ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2023 - Volume 13 - Número 1

Análise das notificações de leptospirose em crianças e adolescentes atendidas em hospital referência de Santa Catarina de 2016 a 2021

Analysis of leptospirosis notifications in children and adolescents treated at a Reference Hospital in Santa Catarina from 2016 to 2021

RESUMO

OBJETIVO: Identificar o perfil epidemiológico do agravo de leptospirose na população pediátrica (0 a 15 anos incompletos), bem como, analisar e revisar os dados clínicos para a construção de estratégias de políticas de saúde pública, salientando a importância da leptospirose e sua notificação pelas autoridades de saúde.
MÉTODOS: Estudo epidemiológico, observacional, analítico e transversal, com 101 fichas de notificação de leptospirose (CID10- A27.9), notificadas pelo núcleo de vigilância epidemiológica de um hospital terciário pediátrico, entre janeiro de 2016 e dezembro de 2021. Esta
pesquisa foi submetida e aprovada pelo CEP da instituição.
RESULTADOS: Das 101 notificações, 13 (12,9%) obtiveram confirmação diagnóstica clínico-laboratorial para leptospirose, 12 (92,3%) no sexo masculino, de zona periurbana; a maior fonte de exposição foi rio, córrego, lagoa ou represa, representando 7 (53,8%) casos.
CONCLUSÃO: O perfil predominante é em meninos, residentes de zona periurbana, apresentando-se clinicamente com sintomas inespecíficos e autolimitados.

Palavras-chave: Pediatria, Epidemiologia Descritiva, Doenças Negligenciadas, Leptospirose.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To identify the epidemiological leptospirosis profile in the pediatric population (0 to 15 years old), as well as to analyze and review clinical data, in order to contribute with public health policy strategies and point out the importance of leptospirosis and its notification by the health authorities.
METHODS: An epidemiological, observational, analytical and cross-sectional study of 101 leptospirosis notification forms, CID10- A27.9, notified by epidemiological surveillance nucleus of a tertiary pediatric hospital, from January 2016 to December 2021, this research was submitted and approved by the institutions Ethics Committee.
RESULTS: Of the 101 notifications, 13 (12.9%) had clinical and laboratory diagnostic confirmation for leptospirosis, 12 (92.3%) in males, from peri-urban areas; the greatest source of exposure was river, stream, lagoon or dam representing 7 (53.8%) cases.
CONCLUSION: The predominant profile is a boy, resident of the peri-urban area, the clinical has nonspecific and self-limited symptoms.

Keywords: Pediatrics, Epidemiology, Descriptive, Neglected Diseases, Leptospirosis.


INTRODUÇÃO

A leptospirose é a zoonose bacteriana (causada por espécies patogênicas da Leptospira) de maior incidência global. No Brasil, é considerada um importante problema de saúde pública. Segundo o boletim epidemiológico de 2021, entre o período de 2010 a 2020, foram confirmados 39.270 casos da doença, prevalecendo a incidência desta em áreas urbanas (80% dos casos), classificada endêmica em todo o território brasileiro e epidêmica em períodos chuvosos, como no verão1. As regiões Sudeste e Sul são as que apresentam o maior número de casos confirmados no país, seguidas pelo Nordeste2.

Esta zoonose encontra-se na lista de Doenças Tropicais Negligenciadas (DNT) da Organização Mundial de Saúde (OMS)3, que faz parte de um grupo de doenças que afetam populações de grande vulnerabilidade econômica e social, tidas como negligenciadas por não obterem a devida atenção na assistência médica, no investimento e desenvolvimento de medicamentos, tratamento e métodos diagnósticos. A leptospirose sofre dupla negligência, pois, além da situação de exposição, muitas vezes é ignorada no campo científico, carecendo de pesquisa e citação na literatura4,5.

Em relação aos sinais e sintomas da doença, na faixa etária pediátrica, assim como nos adultos, sua manifestação clínica prevalente é caracterizada por um quadro com sintomas “leves” autolimitados, tratando-se de uma síndrome febril aguda, responsável por aproximadamente 90% dos casos6,7, chamada de fase precoce/septicêmica (são os primeiros 3-10 dias da infecção), apresentando febre abrupta associada a cefaleia, mialgia, anorexia, náuseas e vômitos. Tal sintomatologia é inespecífica e facilmente confundida com outras doenças febris agudas, tal como a dengue8, o que é um dos fatores da ocorrência do subdiagnóstico e da subnotificação dessa enfermidade9,10.

