Artigo Original
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Ano 2022 -
Volume 12 -
Número
4
Repercussões maternas e neonatais da gravidez na adolescência
Maternal and neonatal repercursions of pregnancy in adolescence
Lívia Gomes Ribeiro; Daniela Souza Carvalho; João Lourival de-Souza-Junior; Samir Buainain Kassar
RESUMO
OBJETIVOS: Comparar a influência da idade materna no peso ao nascer e outros fatores relacionados.
MÉTODOS: O presente estudo consiste de uma coorte retrospectiva realizada em duas maternidades públicas da cidade de Maceió. A amostra consistiu de 84 puérperas (28 adolescentes e 56 com idade entre 20 e 30 anos) e seus respectivos recém-nascidos.
RESULTADOS: A gravidez na adolescência esteve significantemente associada ao baixo peso ao nascer, número de consultas pré-natal inadequadas, Índice de Roher desproporcional, pai e mãe da criança que não residem na mesma residência e prematuridade. Foi observada diferença de 471,5g a favor dos recém-nascidos de mães adultas jovens quando comparados aos neonatos de mães adolescentes. Uso de álcool, drogas e métodos contraceptivos não obtiveram significância estatística.
CONCLUSÕES: Devido às condições socioeconômicas e perinatais desfavoráveis das mães adolescentes quando comparadas às adultas jovens, a idade materna menor que 16 anos parece ter influenciado na menor média do peso ao nascer e na maior associação do baixo peso ao nascer e no retardo de crescimento uterino no grupo das adolescentes.
Palavras-chave:
Recém-Nascido de Baixo Peso, Gravidez na Adolescência, Saúde Materno-Infantil, Serviços de Saúde Materno-Infantil.
ABSTRACT
OBJECTIVE: To compare the influence of maternal age on birth weight and other related factors.
METHODS: the present study consists of a retrospective cohort carried out in two public maternity hospitals in Maceió - Brazil. The sample consisted of 84 puerperal women (28 adolescents and 56 aged between 20 and 30 years) and their respective newborns.
RESULTS: Teenage pregnancy was significantly associated with low birth weight, inadequate prenatal consultations number, disproportionate Roher Index, father and mother of the child not living in the same household and prematurity. A difference of 471.5g occurred in newborns from young adult mothers compared to children of teen mothers. The use of alcohol, drugs and contraceptive methods did not obtain statistical significance.
CONCLUSIONS: Due to the unfavorable socioeconomic and perinatal conditions of teen mothers compared to young adults, maternal age less than 16 years seems to have influenced the lower mean birth weight and the association of low birth weight and delayed uterine growth in this group of adolescents.
Keywords:
Infant, Low Birth Weight, Pregnancy in Adolescence, Maternal-Child Healthcare Services.
INTRODUÇÃO
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a adolescência se caracteriza como o período da vida que se inicia aos 10 anos de idade e termina aos 19 anos completos. De acordo com o art. 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990): “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos e adolescente, aquela entre doze e dezoito anos de idade”1.
Segundo o Ministério da Saúde, a gravidez na adolescência diminuiu em 17% no Brasil entre 2004 e 2015 devido à expansão de programas assistenciais e maior acesso a métodos contraceptivos; porém os dados ainda são alarmantes, com cerca de 400 mil casos por ano. A região que possui maior quantidade de filhos de mães adolescentes é a Região Nordeste, com 32% dos casos segundo dados do SINASC (Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos), seguida da Região Sudeste e da Norte2.
A gravidez na adolescência se evidencia como um problema de saúde pública por suas repercussões indesejadas para a mãe e para o recém-nascido. Para a mãe, promove interrupção da vida escolar e agravamentos socioeconômicos pré-existentes. Já para o neonato, há fatores que aumentam os riscos até o primeiro ano de vida, como o nascimento prematuro, baixo peso (retardo de crescimento intrauterino), comprimento menor do que 48 cm e falta de acompanhamento médico pediátrico em visitas regulares e falhas no esquema de vacinação3. Desse modo, se faz necessário comparar as condições de nascimento de neonatos de mães adolescentes com os recém-nascidos de adultas jovens.
Nesse contexto, o baixo peso ao nascer (BP) se torna então um grande desafio, pois é definido pela Organização Mundial da Saúde como o recém-nascido com o peso de nascimento abaixo de 2.500 g4, que resulta em maior morbidade e mortalidade relacionada ao grupo em questão5. Outro fato importante relacionado é definir a proporcionalidade corporal do recém-nascido, que vai além do conceito único de baixo peso ao nascer. Dessa maneira, são instituídas ferramentas matemáticas como Índice de Roher: IP = peso (em gramas) x 100 / (comprimento em centímetros)3 para entender e classificar a proporcionalidade corporal da criança6.
Existem fatores que aumentam os riscos negativos da gestação na adolescência, como idade menor que 16 anos ou ocorrência da primeira menstruação há menos de 2 anos, sendo justificado o fenômeno do duplo anabolismo, que se caracteriza pela competição biológica entre mãe e feto pelos mesmos nutrientes, pois a mãe nessa determinada faixa etária ainda encontra-se em fase de crescimento e maturação puberal; não realização ou menos do que seis visitas de rotina; falta de apoio tanto familiar quanto do parceiro4.
