ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2023 - Volume 13 - Número 1

Hipotermia terapêutica em pacientes com asfixia neonatal - Estudo transversal em UTI neonatal do Sul do Brasil

Therapeutic hypothermia in patients with neonatal asphyxia - Cross-sectional study in neonatal ICU in the Southern Brazil

RESUMO

INTRODUÇÃO: A asfixia neonatal provoca grande parte dos óbitos infantis, principalmente durante o período perinatal. Além da alta taxa de mortalidade, é também responsável pela maioria das incapacidades cerebrais em pacientes nascidos a termo. A hipotermia terapêutica é a terapia já reconhecida para redução de danos cerebrais em recém-nascidos que sofreram asfixia e evoluíram com encefalopatia moderada a severa.
OBJETIVO: O presente estudo compara desfechos em pacientes submetidos a hipotermia terapêutica em relação aos pacientes que apresentavam critérios para iniciar o protocolo ao nascimento, entretanto, por piora do quadro ou por atraso no início da terapia, não completaram as 72 horas da terapia.
MÉTODOS: Estudo transversal realizado através de análise de banco de dados da UTI neonatal do Hospital Criança Conceição (HCC) no período de março de 2017 até setembro de 2020.
RESULTADOS:Trata-se de um estudo com amostra de 21 pacientes, dos quais 12 pacientes foram submetidos a hipotermia terapêutica e 9 não realizaram ou não completaram o protocolo de hipotermia terapêutica. Os resultados mostraram melhores desfechos no grupo intervenção quanto à necessidade de uso de oxigênio e possibilidade de alimentação via oral.
CONCLUSÃO: Os resultados deste estudo demonstram uma tendência, já reconhecida por entidades e unidades que utilizam a hipotermia terapêutica, com melhores resultados nos pacientes submetidos a hipotermia.

Palavras-chave: Asfixia Neonatal, Hipotermia Induzida, Edema Encefálico, Doenças do Recém-Nascido.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Neonatal asphyxia causes a large part of infant deaths, especially during the perinatal period. In addition to the high mortality rate, it is also responsible for the majority of brain disabilities in patients born at term. Therapeutic hypothermia is the therapy recognized for reducing brain damage in newborns who suffered asphyxia and progressed with moderate to severe encephalopathy.
OBJECTIVE: The present study compares outcomes in patients undergoing therapeutic hypothermia in relation to patients who had criteria for initiating the protocol at birth, however, due to worsening of the condition or delay in starting therapy, they did not complete the 72 hours of therapy.
METHODS: It is a Cross-sectional study carried out through analysis of the neonatal ICU database at Hospital da Criança Conceição from March 2017 to September 2020.
RESULTS: This is a study with 21 patients sample, which 12 patients underwent therapeutic hypothermia and 9 did not perform or did not complete the therapeutic hypothermia protocol. The results showed better outcomes in the intervention group about the necessity of oxygen use and the possibility of oral feeding.
CONCLUSION: The outcomes of this study demonstrate a tendency, already recognized by entities and units that use therapeutic hypothermia, with better outcomes in patients who underwent hypothermia.

Keywords: Asphyxia Neonatorum, Hypothermia Induced, Brain Edema, Infant, Newborn, Diseases.


INTRODUÇÃO

A asfixia perinatal é uma das principais causas de óbito em recém-nascidos e também a causa mais importante de encefalopatia e de lesão cerebral permanente em crianças1,2. É uma medida sensível da qualidade da assistência prestada tanto à gestante quanto ao recém-nascido (RN), com alto potencial de prevenção de óbito por meio do diagnóstico e do tratamento precoces3,4. Anualmente, em torno de quatro milhões de recém-nascidos no mundo apresentam asfixia e, destes, um milhão evolui com sequelas graves e o mesmo número vai a óbito5. No Brasil, diversos centros enfatizam a asfixia perinatal como uma das principais causas da mortalidade neonatal precoce, com variação em sua incidência conforme os critérios utilizados6.

A asfixia perinatal é definida como agravo ao feto ou ao recém-nascido ocasionado pela falta de oxigênio e de perfusão, levando a isquemia de diversos órgãos de magnitude suficiente para produzir alterações bioquímicas ou funcionais. O critério diagnóstico da Academia Americana de Pediatria é um dos mais utilizados, no qual o termo asfixia perinatal refere-se a pacientes que apresentem acidose metabólica ou mista com valor de pH de sangue de cordão umbilical inferior a 7,0; Índice de Apgar entre 0 e 5 no 10o minuto de vida; manifestações neurológicas neonatais, como: convulsões, coma ou hipotonia; ou disfunção de múltiplos órgãos7.

