ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo de Revisao - Ano 2014 - Volume 4 - Número 3

Manejo da hipertensão intracraniana no trauma cranioencefálico grave em pacientes pediátricos

Management of intracranial hypertension in severe pediatric brain trauma injury
Manejo de la hipertensión intracraneal en el trauma craneoencefálico grave en pacientes pediátricos

RESUMO

O traumatismo cranioencefálico (TCE) em crianças é frequente, algumas vezes letal, e pode trazer sequelas para toda a vida aos seus sobreviventes. Mesmo diante dos significativos avanços da ciência médica, não há verdades absolutas no manejo de cada situação da prática clínica, sendo que no caso da Hipertensão Intracraniana (HIC) Refratária no TCE grave não é diferente, existindo poucos trabalhos de classe I e II que confirmem suas propostas. Os tratamentos difundidos atualmente são: a craniectomia descompressiva, o uso de barbitúricos e drogas indutoras do coma, a terapia hiperosmolar e a hiperventilação.
OBJETIVO: Realizar uma revisão sistemática sobre o tema.
MÉTODO: Revisão de artigos do PubMed, do Medline e de guidelines dos últimos 11 anos e discutir as terapêuticas mais utilizadas, e divulgadas pelos grandes centros médicos do mundo, no manejo de pacientes com HIC refratária no TCE grave.
RESULTADOS: Foram avaliados 19 artigos.
CONCLUSÃO: O manejo da hipertensão intracraniana refratária ainda é controverso e faltam trabalhos de maior relevância que confirmem a eficácia das diferentes terapêuticas propostas.

Palavras-chave: hipertensão intracraniana, pediatria, traumatismos encefálicos.

ABSTRACT

The Brain Trauma Injury (TBI) in children is frequent, sometimes lethal, and can bring sequels for all life long for those who survive. Even in the face of significant advances of medical science there is no absolute truths in the manage of each situation in practical clinic and in the case of severe TBI is not different, existing a few works class I and class II to confirm its proposals. The treatments currently widespread are: decompressive craniectomy, the use of barbiturates and drugs inducing coma, hyperosmolar therapy and hyperventilation.
OBJECTIVE: To do a systematic review.
METHOD: This present article proposes by making a systematic review of articles from Pubmed, Medline and guidelines of the last 11 years, a discussion about the most used and spread therapies from the major medical centers on the management of patients with intracranial refractory hypertension in severe TBI.
RESULTS: Nineteen articles were reviewed.
CONCLUSION: The management of refractory intracranial hypertension is still controversial and missing relevant articles to confirm the efficacy of different therapeutic proposals.

Keywords: brain injuries, intracranial hypertension, pediatrics.

RESUMEN

El traumatismo craneoencefálico (TCE) en niños es frecuente, algunas veces letal, y puede traer secuelas para toda la vida para sus sobrevivientes. A pesar de los significativos avances de la ciencia médica, no hay verdades absolutas en el manejo de cada situación de la práctica clínica siendo el caso de la Hipertensión Intracraneal (HIC) Refractaria en el TCE grave no es diferente, existiendo pocos trabajos de clase I y II que confirmen sus propuestas. Los tratamientos difundidos actualmente son: la craniectomía descompresiva, el uso de barbitúricos y drogas inductoras del coma, la terapia hiperosmolar y la hiperventilación.
OBJETIVO: Realizar una revisión sistemática sobre el tema.
MÉTODO: Revisión de artículos del PUBMED, del Medline y de Guidelines de los últimos 11 años y discutir las terapéuticas más utilizadas, y divulgadas por los grandes centros médicos del mundo, en el manejo de pacientes con HIC refractaria en el TCE grave.
RESULTADOS: Se evaluaron 19 artículos.
CONCLUSIÓN: El manejo de la hipertensión intracraneal refractaria además es polémico y faltan trabajos de más relevancia que confirmen la eficacia de las diferentes terapéuticas propuestas.

