ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



TOP: Tópicos Obrigatórios em Pediatria - Ano 2014 - Volume 4 - Número 3

Guideline europeu para terapia antimicrobiana empírica em pacientes neutropênicos febris em era de crescente resistência: resumo da quarta Conferência Europeia, em 2011, sobre infecções em leucemia

Guideline europeo para terapia antimicrobiana empírica en pacientes neutropénicos febriles en era de creciente resistencia: resumen de la cuarta Conferencia Europea en 2011 sobre infecciones en leucemia


Apresentação: Narjara de Santana Garcia dos Santos1, Márcia Galdino Sampaio2

As recomendações a seguir foram elaboradas por um grupo de especialistas da quarta conferência europeia de tratamento empírico de infecção em pacientes com neutropenia febril e foram baseadas nos dados epidemiológicos sobre a resistência bacteriana local e em fatores de risco do paciente para evolução com complicações clínicas e para resistência bacteriana.

O uso de carbapenêmicos foi considerado apenas: em pacientes com colonização prévia conhecida, em pacientes com sinais de gravidade clínica e em locais onde patógenos resistentes são prevalentes, sendo importante, nesse caso, uma revisão pela comissão de controle de infecção hospitalar.

Modificações no regime antibiótico inicial em 3-4 dias devem ser baseadas no curso clínico do paciente e nos resultados microbiológicos. A suspensão do antibiótico com 72h ou mais deve ser considerada em pacientes neutropênicos com febre sem foco e que estão hemodinamicamente estáveis desde o início da apresentação e em pacientes afebris por pelo menos 48h, independentemente da contagem de neutrófilos e da duração da neutropenia. Essa estratégia visa minimizar os efeitos colaterais associados ao uso excessivo de antibiótico e uma futura seleção de resistência.


INTRODUÇÃO

Pacientes com doenças hematológicas ou transplantados são submetidos a tratamentos imuno e mielosupressores e apresentam alto risco de adquirirem infecções bacterianas graves. Entre os pacientes transplantados, 13-60% desenvolvem infecção da corrente sanguínea, estando associada a 12-42% de mortalidade. Embora a prevalência e o modelo de resistência variem entre os centros médicos e os diversos países, existe um problema crescente de resistência antimicrobiana em todo o mundo.

A monoterapia empírica padrão com cefalosporina de terceira ou de quarta geração ou o uso de piperacilina-tazobactan pode ser ineficaz contra o crescente aumento de bactérias Gram negativas multirresistentes. O uso indiscriminado desses antimicrobianos leva ao aumento da resistência microbiana e à necessidade de esquemas de amplo espectro, incluindo carbapenêmicos e suas combinações que apresentam efeitos colaterais e predispõem a infecções fúngicas e a quadros de diarreia associadas à Clostridium difficile.

As recomendações para o tratamento empírico nessa era têm sido desafiadoras. Em destaque, registra-se o surgimento de bactérias gram-negativas resistentes aos carbapenêmicos, contra as quais existem pouquíssimas alternativas de tratamento (como tigeciclina, colistina, gentamicina e fosfomicina, todos com problemas com relação à resistência, toxicidade e eficácia). A emergência de patógenos gram-positivos também é preocupante, apesar de existir novos antimicrobianos contra esses agentes, incluindo daptomicina e linezolida.

Com o objetivo de minimizar o uso empírico de carbapenêmicos ou a terapia combinada com os mesmos, é vital aperfeiçoar a escolha do antibiótico, aplicando os conceitos de farmacocinética e farmacodinâmica e de controle de infecção.


MATERIAIS E MÉTODOS

Quanto à definição de susceptibilidade ou de resistência, a bactéria isolada é considerada não susceptível, com sensibilidade intermediária ou sensível de acordo com os cortes estabelecidos por centros ou laboratórios de referência mundial, tais como: EUCAST, CLSI e FDA.

