ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo de Revisao - Ano 2022 - Volume 12 - Número 4

Intervenções para redução do estresse para pais/famílias de crianças com doenças crônicas: uma revisão de escopo

Stress reduction interventions for parents/family of children with chronic diseases: a scoping review

RESUMO

INTRODUÇÃO: Considerando as mudanças e repercussões na dinâmica familiar, além das responsabilidades com os cuidados com os filhos, pais e cuidadores de crianças com doenças crônicas enfrentam estressores frequentes, resultando em níveis crescentes de estresse. Esta revisão visa analisar estudos que avaliaram a eficácia de intervenções psicossociais direcionadas ao manejo do estresse entre pais e familiares de crianças com as doenças crônicas mais prevalentes (câncer, asma, diabetes e doenças cardiovasculares).
MÉTODO: Este estudo é uma revisão de escopo. A busca na literatura incluiu artigos publicados em cinco bases eletrônicas de dados (EBSCO, b-On, PubMed, Scielo e Web of Science), de acordo com os critérios de inclusão.
RESULTADOS: Foram selecionados 15 artigos. As intervenções variaram em relação aos resultados, desenho do estudo, amostra, modalidades e estratégias. Dos 15 estudos, 53% não encontraram diferenças significativas nos níveis de estresse dos participantes ou entre o grupo de intervenção e o grupo controle, 40% mostraram uma redução significativa nos níveis de estresse dos participantes e 7% apresentaram resultados mistos, com melhorias em algumas dimensões emocionais após a intervenção.
DISCUSSÃO: Apesar dos resultados mistos em relação aos níveis de estresse, os resultados significativos podem justificar a importância de se realizar tais intervenções nessa população. Intervenções personalizadas e direcionadas às necessidades dessa população podem ser eficazes na redução dos níveis de estresse.

Palavras-chave: Estresse Fisiológico, Análise, Doença crônica, Pais, Filhos.

ABSTRACT

INTRODUCTION: In consideration of the changes and repercussions on the family dynamics, apart from childcare responsibilities, parents and caregivers of children with chronic disease face frequent stressors, resulting in rising levels of stress. This review thus aims to analyse studies that assessed the efficacy of psychosocial interventions directed at stress management among parents and family members of children with the most prevalent chronic diseases (cancer, asthma, diabetes and cardiovascular disease).
METHOD: This study classifies as a scoping review. The literature search included articles published in five electronic databases (EBSCO, b-On, PubMed, Scielo and Web of Science), in line with the inclusion criteria.
RESULTS: A total of 15 articles were selected. Interventions varied in relation to outcomes, study design, sample, modalities and strategies. Of the 15 studies, 53% found no significant differences in participants stress levels or between the intervention group and the control group, 40% showed a significant decrease in participants stress levels, and 7% presented mixed results with improvements in some emotional dimensions after the intervention.
DISCUSSION: Despite the mixed results with regards to the levels of stress, the significant results might justify the importance of performing such interventions among this population. Interventions that are personalized and directed at this populations needs might be effective at reducing stress levels.

Keywords: Stress, Physiological, Review, Chronic Disease, Parents, Child.


INTRODUÇÃO

Doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) representam a primeira causa de morte no mundo1. De acordo com o “Global Status Report on Noncommunicable Diseases 2014”2, as quatro principais doenças crônicas incluem doenças cardiovasculares, câncer, diabetes e doenças respiratórias. Estas são responsáveis por cerca de 70% de todas as mortes no mundo e por mais de 80% de todas as mortes prematuras3.

As DCNTs podem acarretar a necessidade de restrição de atividades, tratamentos extensos, procedimentos médicos dolorosos e reações induzidas por medicamentos. Isso tem impacto direto não só na saúde da criança, mas também na dinâmica familiar como um todo ̶ uma vez que os familiares precisam se adaptar às circunstâncias e enfrentar as necessidades da criança doente4,5.

Em uma revisão sistemática sobre estresse parental entre cuidadores de crianças com doenças crônicas, esses cuidadores relataram níveis de estresse significativamente mais elevados, em comparação com cuidadores de crianças saudáveis, o que foi associado a piores níveis de ajustamento psicológico6. As repercussões da doença, principalmente sociais, interpessoais, emocionais e afetivas, podem também constituir estressores para a família7,8.

Lazarus e Folkman9 definem o estresse como um processo que envolve interações contínuas entre a pessoa e o ambiente, incluindo experiências estressantes, caracterizadas como o descompasso entre os recursos da pessoa e a demanda percebida.

Considerando todas as mudanças e repercussões na dinâmica familiar, além das responsabilidades para com os cuidados com os filhos, pais e cuidadores de crianças com doenças crônicas enfrentam estressores frequentes, resultando em maiores níveis de estresse5.