O índice de Apgar reflete as funções vitais do recém-nascido (cor, esforço respiratório, frequência cardíaca, tônus muscular, irritabilidade reflexa) e também o grau de oxigenação do sistema nervoso central8 - embora este índice isoladamente não seja mais aceito para definir a asfixia, é considerado um importante indicador por sua fácil aplicabilidade.

A encefalopatia hipóxico-isquêmica (EHI) ocorre quando a asfixia compromete a perfusão tecidual com significativa redução da oferta de oxigênio, mudando o metabolismo celular de aeróbico para anaeróbico. Se o insulto não for interrompido, esta cascata leva à morte celular aguda, com consequente disfunção múltipla de órgãos e graves lesões cerebrais manifestada por convulsões e outros sinais neurológicos9,10. Esta condição é decorrente da falha do sistema de trocas gasosas, podendo evoluir à síndrome hipóxico-isquêmica. Pode ocorrer intraútero, por causas maternas e fetais em 20% dos casos; durante o trabalho de parto em 35%; e ainda na vida pós-natal em 10% dos casos8,11.

A lesão cerebral após o insulto hipóxico-isquêmico é um processo em evolução, a natureza e a gravidade da lesão determinam a magnitude do dano inicial. Depois do período de reperfusão inicial, o metabolismo do cérebro muitas vezes recupera função parcial ou completa, no entanto, em alguns casos, segue-se a deterioração em uma fase durante a qual os neurônios continuam a morrer por períodos mais longos10.

Entre os escores que medem a gravidade do comprometimento neurológico do RN com EHI, a escala mais utilizada é a de Sarnat & Sarnat (1976)12, que classifica o paciente em três estágios conforme o nível de consciência, o tônus muscular, a postura, os reflexos, a presença ou não de mioclonias e a alteração das funções autonômicas. O estágio da encefalopatia depende do momento e da gravidade do insulto, bem como características genéticas da criança, de modo que a gravidade da encefalopatia pode diferir amplamente entre bebês que sofreram insultos aparentemente semelhantes13.

Assim, bebês com encefalopatia no estágio I demonstram-se hiperalertas, com aumento do sistema autonômico simpático e tônus de normal a aumentado. Bebês com encefalopatia no estágio II podem apresentar uma variedade de níveis de consciência, variando de letargia a obnubilação, acompanhada por função autonômica parassimpática aumentada, hipotonia leve e, comumente, convulsões. Finalmente, os bebês com encefalopatia no estágio III apresentam estupor, hipotonia e depressão da função simpática e parassimpática.

É importante ressaltar que as sequelas da encefalopatia hipóxico-isquêmica evoluem ao longo tempo: nas encefalopatias nos estágios I e II a resolução da lesão de órgão-alvo e consciência melhoram; com encefalopatia no estágio III, os bebês podem morrer, progredir para um estado vegetativo crônico ou sobreviver com deficiências graves12. Compreender essa história natural pode ser útil para determinar quando um período intrauterino de hipóxia ocorreu: um bebê com encefalopatia hipóxico-isquêmica pouco antes do nascimento irá demonstrar encefalopatia aguda. Em contraste, uma criança que sofreu anóxia antes do nascimento irá exibir sinais consistentes com as sequelas em evolução da encefalopatia hipóxico-isquêmica14.

O diagnóstico e tratamento precoces são fundamentais para minimizar efeitos lesivos hipóxico-isquêmicos e otimizar o prognóstico. Sabendo-se que manifestações clínicas podem estar associadas com o desenvolvimento de futuras disfunções neurológicas, torna-se igualmente importante o acompanhamento do desenvolvimento de recém-nascidos com esses sinais15.

A hipotermia terapêutica como tratamento para pacientes que apresentaram asfixia neonatal evoluindo com encefalopatia hipóxico-isquêmica é relativamente nova. Os estudos do início dos anos 2000 começaram a encontrar resultados e mudanças importantes nos desfechos em pacientes que passaram por esse tipo de terapia.