Palabras-clave: hipertensión intracraneal, pediatría, traumatismos encefálicos.


INTRODUÇÃO

O traumatismo cranioencefálico (TCE) é especialmente devastador em crianças e em adolescentes e é a principal causa, dentre os traumatismos, de morte e incapacidade. As lesões de menor gravidade também têm como consequência as sequelas neurológicas associadas às lesões cerebrais (alteração de cognitivo, epilepsia, alterações físicas, etc.) que podem influenciar em aspectos essenciais do desenvolvimento dessas crianças. As principais causas de lesões traumáticas são: quedas, acidentes de trânsito e agressões físicas1-4.

O TCE está associado em 85% dos traumas graves e responde pela maioria das mortes5. Na idade escolar, os acidentes estão mais relacionados com quedas que necessitam de internação. Na adolescência, a causa de trauma cranioencefálico geralmente é devido a acidentes automobilísticos, esportivos por ações repetitivas, ou quedas, e por violência sem causa específica, como agressões físicas6.

Ocorre primeiramente no TCE a lesão cerebral primária (aquela ocasionada diretamente pelo trauma), sendo essas manifestações tratáveis e na sequência a lesão cerebral secundária (eventos fisiológicos e bioquímicos ocasionados pela lesão cerebral primária). Após a lesão primária, deve-se deter essas respostas do organismo para que os eventos secundários (exemplo: hipóxia e hipotensão) não causem lesão axonal, herniações e morte dos neurônios. Estudos confirmaram forte associação entre a presença de eventos secundários com pior prognóstico do paciente4-6.

Uma das consequências do TCE é a presença de hipertensão intracraniana (HIC) que tem como manifestações clínicas: cefaleia, vômitos, diminuição global do nível de consciência, tríade de Cushing (hipertensão arterial, bradicardia e alterações respiratórias), dilatação pupilar unilateral ou pupilas fixas e dilatadas bilateralmente, plegia ou postura motora de decorticação ou descerebração, principalmente unilaterais, diminuição de três ou mais pontos na escala de coma de Glasgow (ECG) ou ocorrência de herniação com parada cardiorrespiratória súbita7.

A HIC é uma das consequências mais comuns do TCE. A pressão intracraniana (PIC) que se mantém elevada após 72 horas do trauma tem-se demonstrado ser a principal preditora de mortalidade2.

A HIC tem dois efeitos importantes: a isquemia cerebral e/ou a distorção e o deslocamento do tecido cerebral (herniação). Por definição, a HIC se dá quando a PIC estiver acima de 20 mmHg por cinco minutos e necessita de tratamento. A HIC refratária é considerada um episódio de PIC acima de 25 mmHg, em que não há melhora ou há persistência do quadro hipertensivo face ao tratamento conservador e observa-se a necessidade de indução a coma barbitúrico ou realização de um procedimento cirúrgico, a craniectomia descompressiva5.

Pacientes com quadro de TCE grave devem ser transportados para hospitais terciários de referência em trauma. No atendimento inicial desses pacientes, deve-se realizar abordagem das vias aéreas (intubação traqueal se Glasgow < 8), da circulação e manutenção da ventilação adequada. É necessária uma avaliação neurológica com aplicação da Escala de Coma de Glasgow modificada para avaliação pediátrica, avaliação pupilar e da resposta motora e realização de tomografia computadorizada4. Uma lesão cerebral mais branda normalmente tem ECG de 13-15, uma lesão moderada tem ECG 9-12 e uma lesão grave tem ECG 3-88.

