ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo de Revisao - Ano 2022 - Volume 12 - Número 4

Risco de desenvolvimento de transtorno do espectro autista em recém-nascidos pequenos para idade gestacional: Revisão integrativa da literatura

Risk of Developing Autism Spectrum Disorder in Small for Gestational Age Newborns: An Integrative Literature Revision

RESUMO

INTRODUÇÃO: Os Transtornos do Espectro Autista (TEAs) são transtornos do neurodesenvolvimento caracterizados por déficits persistentes na comunicação e interação social, associados com padrões repetitivos e restritos de comportamento, atividades e interesses. A etiologia dos TEAs permanece indeterminada, estabelecendo-se uma patogênese multifatorial que pode se encontrar associada a fatores genéticos, alterações durante o desenvolvimento cerebral intrauterino e nascimento, e fatores ambientais. Dentro desse contexto, dois fatores são considerados preditores consistentes do TEA: peso ao nascer e idade gestacional.
OBJETIVO: Assim, o presente estudo teve como objetivo a realização de uma revisão bibliográfica para verificar se existiam relatos de relação significativa do TEA com peso ao nascer e baixa idade gestacional.
MÉTODOS: Foi realizada uma pesquisa no intervalo de 2010 a 2020 utilizando os bancos de dados: (SciELO, PubMed, PsycINFO, LILACS, Medline, Google Scholar, BVS e CAPES).
RESULTADOS: Foram selecionados 14 artigos para leitura na íntegra e, destes, 35,71% (n=5) com associação significativa entre baixo peso ao nascer e TEA.
CONCLUSÃO: A revisão concluiu que o aparecimento dos transtornos do espectro do autismo tem influência multifatorial.

Palavras-chave: Recém-Nascido de Baixo Peso, Transtorno do Espectro Autista, Recém-Nascido Prematuro, Fatores de Risco.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Autistic Spectrum Disorders (ASDs) are neurodevelopmental disorders characterized by persistent deficits in communication and social interaction, associated with repetitive and restricted patterns of behavior, activities and interests. The etiology of TEAs remains undetermined, being associated with a multifactorial pathogenesis that may be related to genetic factors, alterations during intrauterine brain development and birth, and environmental factors. Within this context, two factors are considered consistent predictors of ASD: birth weight and gestational age.
OBJECTIVE: Thus, this study aimed to carry out a literature review to verify if there were reports of a significant relationship between ASD and birth weight and low gestational age.
METHODS: A search was carried out between 2010 and 2020 using the following databases: (SciELO, PubMed, PsycINFO, Lilacs, Medline, Google Scholar, BVS and CAPES).
RESULTS: 14 articles were selected for full reading and, of these, 35.71% (n=5) with a significant association between low birth weight and ASD.
CONCLUSION: The review concluded that the appearance of autism spectrum disorders has a multifactorial influence.

Keywords: Infant, Low Birth Weight, Autism Spectrum Disorder, Infant Premature, Risk Factors.


INTRODUÇÃO

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por déficits persistentes na comunicação e interação social juntamente com a presença de padrões repetitivos e restritos de comportamento, atividades e interesses1,2. Atualmente, estima-se que a prevalência do TEA esteja entre 0,1 e 2% entre diferentes populações, com maior prevalência no sexo masculino do que no feminino3.

Nos Estados Unidos, a prevalência estimada de TEA nas crianças até 8 anos de idade aumentou de 1:150 para 1:59 entre os anos de 2000 e 20144; no Brasil, a incidência tem aumentado ao longo dos anos, sendo que o número de crianças com o diagnóstico de autismo já atinge cerca de dois milhões5. As razões para esse aumento ainda são uma questão em debate, mas considera-se que estejam envolvidos: mudança dos métodos diagnósticos (que se tornaram mais amplos); a maior preocupação de pais e profissionais de saúde com o transtorno; e os avanços nos cuidados obstétricos e neonatais, que possibilitam uma maior sobrevivência de bebês que possuem possíveis fatores de risco etiológicos para TEA3,4,6.

O aumento da prevalência do diagnóstico de TEA repercute no seu reconhecimento como um problema de grande importância para a saúde pública, representando um dos principais transtornos que causam incapacidades na população infantil6. Além disso, o TEA é associado a custos substanciais que duram a vida inteira, sendo custeado pelos familiares, pela comunidade e pelo Estado7. Assim, a identificação de possíveis causas e fatores de risco para o TEA é de suma importância para a prevenção e reconhecimento precoce do transtorno, possibilitando a realização de intervenções e de preparo familiar, com o objetivo de melhorar o desenvolvimento neuropsicomotor dessas crianças5,8.

