ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2022 - Volume 12 - Número 3

Cânula nasal de alto fluxo em pediatria: quando, como e por quê?

High Flow Nasal Cannula in pediatrics: when, how, and why?

RESUMO

OBJETIVOS: Realizar uma revisão bibliográfica não sistematizada e propor um fluxograma de utilização da CNAF em pediatria.
MÉTODOS: Trata-se de uma revisão não sistemática, onde foram selecionados estudos publicados nos últimos cinco anos com o objetivo de propor um fluxograma para orientação do uso da CNAF em pediatria.
RESULTADOS: Obtiveram-se 34 artigos, quinze foram excluídos por abordarem apenas a população neonatal, cinco por não tratarem do tema, um por não trazer o texto completo e um por ser protocolo de estudo. Além dos doze artigos da busca inicial, foram incluídos mais onze artigos considerados relevantes ao objetivo da revisão, selecionados a partir das listas de referências. A partir dos dados obtidos dos artigos selecionados, foi relatado sobre a definição da terapia, componentes do aparelho, parâmetros a serem ajustados, os mecanismos de ação, as indicações e contraindicações, benefícios e possíveis complicações de seu uso resultando em um fluxograma de uso da terapia.
CONCLUSÃO: Estudos sugerem que o alto fluxo é um método seguro, bem tolerado e de fácil aplicação. Além disso, pode evitar a necessidade de ventilação mecânica não invasiva e invasiva. Um fluxograma para otimização do seu uso em pediatria, pode ser vantajoso para o sucesso da terapia.

Palavras-chave: Pediatria, Oxigenoterapia, Insuficiência Respiratória Aguda, Cânula.

ABSTRACT

OBJECTIVES: to carry out a non-systematized bibliographic review and propose a flowchart for the use of HFNC in pediatrics.
METHODOLOGY: this is a non-systematic review, where studies published in the last five years were selected with the aim of proposing a flowchart to guide the use of HFNC in pediatrics.
RESULTS: we found 34 papers, fifteen were excluded because they only addressed the neonatal population, five because they did not address the topic, one because it did not have the full text and one because it was a study protocol. In addition to the twelve papers in the initial search, we included eleven more papers considered relevant to the objective of this review, selected from the reference lists. From the data obtained in the selected papers, we report on the definition of therapy, components of the device, parameters to be adjusted, mechanisms of action, indications and contraindications, benefits and possible complications of its use, resulting in a flowchart for using this treatment modality.
CONCLUSION: studies suggest that high flow is a safe, well-tolerated and easy-to-apply method. In addition, it can avoid the need for non-invasive and invasive mechanical ventilation. A flowchart to optimize its use in pediatrics can be advantageous for the success of therapy.

Keywords: Pediatrics, Oxygen therapy, Acute respiratory failure, Cannula.


INTRODUÇÃO

Aproximadamente 75% das crianças que internam nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI) necessitam de algum tipo de suporte ventilatório, independente de qual tenha sido o motivo de internamento1. Crianças com esforço respiratório significante podem precisar de ventilação invasiva, o que pode gerar injúria pulmonar induzida pela ventilação, necessidade de sedação prolongada e infecções respiratórias associadas à ventilação. Dessa forma, sempre que possível, deve ser priorizado o uso de ventilação não invasiva (VNI) como, por exemplo, a terapia por cânula nasal de alto fluxo (CNAF), que durante a última década emergiu como um novo método para prover suporte ventilatório em pacientes com insuficiência respiratória1.

A CNAF, tem como objetivo aumentar o volume de ar e de oxigênio, aquecidos e umidificados, através das vias aéreas, utilizando fluxos acima de 6L/min. O fluxo alto e contínuo cria um grau de pressão nas vias aéreas, gerando um certo nível de pressão positiva expiratória final (PEEP), além de lavar o espaço morto das vias aéreas altas2. Os resultados são redução do trabalho respiratório e melhora da troca gasosa, além da diminuição na necessidade de intubação orotraqueal3. Além disso, devido ao fato de o ar ser aquecido e umidificado, esse método tende a ser melhor tolerado por crianças3.