O TCE grave (ECG < 8) está presente em 60% das crianças politraumatizadas e associa-se com alta morbimortalidade8. Marcadores bioquímicos de lesão cerebral podem ser utilizados para quantificar a extensão do tecido lesionado4. Após a estabilização do paciente, é necessário instalar monitoração da PIC. Pacientes devem ser encaminhados para uma unidade de terapia intensiva, objetivando a manutenção da pressão arterial, da pressão de perfusão cerebral, oxigenação sanguínea, valores laboratoriais adequados e controle da PIC4. Se o valor da PIC estiver alterado, o manejo se dá por controle da temperatura, posicionamento da cabeceira do leito a 30 graus (se paciente euvolêmico), sedação, analgesia e drenagem de fluido do ventrículo cerebroespinhal. Se nenhuma dessas alternativas funcionarem, deve-se avaliar necessidade de terapia hiperosmolar e hiperventilação6-8.

O trauma é uma das principais causas de morte na infância e na adolescência. A mortalidade relacionada ao TCE pode ser reduzida com avanços no atendimento inicial e com os cuidados intensivos. Apesar de extensa literatura disponível, existem grandes controvérsias em relação às terapêuticas propostas, principalmente no que se refere às crianças. São necessários estudos prospectivos controlados, que confirmem ou não a eficácia dos tratamentos propostos.

O objetivo dessa revisão é abordar e enfatizar o manejo preconizado por vários centros e diferentes consensos internacionais da HIC refratária no TCE pediátricos.

Foi realizada uma pesquisa nas seguintes bases de dados: Pubmed, Medline e Scielo, com o objetivo de encontrar artigos relativos aos últimos 11 anos, ou seja, entre os anos de 2002 e 2013. Na pesquisa foram usadas as seguintes palavras-chave: Refractory Trauma, Decompressive Craniectomy, Intracranial Hypertension, Intracranial Pressure, Cerebral Perfusion Pressure, Pediatric Brain Trauma Injury, Barbiturates, Brain Trauma Injury Management, Children. Os critérios de inclusão para que o artigo fosse selecionado para nossa revisão foram: artigos de boa relevância científica, que tratassem da hipertensão intracraniana em situações de TCE grave, em pacientes pediátricos dentro da faixa etária de 0 a 19 anos.

Foram encontrados 19 artigos compatíveis com os critérios de pesquisa, dos quais, 7 se tratavam de revisões retrospectivas, 1 caso-controle, 2 ensaios clínicos, 3 artigos de revisão, 3 estudo de coorte, 1 guideline, 1 revisão sistemática e 1 ensaio clínico randomizado.


DISCUSSÃO

A conduta ideal frente a um quadro de HIC refratária consequente a um TCE grave ainda é um tema discordante entre os artigos revisados. O manejo inicial desses pacientes deve iniciar com abordagem de vias aéreas, estabilização de ventilação e circulação, avaliação neurológica, realização de tomografia de crânio e instalação de monitoração da pressão intracraniana. Nos casos de alteração de PIC, deve-se iniciar sedação, controle de temperatura, analgesia, administração de relaxante muscular contínuo e elevação a 30 graus do leito do paciente (se este estiver euvolêmico). A intubação traqueal é necessária quando a ECG for menor que oito3,5,8.

Nos casos de HIC refratária, protocolos apontam para as seguintes formas de tratamento: hiperventilação, terapia hiperosmolar, uso de altas doses de barbitúricos e craniectomia descompressiva.

Entre as terapias mecânicas, tem que se pensar na elevação da cabeça da criança, mantendo a coluna cervical estável (excluindo traumas e/ou lesões cervicais). A cabeça em elevação de 30º comparada ao resto do corpo pode ajudar na drenagem do sangue, diminuindo volumes e PIC3,6.

Hiperventilação

A hiperventilação vem sendo usada para o manuseio do TCE grave em crianças para a rápida redução da PIC desde a década de 19709.

A hiperventilação induz à hipocapnia, induzindo uma vasoconstricção cerebral e, consequentemente, redução do fluxo sanguíneo cerebral e do volume sanguíneo cerebral com redução da PIC. Recentes estudos clínicos com crianças e adultos demonstraram que a hiperventilação pode diminuir a oxigenação cerebral e induzir a isquemia cerebral9.