As definições de bactérias multidroga resistente (MDR) variam de acordo com os autores e, apesar da não uniformização da definição, os agentes são MDR quando apresentam resistência a pelo menos dois antibióticos usados em terapia empírica: cefalosporinas de terceira ou de quarta geração, carbapenêmicos e piperacilina/tazobactam ou resistência a pelo menos três das seguintes classes: penicilina antipseudomonas, cefalosporinas, carbapenêmicos, aminoglicosídeos e fluoroquinolonas.


REVISÃO DE LITERATURA

A importância de tratamento inicial adequado


Vários estudos demonstraram que os pacientes onco-hematológicos infectados com bactérias β-lactamase de espectro ampliado (ESBL) - ou bactérias da família Enterobacteriaceae produtoras de AmpC-β-lactamase, Pseudomonas aeruginosa MDR, Acinetobacter spp. ou Stenotrophomonas spp. são significativamente mais propensos a receber uma antibioticoterapia empírica inicial inadequada (definida como aquela em que não inclui pelo menos um antibiótico ativo in vitro contra o patógeno infectante), do que aqueles com uma cepa susceptível (31-69% vs. 2-9%). Estes estudos também mostram que o tempo de tratamento apropriado é muito superior quando o agente patogênico é resistente. Além disso, muitos destes estudos mostram que a falta de cobertura para agentes patogênicos gram-negativos, em particular os produtores de ESBL e P. aeruginosa MDR, prejudica significativa e independentemente os resultados em pacientes onco-hematológicos, aumentando a mortalidade e o período de hospitalização.

Fatores que devem influenciar a escolha do antibiótico empírico associados à resistência bacteriana e/ou curso clínico complicado

O fator de risco mais importante para a infecção por patógenos resistentes é colonização prévia ou a infecção por organismos resistentes. Isso se aplica para Enterobactérias produtoras de carbapenemases e ESBL; Acinetobacter baumannii, P. aeruginosa, Stenotrophomonas maltophilia; Staphylococcus aureus meticilina-resistente (MRSA) e VRE (Enterococos resistentes a Vancomicina) e K. pneumoniae colistina-resistentes. O uso de antibióticos de amplo espectro para a profilaxia e tratamento da febre e da neutropenia nos meses que antecedem (especialmente no último mês) um episódio infeccioso, pode estar associado com infecção subsequente por bactérias resistentes. Especialmente importante é o papel da profilaxia com fluoroquinolonas na seleção de MRSA, Clostridium difficile, ESBL e Enterobacterias resistentes às fluoroquinolonas. Além disso, e independentemente do risco de resistência bacteriana, a apresentação clínica do paciente pode também prever um curso clínico grave. Desta forma, o julgamento clínico do médico é crucial nesta avaliação e em qualquer modificação a ser feita no regime antimicrobiano.

Duração de antibioticoterapia em paciente com neutropenia febril

A recomendação do uso empírico de antibióticos de largo espectro até o paciente apresentar recuperação da contagem dos neutrófilos tem sido uma norma, sobretudo naqueles de alto risco, ou seja, com neutropenia persistente por mais de sete dias. Pizzo (1979) mostrou que a suspensão de antibióticos no sétimo dia de neutropenia febril resultou em aumento significativo de infecções e da mortalidade.

Porém, em dois dos maiores estudos prospectivos já realizados não houve aumento da taxa de mortalidade por infecção em pacientes cuja interrupção dos antibióticos foi feita antes da recuperação da medula. Vários outros estudos prospectivos e retrospectivos em crianças e adultos neutropênicos febris também mostraram que, embora a descontinuação dos antibióticos esteja associada ao retorno da febre, não houve aumento da mortalidade, reforçando que os antimicrobianos devem ser reiniciados imediatamente caso a febre retorne. Esses estudos incluíram pacientes com neutropenia prologanda (maior ou igual a 7 dias), sendo, portanto, considerados de alto risco para infecções. Poucos estudos concluíram ser mandatório que o paciente apresente recuperação medular para a suspensão da terapia antimicrobriana empírica.

