ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2023 - Volume 13 - Número 1

Divertículo de Meckel: aspectos clínicos e cirúrgicos em um hospital pediátrico de referência

Meckel’s diverticulum: clinical and surgical aspects of patients seen at a pediatric referral hospital

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o perfil clínico epidemiológico do divertículo de Meckel (DM) sintomático em pacientes internados em um hospital exclusivamente pediátrico no período de janeiro de 2009 até dezembro de 2018.
MÉTODOS: Estudo retrospectivo de prontuários de pacientes internados em um Hospital Pediátrico de Curitiba no período de 01/01/2009 a 31/12/2018.
Resultados: No presente trabalho, a incidência de pacientes com DM sintomático, foi de 5,3 casos por ano. Dos 43 prontuários, houve predomínio do sexo masculino (69,7%), de modo que 21 (48,8%) eram menores de 1 ano. No quadro clínico, 15 pacientes apresentaram abdome agudo inflamatório (34,8%), 9 hemorrágicos (21%) e 6 obstrutivo (14%). Em 13 pacientes (30,2%) o quadro clínico era inespecífico. Quanto ao tratamento, em 41 pacientes (95,2%) realizou-se enterectomia segmentar com enteroanastomose. A presença de mucosa ectópica foi evidenciada em 19 exames anatomopatológicos, dos quais 16 eram exclusivamente de origem gástrica, 1 pancreática e 2 continham ambas as mucosas. Das complicações pós-operatórias, destacam-se deiscência de sutura (4,6%), íleo paralítico (4,6%) e peritonite (2,3%). Do total, 38 pacientes obtiveram alta (88,4%) e 5 (11,6%) foram a óbito.
CONCLUSÃO: O divertículo de Meckel teve propensão a se apresentar em lactentes, sobretudo, na forma inflamatória e hemorrágica. Dos 9 pacientes com manifestação hemorrágica, 7 (78%) apresentavam mucosa ectópica, o que indica possível relação entre a presença de mucosa ectópica e quadro hemorrágico. A porcentagem dos pacientes que foram a óbito é superior a encontrada na literatura, houve predomínio do sexo masculino e 4 (80%) ocorreram em menores de 1 ano.

Palavras-chave: Abdome Agudo, Procedimentos Cirúrgicos do Sistema Digestório, Divertículo Ileal, Hemorragia Gastrointestinal.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To evaluate the epidemiological profile of symptomatic Meckels diverticulum in patients admitted to a specialized childrens hospital from January 2009 to December 2018.
METHODS: This retrospective study analyzed the medical records of patients admitted to a childrens hospital in Curitiba (Paraná-Brazil) from 01/01/2009 to 31/12/2018.
RESULTS: We found an incidence of 5.3 cases of symptomatic Meckels diverticulum per year. Of the 43 medical records, there was a predominance of male patients (69.7%) and 21 (48.8%) were less than 1-year-old. As for the clinical presentation,15 patients presented acute abdominal inflammation (34.8%), 9 acute abdominal hemorrhage (21%), and 6 acute abdominal obstruction (14%). 13 patients (30.2%) presented unspecific condition and were not classified. Regarding treatment, 41 patients (95.2%) underwent segmental enterectomy with enteroanastomosis. Ectopic mucosa was found in 19 anatomopathological examinations, 16 of which were gastric in origin, 1 pancreatic, and 2 had both mucosae. Post-operative complications included wound dehiscence (4.6%), paralytic ileus (4.6%), and peritonitis (2.3%). Of the 41 patients, 38 were discharged (88.4%), and 5 (11.6%) died.
CONCLUSION: Meckels diverticulum had a propensity to manifest in children who were breastfeeding, most often with inflammation and hemorrhage. Of the 9 patients who manifested hemorrhage, 7 (78%) showed ectopic mucosa, which indicates a likely relationship between the presence of ectopic mucosa and hemorrhage. The percentage of patients who died is higher in our sample than in the literature; those who died were predominantly male and 4 (80%) were younger than 1

Keywords: Abdomen, Acute, Digestive System Surgical Procedures, Meckel Diverticulum, Gastrointestinal Hemorrhage.