Neste sentido, torna-se importante levar em consideração a saúde emocional destes pais e cuidadores, não só para a saúde da dinâmica familiar, mas também para um melhor manejo da doença da criança. Assim, as intervenções envolvendo os pais e familiares são cruciais para ajudar os cuidadores a melhor administrarem seus níveis de estresse, e administrarem a doença de forma adequada, além de contribuir para o bem-estar dos cuidadores e das crianças.

Golfenshtein, Srulovici e Deatrick10 publicaram uma revisão integrativa sobre intervenções destinadas a reduzir o estresse parental em famílias de crianças com diversas condições pediátricas, porém a revisão apresenta diferenças no desenho do estudo.

Assim, a presente revisão foca em estudos que exploram intervenções realizadas com pais e familiares de crianças com câncer, diabetes, doenças cardiovasculares e doenças respiratórias.


OBJETIVO

Esta revisão teve como objetivo analisar estudos que avaliaram a eficácia de intervenções psicossociais direcionadas ao controle do estresse em pais e familiares de crianças com as doenças crônicas mais prevalentes (câncer, asma, diabetes e doenças cardiovasculares).


MÉTODO

Este estudo se classifica como uma revisão de escopo.

A busca da literatura foi concluída em junho de 2017, incluindo todos os artigos publicados até aquela data em cinco bases eletrônicas de dados (EBSCO, b-On, PubMed, Scielo e Web of Science), utilizando combinações das seguintes palavras de busca: ''programa" OR "intervenção" OU "manejo" "OU "treinamento" OU "tratamento" OU "redução" OU "controle" OU "inoculação" OU "terapia" E "estresse"; E "mãe" OU "família" OU "pais" OU "cuidadores"; E "câncer" OU "asma" OU "diabetes" OU "doença cardiovascular" E "infância" OU "crianças" OU "pediátrico".

Critérios de elegibilidade

Os seguintes critérios de inclusão foram considerados: (a) estudos com texto completo disponível; (b) estudos que apresentaram resultados para pelo menos uma medida de estresse e que avaliaram essa variável de forma quantitativa por meio da aplicação de instrumentos de medição de estresse em pelo menos dois momentos (pré e pós-intervenção); (c) estudos que avaliaram o estresse em pais/familiares/cuidadores de crianças com as doenças crônicas (câncer, asma, diabetes e doenças cardiovasculares); e (d) intervenções psicossociais realizadas presencialmente ou remotamente. Foram excluídos da presente revisão estudos de caso, estudos que avaliaram exclusivamente o estresse pós-traumático (pela sua natureza patológica específica) e estudos que incluíram doenças crônicas apenas na adolescência.

Triagem e análise de dados

Títulos e resumos foram examinados para possível elegibilidade, e lidos por um dos revisores (SCOA), com o apoio de um especialista (FP). Depois de decidir quais estudos atenderam aos critérios de inclusão, os estudos foram resumidos e agrupados por um dos pesquisadores (SCOA).

A avaliação da qualidade foi realizada por dois pesquisadores (SCOA e RR).

Para resumir as informações de maneira precisa e confiável, o presente estudo construiu uma estrutura de extração de informações com base nas recomendações de Levac, Colquhoun e O’Brien11 para revisões de escopo e em vários itens recomendados da Declaração PRISMA12, uma vez que este estudo focou sobre estudos de intervenção.

Avaliação de qualidade

Esta tarefa foi realizada por dois revisores independentes usando uma lista de verificação adaptada do Cochrane Handbook for Systematic Reviews of Interventions13,14,15 com 29 questões, incluindo 17 parâmetros com as seguintes categorias: introdução (questões 1, 2), método (questões 3 a 17), características sociodemográficas e clínicas dos participantes (questões 18, 19, 20), instrumentos (questão 21), análise estatística (questão 22), resultados (questão 23), discussão (questão 24, 25, 26) e outros (cadastro no programa, fontes de financiamento e conflitos de interesse), (questões 27, 28, 29). Foi utilizada uma escala de classificação de acordo com o seguinte parâmetro: presente (3 ou 2), pouco claro (1), ausente (0), não aplicável (--).

O escore total de qualidade variou de 0 a 36 pontos.


RESULTADOS

Triagem e Seleção de Estudos


Um total de 10.099 artigos foram identificados na busca da literatura nas cinco bases eletrônicas de dados. Eliminamos 6.853 artigos duplicados usando o EndNote, e 177 duplicados foram eliminados manualmente. Os 3.069 artigos restantes foram triados (título e resumo), resultando na exclusão de 3.005 artigos com base nos critérios de inclusão e exclusão. Sessenta e quatro artigos potenciais foram lidos na íntegra e aqueles que não atenderam aos critérios de elegibilidade foram retirados da revisão, o que resultou na eliminação de 49 artigos (a maioria por não mensurar o estresse de forma quantitativa, por meio de instrumentos psicométricos). Quinze estudos foram selecionados para serem incluídos na revisão5,16,17,18,19,20,21,22,23,24,25,26,27,28,29. A Figura 1 apresenta o fluxograma da triagem e o processo de seleção.


