ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2023 - Volume 13 - Número 1

O impacto do canabidiol na qualidade de vida de crianças com epilepsia

The impact of cannabidiol on epileptic children’s quality of life

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o impacto do canabidiol na qualidade de vida das crianças acompanhadas a nível ambulatorial na cidade de João Pessoa, após tentativas falhas com outras medicações antiepilépticas.
MÉTODOS: Trata-se de um estudo epidemiológico transversal descritivo. A pesquisa tem o cenário domiciliar, por conveniência, em bola de neve, com aplicação de um questionário aos pais ou responsáveis legais das crianças epilépticas em uso do óleo de canabidiol acerca das percepções sobre a qualidade de vida delas. A pesquisa teve um “n” de 23 indivíduos. A população foi composta de pais ou responsáveis legais de crianças com até 17 anos em uso do óleo rico em canabidiol. Foi utilizado formulário validado elaborado por Mark Sabaz et al., entitulado “Quality of Life in Childhood Epilepsy - Questionnaire QOLCE: Parent Form”.
RESULTADOS E DISCUSSÃO: Na variável de Bem-Estar, a média das pontuações foi 92,21 antes do uso do CBD, e 76,95 após o uso. Na seção Comportamento, a média foi 102,34 antes do CBD, e 67,34 depois. Em Saúde, a média de antes do CBD foi 4,43, tendo uma evolução positiva para 2,30 após o uso. A média de Qualidade de Vida descrita antes do canabidiol foi 4,65, tendo também uma evolução para 2,34 após o uso da substância. Em Cognição foi encontrada uma média de 79,65 antes do uso do CBD e 101,26 após o uso. Diante dos resultados adquiridos, constatou-se um impacto positivo do canabidiol na qualidade de vida das crianças, confluente com a literatura da área.

Palavras-chave: Canabidiol, Epilepsia, Criança, Qualidade de Vida.

ABSTRACT

OBJECTIVE: This study evaluates the impact of Canabidiol on the quality of life of children followed at an outpatient ward in the city of João Pessoa after failed attempts at therapy with other antiepileptic medications.
METHODOLOGY: This is a descriptive, cross-sectional, epidemiological study. This study has the home scenario, for convenience, with the application of a questionnaire to a group of parents or legal guardians of the epileptic children using cannabidiol oil, on the perceptions about the quality of life of the children. Our sample had 23 individuals. The population was made up of parents or legal guardians of children up to 17 years of age using cannabidiol-rich oil. A validated form developed by Mark Sabaz et al, entitled “Quality of Life in Childhood Epilepsy - Questionnaire QOLCE: Parent Form” was used.
RESULTS AND DISCUSSION: In Well Being, the mean score was 92.21 before CBD, and 76.95 after its use. In the Behavior section, the mean was 102.34 before CBD, and 67.34 after. In Health, the mean before CBD was 4.43, with a good evolution to 2.30 after its use. The mean Quality of Life described before cannabidiol was 4.65, also evolving to 2.34 after use of the substance. In Cognition an average of 79.65 was found before CBD and 101.26 after its use. The results confirm the hypothesis about the benefits of CBD on children`s quality of life, and are mostly confluent with the literature on this topic.

Keywords: Cannabidiol, Epilepsy, Child, Quality of Life.


INTRODUÇÃO

O conceito de epilepsia

A epilepsia é uma doença normalmente diagnosticada na infância, de difícil controle e de caráter crônico. É caracterizada por um distúrbio persistente cerebral, que gera descargas transitórias exacerbadas em neurônios hiperexcitáveis, causando crises epilépticas, que concernem em sintomas motores e sensoriais1.

O diagnóstico é essencial para início do acompanhamento e controle da frequência de surtos. A epilepsia caracteriza-se como ao menos duas convulsões não provocadas em um intervalo superior a 24 horas, visto que dentro do espaço de tempo de um dia pode ser considerada uma única crise sem resolução adequada2.

O acometimento cerebral pode ser focal ou difuso, com prognósticos diferentes. O tempo de duração das descargas também é um importante fator de análise quanto à gravidade da doença, visto que o estímulo elétrico excessivo e repetitivo pode causar lesões cerebrais permanentes, associadas a possíveis déficits de aprendizagem e até motores. A crise que persiste por mais de 30 minutos é considerada status epilepticus, emergência neurológica com alto risco de dano ao tecido neuronal, então deve ser revertida imediatamente. Atualmente, a literatura discute a possibilidade de redução desse tempo determinado para 5 minutos, objetivando iniciar uma terapêutica intensiva de cessação da crise e evitar sequelas maiores e irreversíveis, sendo o coma barbitúrico uma última tentativa de interrupção3.

