ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2014 - Volume 4 - Número 3

Acrodermatite enteropática em uma criança com deficiência de zinco herdada

Acrodermatitis enteropathica in a child with zinc deficiency inherited
Acrodermatitis enteropática en un niño con deficiencia de zinc heredada

RESUMO

INTRODUÇÃO: A acrodermatite enteropática é uma doença autossômica recessiva que acarreta desordem na absorção de zinco levando à hipozinquemia. A incidência desta doença é estimada em 1:500.000 crianças. Neste artigo, relatamos um caso de um paciente com deficiência de zinco herdada e suas manifestações cutâneas.
RELATO DE CASO: Lactente, a termo, sexo masculino, branco, seis meses, apresentando história de erupção cutânea refratária desde a 4ª semana de vida associada a quadro de irritabilidade, diarreia, perda ponderal e alopécia. O exame físico revelou placas erosivas eritematosas, simétricas, escamosas e com crostas nas regiões: perioral, anogenital e em região do pescoço. Além destes achados, apresentava paroníquia do 1º pododáctilo, cabelos de coloração branco-prateados e alopécia difusa. Os níveis séricos do zinco estavam reduzidos o que, juntamente com o quadro clínico, diagnosticou acrodermatite enteropática por deficiência de zinco.
DISCUSSÃO: A acrodermatite enteropática caracteriza-se pela tríade: dermatite, diarreia e alopecia. O diagnóstico é estabelecido pela redução dos níveis séricos de zinco e o tratamento requer suplementação com zinco oral. O paciente foi tratado com zinco e foi observada uma resposta dramática das lesões cutâneas na 2ª semana de tratamento. Atualmente, o paciente tem 6 anos e permanece saudável em terapia contínua com suplementação de zinco. O tratamento precoce proporciona cura das lesões cutâneas sem sequelas, entretanto, períodos longos de deficiência de zinco podem afetar o crescimento e desenvolvimento das crianças acometidas.

Palavras-chave: acrodermatite, alopecia, sulfato de zinco, zinco.

ABSTRACT

INTRODUCTION: The acrodermatitis enteropathica is an autosomal recessive disease that causes disorder in zinc absorption. The incidence of this disease is estimated at 1:500,000 children. We report a case of a patient with zinc deficiency and its inherited cutaneous manifestations.
CASE REPORT: Infant, term, male, white, six months, with a history of refractory rash from the 4th week of life associated with irritability, diarrhea, weight loss and alopecia. Physical examination revealed erythematous, symmetrical, scaly and crusted erosive plaques in regions: around the mouth, anogenital and neck region. In addition to these findings showed the 1st toe paronychia, hair coloring white silver and diffuse alopecia. Serum zinc levels were reduced, which together with the clinical condition, diagnosed acrodermatitis enteropathica by zinc deficiency.
DISCUSSION: The acrodermatitis enteropathica is characterized by the triad: dermatitis, diarrhea and alopecia. The diagnosis is established by a reduction in serum levels of zinc and requires treatment with oral zinc supplementation. The patient was treated with zinc and a dramatic response of skin lesions was observed in the 2nd week of treatment. Currently, the patient is 6 years and remains healthy in continuous therapy with zinc supplementation. Early treatment provides healing of skin lesions without sequel, however, long periods of zinc deficiency can affect the growth and development of affected children.

Keywords: acrodermatitis, alopecia, zinc, zinc sulfate.