INTRODUÇÃO

O divertículo de Meckel (DM), descrito pelo anatomista alemão Johann Friedrich Meckel, em 18091, é considerado a anomalia congênita mais comum do trato gastrointestinal. O DM origina de uma falha na obliteração do ducto onfalomesentérico entre a 6ª e 9ª semana de gestação2. Estima-se que essa condição esteja presente em aproximadamente 2% da população, com predomínio no sexo masculino de 2:1 até 4:13. A identificação da anomalia geralmente ocorre aos 2 anos de idade e alguns pacientes apresentam mucosa ectópica (e.g., mucosa gástrica e pancreática)3.

A maioria dos indivíduos com DM é assintomática. Muitos casos são identificados incidentalmente em operações abdominais de emergência e eletivas. Estima-se que entre 4 a 54% dos indivíduos com DM podem se tornar sintomáticos4,5. O quadro clínico do DM não é específico, de modo que pode se manifestar nas distintas formas de abdome agudo (i.e., inflamatório/perfurativo, obstrutivo ou hemorrágico). Dentre os exames complementares diagnósticos, pode-se utilizar ultrassonografia de abdome total, tomografia computadorizada de abdome e a cintilografia com tecnécio (Tc-99m).

O tratamento do DM sintomático é a ressecção cirúrgica. Dentre as principais técnicas utilizadas para esse procedimento, estão a diverticulectomia simples e enterectomia segmentar, por via laparoscópica ou por laparotomia. As complicações pós-operatórias mais frequentes são infecção de ferida e íleo paralítico.

O presente trabalho visa descrever o perfil epidemiológico, a apresentação clínica, o tratamento cirúrgico realizado e as principais complicações pós-operatórias apresentadas pelos pacientes com DM sintomático em um hospital exclusivamente pediátrico de atendimento terciário.


MÉTODOS

Este estudo quantitativo analisa retrospectivamente prontuários de pacientes com DM sintomático internados em um hospital exclusivamente pediátrico. Foram considerados elegíveis os pacientes internados e diagnosticados com DM do período de janeiro de 2009 até dezembro de 2018. Pacientes cujos prontuários estavam sem dados evidentes para diagnóstico de DM foram excluídos da pesquisa.

Os dados foram armazenados em planilhas do Microsoft Excel 2016, processados através do software SPSS 22.0 e aplicados aos métodos estatísticos qui-quadrado, teste exato de Fisher e análise de variância. Os valores de p menores que 0,05 foram considerados significativos. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE: 05852819.5.00000.0097).


RESULTADOS

No presente estudo, foram analisados prontuários referentes a 43 pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico de DM durante o período de 2009 a 2018. Dessa amostra, constatou-se que 30 são do sexo masculino e 13 do sexo feminino. A média de idade foi de 4,6 anos (±4,9), como mostra a Gráfico 1.´


Gráfico 1. Representação gráfica das idades. Fonte: Os autores (2020).



A forma de apresentação clínica do DM mais comum foi abdome agudo inflamatório em 15 pacientes (34,8%), hemorrágico em 9 (21%) e obstrutivo em 6 (14%).

Nos exames anatomopatológicos, de 40 análises, foram identificados 19 (47,5%) pacientes com mucosa ectópica. Dentre estes, mucosa exclusivamente gástrica foi identificada em 16 pacientes e puramente pancreática em 1. Além disso, em 2 casos nota-se a presença de ambas as mucosas.

Quanto ao manejo cirúrgico, houve preferência pela enterectomia segmentar com enteroanastomose (95,2%) em comparação à diverticulectomia simples (4,8%).

A remoção cirúrgica do apêndice foi realizada em 24 pacientes (55,8%), dos quais 6 eram do sexo feminino.