Exo J et al., em seu artigo de revisão, propõem que a hipóxia deve ser evitada através da manutenção da oxigênio (pO2) acima de 60-65 mmHg e com saturação de oxigênio acima de 90%3.

A hiperventilação deve ser empregada quando há HIC refratária ou quando há herniação transtentorial incipiente, pois há risco de uma isquemia cerebral. O objetivo dessa terapêutica é chegar a valores de pressão parcial gás carbônico (pCO2) de 30-35 mmHg, pois valores menores podem levar a uma perda da autorregulação cerebral, se forem alcançados muito rapidamente. Pelo risco de HIC rebote, se a terapia de hiperventilação for suficiente no tratamento da HIC refratária, retornar lentamente à normoventilação10.

Estudo analisou, retrospectivamente, 24 pacientes com TCE grave. A meta do tratamento foi manter a PIC < 20 mmHg e abolir elevações da PIC > 25-30 mmHg que prevalecessem por mais do que 3 minutos. O regime de tratamento utilizado incluía hiperventilação grave (pCO2 entre 25-30 mmHg), restrição hídrica (ou fluídica), hipotermia leve (temperatura retal por volta de 35,5º-36,5 ºC), dexametasona e infusão barbitúrica para PIC > 20 mmHg refratária. PIC sustentadamente acima de 40 mmHg foi associada à morte (p < 0,001). Treze de 16 pacientes com PIC sustentadamente entre 20-40 mmHg obtiveram um bom prognóstico ou debilidades moderadas. Os três pacientes com PIC abaixo de 20 mmHg também obtiveram um bom prognóstico ou debilidades moderadas9.

O artigo de Stocchetti et al. conclui que o uso de hipocapnia com cuidado e por um curto espaço de tempo, sem deixar baixar os níveis de pCO2 < 30 mmHg, para reduzir a PIC, é uma ferramenta terapêutica útil11.

Terapia hiperosmolar

A administração intravenosa de agentes hiperosmolares vem demonstrando efetividade na redução da PIC. O manitol foi introduzido clinicamente em 1961, seguido da solução salina; sendo que nos dias de hoje os dois são utilizados no tratamento dos quadros de HIC9.

O manitol apresenta dois mecanismos de ação. Na dose de 1 g/Kg reduz a viscosidade sanguínea através de um mecanismo de vasoconstricção das arteríolas, permitindo a manutenção do fluxo sanguíneo e redução do volume sanguíneo cerebral com diminuição da PIC. Esse efeito é imediato e perdura por um tempo menor que 75 minutos. O manitol também reduz a PIC por um efeito osmótico que inicia mais tardiamente (15-30 minutos), ocasionando o movimento gradual de água do parênquima cerebral para circulação sanguínea. Esse efeito pode perdurar por até seis horas. O manitol pode acumular-se em regiões lesionadas, acarretando movimento da água da circulação para o parênquima provocando aumento da PIC. Esse efeito é sugerido quando o manitol é usado por um período longo de tempo9. O uso do manitol tem algumas limitações. A hiperosmolaridade (osmolaridade > 320 mOsm/L) está associada a efeitos adversos renais e do sistema nervoso central e a diurese osmótica que acompanha o manitol pode levar à hipotensão12.

Com o manitol, a penetração do sódio na barreira hematoencefálica é pequena. O sódio também compartilha os mesmos efeitos de gradiente e reológico envolvidos na redução da PIC, por vários efeitos teóricos benéficos, incluindo: restauração do potencial de membrana de repouso e volume celular, liberação de peptídeo natriurético arterial, inibição da inflamação e melhora do rendimento cardíaco9.

