Artigo de Revisao
-
Ano 2022 -
Volume 12 -
Número
4
Progressão da escoliose neuromuscular e opção cirúrgica na encefalopatia crônica não progressiva infantil: Uma revisão de escopo
Neuromuscular scoliosis progression and surgery as an option for children with cerebral palsy: a scoping review
Julie Cristine Santos da-Silva1; Stephanya Covas da-Silva2; Hildemberg Agostinho Rocha de-Santiago1; Rafael Menezes-Reis1
RESUMO
OBJETIVO: Realizar uma revisão de escopo sobre a progressão de escoliose em pacientes com encefalopatia crônica não progressiva.
MÉTODOS: Estudo de revisão de escopo com buscas por periódicos na base de dados PubMed de setembro a dezembro de 2020 com descritores específicos associados a operadores booleanos. Foram aplicados os critérios de elegibilidade para inclusão e exclusão dos estudos, com posterior tabulação de dados.
RESULTADOS: Foi encontrado um total de 77 artigos; após aplicar critérios de elegibilidade, apenas sete artigos eram elegíveis para extração de dados desejada.
CONCLUSÃO: A idade e o Sistema de Classificação da Função Motora Grossa (GMFCS) podem ser preditores clínicos para progressão da escoliose. A escoliose se mostrou mais progressiva em pacientes com GMFCS III, IV e V. Pacientes com menor ângulo de Cobb durante o período de crescimento ósseo apresentam menor chance de progressão da curva.
Palavras-chave:
Escoliose, Paralisia Cerebral, Criança, Adolescente.
ABSTRACT
OBJECTIVE: To carry out a systematic review of the progression of scoliosis in patients with cerebral palsy.
METHODS: Systematic review study with searches for journals in the PubMed database from September to December 2020 with specific descriptors associated with the Boolean operator “or” “longitudinal” or “cohort” or “control-case” and “prospective” and “ cerebral palsy” and “scoliosis” or “spine deformity” or “spinal deformity” or “neuromuscular”. Eligibility criteria for inclusion and exclusion of studies were applied, with subsequent data tabulation.
RESULTS: A total of 986 articles were found, only seven articles were eligible for desired data extraction after applying eligibility criteria.
CONCLUSION: Age and Gross Motor Function Classification System (GMFCS) can be clinical predictors of scoliosis progression. Scoliosis was more progressive in patients with GMFCS III, IV and V. Patients with a smaller Cobb angle during the bone growth period have a lower chance of curve progression.
Keywords:
Scoliosis, Cerebral Palsy, Child, Adolescent.
INTRODUÇÃO
A encefalopatia crônica não progressiva (ECNP), também conhecida como paralisia cerebral (PC) foi descrita pela primeira vez em 1843 por William John Little, um ortopedista inglês, que descreveu o quadro clínico de crianças portadoras de rigidez espástica, acreditando que a etiologia nestes casos estava ligada a circunstâncias adversas ao nascimento, como dificuldade no trabalho de parto, prematuridade, demora para respirar e chorar ao nascer e convulsões. A expressão encefalopatia crônica não progressiva surgiu em 1897 e inclui várias afecções que comprometem o sistema nervoso central imaturo, tendo em comum o distúrbio motor como manifestação mais evidente¹.
O distúrbio motor se apresenta em padrões anormais de postura e movimentos, associados a um tônus postural anormal. A lesão que atinge o cérebro não progride, porém, interfere no desenvolvimento motor da criança². A ECNP pode ser classificada conforme as alterações dos movimentos da criança e com base na localização anatômica e na topografia do sintoma da lesão. A ECNP pode, assim, ser dividida em quatro grupos: espástica, atáxica, discinética/distônica ou coreoatetósica e mista³.