Recomendações da Conferência Europeia de Infecção em Leucemias (ECIL-4)

O grupo de especialistas defendem o princípio do escalonamento (tratamento inicial adequado com antimicrobiano de largo espectro baseado em fatores de risco do paciente e em dados epidemiológicos locais sobre a resistência bacteriana) e do descalonamento (por volta do terceiro dia, suspensão do antimicrobiano ou redução do seu espectro de ação baseado nos resultados microbiológicos e de evolução clínica e laboratorial do paciente) dos antimicrobianos no manejo da neutropenia febril.

O passo inicial da estratégia de escalonamento consiste em um regime monoterápico com Cefazidime, Cefepime ou Piperacilina-Tazobactam visando cobertura para as Enterobactérias e P. aeruginosa. Faz-se exceção os casos em que os micro-organismos são produtores de ESBL, de carbapenemases ou são MDR. Ceftazidime apresenta cobertura limitada para organismos gram positivos como: estafilococos susceptíveis à Meticilina, estreptococos do grupo viridans e Streptococcus pneumoniae. Se o quadro clínico do paciente deteriorar ou se for isolado um patógeno resistente, o próximo passo é administrar um antibiótico de maior espectro ou fazer uma combinação de maior espectro de ação (por exemplo, carbapenêmico associado a aminoglicosídeo).

Já na estratégia de descalonamento, o primeiro passo é iniciar antibioticoterapia com espectro bem amplo objetivando a proteção do paciente contra patógenos altamente resistentes, como os da família Enterobacteriaceae produtores de ESBL e P. aeruginosa MDR. Exemplos deste modelo incluem o uso precoce de carbapenêmicos (Imipenem ou Meropenem) ou Colistina associada a betalactâmico ou aminoglicosídeo associado a betalactâmico, com ou sem a adição de um agente contra cocos gram positivo MDR. Na ausência de identificação de um patógeno, deve-se retroceder um passo e trocar o antimicrobiano por outro de menor espectro.

Ambas as estratégias estão consolidadas nas Unidades de Tratamento Intensivo em pacientes com pneumonia hospitalar (principalmente a associada à ventilação mecânica) e de sepse grave. A estratégia de descalonamento é preferencialmente usada nos pacientes que apresentam alto risco de apresentar patógenos MDR.

Estratégias recomendadas após 72-96 horas de tratamento em várias circunstâncias, exceto se o paciente apresentar deterioração clínica antes desse período ou se o resultado microbiológico justificar uma modificação terapêutica prévia

O manejo de pacientes com neutropenia febril deve ser baseado de acordo com a evolução da doença e com base nos resultados microbiológicos.

Independentemente da abordagem inicial, o paciente deve ser tratado de acordo com o micro-organismo identificado, utilizando-se agentes com base nos testes de susceptibilidade in vitro (incluindo os valores da concentração inibitória mínima) e no conhecimento de drogas com atividades específicas.

Nos casos em que o patógeno não é identificado, a persistência de febre em pacientes estáveis não é critério para ampliar a terapêutica já utilizada, que só é recomendada se o paciente apresentar deterioração clínica. Em pacientes com febre de origem desconhecida, inicialmente tratados com carbapenêmicos e sabidamente colonizados ou os que apresentaram infecção prévia por bactérias resistentes, se estiverem estáveis no início do quadro, a racionalização do uso de antimicrobianos pode ser feita da seguinte forma: descontinuação do uso de aminoglicosídeos, quinolonas, colistina ou de outro antimicrobiano contra patógenos gram-positivos resistentes, se usados em combinação; ou substituição para antibióticos de menor espectro (cefepime, ceftazidime e piperacilina-tazobactam). Já nos pacientes graves no início do quadro, não é recomendado que a terapia seja modificada, mesmo que o paciente apresente melhora clínica e que as culturas estejam negativas. A busca pelo diagnóstico deve ser continuada, incluindo exames repetidos de hemocultura e culturas de outros sítios de possível infecção com pesquisa para infecções fúngicas e virais. Outros exames como a radiografia e, eventualmente, a tomografia computadorizada de tórax, abdome, seios da face e crânio podem auxiliar no diagnóstico.