Figura 1. Diagrama da triagem e processo de seleção de artigos.



Características gerais do estudo

O manejo e redução do estresse foi o objetivo das intervenções incluídas, com doze estudos (n=12; 80%) apresentando o estresse como desfecho primário, e três (n=3; 20%) como desfecho secundário.

Todos os estudos apresentaram pelo menos uma medida de estresse (por exemplo, estresse parental, estresse geral, angústia, estresse relacionado à experiência parental da doença da criança). O instrumento de medida mais utilizado foi o PSI - Parenting Stress Index (4 estudos); seguido pelo DASS - Escalas de Depressão, Ansiedade e Estresse (3 estudos), o PECI - Experiência dos Pais com Doença Infantil (2 estudos) e o PSS - Escala de Estresse Percebido (2 estudos). Onze estudos (n=11; 73%) realizaram análise da variável estresse utilizando apenas um instrumento e quatro (n=4; 27%) incluíram mais de uma medida de estresse.

Com relação ao desenho do estudo, dez artigos (n=10; 67%) eram ensaios clínicos randomizados (ECR) e cinco artigos (n=5; 33%) não eram ECRs. Em relação aos momentos de avaliação, nove estudos (n=9; 60%) realizaram no mínimo três avaliações (pré-teste, pós-teste e acompanhamento) e seis estudos (n=6; 40%) relataram duas avaliações (pré-teste, -teste e pós-teste).

Sobre as características da amostra, oito intervenções (n=8; 53%) envolveram os pais (mães e pais), três intervenções (n=3; 20%) focaram exclusivamente nas mães; duas intervenções (n=2; 13,5%) incluíram pais e familiares (um estudo também incluiu crianças) e duas intervenções (n=2; 13,5%) também incluíram os familiares (incluindo crianças). O tamanho da amostra variou consideravelmente entre 5 e 79 participantes.

Das quatro doenças infantis incluídas na revisão (câncer, diabetes, asma e doenças cardiovasculares), seis artigos (n=6; 40%) referiam-se a crianças com diagnóstico de câncer, quatro artigos (n=4; 27%) incluíam crianças com diabetes, dois artigos (n=2; 13%) incluíram crianças com câncer ou urgência de cirurgia cardíaca, dois estudos (n=2; 13%) referiram-se a crianças com asma, e um estudo (n=1; 7%) incluiu crianças com uma variedade de doenças crônicas, sendo os diagnósticos mais comuns asma e diabetes.

Foi encontrada uma variedade em relação à idade das crianças (entre 0 e 18 anos), embora as palavras de busca tenham se limitado a infância, crianças e pediatria. A idade incluiu a infância em todos os estudos, mas também a adolescência em alguns deles.

Com relação às modalidades de intervenção, doze (n=12; 80%) foram realizadas presencialmente, em ambientes como hospitais e ambulatórios, sendo uma delas realizada na residência dos participantes. Três intervenções (n=3; 20%) foram realizadas remotamente, utilizando recursos como videoconferência e telefone. Em algumas intervenções, além das sessões presenciais, foram feitas ligações telefônicas de acompanhamento.

Nove estudos (n=9; 60%) apresentaram intervenções individuais e seis estudos (n=6; 40%) realizaram intervenções em grupo.

Características Gerais das Intervenções

Diferentes abordagens foram usadas nas intervenções. Algumas intervenções incluíram em seus programas promoção da saúde, atenção plena, terapia de aceitação e compromisso, empoderamento familiar, modelos psicossociais, teoria comportamental e inoculação de estresse. Dentre as estratégias e técnicas utilizadas, foram identificadas: psicoeducação (e.g., informações sobre a doença da criança), técnicas de respiração e relaxamento, habilidades de comunicação, identificação de situações estressantes, resolução de conflitos, estratégias parentais (e.g., fortalecimento da educação em relação à doença habilidades), estratégias de enfrentamento e apoio dos pais e cuidadores.

Eficácia da intervenção em relação ao estresse

Para avaliar a eficácia da intervenção, tomou-se referência o instrumento de medida de estresse utilizado em cada estudo.

Dos 15 estudos selecionados, oito (n=8; 53%) não encontraram diferenças significativas nos níveis de estresse ou não encontraram diferenças significativas entre o grupo intervenção e o grupo controle; seis estudos (n=6; 40%) mostraram uma diminuição significativa nos níveis de estresse dos participantes; e um estudo (n=1; 7%) apresentou resultados mistos, com melhora em algumas dimensões emocionais, mas não em outras, que permaneceram inalteradas.