O tempo de dieta foi em média 2,9 dias (± 7,8) e tempo de internamento variou de 1 a 90 dias, com média de 13,5 dias (±19,4). O tempo de internamento variou conforme a apresentação clínica: inflamatório/perfurativo (14 dias), hemorrágico (10 dias) e obstrutivo (14,1 dias). A sonda nasogástrica foi utilizada em 7 pacientes, dos quais 1 desenvolveu íleo paralítico.

A profilaxia antimicrobiana foi realizada com Kefazo® (cefazolina) em 13 pacientes, dos quais 4 apresentavam abdome agudo inflamatório. A associação Rocefin® (ceftriaxona) e Flagyl® (metronidazol) foi reservada apenas para 2 pacientes que apresentaram no quadro inicial uma suspeita de sepse de foco abdominal e o outro o choque séptico (i.e., um paciente com abdome agudo inflamatório e outro hemorrágico).

O tratamento antimicrobiano foi realizado com Garamicina® (gentamicina) associado ao Flagyl® (metronidazol) em 13 pacientes, com predomínio do abdome agudo hemorrágico.

Dentre as principais complicações pós-operatórias, identificamos deiscência de sutura (4,6%), íleo paralítico (4,6%) e peritonite (2,3%). Ao final, 38 (88,4%) pacientes receberam alta hospitalar e 5 (11,6%) foram a óbito. Observou-se significância estatística no teste exato de Fisher entre os pacientes que apresentaram complicações pós-operatórias e os que foram a óbito (p=0,003).


DISCUSSÃO

No presente estudo, a incidência de pacientes com DM sintomático, foi de 5,3 casos por ano. Dos 43 pacientes, 30 (69%) eram do sexo masculino com média de idade de 4,6 anos (±4,9). Tais dados são condizentes com a literatura, comprovando que a proporção varia de 2:1 a 4:1. Embora a idade média do início dos sintomas tenha sido de 4,6 anos (±4,9), mais de metade da amostra estava abaixo da faixa etária de 4 anos3.

O quadro sindrômico inespecífico, assim como a ausência de padronização na classificação da apresentação clínica, representa um fator limitante na comparação de estudos epidemiológicos do DM. Diante desse cenário, foram utilizados os conceitos de abdome agudo (inflamatório, obstrutivo e hemorrágico) da Divisão de Educação do Colégio Americano de Cirurgiões como referência na categorização dos sintomas de nossa população (Figura 1). Isto é, pacientes com sintomas de dor abdominal, febre, náusea e vômitos foram classificados como abdome agudo inflamatório. O quadro de dor abdominal, náuseas e vômitos biliosos, distensão abdominal e constipação caracterizam abdome agudo obstrutivo. A presença de sangramento retal indolor, no entanto, é o principal fator de determinação do sangramento do trato gastrointestinal, embora sintomas inespecíficos possam estar associados.


Figura 1. Classificação do abdome agudo. Fonte: Os autores (2020).



Apesar da utilização desta classificação, em 13 pacientes (30,2%), devido aos sintomas inespecíficos (descrição somente de dor abdominal ou náuseas) ou por limitações de dados do prontuário (presença de registros incompletos), não foi possível classificar a manifestação inicial do abdome agudo. A impossibilidade de análise plena desses prontuários caracteriza uma limitação do estudo.

A forma de apresentação clínica do DM mais comum, neste trabalho, foi abdome agudo inflamatório em 15 pacientes (34,8%), seguido por hemorrágico 9 (21%) e obstrutivo 6 (14%). Ao comparar com dados da literatura, a revisão sistemática realizada por Hansen et al. (2018)6 demonstra que dos 12 artigos analisados, em 8 estudos o quadro obstrutivo foi o mais prevalente, enquanto nos outros 4, houve predomínio do sangramento.