Diferentemente da fase precoce, a fase tardia/imune, também conhecida como síndrome de Weil, é a manifestação grave da leptospirose, caracterizada pela tríade de icterícia intensa, insuficiência renal e hemorragia, mais comumente pulmonar, responsável pela alta morbimortalidade da doença9,10, estando presente em aproximadamente 15% dos pacientes2. O diagnóstico se dá através de critérios clínico-epidemiológicos, associando-se a sintomatologia com testes diagnósticos laboratoriais mais utilizados na rotina clínica: sorologia IgM (Método ELISA) e a microaglutinação (MAT)7,realizados e padronizados pelos Laboratórios Centrais de Saúde Pública (LACEN) para investigação de leptospirose2.

Quando se pesquisa sobre esta enfermidade na população pediátrica, nota-se uma escassez significativa de recursos literários atualizados, deste modo, fica difícil compreender a evolução da doença até os dias atuais, sua real situação epidemiológica, seu impacto na comunidade e os padrões de manifestações clínicas na atualidade. Logo, a notificação de um agravo é extremamente importante para que se mantenha o conhecimento de como a doença está impactando na sociedade, como se manifesta, os fatores de risco associados e quem está sendo mais afetado. Assim, podem ser adotadas medidas para melhoria de condições da saúde pública, sendo também a investigação epidemiológica fundamental para o auxílio do diagnóstico e suspeita clínica da doença. À vista disso, este estudo pretende analisar os dados das fichas de notificações de crianças e adolescentes, fazendo uma análise epidemiológica e clínica juntamente com uma revisão literária das características da doença neste grupo populacional.


MÉTODO

Trata-se de um estudo epidemiológico, observacional, analítico e transversal, utilizando dados disponíveis na ficha de notificação do agravo de leptospirose humana, do Sistema Informação de Agravos de Notificação (SINAN), na população pediátrica, notificados pelo núcleo de vigilância epidemiológica de um Hospital Infantil Terciário em Florianópolis, o qual é referência de assistência pediátrica no estado de Santa Catarina. Os dados selecionados são do período de janeiro de 2016 até dezembro de 2021. 

Foram consideradas as seguintes variáveis presentes na ficha de notificação: Dados demográficos (sexo, município de residência, zona rural, urbana ou periurbana); Situação de risco/exposição; Sinais e sintomas; Característica do local provável de infecção; Realização de investigação laboratorial da doença e qual teste laboratorial utilizado: RT-PCR/ Microaglutinação (MAT)/ Isolamento/ Imunohistoquímica/ Sorologia IgM (Método ELISA); Ocorrência de internação hospitalar; Critério de confirmação ou descarte: clínico-laboratorial ou clínico-epidemiológico; Classificação final do quadro; Local provável da infecção; Evolução do quadro.

A amostra foi constituída de 101 fichas de notificação, sendo selecionados os pacientes com 0 a 15 anos incompletos de idade e incluídas na amostra todas as fichas destes pacientes, notificados com CID 10 - A27.9, leptospirose não especificada.

O estudo obteve a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEP) da instituição sob o parecer número: 5.102.960. Para utilização do banco de dados do núcleo de vigilância epidemiológica, foram respeitadas as normativas éticas previstas na CNS/MS 466/2012 e as demais normas e resoluções que regulamentam a pesquisa envolvendo Seres Humanos no Brasil.

A coleta de dados realizou-se após a aprovação da pesquisa pelo CEP da instituição e liberação do parecer, nas dependências do núcleo de vigilância epidemiológica do hospital. Os dados obtidos foram organizados e planilhados em tabela no Microsoft Excel, realizou-se análise estatística descritiva com frequência e percentuais para as variáveis categóricas.


RESULTADOS E DISCUSSÃO

De 1 de janeiro de 2016 a 31 de dezembro de 2021 foram notificados 101 casos suspeitos de leptospirose em crianças de 0 a 15 anos, atendidas na emergência de um hospital infantil terciário. Destas notificações foram registrados 13 casos confirmados para leptospirose (12,9%), 55 casos descartados (54,4%) e 33 fichas indefinidas (32,7%), às quais são indefinidas porque os pacientes foram encaminhados para su Fonte: Autores (2022) as Unidades Básicas de Saúde (UBS) referência para acompanhamento e finalização da investigação, não havendo mais informações do desfecho do caso na ficha presente no núcleo de vigilância da Instituição (Figura 1).