Khanna et al. trataram dez crianças com TCE grave refratário ao tratamento convencional com solução salina hipertônica a 3% por uma média de 7,6 dias. Eles encontraram uma correlação inversa significativa entre a concentração de sódio e a PIC. Neste estudo, a solução salina foi administrada na forma de infusão contínua. Não havia um valor alvo para o sódio porque a dose era titulada conforme a PIC. O pico plasmático de sódio foi alto, variando em torno de 170,7 mEq/L (157-187 mEq/L). Embora dois pacientes tenham desenvolvido insuficiência renal, não houve complicações a longo prazo. Essas crianças faziam parte de um grupo que se esperava um prognóstico ruim, mas somente uma faleceu e a média dos valores da Escala de Resultado de Glasgow foi quatro13.

Ruf et al. avaliaram que a terapia do paciente com TCE é intensificada nos casos de HIC refratária em que a PIC se mantém maior que 20 mmHg por pelo menos 30 minutos. A elevação da cabeça, a temperatura corporal, a pressão sanguínea, o manejo dos fluidos e da ventilação são otimizados na tentativa de diminuir a PIC. Caso se comprove que a PIC continua elevada, doses individuais de barbitúricos (2-5 mg/kg), juntamente com infusão de manitol (0,5 g/kg em 15 min) podem ser úteis no controle da pressão intracraniana. Sem resposta a esse tratamento ou piora do quadro, a cirurgia de descompressão intracraniana deve ser avaliada8.

Segundo Huh e Raghupathi, no tratamento da HIC refratária também podem ser usadas soluções hiperosmolares, que são: solução salina hipertônica a 3% em doses de 0,1 a 1 ml/kg/hora ou manitol em doses de 0,25 a 1 g/Kg. É importante lembrar que a osmolaridade sérica deve estar menor que 320 mOsm/L para a utilização da solução salina hipertônica6.

Embora o manitol tenha sido tradicionalmente administrado, a solução salina hipertônica a 3% está ganhando lugar como terapia para HIC6.

Barbitúricos e drogas indutoras de coma

Barbitúricos e outros agentes que induzem o coma têm sido usados como terapia para TCE por décadas. Esse tipo de terapia é usado para diminuir a atividade metabólica cerebral, que leva a uma diminuição do fluxo e volume sanguíneo e até a diminuição da PIC. O coma induzido por uma variedade de agentes, como propofol, benzodiazepínicos e fenobarbital, pode ter efeito benéfico na hemodinâmica cerebral3. Essas drogas são usadas para o controle da HIC refratária nos pacientes que estão estabilizados hemodinamicamente. Um fator que limita o seu uso é sua relação com a diminuição do tônus simpático, podendo levar à vasodilatação periférica em até 50% dos pacientes10.

Altas doses de barbitúricos reduzem a PIC por dois mecanismos: supressão do metabolismo e alteração do tônus vascular. A terapia com barbitúrico ajusta o fluxo sanguíneo regional às demandas metabólicas, resultando em melhor oxigenação com menor fluxo sanguíneo, reduzindo a PIC devido a um menor volume sanguíneo9.

O coma barbitúrico é amplamente aplicado na maioria dos centros para tratamento do TCE grave. Relata-se que o coma barbitúrico determina hipotensão arterial, com consequente comprometimento da pressão de perfusão cerebral, o que por si só é fator de mau prognóstico5,14.

Estudo descreveu complicações e efeitos colaterais em 38 pacientes vítimas de TCE grave, medicados com tiopental em altas doses. Os autores encontraram hipotensão arterial em 58%, hipocalemia em 82%, infecções e complicações respiratórias (pneumonia) em 53%, disfunção hepática em 87% e disfunção renal em 47%. Relataram mortalidade maior no grupo que recebeu tiopental associado à dopamina. Esses autores concluíram que outras medidas devem ser empregadas no tratamento da HIC refratária ao tratamento clássico14.

Estudo prospectivo multicêntrico constatou a eficácia do coma barbitúrico no tratamento da HIC. Entretanto, a hipotensão arterial prévia contraindica a sua aplicação. Relataram ainda a possibilidade de alteração da resposta às infecções como sepse sem leucocitose ou febre. De acordo com o Guidelines for the management of severe head injury, da Associação Americana de Neurocirurgiões (AANS), o coma barbitúrico está contraindicado como medida profilática para HIC em casos de TCE5,15.