O tipo espástico, o mais comum, pode ser subdividido em: diplegia, quadriplegia, hemiplegia e dupla hemiplegia. É caracterizado pelo aumento do tônus muscular com resistência à movimentação passiva e aumento do reflexo de estiramento. A espasticidade ocorre pelo aumento do tônus (hipertonia) e dos reflexos (hiperreflexia), em consequência de uma lesão no córtex motor4 com acometimento do neurônio motor superior5, que se mostra através do aumento do reflexo de estiramento em uma condição neurológica anormal no momento da contração muscular. Como a espasticidade predomina em alguns músculos e em outros não, o aparecimento de deformidades neste tipo de ECNP são comuns6.
No tipo atáxico, a coordenação e o equilíbrio são debilitados, a base de apoio torna-se aumentada com presença de ataxia axial e apendicular, hipotonia e dismetria e incoordenação, o que configura lesão do cerebelo ou em suas vias. No tipo discinético/distônico ou coreoatetósica há uma certa flutuação na regulação do tônus e movimentos involuntários, de lesão principalmente dos núcleos da base7. Já o tipo misto é caracterizado por diferentes combinações de transtorno de áreas motoras comprometidas8.
A escoliose é uma deformação morfológica tridimensional da coluna vertebral que se caracteriza pela inclinação lateral das vértebras no plano frontal, rotação no plano horizontal e sua posteroflexão no plano sagital9. De acordo com a Sociedade de Pesquisa em Escoliose (Scoliosis Research Society – SRS), é denominada de escoliose a curvatura lateral da coluna com ângulo de Cobb maior que 10°, medido em uma radiografia anteroposterior do paciente em ortostatismo10.
A escoliose neuromuscular se desenvolve secundariamente ao desequilíbrio muscular, distúrbios congênitos, doenças degenerativas ou síndromes, e o ritmo de sua progressão é condicionado ao crescimento da criança10. Várias doenças podem afetar o alinhamento da coluna vertebral, podendo envolver os neurônios motores superiores do encéfalo e da medula espinhal (como na ECNP, siringomielia, tumor de medula ou trauma medular), os neurônios motores inferiores (como na poliomielite, trauma radicular, mielites virais e atrofia muscular espinhal), ou afetando de forma combinada (como ocorre na mielomeningocele)11.
Espasticidade, fraqueza muscular e controle muscular incompleto encontrados em casos de ECNP contribuem para o controle do tronco prejudicado e o desenvolvimento de deformidades da coluna vertebral12. A escoliose grave pode causar disfunção motora adicional, problemas ao sentar e transições posturais e de posição, função cardiopulmonar comprometida, dor e qualidade de vida reduzida13.
Em um estudo foram recrutados 962 indivíduos com ECNP, nos quais observou-se uma incidência de 15% (140 casos) que apresentavam escoliose moderada ou grave. Também foi observado que a incidência de escoliose foi relacionada à idade e ao nível da função motora grossa. O número de pessoas com escoliose aumentou até os 20-25 anos de idade (140 casos). Sendo que em indivíduos com nível mais baixo de função motora grossa, aos 20 anos de idade, 75% desses indivíduos tinham um ângulo de Cobb > 40°14.
Devido ao potencial de risco para desenvolvimento da escoliose em pacientes com ECNP e o impacto que a doença causa tanto na funcionalidade quanto no surgimento de comorbidades, é importante saber quais fatores de risco de evolução da curva nestes pacientes. Sendo assim, o objetivo deste trabalho é realizar uma revisão sobre riscos para progressão da escoliose neuromuscular e opções de tratamento em pacientes com encefalopatia crônica não progressiva.
MÉTODOS
Foram feitas buscas na base de dados PubMed no período de setembro de 2020 a dezembro de 2020, com as seguintes palavras-chave: “longitudinal” or “cohort” or “control-case” and “prospective” and “cerebral palsy” and “scoliosis” or “spine deformity” or “spinal deformity” or “neuromuscular”.