Figura 1. Fluxograma da distribuição das fichas de notificações de leptospirose conforme encerramento do caso em crianças e adolescentes atendidas em hospital referência de Santa Catarina de 2016 a 2021. Fonte: Autores (2022).



Das 68 notificações dos casos descartados e confirmados, todas obtiveram investigação laboratorial, preenchendo o critério clínico-laboratorial para confirmação ou descarte do diagnóstico. O método laboratorial utilizado em 100% destas fichas foi a sorologia IgM (Método ELISA); em 2 casos (15,4%) também foi realizado o teste de microaglutinação, nos quais o Elisa, realizado primeiramente, teve resultado inconclusivo.

Dos 13 casos confirmados (12,9%), 12 (92,3%) são do sexo masculino. O ano com maior número de casos confirmados de leptospirose foi 2021, com 5 (38,5%) casos; o segundo ano com mais casos foi 2018, com 3 (23,1%) casos. A distribuição nos demais anos está descrita na Tabela 1.




As situações de risco epidemiológico registradas mais prevalentes a que os indivíduos, com leptospirose confirmada, relataram terem sido expostos nos 30 dias que antecederam os primeiros sintomas foram 7 (53,8%) casos com exposição em rio, córrego, lagoa ou represa, 5 (38,5%) foram expostos à água ou lama de enchente, assim como local com sinais de roedores e contato com roedores diretamente. As demais situações de risco estão registradas na Tabela 2. Quanto à procedência, 9 (69,2%) casos eram residentes de área periurbana e 4 (30,8%) urbana, nenhum dos casos era de zona rural.




Em relação aos dados clínicos registrados na ficha de notificação, foram relatados os seguintes sinais e sintomas: febre 13 (100%), cefaleia 10 (77%), vômito 10 (77%), prostração 9 (69,2%), mialgia 8 (61,5%), congestão conjuntival 6 (46,1%), diarreia 6 (46,1%), dor na panturrilha 5 (38,5%), icterícia 3 (23,1%), alterações respiratórias 3 (23,1%), alterações cardíacas 2 (15,4%) e meningismo 1 (7,7%). Os demais sinais/sintomas registrados estão contidos na Tabela 3.




Dos 13 casos confirmados para leptospirose, em 12 (92,3%) ocorreu internação hospitalar, 10 (77%) obtiveram evolução do quadro para cura e em 3 (23,1%) das notificações o campo de evolução do quadro foi ignorado, não sendo preenchido.

A prevalência de leptospirose na amostra foi de 12,3%, número que pode estar subnotificado, uma vez que 33 fichas ficaram como indefinidas (32,7%), pois foram referenciadas para a Unidade Básica de Saúde (UBS), havendo a perda desses dados, que poderiam ter fornecido mais informações epidemiológicas e clínicas das 101 crianças notificadas. Portanto, sugere-se a criação de um sistema de informações de vigilância epidemiológica que se comunique entre a atenção básica e a de alta complexidade, possibilitando a minimização da perda de informações essenciais para o conhecimento do agravo em saúde pública.

Na maioria dos casos confirmados, a contaminação se deu por meio de exposição a rio, córrego ou represas, locais com sinais de roedores (fezes) ou com o contato direto a esses animais, água ou lama de enchentes. Nadar em rios e córregos é uma atividade comum entre crianças de até 15 anos11, o que é frequente no estado de Santa Catarina devido à riqueza de tais recursos, e pode explicar tal fonte de contaminação ter sido a mais incidente, relatada em 53,8% dos casos confirmados.

Todos os casos registrados são procedentes de áreas periurbana e urbana (69,2% e 30,8%, respectivamente), sendo a periurbana, neste estudo, mais prevalente, o que difere do apresentado em boletim epidemiológico de doenças negligenciadas, que traz uma incidência de 80% dos casos em área urbana1. Em outros estudos epidemiológicos brasileiros a doença é frequentemente relacionada a ambiente domiciliar, sugerindo a associação dos casos com situação de moradia e infraestrutura sanitárias, somado ao efeito do crescimento desordenado da urbanização, principalmente próximo a córregos e riachos.