Com essa classificação, tendo os resultados em mente, seguem as características específicas do estudo:

Estudos que não encontraram diferenças significativas nos níveis de estresse ou que não encontraram diferenças significativas entre o grupo de intervenção e o grupo controle

Foram selecionados 8 estudos17, 19, 20, 22, 23, 24, 25, 27.

Cinco investigações (n=5; 62,5%) apresentaram estresse como desfecho primário, e três (n=3; 37%) como desfecho secundário. Com relação ao desenho, sete (n=7; 87,5%) eram ECRs e 1 (n=1; 12,5%) não era um ECR. Seis estudos (n=6; 75%) realizaram três ou mais avaliações (pré-teste, pós-teste e acompanhamento) e dois estudos (n=2; 25%) realizaram apenas duas (pré-teste e pós-teste). Sobre as características da amostra, quatro artigos (n=4; 50%) incluíram pais (pais e mães), dois (n=2; 25%) incluíram apenas mães, um (n=1; 12,5%) incluiu pais e familiares membros, e um (n=1; 12,5%) incluiu também os filhos como participantes, além dos pais e familiares.

Com relação ao diagnóstico infantil, em quatro estudos (n=4; 50%) as crianças tiveram diagnóstico de câncer, em dois (n=2; 25%) as crianças foram diagnosticadas com diabetes, em um estudo (n=1; 12,5%) as crianças tinham câncer ou urgência para cirurgia cardíaca, e em um estudo (n=1; 12,5%) as crianças tinham asma.

Quanto às modalidades de intervenção, cinco das intervenções (n=5; 62,5%) foram realizadas individualmente, e três (n=3; 37,5%) foram realizadas em grupo. O formato da intervenção foi presencial (n=5; 62,5%) ou remoto (n=3; 37,5%).

Estudos que mostraram redução significativa nos níveis de estresse

Foram selecionados 6 estudos 5, 16, 21, 26, 28, 29.

Todos os estudos (n=6; 100%) apresentaram o estresse como desfecho primário. Em relação ao desenho do estudo, três (n=3; 50%) eram ECR e três (n=3; 50%) não eram ECR. Quatro investigações (n=4; 67%) realizaram apenas duas avaliações (pré-teste e pós-teste), e duas investigações (n=2; 33%) realizaram três (pré-teste, pós-teste e seguimento). Em relação às características da amostra, quatro estudos (n=4; 67%) foram realizados com pais (pais e mães) e dois (n=2; 33%) com pais e familiares.

Com relação ao diagnóstico da criança, em dois estudos (n=2; 33,2%) as crianças apresentavam diabetes, em um (n=1; 16,7%) foram diagnosticadas com câncer, em um (n=1; 16,7%) tinham diagnóstico de câncer ou urgência para cirurgia cardíaca, em um (n=1; 16,7%) havia uma criança com asma, e em um (n=1; 16,7%) o paciente pediátrico apresentava uma série de doenças crônicas (as mais comuns foram asma e diabetes).

Relativamente à modalidade de intervenção, todas as intervenções (n=6; 100%) foram presenciais, sendo três (n=3; 50%) realizadas em grupo e as restantes três (n=3; 50 %) em formato individual.

Estudo apresentando resultados mistos (melhora em algumas dimensões emocionais e nenhuma alteração em outras)

Foi selecionado 1 estudo18. Esta intervenção teve como desfecho primário o estresse, e foi realizada com pais (pais e mães) de crianças com câncer. Este estudo não foi um ECR, empregou quatro avaliações e realizou a intervenção presencial e individualmente.

Um resumo dos estudos é apresentado na Tabela 1.




Avaliação da qualidade

A confiabilidade entre avaliadores foi explorada usando o Kappa de Cohen, que revelou uma confiabilidade substancial (k = 0,819).

Um resumo da avaliação da qualidade dos estudos é apresentado na Tabela 2.




DISCUSSÃO

Tendo como referência as medidas de estresse, as intervenções selecionadas apresentaram resultados variados (com reduções nos níveis de estresse, sem diferenças significativas nos níveis de estresse, ou resultados mistos, com algumas dimensões emocionais melhoradas e outras inalteradas). Os estudos também variaram em relação a: objetivo do estudo, resultados em relação à variável estresse, ECR ou não-ECR, número de avaliações, instrumentos de medição de estresse, características da amostra e modalidades de intervenção.

Embora a maioria das investigações tenha apresentado o estresse como desfecho primário, deve-se notar que as três investigações que apresentaram o estresse como desfecho secundário (todas ECR) não mostraram reduções significativas nos níveis de estresse. Isso pode indicar que essas intervenções foram projetadas para afetar outras variáveis, além do estresse, acabando por diluir seu efeito sobre esse sintoma.