Os critérios de elegibilidade para inclusão dos estudos na revisão foram: ser um estudo longitudinal observacional, os pacientes com ECNP deveriam realizar a avaliação da escoliose em pelo menos dois períodos de tempo distintos, apresentar as medidas do ângulo de Cobb das curvas ao longo do tempo de avaliação, ter realizado avaliação da função motora grossa (Sistema de Classificação da Função Motora Grossa - GMFCS). Foram excluídos artigos de estudo transversal, revisões bibliográficas, capítulos de livros, resumos publicados em anais e revisões bibliográficas.
Para avaliação da função, considerou-se da classificação da função motora grossa. O GMFCS é composto por 5 níveis e divisões nas seguintes faixas etárias: 0-2 anos, 2-4 anos, 4-6 anos, 6-12 anos e 12-18 anos. No nível I a criança apresenta o maior nível de independência e, no nível V o maior comprometimento motor. Em cada uma dessas faixas etárias, existem particularidades do que se espera do desempenho motor em cada um dos níveis. As distinções entre os níveis são baseadas nas limitações funcionais, na necessidade do uso de aditamento para a marcha ou no uso de cadeira de rodas. Segue abaixo uma descrição genérica, entretanto, vale ressaltar que o ideal é classificar dentro da respectiva faixa etária.
Nível I - Deambula sem restrições, com limitações para atividade motoras mais complexas (correr, pular);
Nível II - Deambula sem auxílio, mas com limitações na marcha comunitária;
Nível III - Deambula com apoio, com limitações na marcha comunitária;
Nível IV - A mobilidade é limitada, necessita de cadeira de rodas na comunidade;
Nível V - Mobilidade gravemente limitada mesmo com uso de tecnologia assistiva.
O ângulo de Cobb é a técnica mais adotada para quantificar a magnitude das deformidades da coluna utilizando uma radiografia panorâmica da coluna vertebral. O primeiro passo é definir quais são as vértebras limites, as que são mais inclinadas da extremidade da curva. A seguir identifica-se o platô da vértebra limite superior e o platô inferior da vértebra limite inferior. Então são traçadas linhas ao longo da parte superior da vértebra (platô superior) mais inclinada superior e inferior da vértebra (platô inferior) mais inclinada inferior. A seguir, duas outras linhas perpendiculares um ângulo de 90 graus, para que se cruzem, o ângulo resultante e o número expresso em graus. O ângulo de Cobb é a medida padrão universal para diagnosticar escoliose. Isso nos diz se a curvatura estabilizou ou se está piorando.
As coletas de dados dos artigos pesquisados foram feitas por meio de fichas de extração, nas quais constam: nome do artigo, ano/autor, descrição dos pacientes do grupo que sofreu intervenção em grupo, dados da linha de base e descrição dos fatores estudados após tempo (Tabela 1).
RESULTADOS
Foram encontrados um total de 77 artigos utilizando a estratégia de busca “longitudinal” OR “cohort” OR “control-case” AND “prospective” AND “cerebral palsy” AND “scoliosis” OR “spine deformity” OR “spinal deformity” OR “neuromuscular scoliosis”. Após os levantamentos bibliográficos foram feitas as aplicações dos critérios de inclusão e exclusão dos artigos, primeiramente através da leitura de títulos e resumos, sendo excluídos os trabalhos que não se encaixavam na proposta. Restaram 15 artigos elegíveis, os quais foram lidos na íntegra, e destes, sete artigos finais onde foram extraídos dados com base na ficha de extração de dados.
A Tabela 1 sumariza os dados extraídos e resultados dos estudos analisados, autor e ano, perfil dos pacientes estudados, tempo de acompanhamento do estudo, grau de funcionalidade dos pacientes (usualmente GMFCS), ângulo de Cobb da curva escoliótica, e intervenções cirúrgicas e conservadoras propostas.
DISCUSSÃO
O estudo foi baseado em um quantitativo de artigos selecionados em que foram analisados: amostra dos casos, incidência, angulações, função motora grossa e diferentes variações de ECNP. A maioria dos estudos foram baseados em crianças com deficiência severa, progressão de escoliose e função motora grossa nos níveis altos. A incidência relatada de escoliose em pessoas com ECNP varia porque os estudos usaram diferentes definições de escoliose, faixas etárias e distribuição da função motora grossa. A maioria dos estudos relatam uma incidência de 20-25%15.
