ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Ética Médica - Ano 2022 - Volume 12 - Número 2

Aspectos éticos no abuso de drogas por crianças e adolescentes

Ethical aspects of drug abuse by children and adolescents


O Dia Internacional de Combate às Drogas1 é celebrado em 26 de junho, data definida na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, por meio da Resolução no 42/112, do dia 7 de dezembro de 1987. A decisão da ONU visava conscientizar a população a respeito dos riscos e malefícios que as drogas trazem aos indivíduos que a consomem e a toda a sociedade. O uso e, principalmente, o abuso das drogas lícitas (que não são proibidas por lei) e das ilícitas (que são proibidas) são prejudiciais e tem íntima ligação com a violência urbana. O uso de drogas pode levar a danos, inclusive à morte, sejam as provocadas pelo seu consumo direto (infarto agudo do miocárdio, acidente vascular encefálico, cirrose hepática, cânceres e insuficiência renal, entre outros) e as provocadas indiretamente, como acidentes e homicídios cometidos por pessoas sob o seu efeito e as mortes provocadas pelo tráfico.

A Constituição Federal de 19882, em seu artigo 144, diz que “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio... §1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)... II- prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência”.

Tanto as drogas lícitas quanto as ilícitas são perigosas e devem ser igualmente combatidas; e que em indivíduos abaixo de 18 anos o álcool e o cigarro são e devem ser tratadas como ilícitas.

Estatuto da Criança e do Adolescente3:

Artigo 81: É proibida a venda à criança ou ao adolescente de “bebidas alcoólicas e produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica ainda que por utilização indevida”.

Artigo 243: A punição para aqueles que vendam, forneçam ainda que gratuitamente, ministrem ou entreguem, de qualquer forma, a criança ou adolescente, sem justa causa, produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, é de “detenção de dois a quatro anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave”. 

I Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas (2001)4:

52,2% dos adolescentes do sexo masculino já usaram álcool e outras drogas na vida. No caso das meninas com idade entre 12 e 17 anos a porcentagem é de 44,7%.

O tabaco é a substância mais consumida pelos homens (46,2 %) e pelas mulheres (36,3%). Quanto à maconha, 10,6% dos homens e 3,4% das mulheres admitem já ter feito uso.

As substâncias ilícitas mais comuns são as voláteis (cola de sapateiro, refil de isqueiro e lança-perfumes), maconha e cocaína. As voláteis assim como as legais são mais consumidas devido ao seu fácil acesso e baixo custo.

III Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas na População Brasileira (2015) FIOCRUZ5:

Desde 17 de março de 2015, a Lei no 13.106 alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), tornando crime “vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar, ainda que gratuitamente, de qualquer forma, a criança ou a adolescente, bebida alcoólica ou, sem justa causa, outros produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica”. Apesar destas condutas estarem previstas anteriormente, como contravenção penal, no ECA, aproximadamente sete milhões (34,3%) dos indivíduos menores de 18 anos reportaram ter consumido álcool na vida, e 22,2% consumiram nos últimos 12 meses. O consumo nos últimos 30 dias, foi reportado por 8,8% dos adolescentes de 12 a 17 anos, e 5,0% (um milhão de adolescentes) reportou o consumo em binge, que é beber em uma única ocasião cinco ou mais doses, para homens, ou quatro ou mais doses, para mulheres (NIAAA, 2004).

No Brasil há legislação específica que proíbe a venda de cigarros à menores de 18 anos (Lei nº 10.702/2003), além do ECA, que também estabelece como proibitivo o fornecimento, ainda que gratuitamente, de substâncias que podem causar dependência. Mesmo assim, a pesquisa revelou que cerca de 1,3 milhões de adolescentes de 12 a 17 anos já consumiram cigarros industrializados na vida. O consumo nos últimos 30 dias é reportado por de 2,4% dos adolescentes, o que corresponde a quase meio milhão de adolescentes. Em relação às demais faixas etárias, temos que as maiores prevalências de consumo de cigarros industrializados nos últimos 30 dias foram observadas nas faixas etárias de 45 a 54 anos e de 55 a 65 anos de idade, tendo sido estas estatisticamente superiores às prevalências nas faixas etárias de adultos jovens (18 a 24 anos e 25 a 34 anos).

As estimativas para idade de primeiro consumo de algum medicamento não prescrito entre menores de 18 anos precisam ser analisadas com cautela. Considerando o pequeno tamanho de amostra, os intervalos de confiança apresentam grande magnitude, o que indica baixa precisão. A mediana de idade do primeiro consumo foi de 12,9 anos e não foi observada diferença estatisticamente significativa entre homens e mulheres.