RESUMEN

INTRODUCCIÓN: La acrodermatitis enteropática es una enfermedad autosómica recesiva que causa desordenes en la absorción de zinc llevando a hipozinquemía. La incidencia de esta enfermedad se estima en 1:500.000 niños. En este artículo, relatamos un caso de un paciente con deficiencia de zinc heredada y sus manifestaciones cutáneas.
RELATO DE CASO: Bebé que mama, a término, sexo masculino, blanco, seis meses, presentando historial de erupción cutánea refractaria desde la 4ª semana de vida asociada a cuadro de irritabilidad, diarrea, pérdida ponderal y alopecia. El examen físico reveló placas erosivas eritematosas, simétricas, escamosas y con costras en las regiones: perioral, anogenital y en región del cuello. Además de estos hallazgos presentaba paroniquia del 1º pododáctilo, pelos de coloración blanco-plateados y alopecia difusa. Los niveles séricos del zinc estaban reducidos lo que, conjuntamente con el cuadro clínico, permitió el diagnostico de acrodermatitis enteropática por deficiencia de zinc.
DISCUSIÓN: La acrodermatitis enteropática se caracteriza por la tríada: dermatitis, diarrea y alopecia. El diagnóstico se establece por la reducción de los niveles séricos de zinc y el tratamiento requiere suplementación con zinc oral. El paciente fue tratado con zinc y se observó una respuesta dramática de las lesiones cutáneas en la 2ª semana de tratamiento. En la actualidad, el paciente tiene 6 años y sigue saludable en terapia continuada con suplementación de zinc. El tratamiento precoz proporciona cura de las lesiones cutáneas sin secuelas, no obstante, periodos largos de deficiencia de zinc pueden afectar al crecimiento y desarrollo de los niños afectados.

Palabras-clave: acrodermatitis, alopecia, sulfato de zinc, zinc.


INTRODUÇÃO

A acrodermatite enteropática (AE) é uma doença autossômica recessiva que acarreta uma desordem na absorção de zinco levando à hipozinquemia1. A incidência desta doença é estimada em 1:500.000 crianças, sem predileção por raça ou sexo2. Foi primeiramente descrita por Danbolt e Closs em 19423, sendo caracterizada pela tríade: dermatite, diarreia, alopécia. Na época, como não se conhecia a causa desta doença, o desfecho era frequentemente fatal.

A ligação entre a AE e deficiência de zinco só foi descoberta anos mais tarde, após a identificação de uma mutação no gene SLC39A4, localizado no cromossomo 8q24.3, que codifica a proteína transportadora de zinco (Zip4), que permite a adequada absorção entérica de zinco1,4,5.

A deficiência de zinco pode ser herdada ou adquirida. Ambas as formas apresentam manifestações clínicas semelhantes que dependem dos níveis de zinco sérico no organismo1. Estima-se que mais de 20% dos indivíduos em todo o mundo são deficientes de zinco, principalmente nos países em desenvolvimento5. Neste artigo, relatamos um caso de um paciente com deficiência de zinco herdada e as manifestações cutâneas por ele desenvolvidas.


RELATO DE CASO

Lactente, sexo masculino, com seis meses de vida, branco, nascido a termo, apresentando história de erupção cutânea refratária desde a quarta semana de vida associada a quadro de irritabilidade, diarreia, perda ponderal eventual e alopécia. O exame físico revelou placas erosivas eritematosas, simétricas, escamosas e com crostas nas regiões: perioral, anogenital e em região do pescoço (Figura 1). Além destes achados, apresentava paroníquia do 1º pododáctilo, cabelos de coloração branco-prateados e alopécia difusa (Figura 2).


Figura 1. Lesões eritematosas, erosivas, simétricas, com formação de crostas em região anogenital.


Figura 2. Placas eritematosas e escamosas em região de dobra do pescoço. Fios do cabelo de coloração branco prateado, afinamento dos fios e alopécia difusa.



Foi tratado com vários medicamentos orais: eritromicina, cefalosporinas, cetocononazol, corticoide sistêmico (1 mg/kg/dia) e medicamentos tópicos: permanganato de potássio, água boricada, triancinolona, neomicina, cetoconazol, sem melhora clínica das lesões.

Foram solicitados os seguintes exames laboratoriais: hemograma, sumário de urina, testes de função hepática e renal, sem anormalidades, bem como o exame micológico e bacterioscopia das lesões. Foi ainda solicitada a dosagem do zinco sérico. A biópsia das lesões cutâneas não foi realizada. O valor laboratorial do zinco sérico mostrou redução dos seus níveis: 256 (valor de referência: 587-1215 mcg/dl) o que, juntamente com o quadro clínico do paciente, levou ao diagnóstico de acrodermatite enteropática por deficiência de zinco.