Como assegura a sociologia, a gravidez como também a adolescência são fenômenos sociais, que são influenciadas pelo local e momento histórico7. Há diversos fatores de risco que influenciam na prenhez na adolescência, todavia, a falta de informação acerca da sexualidade, sobre direitos sexuais e reprodutivos destaca-se como o principal motivo.2 Picanço8 diz: “A sexualidade humana trata-se de uma construção histórica que perpassa o sociocultural e se transforma de acordo com as relações afetivas.”, sendo assim, o contexto ao qual a adolescente está inserida possui influência sobre a problemática.
Segundo Kassar et al.9: “A gravidez na adolescência também tem sido associada à baixa situação socioeconômica, má assistência ao pré-natal, menor ganho de peso na gestação e anemia, quando comparada com mulheres grávidas fora da adolescência.”
MÉTODOS
Trata-se de um estudo de coorte retrospectivo realizado para comparar as condições maternas e de seus neonatos de mulheres adolescentes com idade menor ou igual a 16 anos com a dos recém-nascidos de mães adultas jovens (20 a 30 anos). Este grupo de comparação foi escolhido por corresponder à melhor época para a procriação do ponto de vista social e biológico.
O trabalho foi realizado na cidade de Maceió, capital do Estado de Alagoas, Nordeste do Brasil, em duas maternidades que atendem gestantes do Sistema Único de Saúde (SUS) - Hospital Veredas e Hospital Universitário Professor Alberto Antunes (HUPAA). Não foram incluídas as gestações gemelares e aquelas com suspeita de infecções congênitas ou que resultaram em recém-nascidos malformados. Puérperas com informações incompletas também foram excluídas do estudo.
O critério de seleção adotado foi de natureza aleatória, utilizando-se para cada adolescente puérpera identificada na enfermaria no dia da entrevista o registro seguinte de duas outras mães com idade entre 20 e 30 anos. As mães foram entrevistadas, após o parto, e preencheram formulários contendo questões abertas e fechadas. Seguindo as normas do Comitê de Ética e Pesquisa, todas as entrevistadas concordaram em participar da pesquisa através da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para as puérperas maiores e Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE) para as mulheres com idade inferior aos 18 anos.
O peso e comprimento foram avaliados pelo pediatra logo após o nascimento. O Índice de Roher (IP) é dado pela seguinte fórmula: IP = peso (em gramas) x 100 / (comprimento em centímetros)3, assim, os recém-nascidos foram classificados em proporcionais (se IP = 2,49) e desproporcionais (se IP < 2,49).
O uso do álcool e do fumo foi estudado mediante sua ocorrência sem levar em consideração a quantidade consumida e o tempo de exposição durante a gravidez. Foi analisado o uso de método contraceptivo antecedente à gestação, a realização do pré-natal e também se os pais residem na mesma casa. Foi considerado pré-natal insatisfatório quando a gestante frequentou menos que seis consultas. A idade gestacional foi determinada pela data da última menstruação (DUM) e confirmada com exame físico do recém-nascido por meio do método de Capurro.
Os dados foram analisados por intermédio do programa Open Epi, versão 3.01. O teste de significância usado para comparar diferença de proporções foi o Qui-quadrado sem correções.
O estudo obteve a aprovação da Comissão de Ética e Pesquisa do Centro Universitário Tiradentes - Maceió, Alagoas.
RESULTADOS
A faixa etária do grupo de mães adolescentes variou de 13 a 16 anos. A idade predominante foi 16 anos (53,57%).
O maior baixo peso ao nascer, a prematuridade (<37 semanas de gestação), pai e mãe da criança que não residem juntos, Índice de Roher desproporcional (IP < 2,49), números de consultas pré-natal inadequadas (<6 consultas) foram mais frequentes nas mães adolescentes (p<0,05). O uso de álcool, cigarros e método contraceptivo não apresentou diferença estatística entre os grupos de mães.
A média de peso ao nascer de filhos de mães adolescentes foi de 2.884,1g (DP 625,15) contra 3.355,6g (DP 617,13) para os das mães adultas jovens. A diferença de 471,5g a favor dos recém-nascidos de mães mais velhas foi significante (p<0.001) e está contida na Tabela 1.
Na Tabela 2, observa-se que o percentual de baixo peso ao nascer foi mais elevado no grupo das adolescentes (p=0.03290).
A idade gestacional < 37 semanas, como ilustra a Tabela 3, é evidenciada no grupo de mães adolescentes (p=0,03492), sendo o número de prematuros maior nesse grupo. A questão acerca dos pais das crianças que moram juntos foi significante, com 60,7% nas mães adolescentes contra 82,1% nas adultas jovens. O Índice de Roher foi a variável com maior significância no estudo (Tabela 4). O número de consultas pré-natal adequadas foi estatisticamente significante (p=0,03932).
