ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo de Revisao - Ano 2022 - Volume 12 - Número 3

Os efeitos de uma intervenção, segundo o conceito de Bobath, na função motora, em crianças com paralisia cerebral

The effects of an intervention, in the light of the Bobath concept, on motor function, in children with cerebral palsy

RESUMO

O objetivo do presente estudo é aferir os efeitos de uma intervenção à luz do conceito de Bobath, na função motora em crianças com paralisia cerebral. Trata-se de uma revisão sistemática de literatura que contempla nove estudos publicados entre 2014 e 2019, sendo que estas evidências empíricas foram pesquisadas em três bases de dados distintas: B-On; PubMed; ScienceDirect. Os nove estudos contemplados são indicativos dos efeitos positivos do conceito de Bobath, na função motora, de crianças com paralisia cerebral, bem como na atenção visual, contribuindo assim para a melhoria e aumento da qualidade de vida e independência nas atividades da vida diária destas crianças. Concluiu-se que o conceito de Bobath deverá integrar a intervenção com fisioterapia, para melhoria da função motora de crianças com paralisia cerebral, contudo, impera referir a necessidade da realização de mais estudos com enfoque neste conceito e nos seus efeitos, em crianças com esta patologia.

Palavras-chave: Paralisia Cerebral, Fisioterapia, Transtornos do Neurodesenvolvimento, Criança.

ABSTRACT

The aim of this study was to assess the effects of an intervention in the light of the Bobath concept on motor function, in children with cerebral palsy. This is a systematic literature review that includes nine studies published between 2014 and 2019, and those were researched in three distinct databases: B-On; PubMed; ScienceDirect. The nine studies contemplated are indicative of the positive effects of the Bobath concept on the motor function of children with cerebral palsy, as well as on visual attention, contributing to the improvement and increase in the quality of life and independence in the daily living activities of these children. We concluded that the Bobath concept should integrate the physical therapy intervention which aims to improve the motor function of children with cerebral palsy. However, it is necessary to mention the need to carry out more studies that focus not only on the concept of Bobath, but also on the effects produced in motor function in this specific population.

Keywords: Cerebral Palsy, Physical Therapy Specialty, Developmental Disabilities, child.


INTRODUÇÃO

A paralisia cerebral (PC), também conhecida como encefalopatia crônica não progressiva da infância, é um distúrbio crônico da postura e dos movimentos1. Segundo a Sociedade Portuguesa de Neuropediatria (SPNP), a PC “não é uma entidade única em termos neuropatológicos ou etiológicos, pelo contrário engloba situações muito heterogêneas de incapacidade no desenvolvimento cujo denominador comum é apresentarem alteração permanente da postura e/ou movimento, traduzida sempre por limitação funcional motora”2.

Trata-se de uma condição neuromotora não progressiva causada por lesões no encéfalo fetal ou no sistema nervoso central (SNC) imaturo que origina perturbações do movimento e da postura, as quais se refletem no desempenho e nas suas atividades de vida diárias (AVDs). Apesar de persistente, a condição da PC é variável, devido a uma desordem sem progressão que ocorre no encéfalo entre os períodos pré, peri ou pós-natal, até aos dois anos1.

A PC apresenta diferentes etiologias, nomeadamente, as malformações do cérebro, problemas placentários, prematuridade, hipoxemia, fatores perinatais traumáticos, baixo peso do neonato e a anoxia grave3. Ou seja, “na sua origem tem que haver lesão cerebral não-progressiva ocorrida num período muito precoce do desenvolvimento cerebral, desde o período fetal até aos primeiros 2 a 3 anos de vida. Apesar das severas incapacidades motoras e físicas ficam, pois, excluídas da designação de PC, situações como doenças neuromusculares, spina bífida com envolvimento neurológico ou doenças degenerativas do sistema nervoso”2. Segundo Victorio (2020)4, muitos tipos diferentes de malformações cerebrais e danos ao cérebro podem causar paralisia cerebral e, algumas vezes, ocorre o envolvimento de mais de uma causa. Os problemas que ocorrem logo antes, durante e logo após o nascimento causam 15 a 20% dos casos. Esses problemas incluem a anoxia (falta de oxigênio) durante o parto, infecções e lesões cerebrais. Infecções como a rubéola, toxoplasmose, infecção pelo vírus Zika ou infecção por citomegalovírus durante a gestão ocasionalmente resultam em paralisia cerebral. Algumas vezes, as malformações cerebrais que causam a paralisia cerebral resultam de anomalias genéticas.