De todos os estudos analisados, a maioria constituiu ECRs, incluindo grupo controle, randomização dos participantes e avaliações em três ou mais momentos (pré-teste, pós-teste e follow-up). Observou-se assim que a maioria dos estudos não-ECR apresentou efeitos positivos, com diminuição dos níveis de estresse, enquanto os ECR não mostraram, em sua maioria, essa redução do nível de estresse. É relevante destacar que os ECR permitem avaliar a eficácia, dada a presença de um grupo controle, essencial para comparar e discriminar os resultados causados pelos tratamentos e intervenções30.

Em relação ao desenho das intervenções, observou-se também que de todos os estudos que incluíram duas avaliações (pré-teste e pós-teste), a maioria apresentou efeitos positivos com reduções nos níveis de estresse. Assim, de maneira geral, a maioria dos não ECRs e dos estudos que aplicaram apenas duas avaliações (sem acompanhamentos) apresentaram resultados positivos na redução do estresse. Portanto, as evidências sobre a eficácia dessas intervenções na redução do estresse dos cuidadores são frágeis e insuficientes para determinar a sustentabilidade dos resultados em longo prazo.

Em relação às amostras do estudo, as intervenções incluíram pais, mães e familiares (e incluíram até as próprias crianças). No entanto, a maioria dos participantes era do sexo feminino. Embora hoje em dia haja uma mudança nos papéis de gênero do cuidador, o cuidado ainda é predominantemente prestado por mulheres. Segundo Silver, Stein e Dadds31, em seu estudo sobre estrutura familiar e saúde física e mental de crianças com doenças crônicas, afirmaram que as mães costumam estar mais envolvidas no processo de tratamento, indo mais ao hospital e interagindo mais frequentemente com os profissionais de saúde.

Em relação ao diagnóstico infantil, os resultados das intervenções variaram, sendo que os estudos com crianças com câncer apresentaram com maior frequência resultados não significativos quanto à redução dos níveis de estresse dos pais. Isso pode ser atribuído às diferenças entre o diagnóstico e os fenômenos associados. Embora as quatro doenças infantis selecionadas neste estudo sejam classificadas como crônicas, cada uma possui suas particularidades em relação aos estágios de evolução, risco de morte, tratamentos necessários e exigências de cuidados por parte dos pais. Assim, é necessário considerar tais especificidades na elaboração e realização de intervenções, bem como na análise de resultados quanto à redução/ausência de alteração dos níveis de estresse entre pais e cuidadores.

Apesar da diversidade de conteúdo das intervenções, a maioria (80%) abordou informações sobre a doença (diagnóstico, condutas médicas, tratamentos e envolvimento dos pais/cuidadores). Isso enfatiza a importância do conhecimento sobre a doença e seu manejo por parte dos cuidadores. Em artigo de revisão, Vaz e colaboradores32 relataram a necessidade de a família receber informações sobre a doença e destacaram que os pais relataram como benéfico receber informações sobre a doença crônica, destacando a importância de programas educativos para promover a compreensão dos pais e um melhor cuidado para com a criança. O acesso à informação pode ter, por si só, um impacto positivo nos níveis de estresse, uma vez que o compartilhamento de informações promove estratégias de enfrentamento e desenvolve habilidades para vivenciar a doença, sendo que a informação desempenha um papel importante no manejo da doença33.

As evidências indicam que intervenções que apenas fornecem informações sobre a doença infantil são eficazes na redução do estresse, e que intervenções que focam exclusivamente em técnicas de relaxamento também reduzem esses sintomas nos pais, no entanto, observou-se nesta pesquisa que estudos que combinam as duas abordagens (treinamento de relaxamento e informações sobre a doença e seus tratamentos: 5 investigações) não foram eficientes na redução do estresse. Nomeadamente, refira-se que 4 destes 5 estudos incluíram pais de crianças com câncer, o que volta a chamar a atenção para a especificidade deste diagnóstico e para a possível dificuldade em atenuar estes sintomas, devido às características desta doença. Este resultado exige de estudos futuros, uma reflexão sobre a natureza das intervenções adequadas a estas famílias, uma vez que estas podem requerer uma intervenção personalizada, considerando especificamente as particularidades das doenças, por exemplo, intervenção em crises34. Outro resultado que chama a atenção é o fato de que, das sete investigações que focaram pais de crianças com câncer, apenas duas apresentaram atenuação dos níveis de estresse.