Devido aos seus efeitos fisiológicos, a CNAF é capaz de reduzir a frequência respiratória, a frequência cardíaca e a pressão de gás carbônico, além de aumentar a saturação de oxigênio, já na primeira hora de uso4. A CNAF também é capaz de reduzir o gasto energético da musculatura respiratória, sendo importante, principalmente, nas crianças menores, pois sua musculatura é pobre em fibras oxidativas, o que aumenta a vulnerabilidade à fadiga muscular, quando expostas a um esforço respiratório importante5.

A sua instalação é simples e rápida, os parâmetros a serem ajustados são a temperatura, o fluxo de ar (em L/min) e a fração inspirada de oxigênio. O aparelho consiste em uma pronga nasal acoplada a um circuito que fornece ar quente e úmido, misturando oxigênio com ar comprimido através de um blender, e isso permite um controle preciso da concentração de oxigênio e do fluxo inspiratório que chegam ao paciente pela cânula nasal. Além disso, ele tem um umidificador potente, que permite que o oxigênio entre nos pulmões de maneira muito similar à que ocorreria fisiologicamente em condições normais6.

Sabendo dos benefícios da terapia de CNAF, o objetivo deste estudo foi realizar uma revisão atual da literatura sobre o uso da cânula nasal de alto fluxo em pediatria, visando propor um fluxograma para o uso da cânula nasal de alto fluxo em um serviço de pediatria.


MÉTODOS

Foi realizado uma revisão de literatura não sistemática sobre cateter nasal de alto fluxo na população pediátrica (28 dias de vida a 14 anos de idade), sendo excluído os estudos realizados em neonatologia. Foram utilizadas as palavras chave “high-flow nasal cannula” e “children” e os seus equivalentes em língua portuguesa. As bases de dados consultadas foram PubMed, Cochrane Library, LILACS e SciELO. As listas de referências dos estudos inicialmente selecionados foram consultadas para identificar publicações relevantes adicionais. Filtros foram adicionados para selecionar estudos publicados nos últimos 5 anos e que correspondessem a metanálises, revisões sistemáticas e estudos clínicos prospectivos e randomizados. Não houve restrição de idioma na busca.


REVISÃO DA LITERATURA

Revisão de literatura não sistematizada realizada de acordo com o fluxograma a seguir:




A partir dos dados obtidos dos artigos selecionados, foi relatado sobre a definição da terapia, componentes do aparelho, parâmetros a serem ajustados, os mecanismos de ação, as indicações e contraindicações, benefícios e possíveis complicações de seu uso.

Cânula nasal de alto fluxo

A denominação correta da cânula nasal de alto fluxo (CNAF) é oxigenoterapia com CNAF umidificada e aquecida7,8. Trata-se de um método de suporte respiratório não invasivo relativamente novo, usado em casos de dificuldade respiratória8,9.

Esse método consiste em um sistema onde o oxigênio (O2) é aquecido, umidificado, titulado e entregue via cânula nasal para fornecer uma mistura gasosa em diferentes vazões, onde altas concentrações de oxigênio e pressão são contínuas nas vias aéreas10.

Atualmente, para ser considerado “alto fluxo”, a vazão de gás deve ser maior que 6 litros por minuto (L/min), podendo ser utilizadas taxas de até 30 litros por minuto em crianças8,10.

O equipamento da CNAF consiste em um sistema fechado, que geralmente compreende um misturador de oxigênio e que regula o fluxo de ar pressurizado; um reservatório de água; um aquecedor e umidificador; um circuito aquecido isolado que verifica e protege a temperatura e a umidade relativa do gás condicionado entregue ao paciente; e uma cânula nasal especial. Os parâmetros, que devem ser definidos antes do início da terapia incluem: temperatura, fluxo de gás (em litros por minuto) e concentração de oxigênio na mistura gasosa6.

O uso da CNAF requer habilidades técnicas mínimas e o treinamento pode ser fornecido dentro de um curto período de tempo para aqueles que estão menos familiarizados com a terapia11.


Figura 1. Componentes do aparelho de alto fluxo: um blender de oxigênio, um reservatório de água, umidificador, aquecedor, o circuito aquecido, e a cânula nasal13.