Conforme apresentado, o DM sintomático varia na apresentação clínica7. Dentre as manifestações encontradas com mais frequência, notam-se o sangramento gastrointestinal, obstrução e diverticulite4,5,8. O DM é a causa mais importante de sangramento gastrointestinal significativo em meninos antes da idade escolar7,8. Com relação à obstrução, suas causas incluem volvo, intussuscepção, encarceramento de divertículo em uma hérnia inguinal, aderências e estenose diverticular6-8. A diverticulite, por sua vez, geralmente ocorre em crianças mais velhas e é, muitas vezes, diagnosticada como apendicite devido ao seu curso clínico similar2,8.

Estima-se que pacientes com DM sintomático tenham uma chance 10 vezes maior de apresentar tecido ectópico, justificando as possíveis manifestações clínicas de sangramento ou inflamação (i.e., a secreção de compostos, como suco gástrico/pancreático, pela mucosa ectópica, lesa o DM e o intestino ao seu redor)9. Não obstante, somente 50% a 60% dos pacientes com tecido ectópico se tornam sintomáticos. No presente trabalho, dos 9 pacientes com quadro de abdome hemorrágico, 7 (78%) apresentaram a mucosa ectópica, enquanto em 2 (22%) não foi realizado o exame anatomopatológico.

A mucosa ectópica está presente de 4,6% a 71% dos DM sintomáticos, com predomínio da mucosa gástrica em relação com a pancreática6, enquanto a presença combinada de múltiplos tecidos ectópicos é relativamente rara e sua ocorrência não está bem estabelecida na literatura.

No nosso estudo, dos 19 pacientes, 8 casos ocorreram em menores de 1 ano. Destes, 6 apresentavam mucosa gástrica, 1 pancreática e 1 ambas as mucosas. No trabalho de Burjo

Akbulut et al. (2019)10 realizado com 22 crianças, não foi identificado epitélio ectópico em nenhum paciente submetido à diverticulectomia antes do 1º ano de vida (p<0,006). Nesse estudo, também não foi possível relacionar se a presença de tecidos ectópicos aumenta a incidência de complicações no divertículo de Meckel.

O estabelecimento do diagnóstico de DM é considerado difícil11. Embora técnicas de imagem possam auxiliar na investigação (e.g., ultrassonografia, radiografia, tomografia computadorizada, angiografia, cápsula endoscópica, colonoscopia e ressonância magnética), elas apresentam valor investigativo limitado devido aos baixos índices de sensibilidade e especificidade3,6,8,9,11.

A cintilografia com tecnécio (Tc-99m) tem se mostrado uma ferramenta diagnóstica útil, pois permite identificar a presença de mucosas ectópicas. No hospital analisado esse recurso, o Tc-99m foi utilizado somente em 3 pacientes. Os valores de sensibilidade podem variar de 60% a 90% e especificidade de 90% a 98%11.

A utilização de alguns fármacos pré-exame pode melhorar a acurácia da cintilografia. A administração de antagonistas do receptor H2 antes do exame diminui a secreção de ácido pela mucosa gástrica, mas não reduz a captação do radionuclídeo pelo tecido ectópico. A pentagastrina, por sua vez, estimula a secreção ácida pelas células parietais, bem como aumenta a velocidade, duração e intensidade de captação do tecnécio12. Por fim, também há indícios que a atividade antiperistáltica do glucagon pode contribuir para retardar a depuração do radioisótopo13.

É importante destacar, no entanto, que a cintilografia não deve ser utilizada para investigação de DM na presença de hemorragia significativa (e.g., sangramento >0,1mL/min). O sangramento ativo pode diluir ou rapidamente depurar o radionucleotídeo, impedindo a sua detecção na cintilografia13.

Outro método para otimizar os resultados da cintilografia consiste em repetir o exame, visto que se trata de um exame não invasivo e com baixa carga radioativa. Vali et al. (2015)14 argumentam que a cintilografia pode ser repetida na presença de elevada suspeita clínica apesar do resultado negativo do primeiro exame.