O uso de álcool e cigarros durante a gravidez, todavia, não apresentou grande diferença entre os grupos, p=0,4058 e p=0,3722, respectivamente.
Em relação ao uso de métodos contraceptivos, não há relação entre o uso de algum dos métodos com a idade das mulheres (p=0,1085); tendo como resposta ‘não’ 57,14% nas mães adolescentes e 42,85% nas adultas jovens.
DISCUSSÃO
Segundo dados obtidos no trabalho em questão, adolescentes realizam menos de seis consultas de acompanhamento gestacional, ou seja, abaixo do número preconizado pelo Ministério da Saúde. Em adolescentes que recebem assistência pré-natal adequada, associada a condições como hábitos saudáveis e apoio emocional, os fatores de risco associados à gravidez na adolescência podem ser diminuídos10. Segundo Yazlle et al.11, as possíveis complicações gestacionais associadas a gravidez na adolescência são o abortamento espontâneo, a restrição ao crescimento intrauterino, a pré-eclâmpsia e eclâmpsia, parto prematuro, sofrimento fetal agudo intraparto e parto por cesárea.
Dados obtidos para a composição deste trabalho corroboram os conhecimentos obtidos na literatura em diversos artigos. Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), os filhos de puérperas adolescentes nascem pequenos para a idade gestacional (PIG) e com baixo peso ao nascer3. O Índice de Roher obtido foi significativo, e segundo a literatura, quanto maior grau de retardo do crescimento intrauterino, maior a desproporcionalidade corporal do recém-nascido6.
Adolescentes que vivem em união estável, ou seja, que residem junto ao companheiro e responsabilizam-se pelos seus filhos, apresentam um contexto de menor vulnerabilidade social. Entretanto, isso não pôde ser observado nas adolescentes que fizeram parte do presente estudo, sendo um ponto negativo tanto para elas quanto para seus filhos12.
Assim, observou-se que dados obtidos na pesquisa como baixo peso ao nascer, redução do número de consultas de acompanhamento durante a gestação e a não moradia com o pai da criança apresentam associação com a gravidez na adolescência, já outros dados como consumo de álcool e drogas ilícitas e métodos contraceptivos foram inconclusivos, e merecem um estudo mais aprofundado.
Segundo a literatura, a maternidade na adolescência pode ser minimizada por fatores de proteção que modificam, melhoram ou alteram as respostas pessoais aos riscos, sendo eles: a existência de redes de apoio e a coesão familiar da adolescente. Da mesma forma, pode ser consequência de fatores de risco como nível socioeconômico, ausência de redes de apoio, falta de suporte psicológico, e idade dos pais da adolescente. Também como risco pode-se citar o início precoce da vida sexual associada à falta de informação sobre meios contraceptivos, e à deficiência de programas de apoio ao adolescente13.
Nesse contexto, como medida protetora para as crianças e adolescentes foi sancionada no ano de 2019 a lei que institui a Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência, de acordo com o art. 8º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990): “Fica instituída a Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência, a ser realizada anualmente na semana que incluir o dia 1º de fevereiro, com o objetivo de disseminar informações sobre medidas preventivas e educativas que contribuam para a redução da incidência da gravidez na adolescência.”. Tal medida é de grande valia, haja vista a deficiência desse tema no cotidiano1.
Devido às condições socioeconômicas e perinatais desfavoráveis das mães adolescentes quando comparadas às adultas jovens, a idade materna menor que 16 anos parece ter influenciado na menor média do peso ao nascer e na maior associação do baixo peso ao nascer e no retardo de crescimento intrauterino no grupo das adolescentes. Sendo assim, se faz necessário interferência com medidas educacionais acerca da gravidez na adolescência como também redes de apoio; uma vez que tal problemática é vista como um problema de saúde pública e afeta diretamente na saúde das crianças.
AGRADECIMENTOS
A todos os funcionários que colaboraram no Hospital Veredas e Hospital Universitário Professor Alberto Antunes e proporcionaram um ambiente propício para o desenvolvimento desse trabalho. Aos familiares e amigos, pelo apoio. A todos os acadêmicos os quais ajudaram na coleta de dados. A todas as pessoas que direta ou indiretamente contribuíram para realização da pesquisa. Por fim, ao professor orientador Samir Kassar, pela paciência e empenho dedicado ao projeto de pesquisa.
REFERÊNCIAS
1. Brasil. Presidência da República. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei Nº 8069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências [Internet]. Brasília: Diário Oficial da União; 1990. [acesso 2020 Maio 30]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm#art266
2. Brasil. Ministério da Saúde. Informações sobre Gravidez na Adolescência. Brasília: Ministério da Saúde; 2017.
3. Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Departamento Científico na Adolescência. Guia prático de atualização prevenção da gravidez na adolescência. Rio de Janeiro: Sociedade: Brasileira de Pediatria; 2019.
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Centro Universitário Tiradentes, Medicina - Maceió - Alagoas - Brasil
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Lívia Gomes Ribeiro
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E-mail: liviagribeiro@yahoo.com.br
Data de Submissão: 15/03/2021
Data de Aprovação:05/04/2021