O tratamento oral com sulfato de zinco foi iniciado imediatamente na seguinte dosagem: (5 mg/kg/dia): 35 mg, 1 vez ao dia por via oral associado ao uso de antisséptico local com água boricada no local das lesões.


DISCUSSÃO

A importância do zinco é bem documentada hoje, sendo um elemento integrante de mais de 40 metaloenzimas do organismo, essencial em muitas funções biológicas. Dentre elas, no sistema imune, por meio da imunidade celular, na síntese de proteínas, reprodução celular cicatrização de feridas, além de desempenhar um papel importante na fertilidade e concepção1,5. O zinco também atua como agente antioxidante e anti-inflamatório, estabilizando a membrana das células e reduzindo a formação de radicais livres1,6.

A deficiência de zinco pode ser herdada devido à mutação no gene SLC39A4 ou adquirida decorrente de deficiências nutricionais, na absorção, aumento da demanda ou excreção aumentada deste elemento. A deficiência adquirida de zinco pode estar associada à doença renal crônica, malignidades, drogas como penicilamina, uso excessivo de álcool, gravidez, lactação, queimaduras extensas, nutrição parenteral total dieta rica em fibras, as quais possuem em excesso o filato, fostato orgânico, que torna o zinco indisponível para absorção, anorexia nervosa e sudorese excessiva1,6,7.

A acrodermatite enteropática caracteriza-se da pela tríade: dermatite, diarreia e alopécia. No entanto, apenas 20% dos pacientes apresentam os três componentes simultaneamente. A AE herdada geralmente manifesta-se em lactentes, coincidindo com o período de suspensão do aleitamento materno, pois acredita-se que o leito materno contém ligantes do zinco que contribuem em sua absorção mascarando, portanto, a deficiência herdada das proteínas transportadoras de tal elemento.

Inicialmente, os pacientes apresentam quadro de dermatite perioral erosiva que evolui progressivamente para acometimento de face, parte acral, e região de fraldas1. Alterações das unhas incluem onicodistrofia, onicólise e paroníquia. As lesões mucosas consistem de estomatite e angular queilite. Os achados oculares incluem conjuntivite e fotofobia5.

Pacientes com deficiência grave de zinco podem desenvolver mais tardiamente: retardo no crescimento, lentidão mental, dificuldade na cicatrização de feridas, anemia, fotofobia, hipogeusia, anorexia, puberdade atrasada e hipogonadismo em homens8. As deficiência de biotina, de ácidos graxos essenciais, de vitamina B2 (riboflavina), o eritema migratório necrolítico, a síndrome pseudoglucagonoma, dermatite atópica, psoríase e candidíase são as principais dermatoses que fazem diagnóstico diferencial com esta condição1,5.

O diagnóstico da AE é estabelecido pela redução dos níveis séricos de zinco. A biópsia das lesões é útil para descartar os diagnósticos diferenciais e contribuir com o diagnóstico5. O tratamento desta patologia requer suplementação com zinco oral onde a dose recomendada pela maioria dos autores é 5-10 mg/kg/dia de zinco elementar e doses de manutenção de 1-2 mg/kg/dia. O zinco pode ser administrado na forma de acetato, gluconatos, sulfatos, sendo o sulfato de zinco descrito como o composto melhor tolerado4.

Este artigo mostra um caso de um lactente, sexo masculino com AE herdada diagnosticado aos 6 meses de idade. Apresentava quadro de diarreia, dermatite e com difuso afinamento do cabelo, associado à queda e coloração branco prateado. A genitora relatava que a diarreia era esporádica, o que pode justificar o fato da criança apresentar-se dentro do padrão de normalidade nas curvas de crescimento da OMS: Peso x Idade e Estatura x Idade (entre o P3 e P97). Piyush et al.1 em sua revisão, evidenciaram que a diarreia é uma manifestação variável que pode ser intermitente ou totalmente ausente; no entanto, quando presente contribui para a redução na absorção do zinco, gerando um ciclo vicioso que pode agravar ainda mais a condição1.