A UTI neonatal do Hospital Criança Conceição desenvolveu o protocolo de hipotermia e iniciou esta terapia em 2017, já tendo realizado a hipotermia terapêutica por 72 horas em 12 recém-nascidos até o momento deste estudo, entretanto, a unidade reconhece que, por questões de transporte e intercorrências durante a terapia, outras crianças não completaram o protocolo. É importante analisar os dados já registrados e as mudanças que ocorreram após a implantação desta técnica no neurodesenvolvimento dos pacientes a ela submetidos. O seguimento longitudinal para avaliar o neurodesenvolvimento dos pacientes no serviço é realizado no ambulatório "Desenvolver" por um médico neonatologista e por um neurologista pediátrico.


MÉTODOS

Estudo transversal utilizando banco de dados da UTI neonatal do Hospital Criança Conceição, em Porto Alegre, RS, maior serviço de neonatologia do estado do Rio Grande do Sul. Os dados foram coletados de todos os pacientes que necessitaram de internação com diagnóstico de asfixia neonatal e combinavam critérios para realização de hipotermia terapêutica, segundo protocolo da unidade, desde que a técnica foi implementada na unidade em novembro de 2017 até setembro de 2020, totalizando 21 pacientes. A indicação ou não da hipotermia terapêutica foi avaliada segundo critérios rigorosos já pré-estabelecidos para redução de riscos para o paciente16. Foram excluídos do estudo pacientes com contraindicações à hipotermia terapêutica, que eram: suspeita ou diagnóstico confirmado de síndromes e erros inatos do metabolismo, menores de 36 semanas e com menos de 2000g ao nascimento ou com necessidade de procedimento cirúrgico nos três primeiros dias de vida, conforme protocolo.

Foram coletados dados dos prontuários da internação dos pacientes incluídos neste estudo na UTI neonatal — dados maternos de pré-natal, periparto e internação (intercorrências gestacionais, alterações em exames de neurológicos de imagem, crises convulsivas). Foram considerados como desfecho primário a impossibilidade de dieta via oral e a necessidade de oxigenoterapia. Como desfecho secundário, foram consideradas as alterações nos exames de imagem (ecografia transfontanelar precoce e ressonância magnética de crânio) realizados durante a internação.

Análise estatística

As variáveis contínuas foram descritas segundo mediana e intervalos interquartílicos (IIQ). Para a análise estatística, utilizamos o software SPSS20. O Teste Exato de Fisher foi utilizado em variáveis dicotômicas e, para variáveis contínuas, realizamos a análise com teste não paramétricos de Mann-Whitney. O cálculo da razão de prevalência foi calculado utilizando Regressão de Poisson com variâncias robustas.

Este estudo foi aprovado pelo comitê de ética do Grupo Hospitalar Conceição (4.470.204).


RESULTADOS

A amostra deste estudo foi composta por 21 indivíduos - destes, 12 realizaram o protocolo completo de hipotermia terapêutica. Do total de pacientes, 8 eram do sexo feminino e 13 eram pacientes do sexo masculino. A mediana da idade materna no grupo que não completou a hipotermia foi de 27 anos (IIQ: 20-33,5) e no grupo que recebeu a hipotermia foi de 27 anos (IIQ: 22,2-35,7). A mediana de peso entre os dois grupos foi semelhante, sendo 3140g no grupo sem hipotermia (IIQ: 3000-3455) e 3215g no grupo que recebeu a terapia (IIQ: 3052-3502).

Além disso, as medianas da idade gestacional também foram semelhantes, sendo 40 semanas para os pacientes que não realizaram o protocolo (IIQ: 38,7-40,9) e 39,5 semanas para aqueles que realizaram o resfriamento (IIQ: 37,4-39,7). A escala de Apgar para pacientes sem hipotermia terapêutica apresentou uma mediana de Apgar de 2 no primeiro minuto e 3 no quinto minuto (IIQ1': 0-4 IIQ5': 3-5,5), já para pacientes que realizaram a terapia essa mediana foi de 2 no primeiro minuto e 5 no quinto minuto (IIQ1': 1-4 IIQ5’: 5-6) (Tabela 1).




