ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2023 - Volume 13 - Número 1

Seis meses de aleitamento materno exclusivo no pré-termo de muito baixo peso submetido ao método canguru

Six months of exclusive breastfeeding of very low birth weight preterm babies submitted to the kangaroo method

RESUMO

OBJETIVO: Conhecer a frequência e os fatores associados ao aleitamento materno exclusivo no follow-up do pré-termo.
MÉTODOS:
Estudo de corte transversal com pré-termo <33 semanas e/ou com peso de nascimento <1.500 gramas, nascidos em 2019, submetidos ao método canguru e acompanhados até seis meses. Utilizou-se o programa IBM-SPSS/Statistics22 para análise descritiva, testes de associação e comparação de médias das variáveis e o desfecho aleitamento materno exclusivo sim (G1) e não (G2).
RESULTADOS:
Dos 111 pacientes que tiveram alta, 82 (100%) foram seguidos até as idades corrigidas 3,8/4,2 e cronológica 5,9/6,3 meses, respectivamente, no G1/G2. O aleitamento materno exclusivo estava presente em 22 (26,8%) pacientes e 60 (73,2%) já tinham iniciado o uso de fórmula. As médias da idade materna foram 28/29 anos, idade gestacional 30,3/30,4 semanas, peso ao nascer 1295/1434g, tempo de ventilação mecânica 5,0/5,8 e de internação total 56/49 dias nos grupos G1 e G2, respectivamente. As frequências do parto cesáreo 68/61%, enterocolite necrosante 4,5/8,3%, hemorragia peri-intraventricular grave 4,5/8,3%, sepse tardia 19/16,9%, e reinternação após alta 4,5/6,8% nos pacientes do G1 e G2. Não houve significância estatística das variáveis analisadas para o desfecho do aleitamento materno exclusivo.
CONCLUSÃO:
Comparada a outras coortes e ao próprio serviço em 2010, a taxa de aleitamento materno foi elevada e, em especial do aleitamento materno exclusivo, condição associada ao melhor desenvolvimento do pré-termo, e as variáveis perinatais não foram determinantes do sucesso do aleitamento materno exclusivo nesses pacientes atendidos pelo método canguru.

Palavras-chave: Método Canguru, Aleitamento Materno, Recém-Nascido de Muito Baixo Peso, Recém-Nascido Prematuro.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To know the rate and factors associated with exclusive breastfeeding in the follow-up of the preterm submitted to the kangaroo method.
METHODS: Cross-sectional study performed with pre-terms smaller than 33 weeks and/or birth weight <1,500 grams, born in 2019, submitted to the kangaroo method and followed up to six months. Descriptive analysis and association and comparison tests were carried out for the maternal and neonatal factors for the outcome of exclusive breastfeeding yes (G1) and not (G2) by the IBM-SPSS/Statistics program 22.
RESULTS:
Of the 111 patients who were discharged, 82 (100%) were followed up to the corrected ages 3.8/4.2 and chronological 5.9/6.3 months, respectively, in the G1/G2. Exclusive breastfeeding was present in G1 at 22 (26.8%) patients and 60 (73.2%) in the G2 had already introduced formula. Maternal age averages 28/29 years, gestational age 30.3/30.4 weeks, birth weight 1295/1434g, mechanical ventilation time 5.0/5.8 and total hospitalization 56/49 days in groups G1 and G2, respectively. Cesarian section frequencies 68/61%, necrotizing enterocolitis 4.5/8.3%, severe peri-intraventricular hemorrhage 4,5/8.3%, late sepsis 19/16.9%, and rehospitalization after discharge  4.5/6,8% in G1 and G2 patients. There was no statistical significance of the variables analyzed for the outcome of exclusive breastfeeding.
CONCLUSION:
Compared to other cohorts and at the service itself in 2010 analysis, the breastfeeding rate was high and, especially the exclusive breastfeeding, condition associated with the best development of the preterm. The perinatal variables were not determinants of the success of exclusive breastfeeding in these patients treated by the kangaroo method.

Keywords: Kangaroo-Mother Care Method, Breast Feeding, Infant, Very Low Birth Weight, Infant, Premature.