Existem quatro tipos de paralisia cerebral, espástica, atetóide (ou disquinética), atáxica e mista4, no entanto, a Surveillance of Cerebral Palsy in Europe (Vigilância da Paralisia Cerebral na Europa)5 apenas reconhece os três primeiros.

A PC espástica é o tipo mais frequente, afetando 70% das crianças com PC, caracteriza-se por músculos rígidos (espásticos) e fracos. A rigidez muscular pode afetar diferentes regiões do corpo, nomeadamente: os dois braços e as duas pernas (quadriplegia), mais as pernas do que os braços (diplegia), e pode ainda afetar só o braço ou a perna homolateral (hemiplegia). Mais raras vezes, pode afetar apenas as pernas e a parte inferior do corpo (paraplegia)4. Portanto, há um aumento do tônus, reflexos patológicos, hiperreflexia, sinais piramidais, resultando num padrão anômalo da postura e do movimento5. Importa ainda acrescentar que a PC espástica pode ser unilateral, afetando apenas um dos hemicorpos, ou bilateral, afetando dois ou até quatro membros5.

A PC atetóide, caracteriza-se por movimentos contorcidos involuntários, estando presente em aproximadamente 20% das crianças com esta condição. Neste, os braços, as pernas e o corpo movem-se de forma espontânea, lenta e involuntária, podendo também haver movimentos contorcidos, espasmódicos e abruptos4. O tônus muscular é variado, havendo padrões de reflexos primitivos, podendo este tipo subdividir-se em: PC distônica (caracterizada por movimentos involuntários e movimentos voluntários com posturas anormais provocadas por hipertonia) e coreoatetósica (caracterizada pela presença de hipercinésia e hipotonia)5.

Já na PC atáxica existe a dificuldade em controlar e coordenar os movimentos corporais, nomeadamente ao caminhar sendo a mais rara, afeta cerca de 5% das crianças com esta condição4. Nestes casos, a coordenação é muito fraca, assim como os músculos da criança, isto é, há falta de coordenação muscular, diminuição do tônus, ataxia do tronco e da marcha e tremor4,5.

Por fim, a PC mista retrata a combinação de dois dos tipos de PC supramencionados, sendo que a combinação mais frequente é a PC espástica com a atetóide4.

Em termos de incidência e no cenário europeu, impera referir que aproximadamente dois em cada mil nascidos-vivos anualmente (2/1.000), apresentam diagnóstico de PC2. No contexto português, a SPNP (2019)2 salienta que “na vigilância nacional em Portugal realizada a partir de notificações de casos de paralisia cerebral aos 5 anos de idade de crianças nascidas em 2001 mostrou incidência (isto é nº de casos novos) de 1,93 por mil nados vivos”.

Com os avanços da ciência e da medicina, o diagnóstico da PC é possível, podendo ser realizado um exame de diagnóstico por imagem do cérebro (por norma, a ressonância magnética (RM)), exames de sangue e, por vezes, exames da função nervosa e muscular4. De acordo com Sebastião (2016)6, os exames como eletroneuromiografia, biópsia muscular, tomografia computadorizada e ressonância magnética podem ser realizados com a finalidade de esclarecer o diagnóstico diferencial com outras patologias. O seu diagnóstico é frequentemente realizado quando a criança apresenta atraso no desenvolvimento motor, persistência de reflexos primitivos e comportamentos e reações posturais atípicos, o que resulta em atraso no acompanhamento da criança e da família e, consequentemente, no processo de reabilitação, comprometendo a sua qualidade de vida.