A relevância da terapia medicamentosa no controle das crises epilépticas

A importância do tratamento dessa afecção reside no conhecimento de que na infância acontece o desenvolvimento intelectual com maior intensidade e velocidade, avanços dos sistemas orgânicos, bem como dos traços psicossociais do indivíduo. As crises convulsivas podem trazer danos irreversíveis ao tecido cerebral e causar problemas psicológicos na criança, que entende ser diferente das demais pelas características típicas da patologia. Crianças com epilepsia têm maiores chances de desenvolver transtornos de comportamento, mentais e distúrbios de aprendizagem, enfatizando a necessidade de um controle efetivo para prevenção de crises epilépticas. Todos esses déficits existentes no desenvolvimento natural da doença e na terapia preconizada atualmente geram uma queda considerável na qualidade de vida das crianças4.

De acordo com Garzon (2002)6, dentro das várias etiologias da epilepsia, cerca de 35% a 75% dos pacientes continuam tendo crises epilépticas, mesmo fazendo terapêutica adequada. No mundo, 50 milhões de pacientes são diagnosticados com a doença, mas apenas 25% a 45% ficam estabilizados, sem recorrências de crises por 1 ano. O risco que pacientes de difícil controle apresentam está na gravidade das manifestações que podem apresentar. Episódios não controlados podem desenvolver o estado de mal epiléptico, podendo ocorrer lesões cerebrais permanentes.

Efeitos dos tratamentos polimedicamentosos em epilepsias refratárias

Uma terapia polimedicamentosa é comum nas crianças epilépticas devido às sérias repercussões causadas. A monoterapia é feita ao diagnóstico inicial, e deve ser mantida escalonada até a dose máxima da medicação. Em caso de refratariedade das crises, associa-se uma droga com múltiplos mecanismos de ação. A terapia para epilepsia pode ser feita com associação de até 3 drogas em suas doses máximas. A criança que precisa fazer a terapia medicamentosa por um longo período de tempo (2 anos sendo o intervalo convencionalmente adotado em casos com sucesso terapêutico), fica exposta a eventos de interações medicamentosas com maior facilidade. Além disso, os fármacos utilizados para controle da doença têm efeitos colaterais diversos, desde náuseas a importante hepatotoxicidade5.

Estudos indicam que a probabilidade de haver uma cessação completa das crises após o uso de 2 a 3 drogas antiepilépticas (DAE) é de 5% a 10%. A medicação é considerada ineficiente quando os sintomas persistem mesmo após a otimização da dose. Existem pesquisas que já concluem que no caso da monoterapia ter sido ineficaz, só 11% dos pacientes teve adequada resposta ao tratamento polimedicamentoso6.

As crianças são psicologicamente e socialmente desfavorecidas por terem que lidar com o cotidiano impreciso da doença, e muitas vezes desenvolvem distúrbios comportamentais e de aprendizagem. Além dessa óptica, o tratamento com polimedicação tem um caráter dispendioso e que causa déficits financeiros às famílias. Os gastos com as DAEs nem sempre trazem retorno na resposta ao tratamento e ainda existe uma necessidade de acompanhamento multiprofissional, sendo requisitada a abordagem de psicólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e outros profissionais de saúde.

As drogas antiepilépticas como terapia fundamental e seus efeitos adversos

Cada medicação antiepiléptica tem um uso mais apropriado, e sua correta seleção diminui os índices de efeitos adversos e interações medicamentosas. Ataxia e tontura são os danos mais comuns causados pela carbamazepina, fenitoína e fenobarbital, que são as três drogas mais utilizadas. Dentre a variedade de fármacos antiepilépticos, os pacientes ainda podem apresentar diplopia, vertigem, alergias, ganho de peso, hirsutismo, leucopenia e tremor. O valproato pode causar hepatotoxicidade. Essas drogas apresentam um alto índice de interação medicamentosa com fármacos comuns ao cotidiano, que quando são associados podem gerar osteopenia, hipercolesterolemia e aumento do risco cardiovascular. Os efeitos adversos dessas drogas pioram déficits psicomotores, cognitivos e consequentemente de aprendizagem que, geralmente, a própria epilepsia já causa. Esses dados nos traduzem a ideia de que é necessária a pesquisa em prol de um fármaco que possa reduzir esses efeitos negativos no cotidiano dos pacientes diagnosticados com epilepsia, que necessitam do uso contínuo da terapia medicamentosa5.