O consumo de substâncias ilícitas na vida, nos últimos 12 meses e nos 30 dias anteriores se concentrou claramente nas faixas etárias intermediárias, especialmente entre os adultos mais jovens (25-34 anos), com valores igualmente mais elevados, embora não tão pronunciados nas faixas mais próximas (18-14 anos e 35-44 anos) (Tabela 5.2). De forma complementar, observam-se estimativas mais baixas nas faixas que poderíamos definir como extremas, no contexto das faixas etárias compreendidas pelo levantamento, 112 Versão: 05/07/2018 com padrões de consumo substancialmente mais baixos entre os muito jovens (12-17 anos) e mais velhos (55-65 anos), sendo importante ressaltar aqui que, dada a definição a priori do limite superior de idade especificada no edital, não é possível fazer inferências sobre o consumo de substâncias ilícitas para a população com mais de 65 anos.

Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD)6 - Artigo 3:

Finalidade de “articular, integrar, organizar e coordenar as atividades relacionadas com a prevenção do uso indevido, a atenção e a reinserção social de usuários e dependentes de drogas e a repressão da produção não autorizada e do tráfico ilícito de drogas”.

É muito importante que o pediatra haja na prevenção dos fatores de risco e que esteja atento, durante a anamnese e o exame físico, em dados que permitam o pronto diagnóstico do uso ou abuso de drogas.

Modelo AADDOLESSE7 de entrevista psicossocial do adolescente (atividades e amigos/alimentação e imagem corporal/drogas/depressão e suicídio/ocupação/lar e família/educação/sexualidade/segurança/espiritualidade):

D - DROGAS:

Você tem amigos ou familiares que fumam? Álcool? Outras drogas?

Você fuma ou usa cigarros eletrônicos? Álcool? Outras drogas? Bebidas energéticas?

Você já tentou parar de fumar? Cortar outras drogas?

Fatores de risco para abuso de drogas por crianças e adolescentes:


• Curiosidade;

• Procura pelo prazer;

• Aceitação do grupo social;

• Modismo;

• Transtornos de comportamento;

• Baixa autoestima;

• Genética;

• Dinâmica familiar;

• Medicalização de sociedade;

• Problemas psicológicos.


O Código de Ética Médica8, em seu artigo 74 do capítulo IX - Sigilo profissional, diz que “É vedado ao médico... Revelar sigilo profissional relacionado a paciente menor de idade, mesmo a seus pais ou representantes legais, desde que o menor tenha capacidade de discernimento, salvo quando a não revelação possa acarretar dano ao paciente”. Um caso de abuso de drogas ou mesmo o uso de droga que costuma viciar em uma única experiência se enquadra nas situações que justificam a quebra do sigilo do paciente pediátrico, já que a manutenção do sigilo pode causar dano ao paciente, tratando-se de um caso em que a quebra do sigilo é fundamentada pela justa causa.


REFERÊNCIAS

1. Governo do Distrito Federal (GDF). Agência Brasília [Internet]. Brasília (DF): GDF; 2021; [acesso em 2022 Jun 20]. Disponível em: https://www.agenciabrasilia.df.gov.br/

2. Presidência da República (BR). Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília (DF): Presidência da República; 1988.

3. Senado Federal (BR). Estatuto da criança e do adolescente. Brasília (DF): Senado Federal/Coordenação de Edições Técnicas; 2017.

4. Carlini EA, Galduróz JCF, Noto AR, Nappo SA. I Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 107 maiores cidades do país - 2001. São Paulo: Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID)/Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP); 2002.

5. Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). III Levantamento Nacional sobre o uso de drogas pela população brasileira. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2017.

6. Câmara dos Deputados (BR). Sistema Nacional de Políticas Públicas Sobre Drogas (SISNAD). 2ª ed. Brasília (DF): Edições Câmara; 2012.

7. Barbosa MM, Blank D. A consulta do adolescente. In: Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Tratado de pediatria brasileira. 4ª ed. Rio de Janeiro: Manole; 2017. p. 353-362.

8. Conselho Federal de Medicina (CFM). Código de Ética Médica: Resolução CFM n° 2.217, de 27 de setembro de 2018, modificada pelas Resoluções CFM nº 2.222/2018 e 2.226/2019. Brasília (DF): CFM; 2018.










Professor Adjunto de Saúde da Criança e do Adolescente da Universidade Iguaçu (UNIG), Nova Iguaçu, RJ. Membro do Conselho Fiscal da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Presidente da Regional Lagos da Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro (SOPERJ). Membro titular da Academia Brasileira de Medicina Militar (ABMM). Membro titular da Academia de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (ACAMERJ). Coordenador da UTI neonatal da Maternidade Municipal Mariana Bulhões, Nova Iguaçu, RJ

Endereço para correspondência:

Carlindo Machado e Silva
Universidade Iguaçu
Rua Abílio Augusto Távora, nº 2134, Nova Iguaçu
Rio de Janeiro - RJ. Brasil. CEP: 26275-580
E-mail: carlindomachadosilva@gmail.com

Data de Submissão: 24/06/2022
Data de Aprovação: 12/07/2022