Mellion et al. publicaram um estudo com 36 crianças vítimas de TCE grave que evoluíram com HIC refratária definida como PIC > 20 mmHg, mesmo após tratamento padronizado, e que foram tratadas com altas doses de barbitúricos. As altas doses de barbitúricos foram administradas por um período mínimo de 6 horas e os pacientes foram monitorados com eletroencefalograma. Dez de 36 crianças (28%) tiveram controle da HIC refratária. As crianças que responderam, receberam barbitúricos significantemente mais tarde após a injúria (76 versus 29 horas). Dentre todas as crianças, 14 pacientes faleceram, sendo que 13 não conseguiram controle da pressão intracraniana. Sobrevivência foi mais comum nas crianças que responderam às altas doses de barbitúricos comparadas àquelas que não responderam, embora estes dados não tenham atingido valor estatístico relevante. Dos 22 sobreviventes, 19 tiveram uma sobrevivência aceitável (categoria de performance cerebral pediátrica < 3) na avaliação realizada três meses após o trauma, embora somente 3 voltaram à função normal. Entre os sobreviventes, o controle da PIC esteve associado com resultados nos escores de performance cerebral significativamente melhores, além de melhores evoluções comparadas aquelas que não responderam às altas doses de barbitúricos. Concluiu-se que altas doses de barbitúricos atingiram o controle da HIC refratária em quase 30% das crianças e que o controle da HIC refratária está associado a melhor evolução a longo prazo16.

Altas doses de barbitúricos podem ser consideradas em pacientes hemodinamicamente estáveis com hipertensão intracraniana refratária, sendo necessária monitoração contínua da pressão arterial e suporte cardiovascular para manter pressão de perfusão cerebral adequadas9.

Hipotermia

A temperatura corporal exerce efeito direto sobre o metabolismo cerebral. A taxa de metabolismo cerebral de oxigênio reduz em 5% a 15% para cada decréscimo de 1 ºC na temperatura corporal. O uso da hipotermia para TCE ainda é controverso3. A hipotermia moderada (32 ºC - 33 ºC) iniciada depois de 8 horas do trauma e mantida por 48 horas é considerada nível II de evidência na redução da HIC9.

Estudo multicêntrico, prospectivo e randomizado sobre hipotermia moderada versus normotermia associada a manejo médico envolveu 77 crianças menores de 18 anos de idade com TCE grave. As crianças foram separadas em grupos de < de 6 anos, 6-15 anos e 16-17 anos. Um grupo de crianças foi submetido à hipotermia com rápida diminuição da temperatura até 32-33 ºC por 48-72 horas e reaquecidas com aumento de 0,5 ºC a 1 ºC a cada 12/24 horas. O outro grupo foi submetido à normotermia, mantendo a temperatura em torno de 36,5-37,5 ºC. Este estudo demonstrou ausência de diferença na mortalidade entre os dois grupos em um período de três meses após o trauma. A mortalidade foi de 6 (15%) dos 39 pacientes submetidos à hipotermia versus 2 (5%) dos 38 submetidos à normotermia, p = 0,15. Também não houve diferença entre a má evolução (avaliada pela Escala de coma de Glasgow modificada para avaliação pediátrica) entre os dois grupos: 16 (42) das crianças submetidas à normotermia e 19 (51%) das submetidas à hipotermia. Não foram detectadas diferenças entre os grupos na ocorrência de eventos adversos ou sérios eventos adversos. O estudo demostrou que a hipotermia não reduz a mortalidade. Este estudo foi cancelado quando estava no nível III4.