Em nossa análise, a maioria das intervenções foi realizada presencialmente, com a maioria delas (58%) apresentando resultados significativos e um resultado misto. Das três intervenções realizadas remotamente, nenhuma encontrou diferenças significativas nos níveis de estresse ao longo do tempo. As intervenções em grupo não apresentaram diferenças em relação à sua eficácia (50% resultados positivos, 50% resultados não significativos). Por outro lado, 56% das intervenções realizadas individualmente não apresentaram resultados significativos e 11% apresentaram resultados mistos. Essas observações podem apontar para a importância da relação terapêutica construída no face-a-face e do vínculo estabelecido entre o profissional e o participante, e entre os participantes (no caso de intervenções em grupo). Estudos indicam que as intervenções grupais oferecem suporte emocional aos cuidadores, um sentimento de universalidade (percepção de que outras mães compartilham das mesmas dificuldades e sofrimentos) e criam um espaço para lidar com questões emocionais e com a sobrecarga de cuidar35, 36, 37.

Torna-se importante considerar que o objetivo do presente estudo foi avaliar a eficácia de programas voltados para o manejo do estresse; dessa forma, considerando a diversidade de estudos e observações observadas, tornou-se possível analisar os resultados de intervenções com foco apenas na variável estresse. Para avaliar e quantificar a eficácia das intervenções entre os estudos de forma mais ampla, outras análises seriam necessárias, o que extrapola o escopo desta revisão.

Pontos fortes e limitações

Uma limitação inerente às revisões de escopo é que estas apresentam um determinado tema em amplitude, e não em profundidade. No entanto, este estudo contribuiu para a ampliação do conhecimento sobre intervenções junto a essas populações; além disso, os resultados aqui apresentados podem contribuir para possíveis aplicações de intervenções nesta área.

O tamanho e a diversidade das amostras em relação às doenças crônicas infantis e o desenho das intervenções podem influenciar o resultado e a eficácia das intervenções em relação à variável estresse, foco do presente estudo. No entanto, a análise destas intervenções contribui potencialmente para um melhor conhecimento desta temática e informa a prática clínica.

Adicionalmente, verificou-se uma ampla gama de instrumentos que mensuram o estresse, o que pode ter prejudicado a comparação entre os estudos/intervenções. Embora cada instrumento estivesse alinhado com o objetivo de cada estudo, foram identificadas diferenças conceituais em relação ao estresse, com variações como: estresse geral, estresse parental e estresse relacionado à doença infantil. Apesar dessa importante especificidade conceitual de cada estudo, nossa pesquisa analisou os resultados com base nas medidas de estresse apresentadas em cada estudo.

Uma limitação do estudo é a variedade das faixas etárias dos filhos dos participantes (a idade incluiu a infância em todos os estudos, mas também a adolescência em alguns deles). Apesar de considerar as especificações e características das idades, tais estudos foram incluídos porque sua exclusão traria prejuízos para nossa amostra.


CONCLUSÕES

O número limitado de artigos encontrados nesta revisão reflete a necessidade de mais estudos nesta área.

Embora este estudo retrate intervenções efetivas na redução dos níveis de estresse em pais/cuidadores de crianças com doenças crônicas, são escassas as pesquisas que apontam o estresse como a principal variável em estudo.

A escassa literatura enfatiza a necessidade de desenvolver ECR e intervenções similares de forma a demonstrar a sua eficácia e, consequentemente, tornarem-se úteis em contextos clínicos para auxiliar pais e cuidadores de crianças com doenças crónicas.


REFERÊNCIAS

1. WHO - World Health Organization. Global action plan for the prevention and control of noncommunicable disease 2013-2020. Geneva: World Health Organization, 2013. Available: http://www.who.int/nmh/events/ncd_action_plan/en/.

2. GLOBAL STATUS REPORT. Global status report on noncommunicable diseases 2014. Geneva: World Health Organization. Available: http://www.who.int/topics/noncommunicable_diseases/en/

3. WHO – World Health Organization. What are noncommunicable disease and their risk factors? 2018. Available: http://www.who.int/topics/ noncommunicable_disease/en/.

4. Ellenwood AE, Jenkins JE. Unbalancing the Effects of Chronic Illness: Non-Traditional Family Therapy Assessment and Intervention Approach. The American Journal of Family Therapy. 2007; 35(3), 265-277. https://doi.org/10.1080/01926180600968431

5. Minor HG, Carlson LE, Mackenzie MJ, Zernicke K, Jones L. Evaluation of a Mindfulness-Based Stress Reduction (MBSR) Program for Caregivers of Children with Chronic Conditions. Social Work in Health Care. 2006; 43(1), 91-109. https://doi.org/10.1300/J010v43n01_06

6. Cousino K, Hazen RA. Parenting Stress Among Caregivers of Children With Chronic Illness: A Systematic Review. Journal of Pediatric Psychology. 2013; 38(8), 809–828. https://doi.org/10.1093/jpepsy/jst049