A etiologia do TEA permanece indeterminada, sendo de acordo que o transtorno tenha patogênese multifatorial acometendo indivíduos com uma vulnerabilidade biológica (fatores genéticos) que experienciam graus variáveis de estressores exógenos durante um período crítico do desenvolvimento cerebral intra-útero ou após o nascimento7,9. Em relação aos fatores genéticos, mutações no gene MTHFR (importante no metabolismo do ácido fólico) e CDH8 (importante para a adesão célula-célula dependente de cálcio) foram identificadas como associadas ao TEA5. Em relação aos estressores exógenos, são propostos diversos fatores pré-natais, perinatais e neonatais que aumentam o risco para o desenvolvimento de TEA9, sendo a idade materna e paterna avançadas, sangramento materno, parto cesariano, peso ao nascer, baixos escores de Apgar, hipóxia perinatal, prematuridade e malformações congênitas as variáveis mais estudadas relacionadas ao transtorno3.

Dentro desse contexto, dois fatores são considerados preditores consistentes de TEA: peso ao nascer e idade gestacional4. O baixo peso ao nascer (<2500 gramas) é relacionado em diversos estudos com o aumento do risco para os transtornos do desenvolvimento cognitivo (junto ou não com a prematuridade), dentre estes, os transtornos do espectro do autismo (TEA). Entretanto, os achados reportados na literatura ainda são considerados inconsistentes no que diz respeito à associação entre baixo peso ao nascer e TEA em crianças10. Isso pode ser explicado pelas diferentes metodologias entre os estudos, com diferenças em relação a procedimentos de investigação, diagnóstico, tamanho amostral, avaliação de exposição e tratamento de potenciais fatores de confusão11,12.

O presente estudo teve como objetivo realizar uma revisão da literatura publicada entre 2010 e 2020, a fim de observar a associação (ou falta dela) entre baixo peso ao nascer no recém-nascido pequeno para a idade gestacional (PIG) e o TEA e se, portanto, podemos considerar PIG como fator de risco para TEA, estando ou não relacionado à prematuridade.


MÉTODOS

Material


Publicações científicas escritas em espanhol, francês, inglês e português, veiculadas entre os anos de 2010 e 2020, que apresentaram em seus estudos a associação de risco de transtorno do espectro autista em crianças com baixo peso ao nascer, consideradas pequenas para a idade gestacional.

Método

Foi realizada uma pesquisa bibliográfica nas bases de dados SciELO, PubMed, PsycINFO, LILACS, Medline, Google Scholar, BVS e CAPES. A pesquisa selecionou artigos publicados entre os anos de 2010 e 2020 disponíveis nos idiomas português, inglês, espanhol e francês.

Os descritores utilizados na pesquisa pelo SciELO, PubMed, PsycINFO, Lilacs, Medline, Google Scholar, BVS e CAPES foram: “baixo peso ao nascer” (“low birth weight”) AND “prematuro” (“premature”) OR “criança” (“baby”) OR “Espectro Autista” (“Autistic Spectrum”) AND “Transtorno do Espectro Autista” (“Autism Spectrum Disorder”). A pesquisa na base de dados LILACS foi realizada por meio da plataforma BVS.

Foram considerados como critérios de inclusão: artigos de revisão sistemática e artigos originais que se encontravam presentes na íntegra nas bases de dados utilizadas. Estas publicações avaliadas estavam nos idiomas português, inglês, espanhol e francês e foram publicados entre os anos de 2010 e 2020. Por sua vez, os critérios de exclusão foram os seguintes: artigos publicados fora do período (2010 a 2020), tema inadequado (não relacionados com TEA ou sobre outras doenças psiquiátricas), artigos duplicados e editoriais.

A Figura 1 apresenta o fluxograma do processo de seleção. Inicialmente, foram identificados 1889 artigos (Google Scholar: 1740; PubMed: 5; CAPES: 42; LILACS: 2; SciELO: 1; PsychINFO: 3; Medline: 49; BVS: 3). Após leitura dos resumos, foram excluídos 1867 artigos. Foram selecionados para leitura na íntegra 20 artigos, durante a revisão dos quais se identificou a repetição de quatro artigos e a presença de outros dois artigos com temas que não se encontravam de acordo com a temática proposta para esta revisão.