Estudo sobre PIC e prognóstico avaliou a associação entre prognóstico e PIC de 0 a 90 mmHg em crianças tratadas neste regime específico. A média de PIC foi menor em crianças que evoluíram com bom prognóstico (11,9 ± 4,7 mmHg) versus mau prognóstico (24,9 ± 26,3 mmHg) com p < 0,05. O percentual de tempo com PIC menor que 20 mmHg diferiu significativamente nos casos de bom prognóstico (90,8 ± 10,8%) versus mau (68,6 ± 35,0%) com p < 0,05. A manutenção da PIC maior que 20 mmHg foi o parâmetro mais sensitivo e específico para prognóstico ruim. Baseado nestes achados, este estudo dá suporte a um limiar de tratamento para PIC em torno de 20 mmHg. Entretanto, é necessário reconhecer que a hipotermia pode representar um meio de confusão neste estudo. Este estudo também representa o único estudo na tabela de evidências que guia o tratamento PIC-dirigido com a idade, embora o impacto desses limites dependentes da idade sobre o resultado dentro das três categorias de idade não foi avaliado9.

Craniectomia descompressiva

O uso da craniectomia descompressiva (CD) vem do século XIX como tratamento tanto para pacientes vítimas de TCE grave como para pacientes com enfermidades vasculares e infecciosas graves do sistema nervoso central17.

O procedimento pode variar dependendo dos resultados dos exames de imagem ou da necessidade de se criar um compartimento que suporte a elevação da PIC. Pode consistir de descompressão subtemporal unilateral ou bilateral, craniectomias hemisféricas de tamanhos variáveis, craniectomias circunferências ou craniectomia bifrontal9.

Oito estudos foram avaliados por Kochanek et al., em 2012, que se encaixavam nos critérios propostos para corroborar as recomendações do guideline norte-americano. Esses estudos sugeriram que uma cirurgia descompressiva ampla com duroplastia pode ser efetiva em reverter sinais precoces de deterioração neurológica ou herniação, podendo ser efetiva também no tratamento de hipertensão intracraniana refratária ao tratamento medicamentoso, determinando que esses efeitos podem estar correlacionados com uma melhor evolução das crianças com quadros clínicos graves que possuam tais indicações9.

Cambra et al. realizaram um estudo retrospectivo com um total de 14 pacientes que apresentaram HIC secundária ao TCE, com média de idade de 14,5 anos (pacientes de 4-20 anos). Realizou-se craniectomia descompressiva unilateral frontotemporoparietal com durotomia ampla, a exceção de 1 caso em que a craniectomia foi frontal bilateral. Nove pacientes tiveram um bom controle da PIC nas primeiras 24 horas após o procedimento sem a necessidade de tratamentos adjuvantes. Em cinco pacientes, houve a necessidade de tratamentos adicionais (agentes osmóticos, coma barbitúrico ou reintervenção cirúrgica). Dois pacientes faleceram como consequência da hipertensão intracraniana17.

Faleiro et al. realizaram estudo retrospectivo com um total de 7 pacientes com idades heterogêneas com média de 12,1 anos (pacientes de 2-17 anos), 5 com TCE grave e 2 com TCE moderado que apresentaram tumefação cerebral unilateral, identificada na tomografia de crânio. Dois casos receberam aplicação ultraprecoce (< 6 horas) de CD, outros dois casos receberam CD precocemente (6-12 horas) e três tardiamente (> 24 horas). Três pacientes apresentaram redução inicial da PIC, porém, cursaram com HIC refratária às medidas clínicas e sem lesão passível de tratamento cirúrgico e foram a óbito. Os outros quatro pacientes tiveram normalização da PIC imediatamente após o procedimento cirúrgico15.

Weintraub et al. realizaram uma revisão bibliográfica de estudos publicados desde 2000 em todas as faixas etárias, nas quais uma das formas de tratamento foi a craniectomia descompressiva. Baseado em um único ensaio randomizado e em vários estudos menores, acredita-se que a CD traz benefícios em termos de manejo da hipertensão refratária e na evolução clínica das crianças18,19.