Dado o maior conhecimento proporcionado pelos avanços, nomeadamente na área da neurociência, é nos possibilitado hoje um maior entendimento sobre o sistema nervoso e seus vários aspectos.

Sobre este assunto, Graham et al. (2009)7, salientam que plasticidade neuronal corresponde à capacidade adaptativa do SNC em modificar a sua organização estrutural e funcional, verificando-se que o maior conhecimento desta capacidade tem permitido uma intervenção precoce junto de crianças com perturbações do neurodesenvolvimento, em particular, com PC8.

As alterações motoras que a PC provoca, por norma, são acompanhadas por alterações cognitivas, comportamentais, comunicativas, sensoriais e perceptivas, assim como de epilepsia e problemas musculoesqueléticos secundários9. No entanto, estas alterações resultam, maioritariamente, em disfunções do sistema de controle postural (CP) e, consequentemente, em alterações do padrão de marcha10.

O controle postural consiste na capacidade de manter o alinhamento postural e a relação entre os diferentes segmentos corporais, face à exposição da gravidade ao longo da variação do movimento que a tarefa exige, possibilitando o controle e a modulação da posição do corpo no espaço face à sua orientação e estabilidade, assumindo-se como uma referência estável para os segmentos distais11-13.

De fato, o CP é extremamente importante e depende da interação entre diversos subsistemas neurais, sendo estes: sensoriais (visual, somatossensorial e vestibular); motor (córtex pré-frontal e vias descendentes até aos efetores), núcleos da base e cerebelo, entre outros14.

A paralisia cerebral afeta o controle postural, o qual é fundamental para a realização de tarefas funcionais como por exemplo, o início da marcha, a qual representa um permanente desafio para as crianças com esta condição, pois o início da marcha depende da harmonia constante de mecanismos neuromusculares para a ativação de múltiplos músculos numa sequência correta e harmoniosa12,15,16. Aliás, o início da marcha é conseguido por meio da regulação do tônus postural e pelo adequado alinhamento dos pés17.

A PC não tem cura, mas o seu tratamento pode melhorar a qualidade de vida da criança, a sua mobilidade e independência. Deste modo, o seu tratamento pode ser diverso, devendo, no entanto, ser sempre adequado a cada caso específico. Como intervenção podemos destacar: a fisioterapia, terapia ocupacional e fonoaudiologia; o aparelho ortodôntico; a toxina botulínica e outros medicamentos para reduzir a espasticidade; e, por vezes, a intervenção cirúrgica4.

Logo, a intervenção junto de crianças com PC é essencial, ao mesmo tempo que é crucial que os profissionais que intervêm junto desta população, e que devem integrar uma equipa multidisciplinar, possuam um vasto conhecimento desta condição, assim como, da funcionalidade, das capacidades e das competências de cada criança. Neste estudo, focamos essencialmente na intervenção do neurodesenvolvimento firmado no conceito de Bobath, na função motora da criança com PC. De acordo com Geraldo (2014)10, a intervenção assente no conceito de Bobath proporciona “uma abordagem multidimensional baseada nos conhecimentos da neurofisiologia e da biomecânica, associados à observação e análise das componentes de movimento de cada criança em diferentes atividades funcionais, estabelecendo uma relação entre o seu comportamento e o desenvolvimento sensório-motor típico”. Desenvolvido nos anos 50 por um casal inglês, Karel Bobath (médico fisiatra) e Berta Bobath (fisioterapeuta), este método assume-se neuroevolutivo, uma vez que segue a sequência do desenvolvimento motor normal, sendo a abordagem mais usada na prática clínica para o tratamento de lesões do SNC6.