Figura 1. Fluxograma.



No final, a amostra se encontrava constituída por 14 artigos, que foram organizados na Tabela 1 conforme o ano de publicação, título, autores, base de dados onde foi encontrado, tipo de publicação, país e condição de relação PIG-TEA. A relação em questão foi classificada em três níveis: positivo, relato de relação significante entre PIG-TEA; indeterminado, não foi possível confirmar nem refutar presença de relação; e não encontrado, ou seja, não foi detectada nenhuma relação no estudo.




DISCUSSÃO

De acordo com a pesquisa realizada, a relação positiva entre TEA e baixo peso ao nascimento é inconsistente dentro dos estudos. Destacaram-se, além do baixo peso ao nascer, outros fatores de risco associados, tais como: idade avançada dos pais, sangramento materno, parto cesariana, peso ao nascimento, baixos escores de Apgar, hipóxia perinatal, prematuridade e malformações congênitas. Esses fatores mais estudados contribuem para a inflamação cerebral focal e, consequentemente, desenvolvimento de alterações psiquiátricas e neurológicas.

A complexidade e multifatoriedade envolvida no desenvolvimento intrauterino leva a uma dificuldade extrema de pontuar apenas um desses fatores como responsável único pelo desenvolvimento dos TEAs. Por este motivo, dos 14 artigos selecionados para realização desta revisão da literatura sistemática, apenas 40% (n=6) comprovaram uma relação positiva entre TEA e PIGs, enquanto que 33% (n=5) não encontraram nenhuma associação, embora 26,7% (n=4) não conseguiram determinar relação específica.

Estudos que detectaram relação positiva

Um estudo realizado no Paraná, Região Sul do Brasil, entre os anos de 2008-2015, revisou prontuários de 75 pacientes previamente diagnosticados com TEA, buscando analisar a relação entre baixo peso ao nascer e TEA, dentre outros fatores perinatais. O baixo peso ao nascer foi observado em 32 (42,6%) pacientes e, destes, 14 tinham sido prematuros nascidos com baixo peso.

É relevante destacar que a prevalência de recém‐nascidos de baixo peso em tal estudo foi muito superior às prevalências gerais no Brasil, Região Sul e estado do Paraná (p<0,001). Também foi constatado que, quando analisado somente o grupo de crianças com baixo peso ao nascer não prematuras (18 pacientes), foram encontradas diferenças significativas na comparação com a população em geral (p<0,001). Esse resultado sugere que o baixo peso ao nascer, independentemente da prematuridade, pode estar associado positivamente ao diagnóstico de TEA. Apesar de ser um estudo sem grupo controle, com muitas variáveis e um número “n” relativamente baixo, é um estudo significativo, já que 43% dos pacientes mostraram relação positiva entre baixo peso ao nascer e o diagnóstico de TEA3.

Um estudo realizado em Israel incluiu uma população de crianças nascidas entre 2000 e 2012 com diagnóstico de TEA. Foi observada uma maior prevalência dessa condição em crianças com <1000g de peso ao nascer e uma menor prevalência em crianças com 3,001 a 3500 g de peso ao nascer. Sendo calculado o risco de TEA para muito baixo peso (< 1500g) e baixo peso, foi encontrado um risco de 2,5 vezes maior para diagnóstico de TEA em crianças com < 1000g de peso ao nascer em comparação aos recém-nascidos de peso 3,001 a 3500g (OR: 2.77; IC 95%: 2.44_3.14; OR: 2.21; IC 95%: 2.03–2.41, respectivamente). Além desses achados, para explicar a alta correlação entre idade gestacional e peso ao nascimento (PN), foram modelados os percentis de PN para a idade gestacional e foi observado que o PN <20º percentil estava também associado a um risco aumentado de TEA (OR: 1,10; IC95%: 1,01-1,19)4.

O estudo de Ben Itzchak et al., realizado em Israel, foi composto por uma coorte de 529 participantes diagnosticados com TEA, sobre os quais foram coletadas informações acerca da história familiar, médica e do desenvolvimento (gênero, idade, informações do período gestacional e do nascimento, idade dos pais). As informações foram comparadas com os dados nacionais de recém-nascidos de Israel. Como resultado, a coorte de crianças diagnosticadas com TEA possuiu uma frequência significativamente maior de baixo peso ao nascer (<2500g) e muito baixo peso ao nascer (<1500g) comparada aos dados de recém-nascidos de Israel13.