O canabidiol como opção terapêutica para epilepsia refratária

Atualmente, o canabidiol apresenta uma alternativa cientificamente comprovada de ação eficaz como DAE. Um estudo foi feito com 108 indivíduos da faixa pediátrica que utilizavam óleo de CBD. A adição do CBD resultou em 39% das crianças com um controle superior a 50% das crises, e 10% delas ficaram com remissão completa de crises epilépticas. Essa análise concluiu que o CBD traz eficácia ao tratamento da epilepsia com benefício do baixo índice de efeitos adversos significantes7.

Estudos que datam desde 1973, no Brasil, revelam os benefícios da droga para controle das crises refratárias à terapia polimedicamentosa. Desde 2014 existem requerimentos brasileiros aprovados pela ANVISA para importação de produtos à base de canabidiol. O Conselho Federal de Medicina, no mesmo ano, autorizou os médicos a prescreverem a substância como opção de tratamento para crianças epilépticas com falhas terapêuticas. Em dezembro de 2016, três famílias no Brasil conseguiram a liberação judicial para plantação com fins medicinais. Esse cenário propiciou para que, em 2017, a Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (ABRACE), em João Pessoa, conseguisse autorização da Justiça Federal da Paraíba para cultivo e manipulação da maconha para fins exclusivamente terapêuticos, permitindo o tratamento de mais de 150 crianças com o CBD8.

Matos et al. (2017)8 referem que 40% dos extratos da Cannabis sativa é do componente CBD, de caráter antipsicótico e ansiolítico. Os efeitos psicoativos são gerados pelo canabidioide delta-9-tetraidrocanabinol (∆9-THC), ao estimular o efluxo pré-sináptico da dopamina no córtex pré-frontal, desenvolvendo um estado de euforia. A utilização terapêutica dele é voltada para melhora de apetite e aumento de peso em pacientes oncológicos ou com doenças graves debilitantes. Em contraposto ao ∆9-THC, o CBD funciona como antagonista competitivo. Ele é o principal componente não-psicoativo da Cannabis sativa, e age inibindo a euforia e o senso de humor8.

Baseados nas pesquisas científicas a nível mundial, foi formulada a hipótese de que o uso de canabidiol na epilepsia infantil traz uma resposta positiva em relação ao impacto na qualidade de vida das crianças.

Portanto, o objetivo geral deste trabalho foi avaliar o impacto do canabidiol na qualidade de vida das crianças acompanhadas à nível ambulatorial na cidade de João Pessoa, após tentativas falhas de terapia com outras medicações antiepilépticas. Este estudo visa constatar dados de acompanhamentos com crianças em uso de óleo rico em CBD, com o intuito principal de esclarecimento do impacto dessa terapia na qualidade de vida dos pacientes refratários à terapia polimedicamentosa. O avanço de pesquisas científicas acerca do assunto influencia positivamente para uma facilitação de acesso dos pacientes ao tratamento. João Pessoa é um dos raros polos de cultivo da Cannabis sativa, portanto apresenta bons subsídios para realização da coleta de dados.


MÉTODOS

Estudo epidemiológico transversal descritivo, de pesquisa de cenário domiciliar, com aplicação de questionário a um grupo de pais ou responsáveis legais das crianças epilépticas em uso do óleo de canabidiol, acerca das percepções sobre a qualidade de vida destas. Trata-se de uma pesquisa de caráter censitário que teve previsão de 30 indivíduos, mas apenas 23 das famílias aceitaram participar. A população foi composta de pais ou responsáveis legais de crianças com até 17 anos em uso do óleo rico em canabidiol nos anos de 2013 a 2018. Foram incluídos no estudo todos os pais ou responsáveis legais das crianças com epilepsia refratária ao uso de medicamanentos habitualmente prescritos e que passaram a utilizar o óleo rico em canabidiol como melhor opção de controle das crises epilépticas entre os anos de 2013 e 2018. Foram excluídos os pais ou responsáveis legais das crianças fora da faixa etária pré-determinada e aqueles que não assinaram o termo de consentimento do estudo. Foi utilizado um formulário validado adaptado, elaborado por Mark et al. (2003)9, intitulado “Quality of Life in Childhood Epilepsy – Questionnaire QOLCE: Parent Form”, que discorre das atividades físicas, bem-estar, cognição, atividades sociais, comportamento, saúde geral e qualidade de vida em crianças, e não possui validação para a língua portuguesa. O questionário foi aplicado aos responsáveis legais para que respondessem sobre os dados de 4 semanas prévias ao uso do óleo rico em CBD e outro questionário igual para preenchimento sobre as últimas 4 semanas, após o uso do óleo. A variável dependente utilizada foi a qualidade de vida em pacientes que utilizam canabidiol, e as independentes foram faixa etária, sexo, comorbidades e tempo de uso do canabidiol. Os dados foram coletados a partir de entrevista, sistematizado por datas, de fevereiro a abril de 2019. As perguntas foram realizadas durante entrevista presencial, com identificação através de codinome em ficha individual, que foi guardada em envelope confidencial, o qual só foi acessado novamente para análise de dados. Os registros dos dados foram analisados por meio de tabelas de contingência, agregados antes e depois do uso do canabidiol. O tratamento dos dados inclui a descrição do perfil da população estudada através de frequências simples e relativas. Estratificou-se, considerando as variáveis do estudo. Foram realizadas comparações entre os grupos antes e depois do uso do óleo rico em CBD. Foi considerado significante o valor de “p” menor que 0,05. Para as análises estatísticas utilizou-se o SPSS Statistics. A realização deste estudo considerou rigorosamente as normas de ética em pesquisa envolvendo seres humanos, segundo a Resolução no 466/12, do Conselho Nacional de Saúde, visando assegurar os direitos e deveres que dizem respeito à comunidade científica aos sujeitos da pesquisa. Para tanto, solicitou-se a permissão do responsável legal através do termo de consentimento livre e esclarecido - TCLE, que foi entregue antes, impresso, para o participante assinar, autorizando as informações cedidas para a pesquisa previamente. O projeto foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa com o CAAE: 04388418.7.0000.5176.