O presente estudo observou que a população estudada tinha em média de 4 a 23 anos de idade, apresentando variações de resultados, sendo mais progressiva a escoliose em crianças com função motora grossa IV e V. A maioria dos estudos analisados eram retrospectivos e contavam com um quantitativo de população amostral considerável. Observou-se ainda que apenas um dos estudos contou com a participação de profissionais da fisioterapia, cuja atuação se limitou a um exame periódico e não contou com um programa de intervenção fisioterapêutica, indicando que a principal forma de correção da escoliose é o procedimento cirúrgico, para os casos destes estudos.
O perfil clínico dos pacientes com ECNP indicados a correção cirúrgica da escoliose contam com indivíduos entre 6 e 22 anos, com ângulo de Cobb > 40° e com níveis de GMFCS em III, IV e V14. A correção cirúrgica para escoliose que melhor apresenta resultados é aquela realizada com parafusos transpediculares, grampos universais e ganchos com acesso posterior para estabilização na coluna vertebral. Esses autores afirmam que há uma correção satisfatória da deformidade em comparação a outras técnicas cirúrgicas, bem como redução da durabilidade do procedimento cirúrgico e na perda de sangue durante a cirurgia.
Após um ano de acompanhamento, os autores constataram que houve uma pequena perda de correção nos casos de cifose torácica sem, no entanto, comprometer o restauro da curvatura fisiológica. A média da perda de correção foi de 7°±2° no plano coronal e 2°±1° no plano sagital. Tanto em casos de cifose, lordose ou hipercifose, a técnica cirúrgica supracitada mostrou-se eficaz, apresentando bons resultados, sem complicações nos pós-operatórios, mantendo e restaurando os valores fisiológicos das curvaturas. Apesar de que na cifose torácica não foi possível uma delimitação clara do quanto a correção cirúrgica foi eficaz, devido à ausência de um valor comparativo14.
O risco de desenvolvimento da escoliose em indivíduos com ECNP aumenta de acordo com o avançar da idade e com os níveis altos de função motora grossa. Persson-Bunke et al.15 verificaram que o nível do GMFCS foi o único fator significativo no aumento no ângulo de Cobb, mostrando que crianças nos níveis IV e V possuem cerca de 50% de chance de adquirirem escoliose moderada ou grave aos 18 anos de idade, com o risco de progressão da deformidade. O estudo indica ainda que crianças em níveis I e II possuem menos chances de desenvolver escoliose.
O autores15 sugerem que os programas de vigilância da escoliose em crianças com ECNP devem ser baseados na idade e na classificação de GMFCS e que os subtipos de ECNP não são fatores determinantes para o desenvolvimento da escoliose. Na população estudada, observou-se uma prevalência de 29% de escoliose na ECNP. Um dos procedimentos clínicos de maior impacto na saúde global da pessoa com paralisia cerebral é a supervisão regular e preventiva de luxação de quadril e progressão de escoliose, frequente nos pacientes de nível funcional GMFC IV e V20.
Pacientes entre 11 e 15 anos de idade que apresentam ECNP em níveis IV e V na GMFCS possuem uma progressão de escoliose acentuada, atingindo sua forma grave até os 30 anos de idade. O ângulo de Cobb é um importante preditor para essa progressão, em pacientes com 18 anos de idade ele atua como um diferencial entre casos leves e moderados. O estudo16 mostrou que pacientes com ângulo de Cobb igual ou superior a 50° antes dos 15 anos possuem maiores chances de evoluir para a forma grave de escoliose, em contrapartida, pacientes com ângulo menor a 20° ao final da puberdade possuem maiores chances de estagnação ou de progressão mínima no quadro de escoliose. Pacientes com GMFCS nível V evoluem para a escoliose grave aos 20 anos de idade.