7. Cairo S, Sant’Anna CC. Estresse em mães e cuidadoras de crianças e adolescentes com asma: um estudo sobre a frequência do estresse e fatores estressores. Caderno de Saúde Coletiva. 2014; 22(4), 393-400. http://dx.doi.org/10.1590/1414-462X201400040013

8. Wood BL, Miller BD, & Lehman HK. Review of Family Relational Stress and Pediatric Asthma: The Value of Biopsychosocial Systemic Models. Family Process. 2015; 54, 376–389. doi:10.1111/famp.12139

9. Lazarus RS, Folkman S. Stress, appraisal, and coping. New York: Springer, 1984.

10. Golfenshtein N, Srulovici E, Deatrick JA. Interventions for Reducing Parenting Stress in Families with pediatric conditions: an integrative review. Journal of Family Nursing. 2016; 22 (4), 460-492. https://doi.org/10.1177/1074840716676083

11. Levac D, Calquhoun H, O’Brien KK. Scoping studies: advancing the methodology. Implementation Science. 2010; 5, 69. doi: 10.1186/1748-5908-5-69

12. Liberati A, Altman DG, Tetzlaff J, Mulrow C, Gøtzsche PC, Ioannidis JPA, et al. The PRISMA Statement for Reporting Systematic Reviews and Meta-Analyses of Studies That Evaluate Health Care Interventions: Explanation and Elaboration. PLoS Medicine. 2009; 6(7) e1000100, 2009. doi: 10.1136/bmj.b2700

13. Hawker S, Payne A, Kerr C, Hardey M, Powell J. Appraising the Evidence: Reviewing Disparate Data Systematically. Qualitative Health Research. 2002; 12(6), 1284-1299. http://dx.doi.org/10.5430/jnep.v2n4p194

14. Higgins J, Green S. (eds.). Cochrane Handbook for Systematic Reviews of Interventions 4.2.6 [updated September 2006]. In: The Cochrane Library, Issue 4. Chichester, UK: John Wiley & Sons, Ltd. 2006.

15. Higgins J, Green S. (eds). Cochrane Handbook for Systematic Reviews of Interventions Version 5.1.0 [updated March 2011]. The Cochrane Collaboration, 2011. Available from www.cochrane-handbook.org

16. Burke K, Muscara F, McCarthy M, Dimovski A, Hearps S, Anderson V, et al. Adapting Acceptance and Commitment Therapy for Parents of Children With Life-Threatening Illness: Pilot Study. Families Systems & Health. 2014; 32(1), 122-127. doi: 10.1037/fsh0000012

17. Celano MP, Holsey CN, Kobrynski LJ. Home-Based Family Intervention for Low-Income Children With Asthma: A Randomized Controlled Pilot Study. Journal of Family Psychology. 2012; 26(2), 171–178. http://dx.doi.org/10.1037/a0027218

18. Hendricks-Ferguson VL, Pradhan K, Shih CS, Gauvain KM, Kane JR, Liu J, et al. Pilot Evaluation of a Palliative and Endof-Life Communication Intervention for Parents of Children With a Brain Tumor. Journal of Pediatric Oncology Nursing. 2017; 34(3), 203-213. https://doi.org/10.1177/1043454216676836

19. Mackey ER, Herbert L, Monaghan M, Cogen F, Wang J, Streisand R. The Feasibility of a Pilot Intervention for Parents of Young Children Newly Diagnosed with Type 1 Diabetes. Clinical practice in pediatric psychology. 2016; 4(1), 35-50.

20. Marsland AL, Long KA, Howe C, Thompson AL, Tersak, Ewing LJ. A Pilot Trial of a Stress Management Intervention for Prim Jary Caregivers of Children Newly Diagnosed With Cancer: Preliminary Evidence That Perceived Social Support Moderates the Psychosocial Benefit of Intervention. Journal of Pediatric Psychology, 2013; 38(4), 449–461. doi:10.1093/jpepsy/jss173

21. Méndez FX, Olivares J, Ros MC, Bermejo RM. Aplicabilidad de estrategias reductoras del estrés en los padres de ninõs con diabetes mellitus insulinodependiente. Análisis y Modificación de Conducta. 1997; 23(91), 649-669.