Não há consenso quanto ao fluxo ideal em pacientes pediátricos. Comumente as vazões são reguladas de acordo com o peso corporal. Enquanto alguns recomendam o uso de 1L/kg/min, outros sugerem 2 a 3L/kg/min6,7,12. De acordo com a literatura, recomenda-se iniciar com um fluxo de 4-6L/min, e progredir até o fluxo alvo conforme o peso do paciente9.

O equipamento permite que a FiO2 possa ser ajustada entre 0,21 e 1,02,7,9. Sugere-se que inicialmente seja 0,4, podendo ser aumentada conforme a oximetria de pulso, buscando uma saturação de oxigênio (SpO2) maior que 92%9.

A temperatura do gás geralmente é mantida constante, cerca de 1 a 2°C abaixo da temperatura corporal9. Desta forma, a temperatura recomendada para crianças varia de 34 a 37°C. Para obter a umidade ideal, próxima a 100%, os valores próximos a 37 °C são mais benéficos6,7.

O tamanho da cânula varia de acordo com a idade e o peso corporal, mas os fabricantes recomendam que a área da secção transversal da cânula não exceda 50% da área do orifício das narinas, devido ao risco de aprisionamento de ar, elevações inesperadas na pressão das vias aéreas e conseguinte risco de pneumotórax2,7. Ao mesmo tempo, as prongas nasais devem se encaixar confortavelmente nas narinas e impedir a entrada de ar ambiente ao redor da cânula, um problema que ocorre nas cânulas nasais padrão2. Os fabricantes oferecem diversos tamanhos de cânula, desde as menores para recém-nascidos prematuros, bem como para crianças de várias idades, até cânulas de tamanho adulto. Cada fabricante possui uma vazão máxima de fluxo para cada tamanho de cânula2.




Quanto ao mecanismo de ação da CNAF, os principais benefícios da terapia são: “lavagem” das vias aéreas, a geração de pressão expiratória final positiva (PEEP), o aumento da fração inspirada de oxigênio, a melhora da mecânica respiratória e a melhor adaptação dos pacientes quando comparado a outros métodos de suporte ventilatório.


Figura 2. Efeitos fisiológicos da CNAF nas vias aéreas12.



A teoria da lavagem do espaço morto nasofaríngeo explica os efeitos observados na CNAF. O ar presente na nasofaringe e traqueia apresenta alta proporção de CO2 no final da expiração durante uma respiração normal. Esse ar é incorporado ao ar oxigenado no próximo ciclo respiratório, o que diminui a eficiência das trocas gasosas9. Nos pacientes que recebem terapia com CNAF, o gás fresco rico em oxigênio cobre rapidamente a cavidade nasal, faringe e traqueia, enquanto o gás rico em CO2 é lavado dos espaços mortos através do fluxo gerado pelo aparelho, melhorando a ventilação alveolar e reduzindo os efeitos da reinalação. Assim, o CO2 é excretado e o equilíbrio ventilação-perfusão é restaurado11,13.

Vale ressaltar que o espaço morto extratorácico por quilograma de peso corporal diminui exponencialmente com o aumento da idade. Em crianças pequenas, ele é até três vezes maior em comparação com adultos. Isso sugere que o efeito da lavagem do espaço morto é especialmente importante em crianças mais jovens9,11.

O fornecimento de PEEP é fundamental para todas as técnicas de ventilação não invasiva. A CNAF gera uma pressão positiva nas vias aéreas, desencadeando recrutamento alveolar de áreas colapsadas e a elevação da capacidade residual funcional7,11.

Há algum debate sobre o nível de PEEP fornecida por dispositivos de alto fluxo. Os valores exatos podem variar de paciente para paciente, pois fatores como o tamanho da criança, o tamanho da cânula, a taxa de fluxo de litros que está sendo entregue e a respiração boca aberta versus respiração boca fechada (a pressão pode escapar quando a boca do paciente está aberta) interferem diretamente nesses valores2. As melhores estimativas são de 1cmH2O de PEEP para cada 10L/min de fluxo administrado com a boca fechada. Essa pressão expiratória final positiva pode estar entre 2 e 6cmH2O2,14.

A CNAF reduz a entrada de ar ambiente, desta forma minimiza a diluição da composição desejada de gás e melhora a oxigenação quando comparado aos dispositivos de baixo fluxo7,10,11.