Um estudo, feito na Tunísia, com o objetivo de identificar os fatores pré, peri e pós-natais relacionados ao TEA comparou o grupo composto por crianças com autismo diagnosticado com o grupo de crianças sem autismo diagnosticado. De acordo com essa análise, os fatores perinatais foram mais frequentes no primeiro grupo (60%) em comparação com o segundo (11,8%), tendo sido observada uma relação estatisticamente significativa (p=0,03). Os fatores perinatais mais frequentes encontrados no grupo com TEA foram sofrimento fetal agudo (26%), prematuridade, dificuldades no parto (18%) e baixo peso ao nascer (12%). Assim, conclui-se que fatores perinatais, como baixo peso ao nascer, estão associados ao TEA de maneira muito significativa (p=0,03) e são fatores determinantes na gênese do TEA8.

Em 2018 foi feita, nos Estados Unidos, uma coorte retrospectiva de casos de crianças com diagnóstico de TEA entre as idades de 2 e 18 anos. Para cada caso, foram estipulados três controles, pareados com base no sexo e na idade, de forma que o estudo foi composto por 8.760 bebês com diagnóstico de TEA e 26.280 no grupo controle. Foram também consideradas condições perinatais, identificadas pelos códigos CID-9 e registros médicos dos pacientes. Sendo assim, neste estudo foram observadas que as chances de desenvolvimento de TEA aumentaram conforme a presença de condições maternas como hipertensão, asma, infecções, dentre outras. Quanto a fatores perinatais, complicações na gravidez, parto prematuro e baixo peso ao nascer também foram relacionadas ao TEA, além de complicações neonatais. Dessa forma, 19 dos 29 fatores de risco previamente considerados foram associados ao TEA14.

Um estudo observacional multicêntrico de 14 instituições em cinco estados dos Estados Unidos foi realizado, em 2017, com o objetivo de identificar os fatores perinatais associados ao aumento do risco de TEA em crianças prematuras extremas. Neste trabalho, foram consideradas também crianças que possuíam deficiência intelectual (QI<70), levando em conta um aspecto não avaliado rigorosamente em estudos prévios até o momento da execução do trabalho citado. Foram incluídas 840 crianças nascidas com 23 a 27 semanas de gestação entre os anos de 2002 e 2004, avaliadas para TEA e deficiência intelectual aos 10 anos de idade. Os participantes foram divididos em quatro grupos: crianças com TEA sem deficiência intelectual, com TEA e com deficiência intelectual concomitante, crianças sem TEA e sem deficiência intelectual e sem TEA e com deficiência intelectual. Do total de participantes da amostra final, 59 (7%) foram diagnosticados com TEA e 103 (12,3%) com deficiência intelectual. A categoria de prematuros foi associada com um aumento no risco para TEA com deficiência intelectual concomitante e para TEA sem deficiência intelectual, sendo que a restrição severa do crescimento fetal foi fortemente associada com um aumento do risco para TEA sem deficiência intelectual. Dessa forma, o estudo afirma que o nascimento prematuro e o peso ao nascer menor que o esperado para a idade gestacional estão associados a um maior risco de desenvolvimento do TEA6.

Estudos que detectaram relação indeterminada

Um artigo publicado em 2016, realizado em Tóquio15, abordou a conexão entre o crescimento exagerado do perímetro cefálico e o diagnóstico de TEA. O estudo também analisou, de forma secundária, peso e comprimento com 40 semanas de idade corrigida, além de 3, 9, 12 e 18 meses de idade corrigida. Foram estudadas 59 crianças que nasceram antes de 33 semanas de idade gestacional.

Utilizando os dados do peso, foi analisada a progressão ao longo do tempo em comparação ao Z-escore de normalidade, e estes foram significativamente menores no grupo TEA do que no grupo não TEA. Apesar disso, não houve diferença entre os grupos dos 3 meses aos 12 meses de idade corrigida15. Esses achados sugerem que o crescimento dos RN de muito baixo peso ao nascer durante o período inicial crítico da infância pode ser importante para o desenvolvimento cognitivo, assim como para o desenvolvimento de habilidades sociais, podendo resultar no diagnóstico de TEA. Isso nos leva a refletir sobre a quantidade de diagnósticos precoces de TEA feitos que, durante o desenvolvimento da criança, podem se mostrar errôneos.