O lactente apresentou como alteração ungueal a paroníquia recorrente do primeiro pododáctilo. O diagnóstico inicial para este caso foi dermatite das fraldas associada à infecção fúngica. No entanto, este diagnóstico foi descartado após a persistência clínica das lesões, apesar do tratamento clínico apropriado.

Paciente foi tratado com suplementação de zinco e foi observada uma resposta dramática das lesões cutâneas por volta da 2ª semana de tratamento. Após 30 dias, utilizou dose de manutenção 5 mg ao dia. Nenhum efeito colateral foi observado. Desde então, o paciente permanece em terapia com suplementação de zinco e, atualmente, encontra-se com 6 anos de idade. Neste período, a genitora do paciente, por conta própria, interrompeu o tratamento de manutenção, ocorrendo três episódios de recidivas das lesões. Atualmente, o paciente permanece saudável em terapia contínua com suplementação de zinco.

A acrodermatite enteropática por deficiência de zinco é uma desordem rara e potencialmente fatal quando não tratada adequadamente. O reconhecimento e tratamento precoce desta condição são necessários principalmente por conta da imunodeficiência celular existente nestes pacientes. Quando o tratamento é instituído precocemente, ocorre a cura das lesões cutâneas sem sequelas permanentes, no entanto, períodos longos de deficiência de zinco podem ter efeitos permanentes sobre o crescimento e desenvolvimento das crianças acometidas.


REFERÊNCIAS

1. Kumar P, Lal NR, Mondal AK, Mondal A, Gharami RC, Maiti A. Zinc and skin: a brief summary. Dermatol Online J. 2012;18(3):1.

2. Valdés R, Mauret M, Castro A. Acrodermatitis enteropática: caso clínico y revisión de la literatura. Rev Med Chil. 2013;141(11):1480-3. DOI: http://dx.doi.org/10.4067/S0034-98872013001100017

3. Danbolt N, Closs K. Acrodermatitis enteropathica. Acta Derm Venereol. 1942;23:127-69.

4. Kilic M, Taskesen M, Coskun T, Gürakan F, Tokatli A, Sivri HS, et al. A Zinc Sulphate-Resistant Acrodermatitis Enteropathica Patient with a Novel Mutation in SLC39A4 Gene. JIMD Rep. 2012;2:25-8.

5. Jensen SL, McCuaig C, Zembowicz A, Hurt MA. Bullous lesions in acrodermatitis enteropathica delaying diagnosis of zinc deficiency: a report of two cases and review of the literature. J Cutan Pathol. 2008;35 Suppl 1:1-13. DOI: http://dx.doi.org/10.1111/j.1600-0560.2008.00981.x

6. Prasad AS. Zinc in human health: effect of zinc on immune cells. Mol Med. 2008;14(5-6):353-7.

7. Corbo MD, Lam J. Zinc deficiency and its management in the pediatric population: a literature review and proposed etiologic classification. J Am Acad Dermatol. 2013;69(4):616-624.e1. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.jaad.2013.04.028

8. Maverakis E, Fung MA, Lynch PJ, Draznin M, Michael DJ, Ruben B, et al. Acrodermatitis enteropathica and an overview of zinc metabolism. J Am Acad Dermatol. 2007;56(1):116-24. PMID: 17190629 DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.jaad.2006.08.015










1. Graduanda do curso de medicina da Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa - PB
2. Professor e Dr Associado da Disciplina de Dermatologia da Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa - PB
3. Residente de Dermatologia da Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa - PB

Endereço para correspondência:
Lorena Luryann Cartaxo da Silva
Universidade Federal da Paraíba
Av. Argemiro de Figueiredo, nº 2200, Edifício Paralia 402. Bairro Jardim Oceania
João Pessoa - PB, Brasil. CEP: 58037-030