Uma quantidade significativa de energia é gasta pelas crianças para aquecer e umidificar os gases durante uma respiração normal. Além disso, as narinas e as vias nasais têm uma grande área de superfície e causam alta resistência nas vias aéreas9,11. A utilização da CNAF fornece um fluxo igual ou superior ao pico da pressão inspiratória do paciente, neutralizando a área em que há maior resistência no trato respiratório. Dessa forma, previne o colapso nasofaríngeo, que normalmente ocorre durante a respiração espontânea9,11.

O oxigênio aquecido e umidificado dispensado pela CNAF também pode melhorar a depuração mucociliar, diminuir a inflamação das vias aéreas, não induzir broncoconstrição (como ocorre com o gás frio) e diminuir o gasto de energia no cenário da insuficiência respiratória aguda2,7,14. Além disso, o ar aquecido e umidificado não irrita a mucosa respiratória, levando a um maior conforto e menor ressecamento das mucosas2,11.

Outro ponto de destaque é que o contato da cânula nasal ocorre, principalmente, nas narinas e nas bochechas, reduzindo o risco de lesões cutâneas na face, em comparação com as interfaces usadas em outros modos de VNI, nos quais a máscara apertada pode ser desconfortável para muitos pacientes2,11.

Indicações da cânula nasal de alto fluxo

A CNAF foi introduzida pela primeira vez para tratar bebês prematuros como uma alternativa ao CPAP, mas, recentemente, um aumento acentuado no uso da CNAF tem sido observado no atendimento de lactentes e crianças pequenas hospitalizadas com bronquiolite8.

Apesar da necessidade de mais estudos, existem evidências crescentes de seu uso em outras doenças como pneumonia, sepse, crupe, asma e síndrome respiratório causada pela COVID-19. Pode ser útil como como ponte para intubação e suporte pós-extubação, apneias recorrentes, suporte respiratório pós-operatório, insuficiência cardíaca e obstrução das vias aéreas superiores2,7,9,11.

A CNAF se mostrou superior à oxigenoterapia convencional para reduzir o desconforto respiratório em crianças com asma, de 1 a 14 anos, que apresentaram exacerbações de asma moderada a grave15.

Quanto ao uso após extubação, um estudo prospectivo randomizado demonstrou que, embora mais caro, o uso da CNAF pode ter mais vantagens em reduzir o risco de falha na extubação em crianças gravemente doentes, em comparação com o oxigênio padrão16.

A resposta positiva ao tratamento é expressa por meio da redução da frequência respiratória e do esforço respiratório, da redução da frequência cardíaca, da melhora da oxigenação sanguínea, do aumento do pH e da diminuição da pCO2 em relação à avaliação inicial6. Outro parâmetro utilizado para avaliar a resposta da terapia é a relação PaO2/FiO2, que deve aumentar após a primeira hora do início do alto fluxo4.

Cabe ressaltar que independente da indicação, a avaliação dos pacientes após a primeira hora de terapia é essencial para o prognóstico e permite distinguir os pacientes que necessitam de métodos mais avançados de suporte respiratório6,11. A monitorização constante determina o escalonamento da terapia quando necessário, e deve ser de hora em hora nas primeiras seis horas de tratamento11.

Contraindicações e grupos de risco

As contraindicações absolutas para a CNAF incluem anormalidades das vias aéreas superiores, hipóxia com risco de vida, instabilidade hemodinâmica, trauma facial nos ossos ou na base do crânio e pneumotórax7.

Os grupos de risco para falha na terapia incluem crianças com taquipneia maior que o percentil 90 para a idade, pacientes com sinais de fadiga e crianças com acidose respiratória (pH<7,3) com acúmulo de pCO2 acima de 50mmHg6. A baixa SpO2 inicial e razão PaO2/FiO2 menor que 195 nas primeiras horas de tratamento também estão relacionadas à falha de resposta à terapia com CNAF4,6,9. Contudo, esses fatores não contraindicam o uso da terapia, porém demandam reavaliações constantes.

Além disso, a CNAF deve ser aplicada com cuidado em pacientes com diminuição do nível de consciência, cardiopatia congênita, asma aguda ou insuficiência respiratória crônica7,9.