Durante a internação, a intercorrência mais comum nesse grupo de paciente foi a presença de crises convulsivas, ocorrendo em 57% dos pacientes incluídos no estudo, sem diferenças estatísticas entre os grupos. A necessidade de ventilação mecânica ocorreu em 57% dos pacientes ao analisarmos ambos os grupos. A mediana de início da alimentação enteral foi de 6 dias para o grupo que não recebeu 72h de resfriamento e de 5 dias para o grupo que recebeu a terapia. A mediana de permanência hospitalar para o grupo que recebeu hipotermia foi de 19 dias (IIQ: 14-17) dias, semelhante ao encontrado em outros estudos17. O grupo que não recebeu hipotermia apresentou média de 28 dias de internação (IIQ: 11-30,5), porém é necessário ressaltar que ocorreram duas mortes precoces, podendo, ainda assim, reduzir o tempo médio de internação desse grupo.

Quanto às intercorrências durante a gestação, os dados apresentaram maior frequência na presença de bactéria do grupo B, Streptococcus agalactiae, em cultura de swabs maternos e a ocorrência de anóxia neonatal. A maior parte dos nascimentos ocorreu por parto vaginal (61,9% - nº 13/21). O líquido amniótico era meconial em 75% (nº 14/21) dos pacientes da amostra (Tabela 2).




Quanto aos desfechos primários, o grupo que não recebeu hipotermia terapêutica apresentou desfechos desfavoráveis quando comparado ao grupo que recebeu a terapia. Em relação à necessidade de oxigenioterapia, os pacientes do grupo com hipotermia apresentaram uma prevalência 90% menor de necessitar de oxigênio suplementar domiciliar quando comparados ao grupo que não recebeu hipotermia terapêutica por 72h (RP 0,10 IC 0,025-1,405). Para o desfecho da via de alimentação, o grupo que realizou a terapia apresentou 68% menos prevalência para o uso de sonda enteral para alimentação, quando comparado ao grupo que não recebeu a hipotermia terapêutica (RP 0,32 IC 0,11-0,91) (Tabela 3).




Do total de pacientes do estudo, 19 (90,5%) realizaram ultrassonografia cerebral entre o 1º e o 5º dia de vida. Desses pacientes, oito (42,1%) apresentaram edema cerebral precoce e três apresentaram hemorragia cerebral (15,8%). Quanto ao desfecho secundário de alterações nos exames de imagem), o edema precoce foi encontrado em 75,0% dos pacientes que não realizaram hipotermia terapêutica, dos pacientes que realizaram ultrassonografia (p=0,07). A ressonância magnética (RNM) de crânio foi realizada em 14 crianças (66,6% dos pacientes), sendo que 13 exames (93%) apresentaram alterações hipóxico-isquêmicas. Os achados mais comuns nas ressonâncias de ambos os grupos foram encefalomalácia multicística (35,7%), lesões de substância branca (28,6%) e lesões dos núcleos lenticulares (21,4%). Os óbitos ocorreram em 3 pacientes do grupo controle e em 1 paciente do grupo hipotermia, para o qual foi realizado acompanhamento de cuidados paliativos.


DISCUSSÃO

Durante as últimas duas décadas, as evidências dos estudos experimentais e clínicos sugerem que a hipotermia terapêutica reduz a lesão cerebral e melhora o desfecho neurológico18-22. Neste estudo podemos observar que o sexo masculino foi predominantemente mais afetado, corroborando com os achados na literatura. Diferentemente disto, quando comparamos a via de parto, encontramos em nosso estudo um aumento de frequência das anóxias neonatais em partos vaginais, o que difere de alguns achados na literatura23,24.

A hipotermia cerebral, induzida pelo resfriamento externo nas primeiras seis horas após a asfixia perinatal, é o único tratamento atualmente empregado para reduzir mortes e incapacidades, apenas em bebês nascidos a termo13,20. Esse resfriamento diminui o risco de morte ou deficiência neurológica importante e aumenta a taxa de sobrevivência com funções neurológicas normais aos 18 meses de idade20,21. No presente estudo o início da aceitação da dieta por via oral foi significativamente menor em relação ao grupo que não foi submetido a hipotermia, sendo aceitação da dieta via oral uma forma de avaliar o desenvolvimento. Esse achado é similar ao encontrado em uma revisão da Cochrane do ano de 2007, que demonstrou o benefício da hipotermia terapêutica em recém-nascidos a termo ou pré-termo tardio com EHI. Ao todo, 11 ensaios clínicos randomizados e 1505 bebês com encefalopatia moderada a grave e evidência de asfixia intraparto foram incluídos nesta revisão. A hipotermia terapêutica teve significância estatística na redução de morte ou atraso no desenvolvimento neurológico grave aos 18 meses de idade21,25.