De fato, o conceito neuroevolutivo de Bobath revela-se uma abordagem de resolução de problemas para doentes que sofreram lesões do SNC e que, consequentemente, adquirem distúrbios do movimento, função e controle postural (CP)11. Estas são geralmente, acompanhadas por alterações cognitivas, comportamentais, comunicativas, sensoriais e perceptivas, bem como de epilepsia e problemas musculoesqueléticos secundários9. Contudo, estas alterações resultam maioritariamente, nas referidas disfunções do sistema de CP e, decorrentes disso, em alterações do padrão de marcha10.

A partir desta abordagem, o raciocínio clínico elaborado irá privilegiar a definição de objetivos de intervenção orientados para a principal dificuldade de cada criança, tendo a família um papel crucial na definição e concretização destes mesmos objetivos17-19. Ou seja, esta abordagem prevê um tratamento global concebido em função das dificuldades e necessidades de cada criança, destacando-se pelo facto de permitir observar, analisar e interpretar o desempenho motor de uma tarefa, respeitando a sequência necessária de aquisição de habilidades, no que diz respeito ao desenvolvimento neuropsicomotor normal20,21. Pretende-se então que as crianças, realizem movimentos ativos controlados pelo fisioterapeuta, com a finalidade de mobilizar ativamente as diferentes articulações, bem como adequar o tônus, aumentar a força muscular e estimular o equilíbrio22.

Recorrendo a técnicas de tratamento como a inibição, a facilitação e estimulação, a abordagem da fisioterapia assente no método de Bobath, visa preparar a criança para uma função, manter ou melhorar as já existentes, onde a intervenção contempla a adequação da espasticidade6. As técnicas básicas do conceito de Bobath são várias, principalmente: transferência de peso, mudanças de posturas, o tapping (permite aumentar o tônus postural, ativar grupos musculares fracos e estimular reações de equilíbrio), o placing e o holding (estas duas últimas técnicas implicam na capacidade de controlar e manter os movimentos e as posições de modo voluntário e automático em toda a amplitude de movimento)23.

Neste sentido, atendendo ao conceito de Bobath, o objetivo desta revisão sistemática de literatura (RSL) é identificar os efeitos de uma intervenção de fisioterapia, baseada neste conceito, na função motora de crianças com PC.


MÉTODOS

O presente estudo assume a forma de uma RSL, tendo esta vindo a ser um tipo de estudo com crescente importância para os profissionais de saúde. Este tem como principal objetivo aferir os resultados empíricos já existentes, ou seja, os resultados de outros estudos já realizadas na área da saúde especificamente em estudo24.

A pergunta de investigação é, de acordo com Fortin (2003)25, a pergunta à qual se pretende responder através da investigação a realizar, definindo conceitos-chave e identificando a população-alvo.

Assim sendo, para se formular a pergunta de investigação recorreu-se à estratégia PICO – Patient (paciente), Intervention (intervenção), Comparison (comparação), Outcome (resultados) – (quadro 1), na medida em que se trata de uma estratégia que permite e auxilia a construção de “questões de pesquisa de naturezas diversas, oriundas da clínica, do gerenciamento de recursos humanos e materiais, da busca de instrumentos para avaliação de sintomas entre outras”26.




No presente estudo, a partir da pergunta de investigação, procura-se aferir os efeitos de uma intervenção da fisioterapia firmado neste conceito, na função motora de crianças com PC. Além disso, optou-se pela estratégia PICO, pois os seus quatro componentes também são cruciais, auxiliando de forma eficaz a pesquisa bibliográfica de evidências empíricas27,28.

Tendo em conta o mencionado, a pergunta de investigação e à qual se espera dar uma resposta é: “Quais os efeitos de uma intervenção de fisioterapia assente no conceito de Bobath, na função motora de crianças com PC?”.

Relativamente ao desenvolvimento da investigação, impera referir que a sua progressão se pautou por três etapas, sendo que a primeira passou pela definição dos critérios de seleção (inclusão e exclusão); a segunda consistiu na seleção das bases de dados; e a terceira na definição da pesquisa.