Uma das desvantagens do uso da CNAF é o certo grau de experiência necessária para decidir qual criança gravemente doente se beneficiaria dessa forma de suporte respiratório não invasivo em relação a outros modos. A decisão é importante para minimizar o atraso na utilização da melhor ferramenta para o tratamento de uma criança com dificuldade respiratória6,11.

Complicações do tratamento

Na maioria dos estudos não foram demonstrados efeitos adversos significativos do uso da CNAF3,6,7. Uma complicação bem conhecida da CNAF é o barotrauma. Entretanto, pneumotórax grave em crianças tem sido pouco relatado7. No estudo de Franklin et al. (2018)3, com 1.472 pacientes, houve apenas um caso de pneumotórax. Apesar da baixa incidência, uma observação cuidadosa é obrigatória, uma vez que foi relatado barotrauma mesmo em condições de baixo fluxo7. Complicações leves como epistaxe e lesão de mucosas já foram relatadas, e distensão abdominal pode ser observada nas crianças6,7,9.

Comparação entre CNAF x Ventilação não invasiva (VNI)

CNAF, como já citado, é uma alternativa de suporte respiratório para crianças que apresentam insuficiência respiratória aguda hipoxêmica, sendo considerado menos invasivo, melhor tolerado e possibilita a redução de comorbidades associadas à intubação e uso de VM17,18.

Assim como a CNAF, a VNI também é utilizada para casos de insuficiência respiratória, tanto aguda quanto crônica19. Seus benefícios já estão bem descritos na literatura, como redução do trabalho respiratório através do aumento do fluxo e massa de ar, melhorando assim, a ventilação alveolar17,19. Porém, a VNI pode não ser bem tolerada por alguns pacientes, principalmente pela má adaptação à máscara19.

Estudos comparando os dois modos de suporte respiratório têm sido cada vez mais frequentes na população pediátrica. Um estudo realizado por Habra et al. (2019)17 comparou a CNAF e VNI no manejo de crianças com bronquiolite e observou que a CNAF está associada a uma taxa maior de falha quando comparada com CPAP/BiPAP. Já o estudo de Metge et al. (2014)18 não encontrou diferença entre a CNAF e CPAP no tratamento de bronquiolite grave.

Um estudo realizado por Santana et al. (2020)19 verificou que ambos os recursos são eficazes na prevenção da intubação e prevenção de internação em UTI pediátrica, não havendo superioridade entre elas. Ainda citam que, o que pode interferir na escolha, é a aceitação do paciente, sendo que, a CNAF pode ter uma vantagem pela menor sensação de claustrofobia (gerada pela máscara) e pelo benefício de oferecer ar aquecido.


FLUXOGRAMA PROPOSTO

Os pacientes que chegarem ao serviço com quadro de insuficiência respiratória aguda deverão passar por uma avaliação inicial para definir os que têm indicação de ser tratados com CNAF. A faixa etária que o fluxograma propõe é de 28 dias de vida a 14 anos de idade, sendo essa a faixa etária atendida pelo serviço. Devem ser selecionadas para a terapia as crianças que se apresentarem com pelo menos um dos critérios abaixo:


1. Hipoxemia;
2. Hipercapnia;
3. Sinais de desconforto respiratório (uso de musculatura acessória, retração subcostal, intercostal, supraesternal, taquipneia ou gemência).


Pacientes que preencham critérios de exclusão, como anormalidades anatômicas das vias aéreas superiores ou trauma facial, ou os que se apresentarem com hipoxemia severa, acidose ou esforço respiratório grave, podem necessitar de VNI ou invasiva, não sendo elegíveis para o tratamento inicial com CNAF1.

O fluxo inicial para uso da CNAF em crianças de até 10kg deverá ser de 2L/kg/min e para crianças maiores de 10kg deverá ser de acordo com a Tabela 2 exposta no fluxograma (Figura 3)1. A FiO2 deve ser titulada para manter uma saturação de O2 maior que 92%.




Figura 3. Fluxograma para a utilização da CNAF em pediatria (28 dias de vida a 14 anos).
Fonte: Os autores.