Meta-análise inglesa verificou redução de 19% no risco de morte e/ou acometimento neurológico avaliado aos 2 anos de idade, além de aumentar a sobrevida sem paralisia cerebral em 53%26. Resultados semelhantes têm sido observados em pacientes acompanhados até os 5 e 7 anos de idade que foram submetidos a hipotermia terapêutica13.

Os possíveis mecanismos de ação da hipotermia incluem: redução da demanda metabólica neuronal, redução do acúmulo de citocinas e prevenção do apoptose durante a fase secundária27. Estudos com animais demonstraram que a melhora do insulto hipóxico-isquêmico ocorre principalmente quando a terapia é iniciada até 90 minutos do insulto, no momento da reperfusão. Existe benefício comprovado até 5,5h do insulto, mas não há comprovação em iniciar a terapia após crises convulsivas e/ou passados mais de 6h do insulto28.

As alterações encontradas na ecografia transfontanelar não são específicas para encefalopatia hipóxico-isquêmica, mas as alterações vistas na ressonância magnética são fidedignas, especialmente em demonstrar mudanças nos gânglios basais e tálamo29. O desenvolvimento e a gravidade dos déficits
motores devido à asfixia perinatal se correlacionam com o padrão de lesão cerebral visto na ressonância magnética.

A ressonância magnética fornece valiosas informações prognósticas sobre os bebês tratados com hipotermia16,29. O momento ideal para a realização de ressonância magnética é entre o sétimo e o décimo dia de vida, porque neste período a realização do exame torna-se mais fácil, já que medidas invasivas, como tubo e acesso, muitas vezes já foram retiradas neste momento, conforme descrito na literatura. O exame realizado anteriormente a isso deve ser restrito aos casos muito graves nos quais os resultados da ressonância serão importantes para a evolução e a indicação de tratamento destes pacientes30. Os pacientes do estudo realizaram RNM de crânio entre o sétimo e o décimo quarto dia de vida, acompanhando sugestões e orientações de artigos publicados anteriormente.

A utilização da hipotermia terapêutica nas maternidades e unidades de terapia intensiva neonatal possibilita melhor condição de vida à criança e, consequentemente, aos familiares, reduzindo custos hospitalares e períodos de internação ao longo da vida e reduzindo sequelas causadas pela asfixia perinatal16,31.


CONCLUSÃO

A avaliação dos dados do presente estudo demonstra melhor desfecho dos pacientes que passaram pela hipotermia terapêutica na UTI neonatal do HCC, corroborando com as indicações e protocolos utilizados internacionalmente e com as conclusões de centros onde esta terapia já iniciou há mais tempo.

Visto o curto período da implementação da hipotermia terapêutica em nosso serviço, novos casos devem ser incluídos e outros estudos devem ser realizados, visando aumentar a significância estatística e assim demonstrar e ratificar os benefícios da hipotermia terapêutica.


REFERÊNCIAS

1. Cruz ACS, Ceccon MEJ. Prevalência de asfixia perinatal e encefalopatia hipóxico-isquêmica em recém-nascidos de termo considerando dois critérios diagnósticos. J Hum Growth Dev. 2010;20(2):302-16.

2. Daripa M, Caldas HMG, Flores LPO, Waldvogel BC, Guinsburg R, Almeida MFB. Asfixia perinatal associada à mortalidade neonatal precoce: estudo populacional dos óbitos evitáveis. Rev Paul Pediatr. 2013;31(1):37-45.

3. Malta DC, Duarte EC, Almeida MF, Dias MAS, Morais Neto OL, Moura L, et al. Lista de causas de mortes evitáveis por intervenções do Sistema Único de Saúde do Brasil. Epidemiol Serv Saúde. 2007;16(4):233-44.

4. Volpe J, Inder TE, Darras B, de Vries L, du Plessis A, Neil JJ, et al. Volpe’s Neurology of the Newborn. 6th ed. Philadelphia: Elsevier; 2017.

5. Aslam HM, Saleem S, Afzal R, Iqbal U, Saleem SM, Shaikh MW, et al. “Risk factors of birth asphyxia”. Ital J Pediatr. 2014;40:94.

