ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2022 - Volume 12 - Número 3

Efeitos colaterais da isoniazida: relato de caso

Side effects of isoniazid: case report

RESUMO

O tratamento da infecção latente por tuberculose (ILTB) é uma medida preventiva importante e merece interesse internacional. Embora existam outros esquemas terapêuticos para ILTB o uso de isoniazida é consagrado. O presente relato de caso é de um menino de 9 anos com asma e epilepsia que apresentou reações adversas ao uso da isoniazida prescrita como tratamento para ILTB. Depois da retirada do medicamento, que foi substituído por rifampicina, o paciente apresentou melhora clínica.

Palavras-chave: Criança, Tuberculose Latente, Isoniazida, Efeitos Adversos.

ABSTRACT

Treatment of latent tuberculosis infection (LTBI) is an important preventive measure and deserves international interest. Although other LTBI treatment regimens exists, the use of isoniazid is established. The present case report is of a 9-year-old boy with asthma and epilepsy who presented adverse reactions to the use of isoniazid prescribed as a therapy for ILTB. After withdrawing the drug that was replaced by rifampicin, the patient showed clinical improvement.

Keywords: Child, Latent Tuberculosis, Isoniazid, Adverse Effects.


INTRODUÇÃO

A OMS estimou a ocorrência de um milhão de casos novos de tuberculose (TB) em menores de 14 anos em 2017, sendo que o maior número de casos e de óbitos ocorrem em menores de 5 anos1,2.

A prevenção da TB se baseia na vacinação BCG em recém-nascidos, no tratamento dos pacientes bacilíferos e no tratamento dos indivíduos com infecção latente por TB (ILTB). A ILTB caracteriza-se pela presença de contato com adulto com TB, ausência de sinais clínicos e radiológicos de TB e presença de prova tuberculínica (PT) reatora3.

Deve-se investigar o possível convívio próximo da criança com paciente adulto com TB, considerado o caso-índice4. A criança contato, se assintomática, com radiografia de tórax normal e prova tuberculínica igual ou superior a 5mm é considerada um caso de ILTB5.

O tratamento da ILTB é preconizado no controle da TB, pois permite evitar casos de doença no futuro e, consequentemente, reduz a transmissão da doença. Consideram-se elegíveis para tratamento as pessoas a quem tenha sido efetuado o diagnóstico de ILTB e que pertençam a um grupo de risco de evolução para TB ativa.

Atualmente no Brasil são indicados dois regimes de tratamento da ILTB: 6 a 9 meses de isoniazida (INH) e 4 meses de rifampicina (RMP). Além disso, foi recém-implantado o Sistema da Notificação de Tratamento da ILTB visando o monitoramento, avaliação e vigilância de casos e eventuais efeitos adversos6.

A INH é um dos mais importantes fármacos no tratamento da ILTB, utilizada desde 1952. Tem estrutura simples, constituída de um anel piridina e um grupo hidrazida, e sua concentração inibitória mínima (CIM) para o Mycobacterium tuberculosis varia de 0,02-0,20μg/mL7.

Atua com função bactericida sobre os bacilos de multiplicação rápida, mas tem ação restrita sobre os bacilos de crescimento lento (geralmente intracelulares) e aqueles de multiplicação intermitente (geralmente extracelulares). Apresenta elevada solubilidade em água, com maior estabilidade em pH 6,6, distribui-se em todos os fluídos e tecidos corporais incluindo sistema nervoso central. Os eventos adversos mais importantes descritos na literatura são neurológicos e hepáticos, ambos raros em crianças. Os níveis séricos da medicação em crianças e adultos dependerão da velocidade de acetilação (rápida, intermediária ou lenta), determinada pela N-acetiltransferase genótipo-2 que difere entre os grupos étnicos. A INH é utilizada na profilaxia da TB na dose de 10mg/kg ao dia até o máximo de 300mg8,9.