INTRODUÇÃO

O aleitamento materno exclusivo (AME) é recomendado para todos os recém-nascidos (RN), sobretudo o pré-termo (RNPT), pois oferece benefícios, como taxas reduzidas de sepse tardia (ST), enterocolite necrosante (ECN), retinopatia da prematuridade, re-hospitalizações no primeiro ano de vida e melhores resultados no desenvolvimento neurológico. A longo prazo, no follow-up desses pacientes, o AME está associado a menores taxas de síndrome metabólica, pressão arterial e níveis de lipoproteínas de baixa densidade, além de menor resistência à insulina e leptina quando atingem a adolescência, principalmente se em comparação aos prematuros que recebem fórmula1.

No Brasil, aproximadamente 12% dos nascidos vivos são RNPT. A imaturidade do reflexo de sucção-deglutição-respiração, sobretudo abaixo de 34 semanas, pode resultar em dificuldades para que o pré-termo (PT) receba o melhor alimento, o leite da própria mãe, seja por via orogástrica, translactação ou finger-feeding2.

A menor prevalência de aleitamento materno (AM) em recém-nascidos de baixo peso (RNBP) pode ser, em parte, explicada pela complexidade das rotinas neonatais, que dificultam a permanência da mãe na unidade neonatal e a amamentação. Em estudo conduzido numa Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN), no estado de Mato Grosso, os autores concluíram que o desmame durante o internamento decorreu não somente em função das patologias neonatais, mas também pela falta de rotinas e práticas de incentivo ao AM e das dificuldades relacionadas ao ambiente hospitalar3,4.

Apesar de serem largamente conhecidos os benefícios do AM e da existência de leis e programas de apoio a essa prática, os índices ainda se encontram abaixo do recomendado. Estudos mostram a baixa prevalência a nível regional, nacional e mundial e destacam inúmeros fatores associados. O acompanhamento e a vigilância continuada tornam-se imprescindíveis para a mudança desse cenário, que pode repercutir em menores taxas de morbimortalidade infantil5.

Para tanto, a aplicação do Método Canguru (MC) tem demonstrado resultados satisfatórios, com aumento das taxas de AM em RNBP em diferentes análises. Segundo um estudo observacional prospectivo, realizado em São Paulo, o AME foi 82,6% superior nos pacientes atendidos pelo MC em relação ao grupo-controle, que recebeu atenção neonatal convencional. O efeito desse modelo de assistência humanizada, que preconiza a presença da mãe junto ao bebê, valorização do cuidado materno e o contato pele a pele, mostrou ser crucial para esse fim, revelando-se mais efetivo para aumentar a prevalência do AME a curto e médio prazo6.

Apesar deste conhecimento, as taxas de amamentação em RNPT ainda não são as ideais. São escassos os estudos que relatam a duração do AM após a alta hospitalar, ao longo do primeiro ano de vida, nos RN abaixo de 33 semanas. Este conhecimento é importante para a promoção de estratégias de manutenção do AM neste grupo7.

Assim, dada a relevância da temática, o presente trabalho tem como objetivo conhecer a taxa de AME no prematuro menor que 33 semanas e/ou com menos de 1500g, ou seja, de muito baixo peso (RNMBP), aos seis meses de idade cronológica (IC) e estabelecer os fatores de risco associados a esse desfecho.


MÉTODO
Foi realizado estudo observacional, de corte transversal, com PT menores que 33 semanas e/ou de RNMBP ao nascer (abaixo de 1.500 gramas), nascidos de janeiro a dezembro de 2019, na Maternidade Escola Januário Cicco (MEJC), em Natal-RN, acompanhados do nascimento até os seis meses de IC e que realizaram as consultas de seguimento e no serviço até setembro de 2020. Foram excluídos os pacientes nascidos com menos de 27 semanas, com malformações congênitas maiores ou com síndromes cromossômicas, provenientes de outra maternidade e transferidos para o serviço com mais de sete dias de vida.

O trabalho consiste em um recorte do projeto “Como crescem os ex-prematuros de MBP após a alta no Brasil? Um estudo de coorte multicêntrico” (Figura 1), aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, sob o número (CAE 97359518710015327). Os pais/responsáveis pelos RN participantes autorizaram a participação dos filhos na pesquisa por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Figura 2) e manteve-se o anonimato dos incluídos através da identificação por números.


Figura 1. Protocolos do Estudo Multicêntrico ABRACE.




Figura 2. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.