6. Machado IL, Lavor MFH. Prevalência de asfixia perinatal em recém-nascidos de termo em maternidade de referência terciária e principais disfunções orgânicas associadas. Rev Med UFC. 2018;58(3):10-4.

7. AAP Committee on Fetus and Newborn and ACOG Committee on Obstetric Practice. Guidelines for Perinatal Care. Elk Grove Village/Washington: AAP Committee on Fetus and Newborn and ACOG Committee on Obstetric Practice; 2017.

8. Procianoy RS, Silveira RC. Síndrome hipóxico-isquêmica. J Pediatr (Rio J). 2001;77(Supl. 1):S63-70.

9. Gilstrap LC 3rd, Leveno KJ, Burris J, Williams ML, Little BB. Diagnosis of birth asphyxia on the basis of fetal pH, Apgar score, and newborn cerebral dysfunction. Am J Obstet Gynecol. 1989;161(3):825-30.

10. Higgins RD, Raju TN, Perlman J, Azzopardi DV, Blackmon LR, Clark RH, et al. Hypothermia and perinatal asphyxia: Executive summary of the National Institute of Child Health and Human Development workshop. J Pediatr. 2006;148(2):170-5.

11. Hansen AR, Eichenwald EC, Stark AR, Martin CR, eds. Cloherty and Stark’s Manual of Neonatal Care. 8th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer; 2016.

12. Sarnat HB, Sarnat MS. Neonatal encephalopathy following fetal distress. A clinical and electroencephalographic study. Arch Neurol. 1976;33(10):696-705.

13. Shankaran S, Pappas A, McDonald SA, Vohr BR, Hintz SR, Yolton K, et al.; Eunice Kennedy Shriver NICHD Neonatal Research Network. Childhood outcomes after hypothermia for neonatal encephalopathy. N Engl J Med. 2012;366(22):2085-92.

14. Muller AJ, Marks JD. Hypoxic ischemic brain injury: Potential therapeutic interventions for the future. Neoreviews. 2014;15(5):e177-86.

15. van Handel M, Swaab H, de Vries LS, Jongmans MJ. Long-term cognitive and behavioral consequences of neonatal encephalopathy following perinatal asphyxia: a review. Eur J Pediatr. 2007;166(7):645-54.

16. Magalhães M, Rodrigues FP, Chopard MR, Melo VC, Melhado A, Oliveira I, et al. Neuroprotective body hypothermia among newborns with hypoxic ischemic encephalopathy: three-year experience in a tertiary university hospital. A retrospective observational study. Sao Paulo Med J. 2014;133(4):314-9.

17. Kali GTJ, Martinez-Biarge M, Van Zyl J, Smith J, Rutherford M. Therapeutic hypothermia for neonatal hypoxic-ischaemic encephalopathy had favourable outcomes at a referral hospital in a middle-income country. Acta Paediatr. 2016;105(7):806-15.

18. Shah PS, Ohlsson A, Perlman M. Hypothermia to treat neonatal hypoxic ischemic encephalopathy: systematic review. Arch Pediatr Adolesc Med. 2007;161(10):951-8.

19. Shankaran S, Laptook A, Wright LL, Ehrenkranz RA, Donovan EF, Fanaroff AA, et al. Whole-body hypothermia for neonatal encephalopathy: animal observations as a basis for a randomized, controlled pilot study in term infants. Pediatrics. 2002;110(2 Pt 1):377-85.

20. Tagin MA, Woolcott CG, Vincer MJ, Whyte RK, Stinson DA. Hypothermia for neonatal hypoxic ischemic encephalopathy: an updated systematic review and meta-analysis. Arch Pediatr Adolesc Med. 2012;166(6):558-66.

21. Jacobs SE, Berg M, Hunt R, Tarnow-Mordi WO, Inder TE, Davis PG. Cooling for newborns with hypoxic ischaemic encephalopathy. Cochrane Database Syst Rev. 2013;2013(1):CD003311.

22. Gluckman PD, Wyatt JS, Azzopardi D, Ballard R, Edwards AD, Ferriero DM, et al. Selective head cooling with mild systemic hypothermia after neonatal encephalopathy: multicentre randomised trial. Lancet. 2005;365(9460):663-70.

23. Borges MM, Reis LMB, Ribas LH. Hipóxia intrauterina e asfixia ao nascer em uma cidade do sul do Brasil. Res Pediatr. 2022;12(3).