Os pacientes deverão ser reavaliados de hora em hora nas primeiras seis horas. Os critérios considerados na avaliação da resposta ao tratamento são: melhora, persistência ou piora do esforço respiratório, necessidade de FiO2>60%, pH<7,2 com PCO2>56mmHg1. Outros critérios que deverão ser avaliados são a frequência cardíaca e a frequência respiratória. Ambas deverão baixar em relação aos seus valores iniciais, para o tratamento ser considerado efetivo. Se seus valores se mantiverem ou aumentarem, será considerada falha na terapia21. Er et al. (2018)4 sugere também a monitorização da relação PaO2/FiO2. Se o valor inicial for menor que 195, há maior chance de falha na terapia1.

Os pacientes que apresentarem redução da frequência cardíaca e respiratória, melhora do esforço respiratório e melhora gasométrica durante esse tempo de observação já poderão iniciar o desmame, reduzindo gradativamente a FiO2 e o fluxo, podendo ser retirados da CNAF quando a FiO2 for menor que 40% e o fluxo menor que 50% do fluxo inicial.

Os pacientes que não obtiverem redução da frequência cardíaca e respiratória, apresentarem piora do esforço respiratório, piora da gasometria e necessitarem FiO2 maior que 60% para manter saturação mínima de 92% devem ser escalonadas para outra terapia, podendo ser outro modo de VNI ou invasiva1.


CONCLUSÃO

Os estudos disponíveis atualmente sugerem que a CNAF é um método relativamente seguro, bem tolerado e de fácil aplicação. Seus mecanismos fisiológicos possibilitam uma distensão contínua das vias aéreas, o que pode ser a principal razão para a melhora do trabalho respiratório. A CNAF também pode reduzir a necessidade de escalonamento para terapia de ventilação não invasiva ou invasiva, além de ser útil para uso após extubação. Um fluxograma para otimização do seu uso em pediatria, pode ser vantajoso para o sucesso da terapia.


REFERÊNCIAS

1. Ramnarayan P, Lister P, Dominguez T, Habibi P, Edmonds N, Canter RR, et al. FIRST-line support for Assistance in Breathing in Children (FIRST-ABC): A multicentre pilot randomised controlled trial of high-flow nasal cannula therapy versus continuous positive airway pressure in paediatric critical care. Crit Care. 2017 Jun;22(1):144.

2. Lodeserto FJ, Lettich TM, Rezaie SR. High-flow nasal cannula: mechanisms of action and adult and pediatric indications. Cureus. 2018;10(11):e3639.

3. Franklin D, Babl FE, Schlapbach LJ, Oakley E, Craig S, Neutze J, et al. A randomized trial of high-flow oxygen therapy in infants with bronchiolitis. N Engl J Med. 2018 Mar;378(12):1121-31.

4. Er A, Çağlar A, Akgül F, Ulusoy E, Çitlenbik H, Yılmaz D, et al. Early predictors of unresponsiveness to high-flow nasal cannula therapy in a pediatric emergency department. Pediatr Pulmonol. 2018 Jun;53(6):809-15.

5. Milési C, Pierre AF, Deho A, Pouyau R, Liet JM, Guillot C, et al. A multicenter randomized controlled trial of a 3-L/kg/min versus 2-L/kg/min high-flow nasal cannula flow rate in young infants with severe viral bronchiolitis. Intensive Care Med. 2018 Nov;44(11):1870-8.

6. Zielińska A, Jassem-Bobowicz J, Kwiatkowska J. Oxygen therapy with high-flow nasal cannulas in children with acute bronchiolitis. Anaesthesiol Intensive Ther. 2019;51(1):51-5.

7. Kwon JW. High-flow nasal cannula oxygen therapy in children: a clinical review. Korean J Pediatr. 2020 Jan;63(1):3-7.

8. Mikalsen IB, Davis P, Øymar K. High flow nasal cannula in children: a literature review. Scand J Trauma Resusc Emerg Med. 2016 Jul;24(1):93.

9. Yurtseven A, Turan C, Erseven E, Saz EU. Comparison of heated humidified high-flow nasal cannula flow rates (1-L·kg·min-1 vs 2-L·kg·min-1) in the management of acute bronchiolitis. Pediatric Pulmonol. 2019 Jun;54(6):894-900.