A primeira fase - definição dos critérios de seleção dos estudos a integrar nesta RSL - está refletida no Quadro 2, onde se especificam os critérios de inclusão e de exclusão.




Para proceder a pesquisa bibliográfica de evidências empíricas recorreu-se a três bases de dados: a PubMed, base de dados de evidências empíricas na área biomédica; a B-On, a biblioteca de conhecimento on-line portuguesa; a ScienceDirect, uma das principais fontes mundiais de pesquisa científica, técnica e médica.

Nas três bases de dados utilizou-se o operador boleano “AND”, formulando-se as seguintes expressões de busca (em inglês) para cada uma destas bases de dados:


• Na B-on: cerebral palsy children AND physical therapy AND Bobath;
• Na PubMed: (((cerebral palsy) AND (child)) AND (physical therapy)) AND (Bobath);
• Na ScienceDirect: cerebral palsy children AND physical therapy AND Bobath.


A pesquisa de evidências empíricas foi realizada no mês de janeiro de 2021, permitindo encontrar um total de 836 artigos (38 na PubMed, 426 na B-On e 372 na ScienceDirect), dos quais se selecionaram nove artigos publicados entre 2014 e 2019: 2 da PubMed (2014 e 2019); 6 da B-On (2015 a 2019); 1 da ScienceDirect (2015).

A Figura 1 representa esquematicamente, as etapas da metodologia PRISMA e o fluxo de informação em cada base de dados, sistematizando os resultados das buscas.


Figura 1. Sistematização dos resultados das buscas.



Nesta ordem de ideias, foram selecionados nove estudos realizados por diferentes autores, estes foram publicados entre 2014 e 2019, tal como expresso no Quadro 3.




Em seguida passamos a especificar os resultados obtidos relativos a cada estudo incluído nesta RSL.


RESULTADOS

Como anteriormente referido, esta RSL contempla nove estudos, publicados entre 2014 e 2019 e selecionados nas bases de dados: B-On, PubMed e ScienceDirect.

O Quadro 4 apresenta, de forma sistematizada, os resultados obtidos face à pesquisa de evidências empíricas.




DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

Sendo o principal objetivo desta RSL, identificar os efeitos de uma intervenção à luz do conceito de Bobath, na função motora em crianças com PC.

De fato, é imperioso compreender como é possível melhorar a qualidade de vida nos doentes nesta faixa etária e portadores de uma condição tão diversificada, frequente e com várias etiologias37.

A PC sendo um distúrbio crônico da postura e dos movimentos, é uma condição persistente, variável e deve-se a uma desordem sem progressão que ocorre no encéfalo entre os períodos pré, peri ou pós-natal e até aos dois anos1.

Diferentes autores29,30,38 referem que, o conceito de Bobath tem efeitos positivos no tratamento do neurodesenvolvimento de crianças com PC, salientando, no entanto, a necessidade da realização de mais estudos nesta área. Yalcinkaya et al., em 201438, ao avaliar os resultados da reabilitação baseada no conceito de Bobath, realizada numa clínica de internamento para PC pediátrica, indicou que este é promissor.

Também Mount e Delport (2015)29, um ano mais tarde, conseguiram atingir nos seus estudos os objetivos definidos, sendo o alcance de objetivos e de metas um dos pilares na abordagem segundo este conceito, que privilegia o raciocínio clínico e a definição de objetivos de intervenção orientados para a principal dificuldade de cada criança17-19.

Ainda a respeito dos efeitos positivos do tratamento de neurodesenvolvimento, Mackay, em 201530, constatou que ocorreram alterações significativas nas habilidades bimanuais em mais de metade das crianças, após os bloqueios da terapia de Bobath, conforme medido pelo AHA. Este estudo demonstrou ainda que, 14 crianças apresentaram pontuações indicativas de mudança altamente significativa, resultando em alterações nas habilidades bimanuais de crianças com PC unilateral após a intervenção.