24. Fernandes V, Moura M, Moreira A, Oliveira T. Fatores de risco para asfixia perinatal em recém-nascidos atendidos em uma maternidade pública terciária. Res Pediatr. 2020;10(2):1-6.

25. Silveira RC, Procianoy RS. Hypothermia therapy for newborns with hypoxic ischemic encephalopathy. J Pediatr (Rio J). 2015;91(6 Suppl 1):S78-83.

26. Edwards AD, Brocklehurst P, Gunn AJ, Halliday H, Juszczak E, Levene M, et al. Neurological outcomes at 18 months of age after moderate hypothermia for perinatal hypoxic ischaemic encephalopathy: synthesis and meta-analysis of trial data. BMJ. 2010;340:c363.

27. Gunn AJ, Gunn TR. The ‘pharmacology’ of neuronal rescue with cerebral hypothermia. Early Hum Dev. 1998;53(1):19-35.

28. Gunn AJ, Bennet L, Gunning MI, Gluckman PD, Gunn TR. Cerebral hypothermia is not neuroprotective when started after postischemic seizures in fetal sheep. Pediatr Res. 1999;46(3):274-80.

29. Grossmann KR, Tzovla A, Wiberg MK, Hallberg B. 73 Hypothermia-Treated Infants with Hypoxic-Ischemic Encephalopathy (HIE): MRI-Findings Correlate Well with Neuromotor-Outcome at 12 Months. Arch Dis Child. 2012;97:A20-A21.

30. Massaro AN, Kadom N, Chang T, Glass P, Nelson K, Baumgart S. Quantitative analysis of magnetic resonance images and neurological outcome in encephalopathic neonates treated with whole-body hypothermia. J Perinatol. 2010;30(9):596-603.

31. de Jesus JHS, Santos PMM. Hipotermia terapêutica em recém-nascidos de unidades de terapia intensiva neonatal. Rev Eletr Atual Saúde. 2018;7(7):65-75.




PROTOCOLO DE HIPOTERMIA TERAPÊUTICA - UTI NEONATAL HOSPITAL DA CRIANÇA CONCEIÇÃO

Técnica segura e eficaz na redução de risco de morte ou sequela na encefalopatia hipóxico isquêmica (EHI) moderada a grave em recém-nascidos com asfixia perinatal aguda.


Critérios de Inclusão (os 3 devem estar presentes):
1- Recém-nascidos com idade gestacional maior do que 36 semanas de gestação E peso de nascimento maior que 2000g.
2- Critérios sugestivos de asfixia:
• Apgar ≤ 5 aos 10 minutos de vida E/OU

• Necessidade de manobra de reanimação aos 10 minutos vida E/OU
• Gasometria de sangue arterial de cordão / 1a hora de vida com Ph ≤ 7,1, ou EB ≤ -16 E/OU
• História de evento agudo perinatal (descolamento de placenta, ruptura de cordão...).



3- Evidência de encefalopatia moderada a grave antes de 6 horas de vida (3 ou mais critérios no nível 2 ou 3 de Sarnat & Sarnat).