Duração do tratamento

Antibióticos iniciados empiricamente podem ser suspensos depois de 72 horas ou mais de terapia endovenosa em pacientes que estejam hemodinamicamente estáveis desde o início do quadro e que estejam afebris por 48 horas ou mais, independentemente da contagem absoluta de neutrófilos ou da persistência da neutropenia. Os pacientes devem permanecer internados sob observação rigorosa por pelo menos mais 24-48 horas se permanecerem neutropênicos no momento em que o antibiótico for suspenso. Se houver recorrência da febre, os antibióticos devem ser reintroduzidos com urgência após avaliação clínica e realização de culturas.

Recomendação de esquema empírico inicial em pacientes de alto risco (neutropenia por mais de sete dias) para infecção bacteriana grave

A) Abordagem de escalonamento:


1. Apresentação clínica não complicada.

2. Desconhecimento de colonização com bactérias resistentes.

3. Sem infecção prévia por bactérias resistentes.

4. Centros nos quais a detecção de infecção por patógenos resistentes é rara no início da neutropenia febril.

Opções para antibioticoterapia inicial

1. Cefalosporina antipseudomonas - cefepime, ceftazidime.

2. Piperacilina/Tazobactan.

3. Ticarcilina-clavulanato, Cefoperazone-sulbactan, Piperacilina + gentamicina.

B) Abordagem de descalonamento:

1. Apresentação clínica complicada.

2. Colonização por bactérias resistentes.

3. Infecção prévia por bactéria resistente.

4. Centros nos quais a detecção de infecção por patógenos resistentes é muito frequente no início da neutropenia febril.

Opções para antibioticoterapia inicial

1. Monoterapia com carbapenêmico.

2. Combinação com B-lactâmico antipseudomonas + aminoglicosídeo ou quinolona (não deverá ser usada em pacientes que recebem profilaxia com quinolonas).

3. Colistina + B-lactâmico com ou sem Rifampicina.

4. Cobertura precoce para Gram positivos com glicopeptídeo ou novos agentes.

Em locais de alta prevalência de ESBL, Cefepime e Ceftazidima não devem ser usados empiricamente nos pacientes neutropênicos febris.


CONCLUSÃO

Devido ao aumento da resistência bacteriana e do arsenal limitado de novos agentes, especialmente contra Gram-negativos, os antimicrobianos devem ser cuidadosamente escolhidos para pacientes neutropênicos febris. A escolha empírica inicial deve ser baseada nos dados epidemiológicos da resistência bacteriana local e em fatores de risco do paciente. Os dados epidemiológicos devem ser obtidos por meio da monitorização contínua e atualizada dos patógenos locais e de suas resistências.

Em pacientes neutropênicos febris sem apresentação clínica grave, a abordagem padrão deve ser escalonada, propiciando cobertura antimicrobiana adequada nas primeiras 48 horas, antes dos resultados microbiológicos, especialmente onde a resistência é prevalente. Porém, mesmo após os resultados microbiológicos, observa-se dificuldade em realizar a troca do antimicrobiano empírico inicial no qual o paciente obteve melhora. A abordagem escalonada é vantajosa, pois evita o uso precoce (e geralmente desnecessário) dos antimicrobianos de mais amplo espectro, incluindo carbapenêmicos e combinações, reduz toxicidade e diminui custos e a seleção de resistência.

A Sociedade Americana de Doenças Infecciosas recomenda que a terapia empírica inicial em neutropênicos febris deve continuar até a presença de sinais claros de recuperação da medula, definida como uma contagem de neutrófilos superior a 0,5 x 109/L. Com base na literatura, a comissão de ECIL-4 sugere a suspensão dos antibióticos na neutropenia febril após 72h, independentemente da contagem de neutrófilos e da duração prevista da neutropenia.










1. Médica Residente do segundo ano do Programa de Pediatria do Hospital Federal dos Servidores do Estado. MS. RJ
2. Pediatra. Infectologista Pediátrica. Hospital Federal dos Servidores do Estado. MS. RJ. Mestre em Medicina (Doenças Infecciosas e Parasitárias)/Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)