RESULTADOS

Foram obtidos resultados da caracterização de 23 crianças com epilepsia, que fazem uso do canabidiol e são acompanhadas na cidade de João Pessoa, Paraíba. Sete crianças (30,4%) são do sexo feminino e 16 (68,6%) do sexo masculino. Entrevistou-se apenas pais de indivíduos de faixa etária pediátrica, e, no momento da entrevista 3 (13%) tinham de 0 a 5 anos, 12 (52,2%) tinham de 6 a 10 anos e 8 (34,8%) se encontravam com 11 a 17 anos (Tabela 1).




Constatou-se que 9 (39,1%) apresentavam comorbidades, sendo todas do âmbito neurológico ou psiquiátrico. O transtorno do espectro autista (TEA) foi identificado em 7 desses 9 e a paralisia cerebral nos outros 2. Os 14 (60,9%) restantes não apresentaram comorbidades.

Acerca do tempo de uso do CBD, foi constatado que 9 (39,1%) das crianças faziam uso há até 2 anos, e 14 (60,9%) têm mais de 2 anos de uso, como demonstrado na Tabela 1.

Aplicou-se o formulário parental (QOLCE) duas vezes em cada entrevista, devendo um ser respondido acerca do uso prévio ao canabidiol e o outro acerca da atualidade, posterior ao uso. Ele é utilizado a partir da soma das pontuações adquiridas em cada variável que avalia. A partir desses resultados, foi-se capaz de dividir as variáveis em antes e depois. Nas variáveis Bem-Estar, Comportamento, Saúde e Qualidade de Vida, o formulário tem perguntas que deviam ser respondidas de 1 a 6, e quanto menor o resultado, melhor está a situação da criança sob percepção dos pais que estão respondendo a entrevista.

Nas variáveis Cognição e Atividade Social, também respondidas de 1 a 6, as perguntas são feitas de forma que quanto maior o resultado, melhor a situação do indivíduo pela percepção dos pais.

Na variável de Bem-Estar, a média das pontuações foi 92,21 antes do uso do CBD, e 76,95 após o uso, com valor de p<0,001.

Dando seguimento às variáveis que avaliam melhora à diminuição da pontuação, na seção Comportamento, a média foi 102,34 antes do CBD, e 67,34 depois, com valor de p<0,001. A variável Saúde avalia em uma pergunta objetiva, também pontuada de 1 a 6, sobre a percepção dos pais ou responsáveis sobre a saúde geral da criança. Nesse setor, a média de antes do CBD foi 4,43, tendo uma evolução positiva para 2,30 após o uso, com p<0,001. Da mesma forma que a variável anterior, a Qualidade de Vida foi avaliada por uma única pergunta objetiva sobre como os pais percebiam suas respectivas crianças. A média descrita antes do canabidiol foi 4,65, tendo também uma evolução para 2,34 após o uso da substância, com valor de p<0,001, como foi demonstrado na Tabela 2.




A seção de Atividade Social não apresentou um valor de “p” estatisticamente significante. Além dela, a variável Cognição também obtém resultado favorável quanto maior a pontuação. Nela foi encontrada uma média de 79,65 antes do uso do CBD e 101,26 após o uso, com valor de p<0,001, demonstrando uma evolução positiva para este estudo (Tabela 2).