Outro estudo realizado em 2016, na Noruega, teve o objetivo de descrever as prevalências de transtornos mentais em crianças extremamente prematuras (EP) e com extremo baixo peso ao nascer (EPLBW), comparando-as com um grupo controle de 1882 indivíduos de 11 anos. Foram analisadas 216 crianças prematuras e de baixo peso ao nascer (EP/EPLBW), nascidas entre 1999 e 2000, sendo avaliadas aos 2, 5 e 11 anos de idade. Aquelas que tinham QI<70, paralisia cerebral não ambulatória, surdez ou cegueira foram excluídas do estudo. Foi observado nessa avaliação que as crianças EP/EPLBW tinham um risco aumentado de apresentar sintomas de autismo e 18% delas possuíam escores altos nos questionários de rastreamento para essa condição, em comparação com 3,2% das crianças do grupo controle16.

A grande amostra deste estudo, a pequena variação em idade e a avaliação de vários aspectos da saúde mental são características que indicam sua relevância. Em contrapartida, foram utilizados questionários de rastreamento, ao invés de ferramentas diagnósticas, o que pode ter levado a uma falsa prevalência elevada da ocorrência concomitante de sintomas de saúde mental. Ao final, foi concluído um risco de duas a oito vezes maior no desenvolvimento de sintomas sugestivos de uma variedade de problemas mentais em crianças com EP/ELBW em relação ao grupo controle selecionado16.

Entre os artigos analisados, um estudo retrospectivo de revisão de prontuários de bebês para detectar casos de TEA, na Arábia Saudita, foi analisado. O objetivo desta revisão era avaliar a associação entre fatores, como baixo peso ao nascer, com o desenvolvimento do TEA. No resultado, o estudo levantou que cinco dos 107 pacientes avaliados foram diagnosticados com TEA durante o período de estudo, a partir dos critérios do DSM-IV, tendo todos nascido com muito baixo peso. O trabalho teve um tamanho amostral limitado, não podendo estimar a prevalência de TEA de forma acurada com o IC95%, e possuiu viés de seleção, devido à condução do estudo em um centro de atenção terciário com prevalência de TEA maior em relação à da população geral. Não foram avaliados também outros fatores de risco que poderiam estar relacionados com o desenvolvimento do transtorno, como a idade materna, o histórico familiar de TEA, o estresse fetal, baixo escore no APGAR aos cinco minutos desde o nascimento, entre outros. Devido às limitações desse estudo, a associação encontrada entre TEA e o baixo peso ao nascer não foi concluída como substancial17.

Estudos que não detectaram relação

O estudo de Saroukhani et al.9 teve como objetivo avaliar a possível associação entre três fatores perinatais selecionados (parto cesariano, baixo peso ao nascer e prematuridade) e TEA em crianças nascidas na Jamaica. O estudo foi composto por uma amostra de 686 crianças (343 com TEA e 343 com desenvolvimento típico), pareados em sexo e idade. Os dados foram coletados por meio de questionários aplicados aos pais/cuidadores das crianças, referente às condições socioeconômicas e aos fatores perinatais de interesse do estudo. É importante ressaltar que esse método é um ponto fraco do estudo, pois pode ser influenciado por viés de informação e classificação incorreta de exposição. Como resultado, nenhuma associação significativa foi encontrada entre baixo peso ao nascer e TEA, mesmo havendo ajuste para idade materna no nascimento e status socioeconômico9.

O estudo de Matheis et al.18, realizado em Louisiana, teve como objetivo investigar a relação entre fatores perinatais (idade gestacional e peso ao nascer) e TEA em crianças matriculadas em um programa de intervenção precoce. A amostra original incluiu 9365 crianças jovens que passaram por screening para TEA, entre fevereiro de 2008 e outubro de 2015. Após a exclusão de casos por falta de dados, a amostra final continha 7526 participantes. O screening positivo para TEA foi encontrado em 37,6% (2830) dos pacientes. Este foi feito por meio do BISCUIT - part 1 (Baby and Infant Screen for Children with Autism Traits) e por meio do BDI-2 (Battelle Developmental Inventory). Ao final, foi constatado que crianças com screening negativo para TEA apresentaram menor peso ao nascimento em comparação com o grupo de screening positivo. É importante ressaltar que a amostra continha principalmente crianças de alto risco, logo, as crianças incluídas tinham uma variabilidade alta de queixas de desenvolvimento. É possível que crianças com baixo peso ao nascimento tenham mais risco de TEA do que crianças com desenvolvimento típico, mas estão em menor risco quando comparadas às crianças com outros atrasos do desenvolvimento ou queixas médicas. Além disso, a informação da idade gestacional e peso ao nascimento foi baseada no relato dos pais e não foi possível verificar essa informação pelos prontuários clínicos. Portanto, é possível que esses dados estejam sujeitos a viés de informação18.