Apesar de defender o ângulo de Cobb como um indicativo da evolução da escoliose e um fator clinicamente importante no estudo desses casos e de acompanhamento médico, os autores ressaltam que o estudo apresenta limitações quanto aos dados coletados de angulação, visto que os pacientes graves possuem dificuldade em manter-se sentados ou de pé, tornando a mensuração em decúbito dorsal passível de erros, o que, no entanto, não interfere nos resultados de forma significativa16.
Os níveis elevados da GMFCS representam um risco significativo de desenvolvimento da escoliose, e a maior incidência está na faixa etária de 20 a 25 anos. Autores afirmam ainda que crianças classificadas como nível V no GMFCS comumente estão associadas a casos graves de escoliose14-16.
Pacientes diagnosticados com escoliose antes dos 6 anos de idade, com deslocamento unilateral e bilateral de quadril e com ângulo de Cobb em 30° antes dos 10 anos de idade e com o subtipo de ECNP espástica podem ser indicativos de fatores de risco para a progressão da escoliose. O estudo17 afirma ainda que 32,5% dos pacientes tiveram uma progressão da curvatura após os 20 anos de idade. Do total de paciente estudados, 64% eram acometidos por tetraplegia espástica e 73% estavam em nível V no GMFCS. Contudo, os autores reiteram que a população amostral era, em sua maioria, constituída de pacientes com ECNP espástica e que por isto sua distribuição não foi homogênea. Assim como nas demais pesquisas, o período de aumento do ângulo de Cobb coincide com o período de crescimento e maturidade do indivíduo, tendo o surgimento da escoliose entre 1 e 16 anos de idade17.
Dentre as novas formas de tratamento para a escoliose verifica-se uma correlação ao uso da Terapia com Baclofeno Intratecal (ITB) e a melhora da espasticidade em 107 pessoas com diagnóstico de ECNP espástica. Fatores como sexo, idade, potencial ambulatorial, padrão da espasticidade e classificação da GMFCS foram levados em consideração. No entanto, os resultados obtidos não mostraram haver uma diferença significativa entre os grupos estudados, relatando que o uso da ITB não interfere na progressão da curva18.
Partindo do princípio de que a deformidade da coluna vertebral também afeta o sistema gastrointestinal, dificultando o aporte nutricional a pacientes com ECNP, buscou-se por uma relação entre a correção cirúrgica de escoliose na ECNP e as mudanças de peso corporal nesses pacientes19. Apesar de não terem encontrado uma relação direta entre as melhorias no ângulo de Cobb e o ganho de peso, observou-se que crianças com mais de 5 anos tiveram ganho de peso no primeiro ano após o procedimento cirúrgico, afirmando que pacientes com ângulo de Cobb inferior aos 40° obtiveram ganho de peso após a cirurgia. Fato esse tido como clinicamente importante, viabilizando a teoria de que a correção cirúrgica feita com o máximo de eficácia, objetivando um ângulo menor que 40° poderia reduzir a pressão esfincteriana esofágica inferior, minimizando os episódios de refluxo e aumentando a tolerância alimentar desses pacientes. Porém, salienta-se que essa teoria precisa de comprovação cientifica e que mais estudos devem ser realizados19.
Em contrapartida, os déficits respiratórios ocasionados pela escoliose são bem conhecidos na literatura. A escoliose limita o movimento da caixa torácica, altera a mecânica respiratória, desloca os órgãos contidos na cavidade torácica, diminui a complacência pulmonar, que consequentemente aumenta o esforço respiratório e, devido à fraqueza muscular associada, pode provocar insuficiência respiratória crônica21.
O prejuízo na expansão torácica pode resultar em padrões de respiração rápidos e paradoxais. A fraca musculatura de pacientes com ECNP não equilibra as forças gravitacionais de maneira ideal e o desenvolvimento do tórax é significativamente afetado. O comprometimento da função pulmonar é a causa mais comum de morte na ECNP22-23.