Critérios de Exclusão:
1- Malformação congênita maior;
2- Necessidade de cirurgia nos 3 primeiros dias de vida;
3- Mais de 6 horas de vida;
4- Parada cardiorrespiratória pós-natal (já na UTI, antes do início da hipotermia terapêutica, com necessidade de manobras de reanimação e medicações).
Cuidados iniciais enquanto é definido se o paciente irá ou não entrar no protocolo:
• Evitar hipertermia, manter berço desligado ou no mínimo (manter Tax. 35 a 36oC).
• Aferir Tax. 15/15min.
• Checar resultado da gasometria de cordão.
• Caso Tax <34,5oC, aquecer o recém-nascido -RN- (cobrir, ligar o berço em temperatura baixa, aumentar o ar condicionado da sala) e colocar termômetro esofágico para aquecer 0,5oC/hora.
• Manuseio mínimo.
Preparação da criança:
• Medidas de suporte básico;
• Tratamento de convulsões com FNB (não está indicado uso profilático);
• Medidas de conforto, analgesia contínua;
• Acesso vascular (cateteres umbilicais, PICC na impossibilidade de CVU);
• Monitorização aEEG, EEG convencional (não deve atrasar o início da hipotermia).
Instalação da hipotermia:
• Colchão térmico posicionado conforme enfermagem.
• Introduzir termômetro esofágico no terço médio do esôfago (ao RX: T3-T5) e manter no modo monitor; manter temperatura esofágica entre 35-36oC até a passagem dos cateteres (setar o aparelho em modo automático com temperatura de 36°C).
• Priorizar a realização dos cateteres umbilicais e RX tórax/abdômen para confirmar localização. Se não estiverem adequados, deve ser passado PICC ou acesso venoso cirúrgico.
• Plástico para colocar em torno do berço.
• Colocar o aparelho em funcionamento para temperatura alvo de 33,5°C (tempo zero quando o paciente atinge esta temperatura).
• Tempo total de hipotermia: 72h (ou menos se houver necessidade de interrupção).
Quando interromper o protocolo:
• RN com hipotermia sustentada (temp. esofágica < 33°C), não responsiva às medidas de reaquecimento.
• Sangramento ativo importante que não responde às transfusões.
• Hipertensão pulmonar grave e refratária às medidas máximas de tratamento (NOi, VM altos parâmetros, milrinone).
Monitorização e suporte durante período da hipotermia:
• Ventilação: manter normocapnia (PaCO2 45-50) e evitar hiperóxia (PaO2 40-80).
• Cardiovascular: esperado bradicardia sinusal, se FC abaixo de 60 utilizar atropina; taquicardia pode corresponder a dor; tratar hipotensão com drogas vasoativas (uso preferencial de dobuta). Monitorar PAMi.
• Antibióticos se indicação clínica / laboratorial.
• Monitorização diurese / SVD.
• NPO.
• Sedação (fentanil contínuo).
• Tratar convulsões (na sequência: FNB - MIDA - FNT).
• Monitorização laboratorial:




• Infusão hídrica total de 50mL/kg/dia com TIG 5 durante todo o protocolo.
• Se possível incluir na primeira prescrição NPT com aa 1 e aumentar para 1,5 a partir do segundo dia, se RN estiver urinando e sem acidose. Não iniciar lipídios durante a hipotermia. Acrescentar eletrólitos conforme exames e diurese. Manter sódio no limite superior.
• Evitar expansões com SF, exceto em situações de perda sanguínea provável.
• Casos de oligúria persistente, já com droga vasoativa, considerar expansão com SF 10mL/kg + furosemida 1mg/kg. Se necessidade de nova expansão optar por albumina 0,5mg/kg + furosemida 1mg/kg.
• Todos RNs deverão realizar ecocardio durante a hipotermia, preferencialmente nas primeiras 24h e ao final do reaquecimento.
Monitorização neurológica:
• Avaliação diária do exame neurológico;
• Perímetro cefálico na admissão e ao término da hipotermia;
• Avaliar possíveis convulsões;
• Monitorização contínua com aEEG e na sua ausência, EEG convencional;
• Ecografia cerebral: nas primeiras 24 a 48 horas de vida ou se intercorrências agudas sugestivas de sangramento; repetir após reaquecimento.
• Se usar FNB, dosar NS ao final do protocolo.
Cuidados durante o reaquecimento:
• Após 72 horas: reaquecimento com aumento de 0,5oC no set point a cada hora até temperatura esofágica de 36,5oC.
• Se convulsões ou hipotensão o reaquecimento deverá ser mais lento (0,2 a 0,4oC/hora).
• Sinais vitais 30/30 minutos durante o reaquecimento.
• Quando o paciente atingir a temperatura esofágica de 36,5°C deve-se manter o controle rigoroso de temperatura esofágica por mais 24h (de preferência ainda com o colchão térmico), evitando hipertermia.
Definição do prognóstico e planejamento do seguimento:
• Encaminhamento para seguimento Ambulatório Desenvolver.
• Programar RNM de Encéfalo o mais breve possível (após 10 dias de vida).











Hospital da Criança Conceição, Unidade de Terapia Intensiva Neonatal - Porto Alegre - Rio Grande do Sul - Brasil

Endereço para correspondência:

Mariana Martins Denicol
Hospital da Criança Conceição
R. Álvares Cabral, 565 - Cristo Redentor
Porto Alegre - RS, 91350-250
E-mail: marianamdenicol@gmail.com

Data de Submissão: 04/06/2021
Data de Aprovação: 04/03/2022