As variáveis maternas (idade materna, pré-eclâmpsia, via de parto), neonatais [peso ao nascer, idade gestacional (IG), peso ao nascer, classificação quanto à IG, sexo] e intra-hospitalares [APGAR no quinto minuto, tempo de ventilação mecânica (VM), síndrome do desconforto respiratório (SDR), ST, ECN, convulsões, grau de hemorragia peri-intraventricular (HPIV), peso na alta hospitalar e dias de internação hospitalar] foram obtidas após a autorização dos pais, pela análise do prontuário físico e eletrônico e consulta dos resumos de alta dos RN, com dados referentes ao período de internação na UTIN e na enfermaria Unidade Canguru.

Na consulta de seis meses os pacientes foram alocados no G1 se recebessem leite materno exclusivo e no G2 se já haviam iniciado outros alimentos. Devido à pandemia, com a impossibilidade de comparecimento ao ambulatório, foram realizadas consultas remotas para preenchimento dos dados referentes à consulta do sexto mês. Para isso, era necessário que o bebê tivesse comparecido a algum serviço de saúde para aferição dos dados por um profissional qualificado.

Para análise dos dados, o teste de Shapiro-Wilk foi aplicado a fim de verificar a aderência das variáveis contínuas à distribuição normal. Como a distribuição destas foi normal, a análise descritiva foi realizada pela média e desvio-padrão (Média ± DP), e o teste t de Student para amostras independentes foi aplicado. Para as variáveis categóricas, a análise foi realizada por meio de frequências absolutas e relativas. O teste Qui-quadrado foi utilizado para averiguar a associação entre as variáveis categóricas, e nas situações nas quais as células das tabelas apresentaram ocorrência inferior a cinco, aplicou-se o teste exato de Fisher. O nível de significância de 5% foi adotado para todas as análises. O programa utilizado foi o IBM SPSS Statistics 22.


RESULTADOS
No período do estudo, 140 PT foram admitidos na UTIN. O fluxograma dos pacientes da admissão na UTIN até a consulta de seis meses de IC está descrito na Figura 3.


Figura 3. Fluxograma dos pacientes inclusos.



A casuística se caracterizou por 33 (40,2%) PT do sexo masculino, a média de IG foi 30,4 (±1,8) semanas e de peso ao nascer 1404g (±362,4) e nove (11,2%) eram pequenos para IG.

A Tabela 1 mostra análise dos fatores maternos e neonatais para o desfecho do AME de 82 PT de RNMBP na consulta de seis meses de IC.




A Tabela 2 descreve análise das variáveis neonatais intra-hospitalares para o desfecho AME no seguimento ambulatorial de 82 PT de RNMBP com seis meses de IC.




A Tabela 3 expõe análise das variáveis da consulta de seis meses de IC para o desfecho AME dos 82 pacientes RNMBP acompanhados no ambulatório de seguimento do RN de risco da MEJC.




DISCUSSÃO

O AME aos seis meses de vida é uma meta difícil de ser atingida, sobretudo nos PT, devido à imaturidade fisiológica pela ausência ou incoordenação do reflexo de sucção-deglutição-respiração, fatores neonatais e doenças associadas2. Em 2010, na primeira semana após a alta da MEJC, que aplica o MC, a taxa de AME era apenas de 25% dos RNMBP8. Após 10 anos, novo levantamento, na mesma instituição, mostra no seguimento ambulatorial taxas bem superiores, com taxa semelhante de AME, 26,8%, porém aos seis meses de IC.

Estudo com população semelhante, 258 RNMBP, nascidos na Maternidade do Instituto da Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (Rio de Janeiro), observou apenas 5,5% de AME na alta hospitalar. Aos quatro meses de IGC, 48,1% ainda recebiam leite materno, no entanto, associado à fórmula e não é descrita taxa de AME7. Considerando a importância do leite materno exclusivo, para o crescimento e desenvolvimento desses pacientes, ressalta-se os satisfatórios resultados alcançados em 2020, com 26,8% de AME, 36,6% de AM associado à fórmula, totalizando 63,4% de AM no follow-up dos PT da MEJC. Na Suécia, o seguimento de prematuros até 12 meses descreveu taxa semelhante de 23% de AME aos seis meses de IC, no entanto, a casuística abrangeu IG abaixo de 37 semanas9. No mesmo ano, 2018, uma coorte europeia multicêntrica com 3217 PT abaixo de 32 semanas tinha 34,45% deles amamentados aos seis meses de vida, reiterando os resultados satisfatórios dessa coorte, que teve média de IG de 30,4 semanas e taxas de aleitamento semelhantes10.