A intervenção cirúrgica da escoliose neuromuscular é complexa e, apesar de prometer melhora da função respiratória, ainda inclui 22,7% de problemas pulmonares peri e pós-operatórios, como pneumonias, infiltrações pulmonares, pneumotórax, atelectasia, derrame pleural, ventilação mecânica prolongada e maior permanência em unidade de terapia intensiva (UTI). Assim, é de suma importância compreender os riscos pós-operatórios da correção da escoliose, porém, entender que o retardo da cirurgia pode piorar o comprometimento pulmonar à medida que a deformidade se torna mais grave24.
Apesar das altas taxas, foi observada uma diminuição substancial de aproximadamente 10% nas complicações pós-cirúrgicas nos últimos anos, como a diminuição significativa de infecções e complicações respiratórias, o que nos encoraja a reforçar os estudos na área para a obtenção de melhores resultados que influenciem na qualidade de vida do paciente25.
Nosso trabalho apresenta limitações que devem ser consideradas. O intuito inicial de nosso estudo era observar fatores de risco para progressão da escoliose em crianças com ECNP em estudos de coorte. Porém, encontramos apenas um estudo em que não houvesse qualquer tipo de intervenção cirúrgica, e os pacientes fossem apenas acompanhados ao longo dos anos. Por tal motivo, tivemos que incluir estudos observacionais nos quais os pacientes receberam algum tipo de intervenção ao longo dos anos26.
Em decorrência desse acréscimo, acabamos comentando sobre tratamento para estes pacientes ao longo do estudo, apesar deste não ser o desfecho primário a ser avaliado em nossa revisão. Em compensação, ainda há poucos ensaios clínicos controlados aleatorizados nesta população, porém, o intuito desta revisão não era avaliar eficácia do tratamento cirúrgico e sim levantar dados sobre o perfil de progressão de escoliose neste tipo de paciente. Futuras revisões sistemáticas podem ser conduzidas, com o enfoque voltado para efetividade e eficácia de tratamentos propostos para a escoliose em crianças com encefalopatia crônica não progressiva.
CONCLUSÃO
O presente estudo mostrou que os procedimentos cirúrgicos são realizados em sua maioria em pacientes com níveis elevados de GMFCS e com ângulo de Cobb superior a 40°. A melhor intervenção cirúrgica é aquela dita híbrida em que parafusos e ganchos são associados aos grampos universais, apresentando melhores resultados e diminuindo o risco de complicações. O estudo indica ainda que procedimentos cirúrgicos que priorizam um ângulo residual menor que 40° podem apresentar melhor resultado a longo prazo.
Observou-se que os subtipos topográficos de ECNP não são um fator determinante quanto a progressão da escoliose. Por outro lado, fatores como classificação GMFCS em nível IV e V, aumento do ângulo de Cobb, faixa etária e deslocamento de quadril podem ser preditores clinicamente importantes dessa progressão. Espera-se que esse estudo norteie as futuras pesquisas e esclareça as dúvidas quanto as intervenções nos casos de escoliose em pacientes com ECNP.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos o Conselho Nacional de Pesquisa Científico e Tecnológico (CNPq) e a Universidade Federal do Amazonas pelo suporte prestado para realização deste trabalho.
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1. Universidade Federal do Amazonas, Instituto de Saúde e Biotecnologia - Coari - AM - Brasil
2. Universidade de São Paulo, Departamento de Cirurgia e Anatomia - Ribeirão Preto - SP - Brasil
Endereço para correspondência:
Rafael Menezes Reis.
Universidade Federal do Amazonas. Av. General Rodrigo Octavio Jordão Ramos, 1200 - Coroado I
Manaus - AM, Brasil. CEP: 69067-005
E-mail: rafaelmenezesreis@gmail.com
Data de Submissão: 30/08/2021
Data de Aprovação: 29/12/2021