O tratamento cirúrgico do DM sintomático é e indicado em condições de sangramento, diverticulite, intussuscepção ou obstrução do divertículo. Em um estudo feito com 102 crianças, 70 (60%) realizaram a diverticulectomia e 32 (31%) foram sujeitos à ressecção segmentar do íleo4. Em outro estudo semelhante com 50 crianças, 42 (84%) dos pacientes foram submetidos à ressecção do intestino delgado, e 8 (16%) à diverticulectomia11. Com isso, nota-se uma divergência em relação a qual técnica cirúrgica é a mais apropriada: a enterectomia ou diverticulectomia.

No presente estudo percebeu-se uma evidente preferência pela realização da enterectomia segmentar com enteroanastomose (95,2%) em relação à diverticulectomia simples (4,8%).

O estudo de Robinson et al. (2016)4 demonstrou que crianças tratadas com diverticulectomia apresentaram tempos operatórios mais curtos (105.8min versus 142.5min da enterectomia) e com permanência hospitalar após a cirurgia de 2,5 dias a menos do que as crianças que foram submetidas à ressecção ileal segmentar. Os adeptos a diverticulectomia, também afirmam que a técnica pode remover a mucosa ectópica, permitindo que a mucosa adjacente se recupere com risco mínimo de ressangramento15. Todavia, existem contraindicações, incluindo a presença de um divertículo espesso, de base ampla ou muito curto, visto que há o risco de incorporação do íleo e estenose, sendo preferível, nestes casos, a enterectomia4. Somado a isso, aqueles que defendem tal técnica alegam que a enterectomia previne a hemorragia gastrointestinal contínua ou recorrente por meio da remoção de todo o segmento de íleo ulcerado e garantia de que toda a mucosa ectópica foi ressecada.

Independente da técnica abordada, o manejo é bem estabelecido e o tratamento indicado do DM sintomático é a ressecção cirúrgica. Contudo, a remoção profilática em achados acidentais ou nos casos de DM não sintomáticos permanece controversa. Os contrários argumentam que os riscos de complicações pós-operatórias se sobressaem à probabilidade de desenvolvimento de DM sintomático, enquanto os adeptos ao procedimento alegam que o risco de evolução para um quadro sintomático não diminui, necessariamente, com o avanço da idade4. No entanto, é impossível, na atualidade, predizer quando e como os achados acidentais se tornarão complicados durante a vida da criança, por isso, torna-se difícil o manejo nesses casos.

Em relação à via cirúrgica, foram realizadas 8 laparoscopias (18,6%) e 35 laparotomias (81,4%), o que se assemelha aos dados presentes na literatura16. Em um estudo de Ruscher et al. (2011)17, mais de 75% das ressecções do DM foram feitas por laparotomia (aberta). A operação do divertículo sintomático de Meckel permanece um procedimento aberto para permitir a palpação direta do intestino delgado e garantir a ressecção adequada, feita através de uma incisão no quadrante inferior direito similar a uma apendicectomia. Por esse motivo, a maioria dos cirurgiões realiza apendicectomia, enquanto faz a diverticulectomia.

Embora ainda não exista consenso entre cirurgiões quanto à realização ou não da apendicectomia profilática/incidental, as abordagens laparoscópicas para a diverticulectomia estão se tornando mais comuns e estas podem ou não incluir uma apendicectomia. Como a parede do intestino é violada durante a ressecção do DM, não se espera que a adição de apendicectomia contribua com risco infeccioso adicional ao procedimento. Além disso, os portais são colocados em locais semelhantes aos de uma apendicectomia laparoscópica. Outro benefício da laparoscopia é a menor probabilidade de deixar tecido cicatricial, tornando as operações futuras tecnicamente menos difíceis18.

Akbulut et al. (2019)10 recomendam que a apendicectomia profilática não seja realizada em pacientes em quimioterapia ou radioterapia, com doença de Crohn ou que estejam em condições cirúrgicas instáveis. Em pacientes do sexo feminino, excepcionalmente, os autores também contraindicam o procedimento cirúrgico naquelas que possuem enxertos vasculares.