A avaliação da prevalência de AM em uma coorte brasileira de RNPT, provenientes de uma Enfermaria Canguru, evidenciou que 94,9% deles receberam alta em AM, sendo 56,2% exclusivo, e que aos seis meses de idade 40,7% estavam em AM, sendo 14,4% exclusivo11. Ainda que utilizando o MC, tais resultados em 2014 foram inferiores aos observados na MEJC em 2020. A lacuna de seis anos, entre as duas análises, pode justificar, em parte, a evolução das taxas de AME, de forma semelhante como ocorreu na própria MEJC entre 2010 e 2020. Considerando que nos últimos anos ocorreram melhorias nas práticas clínicas na maioria das maternidades do País, além do incremento das equipes multiprofissionais, com a inserção de fonoaudiólogos e nutricionistas na maioria dos serviços, condições no momento não avaliadas, podemos supor que a diferença temporal poderia justificar os resultados, com taxas bem mais elevadas de AME em 2020.

De fato, resultados preliminares do Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil do Ministério da Saúde12 mostram que os índices de AM estão aumentando no Brasil. Neste estudo, foram avaliadas 14.505 crianças menores de 5 anos entre 2019 e 2020, e mais da metade (53%) das crianças nascidas a termo no Brasil continua sendo amamentada no primeiro ano de vida. Entre as menores de seis meses, o índice de AME é de 45,7%.

Dessa maneira, fazendo uma comparação com os resultados obtidos para RNPT na presente análise, cuja taxa foi de 26,8%, infere-se que, apesar do aumento em relação ao estudo de 2010 no mesmo serviço, as taxas ainda são inferiores à população geral. Isso provavelmente se deve aos fatores de risco aos quais essa população está submetida, sendo importante a realização de estudos que busquem identificar os determinantes associados aos resultados ainda insatisfatórios e estabelecimento de intervenções no atendimento intra e extra-hospitalar desses pacientes.

Nesse contexto, uma revisão sistemática concluiu que o suporte eficaz para o aumento na taxa de AM inclui o auxílio por equipe treinada durante o período pós-natal13. Em contrapartida, um ensaio clínico randomizado feito na Suécia não observou diferença significativa entre o grupo controle e o grupo de mães e bebês que receberam apoio convencional e intervenção com ligações telefônicas diárias no intuito de oferecer suporte, da alta da UTIN até 12 meses de IC9.

As pesquisas persistem na busca pela identificação dos fatores associados à melhoria das taxas de AM no RNPT. Um estudo realizado na Etiópia, em 2016, após análise de regressão logística, mostrou que as mães ≥ 30 anos praticavam mais AME. A razão poderia ser que, à medida que a idade materna aumenta, as experiências de gerenciamento infantil também aumentam14. Nesse seguimento, entretanto, as médias não diferiram nos dois grupos analisados, e foram abaixo de 30 anos.

Quanto à via do parto, há evidências na literatura de que mulheres submetidas a cesarianas repetidas têm maior dificuldade em iniciar a amamentação, uma vez que há menor contato materno-infantil, uso de medicamentos e, muitas vezes, dor pós-cirúrgica. Ademais, essa via de parto está associada a menor volume de leite produzido no quarto dia após o nascimento, traduzindo-se numa maior dificuldade na amamentação15. No presente estudo, no entanto, observaram-se altas taxas de parto cesáreo nos dois grupos, sem diferença para a manutenção do AME, assim como pesquisa realizada na Suécia que também não constatou diferença para essa variável com relação ao AME em PT aos seis e 12 meses de IC9. Uma metanálise demonstrou de forma semelhante que apenas cesarianas eletivas estariam associadas ao insucesso do AM16.

Outras variáveis maternas, como baixo nível socioeconômico, escolaridade e apoio domiciliar mostraram relação importante no desfecho AME, conforme dois estudos realizados na Suécia, um em 2007 e outro em 20189,10. Essas variáveis não foram analisadas neste trabalho, sendo importante elaborar pesquisas futuras que procurem conhecer essa realidade do serviço.

Em relação à IG, estudo realizado por um dos maiores centros de saúde materno-infantil da China, o qual dispõe de aulas sobre amamentação e educação para os pais, demonstrou que bebês com menos de 32 semanas de IG tinham menor probabilidade de receber AME aos seis meses e aquelas abaixo de 28 semanas tinham mais dificuldade na manutenção da amamentação15. Outrossim, evidências apresentadas por um estudo na Austrália (2002), mostram que, nas mães cujo parto é prematuro, ocorre atraso no início da lactogênese e 82% têm comprometimento do início da lactação. A manutenção do AME foi muito mais difícil nesta população, com menos de 10% das crianças em AME tanto na alta quanto com um mês de IGC17. Apesar desses resultados da literatura, no presente trabalho, não foi observada associação entre a IG e taxas de AME aos quatro meses de IGC, na consulta de seis meses de cronológica, a despeito da imaturidade observada nos dois grupos, cujas médias eram de 30,3 e 30,4 semanas nos que estavam em AME presente e ausente, respectivamente.