Tekin et al. (2018)34, que focaram nos efeitos de um treino postural e de equilíbrio apoiado no tratamento de neurodesenvolvimento de oito semanas no controle postural e equilíbrio de crianças com PC diparética e hemiparética, concluíram que o treino da postura e do equilíbrio com base no neurodesenvolvimento de oito semanas é uma abordagem eficaz para melhorar o nível motor funcional e a independência funcional, melhorando igualmente o controle postural e o equilíbrio em crianças com PC diparética e hemiparética. Na verdade, a abordagem de Bobath prevê um tratamento global que é concebido em função das dificuldades e necessidades de cada criança, destacando-se pelo facto de permitir observar, analisar e interpretar o desempenho motor de uma tarefa, respeitando a sequência necessária de aquisição de habilidades no que diz respeito ao desenvolvimento neuropsicomotor normal20,21.

Tal como Graham et al. (2009)7 explica, a plasticidade neuronal corresponde à capacidade adaptativa do SNC em modificar a sua organização estrutural e funcional, verificando-se que o maior conhecimento desta capacidade tem permitido uma intervenção precoce junto de crianças com perturbações do neurodesenvolvimento e, em particular, com PC8,39. De facto, os estudos contemplados revelam como o conceito de Bobath pode contribuir para a melhoria significativa da qualidade de vida e da independência de crianças com PC.

Outro estudo que realça os seus efeitos positivos, junto de crianças com PC, é o de Santos et al. (2015)31, ao demonstrar que o manuseio da rotação externa umeral pode ser utilizado para a reabilitação dos músculos extensores cervicais e do tronco de forma dependente do nível GMFCS (Gross Motor Function Classification). No mesmo sentido, também Türker et al. (2015)32 verificaram que, a terapia dirigida apresenta melhorias nas funções motoras grossas das crianças, bem como na sua independência nas atividades da vida diária e qualidade de vida relacionada com a saúde de crianças com PC que fizeram GD-NDT.

Ainda acerca do impacto positivo na função motora, Arshad et al., em 201835, revelam que as técnicas de Bobath na aprendizagem motora grossa são bastante eficazes e desempenham um papel de grande relevo em crianças com PC.

De acordo com Kashuba e Bukhovets (2017)33, podemos ainda acrescentar que, após a reabilitação física de seis meses com a terapia de Bobath, em comparação com as abordagens padrão, houve um aumento nos índices de desenvolvimento físico das crianças, nomeadamente, no comprimento corporal.

É então possível confirmar que os efeitos do conceito de Bobath são bastante positivos em vários aspetos físicos como função motora, atenção visual e controle motor36,40. De fato, tal como o Gjelsvik, em 200811, salienta, o conceito neuroevolutivo de Bobath revela-se uma abordagem bastante útil na resolução de problemas em doentes que sofreram uma lesão do SNC e que, como consequência, apresentam distúrbios do movimento, função e controle postural.

Desta forma, a abordagem com fisioterapia ao incluir o método de Bobath, irá preparar a criança para uma determinada função, para manter ou para melhorar as já existentes, e será uma intervenção contempladora e com a devida adequação da espasticidade apresentada6.

Tal como observado tanto nos estudos incluídos nesta RSL como nos excluídos, nota-se a necessidade de registrar mais estudos, com elevado grau de evidência, que permitam aprofundar conhecimentos acerca dos efeitos do conceito de Bobath, de forma geral, e em particular na função motora das crianças com paralisia cerebral.


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Escola Superior Tecnologias da Saude de Lisboa, Mestrado em Neurologia - Lisboa - Lisboa - Portugal

Endereço para correspondência:

Mafalda Santos Lobato
Escola Superior Tecnologias da Saude de Lisboa
Av. Dom João II Lote 4.69 01 - 1990-096 - Lisboa, Portugal
E-mail: mafalda_lobato@hotmail.com

Data de Submissão: 27/05/2021
Data de Aprovação: 22/09/2021