Por outro lado, tanto Akbulut et al. (2019)10 quanto Song et al. (2009)19 concordam que pacientes do sexo feminino se beneficiam mais da apendicectomia profilática. Este fato pode ser explicado pela maior complexidade da investigação etiológica da dor abdominal/pélvica nesse grupo, de modo que a confirmação diagnóstica pode ser retardada. No estudo liderado por Song et al. (2009)19, por exemplo, 75% das mulheres com apendicite não possuíam esse diagnóstico no pré-operatório. O diagnóstico só foi confirmado durante a exploração cirúrgica.

Outros aspectos que justificam a realização da apendicectomia incidental são caracterizados pelo baixo incremento no tempo de cirurgia e tempo de anestesia, bem como mínimas taxas de complicações pós-operatórias.

Dentre as complicações pós-operatórias encontradas no presente estudo, as quais foram observadas mais no sexo masculino, destacam-se: deiscência de sutura (4,6%), íleo paralítico (4,6%) e peritonite (2,3%). Um grande estudo epidemiológico feito por Alemayehu et al. (2014)5 demonstrou que a incidência de desenvolvimento de complicações de DM é 6,4%, com idade média de 1,8 anos9. No estudo de Gezer et al. (2016)11, 24% dos pacientes apresentaram íleo paralítico, com relatos de complicação operatória, como íleo requerendo nova cirurgia em 39% dos pacientes com DM complicada.

Ao final, vale ressaltar que a evolução dos pacientes foi favorável na maioria das vezes, de modo que, 28 pacientes não desenvolveram complicações pós-operatórias e 38 receberam alta hospitalar. Em uma revisão sistemática de Hansen et al. (2018)6, a morbidade pós-operatória foi de 5,3%, sendo as infecções de ferida as principais causas de óbito. No nosso estudo, dos 5 que foram a óbito (11,6%), 4 ocorreram em menores de 1 ano, caracterizando uma tendência de desfecho desfavorável em pacientes dessa faixa etária (p=0,063). Quanto às manifestações clínicas, não foi observado significância estatística (p=0,511), 2 pacientes apresentaram quadro inicial de abdome agudo hemorrágico, 2 inflamatório e 1 caso não foi possível realizar a classificação por limitação de dados do prontuário.


CONCLUSÃO

No período entre janeiro de 2009 e dezembro de 2018, houve incidência de 5,3 casos por ano de DM. Dos 43 pacientes, foi possível identificar a predominância entre pacientes do sexo masculino e lactentes.

A manifestação clínica do DM pode ser inespecífica, porém, nas crianças, destacaram-se a hemorragia digestiva e abdome agudo inflamatório. Em relação ao abdome agudo secundário ao DM, nota-se possível associação com a presença de mucosa gástrica ectópica.

No hospital estudado, observa-se uma preferência dos cirurgiões pediátricos por tratar DM sintomático por meio de enterectomia segmentar (versus diverticulectomia simples). Ao final, a maioria dos pacientes obtiveram alta. Todavia, a porcentagem dos pacientes que foram a óbito é superior a observada na literatura, com o predomínio do sexo masculino e maior morbimortalidade em lactentes.

Por fim, vale ressaltar que 1/3 da amostra não foi analisada plenamente por falta de dados do prontuário ou registros inespecíficos sendo uma limitação deste estudo.


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1. Faculdades Pequeno Príncipe, Curso de Medicina - Curitiba - Paraná - Brasil
2. Hospital Pequeno Príncipe, Departamento de Cirurgia Pediátrica - Curitiba - Paraná - Brasil

Endereço para correspondência:

Erik Zhu-Teng
Faculdades Pequeno Príncipe
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E-mail: zhuteng14@gmail.com

Data de Submissão: 13/04/2021
Data de Aprovação: 01/05/2022