A morbidade neonatal poderia também ser um fator determinante da duração da amamentação18, porém as variáveis neonatais intra-hospitalares analisadas não demonstraram, nessa análise, associação com o desfecho AME. Pesquisas anteriores também observaram que poucas morbidades neonatais influenciam na continuação do AM, conforme coorte israelense com 181 prematuros < 32 semanas, a qual mostrou que displasia broncopulmonar, ECN, HPIV, leucomalácia, sepse, retinopatia da prematuridade e uso de VM não afetaram a duração de AM até os seis meses IGC, cuja taxa foi 19,9%19. Apesar da análise estatística não mostrar associação entre as morbidades e o AME, observou-se que a maior parte dos pacientes acometidos pertenciam ao grupo que não prolongou o AME, como na ECN (83,3%), na HPIV (83,3%), na ST (71,4%) e na SDR (78,3%).

Uma coorte prospectiva, realizada em Goiás, observou tempo médio de VM de 4,9 dias e associação dessa condição a um maior risco de interrupção de AM, em prematuros < 37 semanas3. No presente estudo, apesar da menor IG e do tempo prolongado de ventilação, não se observou diferença dessa variável para a prevalência de AME aos seis meses20.

Um estudo multicêntrico realizado em 2018 na Suécia, com metodologia semelhante ao MC, apontou que quanto maior o período de internação na UTIN, maior seria a chance de desmame nos primeiros 12 meses de vida9. No Pará, em 2017, analisado o perfil de RNMBP internados em UTIN com dificuldade em manter o aleitamento, encontrou-se risco no tempo de internação acima de 52,5 dias21. Na atual análise, o tempo de internação hospitalar foi em média 56 e 49 dias para os lactentes em AME sim e não, respectivamente, aos seis meses. Em 2010, na mesma instituição, o tempo médio de internação foi de 47,6 dias nos RNPT que não estavam em AME sete dias após a alta8, sendo esse o principal determinante do desmame. Tais resultados mostram que o tempo de internação deixou de ser um fator associado ao desmame em 2020, apesar de longo. Possivelmente, isso pode ser explicado pelas práticas clínicas atualizadas e pela presença de equipe multiprofissional no serviço, a qual teve vários profissionais agregados e preparados para estímulo ao AM na aplicação do MC nos últimos anos.

Estudo realizado em Londrina observou desmame mais frequente nos bebês que necessitam de re-hospitalização nos primeiros seis meses de vida. Além disso, a análise mostrou risco de novas hospitalizações 61% menor nos amamentados, concluindo que o AM tem um caráter protetor para reinternações no primeiro ano de vida dos bebês22. Ainda que não haja associação desse fator nesta análise, apenas 4,5% do grupo que estava em AME necessitou de readmissão hospitalar, taxa menor do que a observada no grupo não AME, que foi de 6,8%.

O suporte nutricional aos RNMBP com leite materno exclusivo após a alta e a longo prazo permanece um desafio para a equipe multiprofissional, que deve estar continuamente atenta aos fatores de risco que comprometem tal prática.

Neste estudo, a população vulnerável e submetida ao MC teve taxa de AME exitosa, quando comparada aos números dos últimos dez anos dessa instituição e de outros centros. O tempo de internação hospitalar e os demais fatores intra-hospitalares analisados, antes associados ao desmame, não se apresentaram como fatores preditores desse desfecho.

Esses resultados sugerem que os constantes treinamentos das equipes multiprofissionais, cada vez mais completas e preparadas para lidar com o PT, associados às modernizações das práticas clínicas, possam estar refletindo nesses resultados. Estudos analisando novas variáveis serão importantes a fim de expandir o conhecimento acerca de todos os determinantes que possam refletir em melhores taxas de AME do PT no seguimento ambulatorial.


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Maternidade Escola Januário Cicco da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Departamento de Pediatria da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Natal - RN - Brasil

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Data de Submissão: 10/06/2021
Data de Aprovação: 25/10/2021