Um estudo de coorte19 retrospectivo baseado em uma população do condado de Olmsted (EUA), teve o objetivo de analisar a relação da idade gestacional com o TEA e sua relação com outras características tanto do bebê quanto da mãe. No mesmo, calculou-se que a incidência cumulativa de de TEA foi de 3,8% aos 21 anos de idade, dessa forma, comparado com crianças nascidas em termo e peso correto aparentou ser maior quando com hazard ratio (HR) de 2,62. No entanto, ao ajustar o valor de HR esta diferença foi atenuada e, portanto, concluiu-se que o risco aumentado de TEA não se encontrava fortemente associado à idade gestacional, tendo sido provavelmente atenuado pelas características do bebê e da mãe. Limitações deste estudo incluem a retrospectividade do mesmo, levando à subnotificação de problemas e complicações associados ao parto, possíveis erros de medição associados ao fato do estudo ser observacional e à baixa incidência de nascimentos prematuros na população analisada.

Uma metanálise10, realizada em Boston, desenvolvida com o objetivo de entender a associação entre fatores perinatais e neonatais com o risco para diagnóstico de TEA, demonstrou que muitos dos fatores examinados apresentam resultados inconsistentes, além da preponderância das descobertas não ser estatisticamente significativa. Dentre os fatores com evidência mais forte para associação com o risco de TEA, o baixo peso ao nascer é relatado. Porém, na conclusão, o estudo mostra que não há evidências suficientes para relacionar qualquer fator perinatal ou neonatal como etiologia única do autismo, embora haja evidências que sugerem a exposição a várias condições, que refletem compromissos gerais para a saúde perinatal e neonatal, associada ao aumento do risco de TEA.

Outra metanálise realizada em 2018, na Austrália, também não encontrou relação entre RN de baixo peso ao nascer e diagnóstico de TEA7. Foram analisados 18 estudos, contendo 3366 crianças ao total. Não foi revelada nenhuma associação significativa entre peso ao nascimento e prevalência de TEA. Esse estudo é mais uma contribuição para a relação dúbia entre as duas, reforçando a necessidade e importância de analisar os dados já obtidos pelos artigos.


CONCLUSÃO

Após análise dos estudos, não se verificou uma relação do baixo peso ao nascer como fator isolado para a etiologia dos TEAs, não devendo ser considerado um fator de risco. A análise dos artigos estudados encontrou uma relação positiva na interação entre diagnóstico de TEA e baixo peso ao nascer apenas em 35,71% (5 artigos). Já em 60% (9 artigos), não foi encontrada uma relação positiva, sendo destes 26,6% de relação indeterminada e 33,4% sem relação alguma.

Desta forma, comprova-se a magnitude de repercussões multifatoriais dentro da puericultura. Destacam-se, além do BPN, outros fatores perinatais que contribuem para o aumento do risco de desenvolvimento de TEA: mutações no gene MTHFR (importante no metabolismo do ácido fólico) e CDH8 (importante para a adesão célula-célula dependente de cálcio), idade materna e paterna avançadas, sangramento materno, parto cesariano, peso ao nascer, baixos escores de Apgar, hipóxia perinatal, prematuridade e malformações congênitas.

A presente revisão sistemática pode encontrar-se vulnerável a vieses que podem ter mascarado os verdadeiros resultados do estudo e influenciado a conclusão do mesmo. Neste âmbito citam-se os possíveis vieses: viés de seleção (estratégia de busca não abrangente o suficiente e seleção incorreta) e viés de informação (inconsistência de metodologias entre os estudos, com diferenças em relação a procedimentos de averiguação e diagnóstico, tamanho amostral)3,5,9. Em jeito de conclusão, reforça-se a importância da execução de estudos maiores, mais fidedignos e mais significativos sobre o tema, precisando de mais espaço na academia.


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Endereço para correspondência:
Sebastião Mota Tavares
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E-mail: sebastiaogilbertogm@gmail.com

Data de Submissão: 14/07/2021
Data de Aprovação: 23/08/2021