A literatura sugere que a craniectomia descompressiva pode ser indicada nos casos de HIC refratária, embora mais estudos multicêntricos devam ser realizados para confirmar sua eficácia.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O manejo do paciente pediátrico vítima de TCE que apresenta HIC refratária é controverso e faltam trabalhos de maior relevância que confirmem a eficácia das diversas terapêuticas propostas. Os métodos propostos para o manejo da PIC nesses casos são: hiperventilação, terapia hiperosmolar, hipotermia, coma barbitúrico e craniectomia descompressiva.

A hiperventilação diminui o fluxo sanguíneo cerebral e o seu uso de rotina apresenta risco elevado para hipóxia cerebral. Deve ser utilizada apenas quando há HIC refratária ou uma herniação transtentorial incipiente, mantendo-se pCO2 entre 30-35 mmHg, devendo ser considerada neuromonitoração avançada para avaliação de isquemia cerebral.

O tratamento da HIC com soluções hiperosmolares pode ser realizado com o uso de solução salina hipertônica a 3% em doses de 0,1 a 1 ml/kg/hora ou manitol em doses de 0,25 a 1 g/kg. Não há nenhuma literatura para apoiar a superioridade de um sobre o outro em TCE grave pediátrico. O manitol é um diurético osmótico potente e pode precipitar hipotensão e insuficiência renal, a solução salina hipertônica não demonstrou os mesmo efeitos deletérios sobre os rins.

O coma barbitúrico reduz o metabolismo cerebral, com consequente diminuição do fluxo e volume sanguíneo cerebral e da PIC. Pode-se utilizar o propofol, benzodiazepínicos e fenobarbital para induzir pacientes, hemodinamicamente estáveis, ao coma. O coma barbitúrico determina hipotensão arterial, com consequente comprometimento da pressão de perfusão cerebral, o que é fator de mau prognóstico. A terapia com altas doses de barbitúricos pode ser considerada em pacientes hemodinamicamente estáveis que apresentam HIC refratária mesmo após tratamento medicamentoso ou cirúrgico. Quando altas doses de barbitúricos forem administradas, deve-se manter monitoração contínua da pressão arterial e suporte cardiovascular para manter a pressão de perfusão cerebral10.

A hipotermia ainda é uma terapia experimental. A temperatura corporal exerce efeito direto sobre o metabolismo cerebral. A taxa de metabolismo cerebral de oxigênio reduz em 5% a 15% para cada decréscimo de 1 ºC na temperatura corporal. O uso para TCE ainda é controverso, embora a hipotermia moderada iniciada depois de 8 horas do trauma e mantida por 48 horas seja nível II de evidência na redução da hipertensão intracraniana.

A craniectomia descompressiva pode ser indicada em pacientes com sinais precoces de deterioração neurológica ou herniação, podendo ser efetiva também no tratamento de HIC refratária ao tratamento medicamentoso. Porém, ainda é necessária a realização de mais estudos clínicos randomizados sobre a eficácia e aplicabilidade dessa opção terapêutica.


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1. Mestrado em Ciências da Saúde pela PUC-PR - Médica da UTI Pediátrica do Hospital Nossa Senhora das Graças, professora de Pediatria da Universidade Positivo
2. Mestre em Ciências da Saúde pela PUC-PR - Chefe da UTI Pediátrica do Hospital do Trabalhador - Curitiba. Professor de Pediatria da Universidade Positivo
3. Acadêmico de Medicina da Universidade Positivo
4. Médica formada pela Universidade Positivo, Residente de Pediatria - Médica Residente do segundo ano de Pediatria do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná

Endereço para correspondência:
Cristina Alves Cardozo
Universidade Positivo - Hospital do Trabalhador
Rua Engenheiros Rebouças, nº 245, apto 201. Bairro Jardim Botânico
Curitiba - PR, Brasil. CEP: 80210-040