Reações adversas graves à INH podem levar à mudança de esquema de tratamento. As reações adversas mais graves são6:


a) Psicose, crise convulsiva, confusão mental e coma: são manifestações menos frequentes, mais graves e, por vezes, de difícil diagnóstico. Deve-se considerar o diagnóstico diferencial com meningite tuberculosa e encefalopatia hepática. Há relatos de tentativa de suicídio com o uso da isoniazida.
b) Alterações hematológicas ou vasculite: são raras e ocorrem por hipersensibilidade.
c) Neuropatia periférica: ocorre em cerca de 20% dos casos. É dose dependente e incomum quando a posologia é de 5mg/kg ao dia. A frequência aumenta com doses maiores que 300mg/dia. O risco de polineurite aumenta em condições associadas, tais como idade avançada, diabetes mellitus, alcoolismo, deficiência nutricional, fenótipo de acetilação lenta, infecção pelo HIV, insuficiência renal, gravidez e amamentação. A profilaxia pode ser obtida com a utilização de piridoxina na dose de 25-50mg/dia. O desenvolvimento de polineurite requer o uso de 100-200mg/dia da vitamina.
d) Hepatite clínica: estudos recentes mostram que a incidência de hepatite clínica é menor do que se imaginava previamente. A incidência de hepatite foi de 0,6% em uma metanálise que reuniu seis estudos que analisaram o uso da isoniazida isoladamente. Quando associada à rifampicina, esse índice atingia 2,7%. Quando se utiliza a isoniazida isoladamente, o risco aumenta com o aumento da idade, sendo rara em indivíduos abaixo de 20 anos, mas chegando a 2% em pacientes entre 50-64 anos. O risco também aumenta em indivíduos com doença hepática prévia, com o consumo diário ou elevado de álcool e em mulheres no pós-parto imediato. A hepatite fatal é extremamente rara e pode ocorrer em menos que 0,023% dos casos. É necessário suspender o tratamento e identificar a droga causadora, em caso de esquema com múltiplas drogas.
e) Lupus-like: os pacientes podem desenvolver anticorpos antinucleares durante o uso do fármaco. Menos que 1% desenvolve lúpus eritematoso sistêmico. Nesse caso, a incidência é a mesma em ambos os sexos. O fármaco também pode agravar o lúpus pré-existente.


O objetivo deste trabalho é relatar o caso de um paciente com ILTB e epilepsia que usava anticonvulsivantes e apresentou reação adversa quando recebeu INH.


RELATO DE CASO

Criança do sexo masculino, 9 anos, com epilepsia e asma em uso regular de dipropionato de beclometasona spray e salbutamol spray 300mcg/dose em caso de crises, além de carbamazepina, ácido valpróico, fenobarbital e topiramato.

Foi indicado pulsoterapia com prednisolona por apresentar crises convulsivas de difícil controle com internações recorrentes. Previamente realizou radiografia de tórax que foi normal e prova tuberculinica que foi reatora (resultado = 6mm). Negava contato com TB. Foi considerado como caso de ILTB e iniciado INH (200mg/dia).

Ao retornar à consulta, um mês e meio após o início do tratamento, a tia relatou piora das crises focais e hipoatividade 15 dias após o início da INH. Não tinha sinais de infecção. Optou-se, então, por trocar a INH por RMP (10mg/kg/dia). Após 15 dias do início da RMP, retornou à consulta relatando melhora das crises e melhor interação com o meio.

Evoluiu bem, sem queixas e foi orientado que mantivesse a medicação até o quarto mês, segundo normas brasileiras6.


DISCUSSÃO

No caso relatado o paciente tinha o diagnóstico de asma e epilepsia. Devido ao fato de necessitar ser submetido à pulsoterapia, considerada condição imunossupressora, e ter prova tuberculínica positiva, foi iniciado tratamento da ILTB com INH.