DISCUSSÃO

Os resultados encontrados mostram que houve uma resposta positiva em relação ao impacto na qualidade de vida das crianças, através dos estudos realizados por meio do questionário de avaliação (Quality of Life in Childhood Epilepsy Questionnaire QOLCE: Parent Form).

Talarska (2007)10 avaliou a funcionalidade do QOLCE para determinar a qualidade de vida de crianças com epilepsia. Foram acompanhadas 160 crianças através de exames clínicos e preenchimento do questionário pelos pais e responsáveis. Ela concluiu que o questionário é adequado para avaliação de crianças e adolescentes, especialmente para casos refratários à medicação, como acontece com as crianças avaliadas pelo presente trabalho.

Brucki et al. (2015)11 demonstraram que há déficit cognitivo em pacientes saudáveis que iniciam o uso do canabidiol de forma inalada. No mesmo estudo ela expõe que o CBD .não está associado com o declínio cognitivo progressivo, mas sim com a queda do desempenho no momento da inalação. Diferente do supracitado, de acordo com os dados desta pesquisa a partir da percepção dos pais expressa pelo QOLCE, define-se que houve uma melhora no desempenho da cognição das crianças.

Devinsky et al. (2017)12 desenvolveram um estudo duplo cego com o CBD em crianças diagnosticadas com síndrome de Dravet, uma desordem neurológica caracterizada por crises epilépticas intensas, resistência a medicações e alta mortalidade. Nele foi encontrado que 43% das crianças em uso do canabidiol tiveram uma redução de pelo menos 50% das crises, em comparação com o grupo placebo que apresentou uma redução de 27%. Ainda dentre elas, 5% dos pacientes ficaram completamente livres de convulsões no grupo que utilizava o CBD, mas nenhuma conquistou esse resultado no grupo placebo. Segundo Devinsky et al. (2017)12, a diminuição da frequência de crises está diretamente interligada com a melhora da cognição e qualidade de vida dos pacientes. Visto que o ponto de partida para este presente estudo é formado por crianças que já apresentavam déficit cognitivo em suas patologias de base, é justificável que haja uma melhora na percepção dessa função neurológica com a introdução da droga, como foi comprovado nos resultados com uma evolução da média de 79,65 antes do CBD para 101,26 após a introdução do CBD.

Um estudo de Rosenberg et al. (2017)13 utilizou o QOLCE para análise do uso do canabidiol por pacientes durante 12 semanas. Os resultados comprovaram uma evolução no Bem-Estar, principalmente nas perguntas que se relacionam com energia e fadiga. A Cognição, em contraponto ao estudo de Brucki et al. (2015)11, apresentou-se como um dos fatores que mostrou desenvolvimento benéfico após o CBD. Diante do exposto, adquirimos mais uma referência que evidencia a discrepância entre a avaliação da progressão cognitiva de pacientes saudáveis e pacientes com síndromes neurológicas. Além dessas seções, o estudo de Rosenberg et al. (2017)13 também apresentou resultados positivos sobre o canabidiol nas variáveis de Atividades Sociais e Comportamento, sendo este último corroborado com os resultados encontrados no presente estudo, em que houve uma melhora importante na seção comportamental.

As seções Saúde e Qualidade de Vida são determinadas por uma única pergunta objetiva em cada uma delas, acerca da opinião dos pais ou responsáveis sobre o desenvolvimento dessas áreas antes e depois da droga. Em ambas as variáveis houve uma redução de 50% do valor, demonstrando que a partir da visão dos cuidadores existe uma melhora significativa na qualidade de vida das crianças e na sua saúde em geral.

Houve uma limitação na execução da pesquisa, que concerniu na existência escassa de uma literatura acerca da avaliação, com o QOLCE, de crianças em uso do canabidiol. Diante disso, os dados apresentados neste estudo são de caráter inédito e fez-se necessária a discussão com diversas variáveis que não são precisamente idênticas às encontradas no formulário utilizado.

Em virtude do exposto, foi possível observar a atividade e influência do uso do canabidiol para o controle das crises epiléticas, proporcionando uma melhoria na qualidade de vida dessas crianças.


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Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ, Medicina - João Pessoa - Paraíba - Brasil

Endereço para correspondência:

Brendha Cordeiro Sousa Pimentel Rodrigues
Centro Universitário de João Pessoa
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E-mail: brendhacsprodrigues@gmail.com

Data de Submissão: 31/03/2021
Data de Aprovação: 06/05/2021