10. Al-Subu A, Hagen S, Eldridge M, Boriosi J. Aerosol therapy through high flow nasal cannula in pediatric patients. Expert Rev Respir Med. 2017 Dez;11(12):945-53.

11. Wang J, et al. High flow nasal cannula in the emergency department: indications, safety and effectiveness. Expert Rev Med Devices. 2018 Dez;15(12):929-35.

12. Lyons C, Callaghan M. Uses and mechanisms of apnoeic oxygenation: a narrative review. Anesthesia. 2019 Abr;74(4):497-507.

13. Yurtseven A, Saz EU, Hennes H. Safety and efficacy of high-flow nasal cannula therapy in the pediatric emergency department. Turk J Pediatr Emerg Intensive Care Med. 2019 Dez;6(3):121-9.

14. Moreel L, Proesmans M. High flow nasal cannula as respiratory support in treating infant bronchiolitis: a systematic review. Eur J Pediatr. 2020 Mai;179(5):711-8.

15. Ballestero Y, Pedro J, Portillo N, Martinez-Mugica O, Arana-Arri E, Benito J. Pilot Clinical trial of high-flow oxygen therapy in children with asthma in the emergency service. J Pediatr. 2018;194:204-10.

16. Akyildiz B, Öztürk S, Ülgen-Tekerek N, Doğanay S, Görkem SB. Comparison between high-flow nasal oxygen cannula and conventional oxygen therapy after extubation in pediatric intensive care unit. Turk J Pediatr. 2018;60(2):126-33.

17. Habra B, Janahi IA, Dauleh H. A comparison between high-flow nasal cannula and nonivasive ventilation in the management of infants and young children with acute bronchiolitis in the PICU. Pediatr Pulmonol. 2019 Fev;55(2):455-61.

18. Metge P, Grimaldi C, Hassid S, Thomachot L, Loundou A, Martin C, et al. Comparison of a high-flow humidified nasal cannula to nasal continuous positive airway pressure in children with acute bronchiolitis: experience in a pediatric intensive care unit. Eur J Pediatr. 2014 Jul;173(7):953-8.

19. Santana SAA, Oliveira ECC, Mello MCR, Neves ADB, Cunha CD, Carvalho MPSA, et al. Benefícios e comparação na atuação do cateter nasal e da ventilação não invasiva em pediatria: uma revisão sistemática. Electr J Collect Health. 2020;(Supl 43):1-9.

20. Vahlkvist S, Jürgensen L, Cour A, Markoew S, Petersoen TH, Kofoed PE. High flow nasal cannula and continuous positive airway pressure therapy in treatment of viral bronchiolitis: a randomized clinical trial. Eur J Pediatr. 2020 Mar;179(3):513-8.

21. Lin J, Zhang Y, Xiong L, Liu S, Gong C, Sai J. High-flow nasal cannula therapy for children with bronchiolitis: a systematic review and meta-analysis. Arch Dis Child. 2019 Jun;104(6):564-76.

22. Chen DY, Zed GG, Fong EW. A pilot study of heated and humidified low flow oxygen therapy: an assessment in infants with mild and moderate bronchiolitis. Pediatr Pulmonol. 2019 Mai;54(5):620-7.

23. Kapur SV, Oswal JS, Sarangi B. Efficacy and safety of high-flow nasal cannula oxygen therapy in moderate and severe bronchiolitis. J Clin Diagn Res. 2019 Mai;31(2):156-63.

24. Franklin D, Dalziel S, Schlapbach LJ, Babl FE, Oakley E, Craig SS, et al. Early high flow nasal cannula therapy in bronchiolitis, a prospective randomised control trial (protocol): a pediatric acute respiratory intervention study. BMC Pediatr. 2015 Nov;15:183.










Complexo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Unidade de Medicina Intensiva - Curitiba - PR - Brasil

Endereço para correspondência:

Samara Damin
Hospital de Clínicas
R. Gen. Carneiro, 181 - Alto da Glória
Curitiba/PR, Brasil. CEP: 80060-900
E-mail: samaradamin@gmail.com

Data de Submissão: 15/10/2020
Data de Aprovação: 10/12/2020