As situações de imunossupressão como uso de imunobiológicos e medicamentos antineoplásicos, também obrigam ao emprego de terapia preventiva de TB, caso o indivíduo esteja assintomático, tenha radiografia de tórax e prova tuberculínica seja reatora, ainda que não haja história de contato recente com pessoa com TB6,10.

Neste caso, o paciente apresentava como comorbidades a epilepsia e a asma, podendo ser considerado do grupo de risco ao uso de INH. O uso da droga trouxe efeitos colaterais graves aumentando as crises focais, só revertidas com a mudança de esquema terapêutico.

As crianças são consideradas acetiladoras rápidas. No paciente considerado acetilador lento tem-se observado maior presença de efeitos adversos6. Na prática não é possível se determinar se o paciente é ou não acetilador rápido, daí não se ter esta informação.

Ainda que não haja descrição na literatura, não se pode afastar no presente caso a possibilidade de interação medicamentosa entre a INH e os fármacos anticonvulsivantes.


REFERÊNCIAS

1. Tahan TT, Gabardo BMA, Rossoni AMO. Tuberculosis in childhood and adolescence: a view from different perspectives. J Pediatr (Rio J). 2020 Mar/Abr;96(Supl 1):99-110.

2. Carvalho ACC, Cardoso CAA, Martire TM, Migliori GB, Sant’Anna CC. Aspectos epidemiológicos, manifestações clínicas e prevenção da tuberculose pediátrica sob a perspectiva da Estratégia End TB. J Bras Pneumol. 2018 Mar/Abr;44(2):134-44.

3. Carvalho ER, Rossoni AMO, Tahan TT, Rossoni MD, Rodrigues CO. Esquemas de tratamiento de la tuberculosis en la infancia y eventos adversos relacionados. Resid Pediatr. 2018;8(1):20-6.

4. Brust MC, Lumertz MS, Salerno M, Pinto LA. Pleural tuberculosis in childhood: case report and review. Bol Cient Pediatr. 2012;1(2):1-5.

5. Santos MAC, Sant’Anna CC, Beviláqua AATP. A prova tuberculínica em crianças e jovens contatos de tuberculose infectados e não infectados pelo HIV no Rio de Janeiro. Resid Pediatr. 2016;6(3):164-6. DOI: https://doi.org/10.25060/residpediatr-2016.v6n3-14

6. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2019.

7. Arbex MA, Varella MCL, Siqueira HR, Fiúza de Mello FA. Drogas antituberculose: interações medicamentosas, efeitos adversos e utilização em situações especiais. Parte 1: fármacos de primeira linha. J Bras Pneumol. 2010 Out;36(5):626-40.

8. Lima CHS, Bispo MLF, Souza MVN. Pirazinamida: um fármaco essencial no tratamento da tuberculose. Rev Virtual Quim. 2011;3(3):159-80.

9. Lobato MN, Jereb JA, Starke JR. Unintended consequences: mandatory tuberculin skin testing and severe isoniazid hepatotoxicity. Pediatrics. 2008 Jun;121(6):e1732-3.

10. Yonekuraa CL, Oliveira RDR, Tittonb DC, Ranzac R, Ranzolind A, Hayatae AL, et al. Incidência de tuberculose em pacientes com artrite reumatoide em uso de bloqueadores do TNF no Brasil: dados do Registro Brasileiro de Monitoração de Terapias Biológicas BiobadaBrasil. Rev Bras Reumatol. 2017;57(S2):S477-S83.










Universidade Federal do Rio de Janeiro, Serviço de Pneumologia - Rio de Janeiro - Rio de Janeiro - Brasil

Endereço para correspondência:

Maria de Fatima Pombo Sant’Anna
Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Serviço de Pneumologia - Rio de Janeiro
Rio de Janeiro - Brasil. CEP: 21941-901
E-mail: fatimapombo09@gmail.com

Data de Submissão: 15/06/2020
Data de Aprovação: 08/07/2020