, e você continua ou começa a ser um dependente desta droga (nicotina) em pouco tempo de uso. Os sabores colocados para disfarçar o gosto ruim da droga são responsáveis por insuficiências respiratórias tão graves quanto a causada pelo COVID. Tivemos várias mortes entre adolescentes e até necessidade de transplante pulmonar. A intoxicação nicotínica é gravíssima, pois a concentração de nicotina nos Vapers supera em muito a concentração do cigarro. Há casos relatados de jovens roubarem coisas de casa para adquirir o CE. Isto só se via com drogas ilícitas. Quando disserem que CE não tem nicotina, lembre-se que há ainda a dependência psicológica e comportamental. Já se sabe que jovens que começam a fumar CE vão em pouco tempo consumir cigarros normais ou de maconha3.
Há queixas de escolas em que os jovens estão fumando CE no banheiro das escolas ou até em sala de aula. O risco da dependência de nicotina e de lesões pulmonares é alto. Como adquiriram? Como permitem o uso? A educação de hoje é muito permissiva. Quando começar a prevenção dos vícios? Costumo dizer que se deve começar intraútero. Se a mãe ou pai fumam devem parar, e isto, é possível. Éramos 30% de fumantes no país e hoje somos 9,8%, segundo a última pesquisa Vigitel4.
Nem todos que fumam tem câncer de pulmão ou enfisema. Nem todos que fumam CE terão consequências graves. O que precisamos pensar é se vale a pena correr o risco. Se você já presenciou um dependente de oxigênio, repense rapidamente. Se você tem doentes psiquiátricos na família ou pais ou avós com problemas respiratórios, se afaste de qualquer mecanismo que jogue fumaça para seu pulmão.
Quando se pergunta aos jovens “qual a droga que faz menos mal, eles logo dizem: ‘A MACONHA’”. Ela tem 5x mais cancerígenos do que o tabaco, mas pela quantidade utilizada pelo usuário, o tabagismo aparece causando doenças pulmonares graves. Mas precisamos difundir que a maconha diminui a memória, lesa a aprendizagem, é o caminho para outras drogas ilícitas. Não há maconha medicinal e sim canabidiol medicinal! No site www.drbarto.com.br5 há um livro com os 12 passos para se evitar uma vida complicada. São fatos corriqueiros com embasamento científico para acompanhar seus filhos desde pequenos, mas nunca é tarde para começar. São eles:
1. Família unida e com limites;
2. Fazer as refeições com os filhos;
3. Saber o que seus filhos fazem nas horas vagas;
4. Verificar os deveres dos filhos;
5. Investir no relacionamento familiar;
6. Elogiar seus filhos sobre o que eles têm de bom;
7. Não fumar e não beber antes dos 18 anos;
8. Aumento de atividades culturais e esportivas;
9. Envolvimento em atividades sociais;
10. Espiritualidade;
11. Bons amigos;
12. Dar o exemplo5.
Fumar pode ser o início de uma caminhada para outras drogas, quer seja o cigarro comum, quer seja o eletrônico. Se o jovem precisa deste estímulo em sua caminhada à vida adulta, alguma coisa está errada. Gaste um tempo com sua família e aprofunde-se no conhecimento sobre as drogas para poder trocar ideias com a família.
Dr. João Paulo Becker Lotufo
Doutor em Pediatria pela Universidade de São Paulo.
Representante da Sociedade Brasileira de Pediatria
nas ações de combate ao álcool, tabaco e drogas.
Coordenador/Presidente do Nucleo de Combate ao
Uso de Drogas por Crianças e Adolescentes na Sociedade de Pediatria de São Paulo.
Membro da Comissão de Combate ao Tabagismo da
Associação Médica Brasileira (AMB).
Responsável pelo Projeto Antitábagico do Hospital
Universitário da USP.
Responsável pelo Projeto Dr. Bartô e os Doutores
da Saúde - Projeto de Prevenção de Drogas no Ensino
Fundamental e Médio.
REFERÊNCIAS
1. Pasquim H, Oliveira M, Soares CB. Fake news sobre drogas: pós-verdade e desinformação. Saúde Soc. 2020;29(2):e190342. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-12902020190342
2. Lotufo JPB. Álcool, tabaco e maconha: drogas pediátricas: o envolvimento do pediatra e da família na prevenção. 2ª ed. São Paulo: Dr. Bartô e os Doutores da Saúde; 2019.
3. Araújo AJ. Quais são as evidências de doenças atribuíveis ao tabagismo nas crianças e adolescentes? In: Araújo AJ, org. Manual de condutas e práticas em tabagismo. São Paulo: GEN Editorial; 2012. p. 78-81.
4. Instituto Nacional do Câncer (INCA). Tabagismo entre brasileiros sobe 0,5% de acordo com última pesquisa Vigitel [Internet]. Brasília (DF): INCA; 2020; [acesso em 2020 Set 20]. Disponível em: https://www.inca.gov.br/noticias/tabagismo-entre-brasileiros-sobe-05-de-acordo-com-ultima-pesquisa-vigitel
5. Lotufo JPB. Os 12 passos para evitar a armadilha dos vícios [Internet]. São Paulo: Dr. Bartô e os Doutores da Saúde; 2021; [acesso em 2020 Set 20]. Disponível em: https://www.drbarto.com.br/os-12-passos-para-evitar-a-armadilha-dos-vicios-2/
Hospital Universitário da USP, Pediatria - São Paulo - Brasil
Endereço para correspondência:
João Paulo Becker Lotufo
Hospital Universitário da USP
Av. Prof. Lineu Prestes, nº 2565, Butantã
São Paulo, SP, Brasil. CEP: 05508-000
E-mail: jlotufo@hu.usp.br
Submitted on: 30/04/2022
Approved on: 01/05/2022