22. Othman A, Blunden S, Mohamad N, Hussin ZAM, Osman ZJ. Piloting a psycho-education program for parents of pediatric cancer patients in Malaysia. Psycho-Oncology. 2010; 19, 326–331. doi: 10.1002/pon.1584

23. Rayner M, Dimovski A, Muscara F, Yamada J, Burke K, McCarthy M, et al. Participating From the Comfort of Your Living Room: Feasibility of a Group Videoconferencing Intervention to Reduce Distress in Parents of Children With a Serious Illness or Injury. Child & Family Behavior Therapy. 2016; 38(3), 209–224. http://dx.doi.org/10.1080/07317107.2016.1203145

24. Saßmann H, Hair M, Danne T, Lange K. Reducing stress and supporting positive relations in families of young children with type 1 diabetes: A randomized controlled study for evaluating the effects of the DELFIN parenting program. BMC Pediatrics. 2012; 12,152. https://doi.org/10.1186/1471-2431-12-152

25. Streisand R, Rodrigue JR, Houck C, Graham-Pole J, Berlant N. Brief Report: Parents of children undergoing bone marrow transplantation: documenting stress and piloting a psychological intervention program. Journal of Pediatric Psychology. 2000; 25(5), 331-337. http://dx.doi.org/10.1093/jpepsy/25.5.331

26. Tsiouli E, Pavlopoulos V, Alexopoulos EC, Chrousos G, Darviri C. Short-term impact of a stress management and health promotion program on perceived stress, parental stress, health locus of control, and cortisol levels in parents of children and adolescents with diabetes type 1: a pilot randomized controlled trial. Explore. 2014; 10, 88-98. https://doi.org/10.1016/j.explore.2013.12.004

27. Wakefield CE, Sansom-Daly UM, McGill BC, Ellis SJ, Doolan EL, Robertson EG, et al. Acceptability and feasibility of an e-mental health intervention for parents of childhood cancer survivors: “Cascade”. Support Care Cancer. 2016; 24, 2685–2694. doi: 10.1007/s00520-016-3077-6

28. Warner CM, Ludwig K, Sweeney C, Spillane C, Hogan L, Ryan J, et al. Treating Persistent Distress and Anxiety in Parents of Children with Cancer: An Initial Feasibility Trial. Journal of Pediatric Oncology Nursing. 2011; 28(4), 224 –230. https://doi.org/10.1177/1043454211408105

29. Yeh HY, Ma WF, Huang JL, Hsueh KC, Chiang LC. Evaluating the effectiveness of a family empowerment program on family function and pulmonary function of children with asthma: A randomized control trial. International Journal of Nursing Studies. 2016; 60, 133-144. http://dx.doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2016.04.013

30. Malay S, Chung KC. The Choice of Controls for Providing Validity and Evidence in Clinical Research. Plastic and Reconstrutive Surgery. 2012; 130(4), 959–965. doi: 10.1097/PRS.0b013e318262f4c8

31. Silver EJ, Stein REK, Dadds MR. Moderating effects of family structure on the relationship between physical and mental health in urban children with chronic illness. Journal of Pediatric Psychology. 1996; 21(1), 43-56.

32. Vaz JC, Milbrath VM, Gabatz RIB, Krug FR, Hirschmann B, Oliveira MM. Cuidado à Família da Criança com Doença Crônica. Revista de Enfermagem UFPE on Line, Recife. 2018; 12 (5), 1397-408. doi 10.5205/1981-8963-v12i5a230852p1397-1408-2018

33. Anyaoku EN. Relationship between Patients’ Access to Health Information and Coping with Chronic Diseases. Journal of information and knowledge management. 2018; 9 (3), 117-131.

34. Hendricks-Ferguson VL. Crisis Intervention Strategies When Caring for Families of Children With Cancer. Journal of Pediatric Oncology Nursing. 2000; 17, 3. doi: 10.1177/104345420001700102

35. Amaral SCO, Pimenta F, Marôco J, Sant’Anna CC. Stress reduction intervention with mothers of children/adolescents with asthma: a randomized controlled study in Brazil. Health Care Women International. 2019; 8,1-18. doi: 10.1080/07399332.2019.1570201

36. Ducharme F, Lévesque L, Gendron L, Legault A. Development process and qualitative evaluation of a program to promote the mental health of family caregivers. Clinical Nursing Research. 2001; 10(2), 182-201. https://doi.org/10.1177/C10N2R7

37. Santos RL, Sousa MFB, Brasil D, Dourado M. Intervenções em grupo para sobrecarga de cuidadores de pacientes com demência: uma revisão sistemática. Revista de Psiquiatria Clínica. 2011; 38(4), 161-167. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-60832011000400009










1. Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira - IPPMG - Rio de Janeiro - Rio de Janeiro - Brasil
2. ISPA - Instituto Universitário/WJCR - William James Center for Research, Unidade de Investigação em Psicologia e Saúde - UIPES - Lisboa - Portugal


Endereço para correspondência:
Sandra Cairo de Oliveira Amaral
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Av. Pedro Calmon, 550 - Cidade Universitária da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro - RJ, Brasil. CEP: 21941-901
E-mail: cairosandra@gmail.com

Data de Submissão: 04/06/2021
Data de Aprovação: 07/09/2021