Como resultado, estes meios tornam-se lugares propícios para a infestação de roedores, relacionada a condições sanitárias deficitárias e frequente exposição à contaminação ambiental durante os períodos de intensa precipitação, o que são fatores predominantes para a incidência de casos dessa enfermidade nessas áreas12,13. Políticas de moradias e saneamento podem minimizar tais efeitos.

Indivíduos do sexo masculino foram predominantemente afetados, em relação à prevalência, do que as meninas, e isto pode se dar a fatores culturais, que determinam maior liberdade dos meninos, fato que é relatado em estudos como, por exemplo, o fato de meninos estarem mais expostos a acidentes14. Ele podem, então, ter maior exposição a situações ou práticas que facilitem o contato com as fontes de infecção da leptospirose, por brincarem mais em campos abertos tais como campos de futebol, em que pode haver acúmulo de água após chuvas, e por terem mais brincadeiras e lazer fora de casa, tendo menos receio de exposição, levando em consideração que se tem observado aumento da frequência de casos de leptospirose em pessoas com atividades recreativas ao ar livre11. Tal levantamento não determina que meninas fiquem apenas dentro de casa, mas que possa haver mais vigilância sobre estas e mais cautela em relação ao sexo feminino, com consequente menor exposição ao agravo.

O perfil clínico da leptospirose nas crianças e adolescentes demonstrado na atual pesquisa, segundo os sinais e sintomas apresentados pelos pacientes no momento da notificação, é similar ao relatado na literatura nos quadros de adultos. A principal sintomatologia apresentada foi: febre em 100% dos casos, cefaleia (77%), vômito (77%), prostração (69,2%), mialgia (61,5%), congestão conjuntival (46,1%), diarreia (46,1%), dor na panturrilha (38,5%). Estudos comparativos de casos de leptospirose em crianças e adultos já foram realizados e mostraram que na faixa etária pediátrica os casos leves são predominantes. A justificativa deste fato ainda é obscura, assim como não foram claramente estabelecidos possíveis fatores que seriam responsáveis para levar ao desfecho mais grave da doença15,16.

Em um estudo retrospectivo realizado em um hospital de Salvador, comparou-se a letalidade da leptospirose entre pacientes pediátricos (<19 anos) e adultos (>19 anos), através de análise de prontuários, numa amostra constituída de 840 pacientes, sendo observados maior prevalência de icterícia na admissão hospitalar e níveis mais elevados de creatinina sérica e ureia em pacientes com maior idade quando comparados aos mais jovens, o que poderia estar relacionado com a evolução grave do quadro. O estudo baiano também evidenciou uma prevalência da leptospirose no sexo masculino, que representou 93% dos pacientes da faixa etária pediátrica15, assim como o verificado nesta pesquisa.

Estes dados levantam o questionamento se os fatores que levam à gravidade do quadro estariam relacionados a características fisiológicas do hospedeiro17,18.Uma revisão aborda que na fisiopatologia do quadro a resposta imune humoral do paciente, produção de anticorpos IgM, presença de alterações em células de linfócitos T CD4+ e T CD8+, assim como também a presença de endotoxina da leptospira envolvida que promova lesões endoteliais, são fatores prováveis envolvidos na evolução mais grave da doença estudada7.

A congestão conjuntival relatada em 46,1% dos casos no presente estudo é um sinal importante para a leptospirose, também causada devido à lesão endotelial de pequenos vasos sanguíneos provocada pelas Leptospiras ao se disseminar pelo organismo, gerando uma vasculite19,20. Este sinal aparece ao final da fase precoce da doença, caracterizado por hiperemia e edema da conjuntiva ao longo das fissuras palpebrais; no decorrer da progressão da doença os pacientes podem desenvolver também petéquias e hemorragias conjuntivais21. Geralmente, tem-se associado ao quadro a dor na panturrilha em 38,5%, sendo então este achado e a congestão conjuntival (hiperemia conjuntival) altamente sugestivos de leptospirose, entretanto, de maneira isolada, não são específicos o suficiente para confirmar o diagnóstico.

Em especial, o caso da hiperemia conjuntival não ser exclusiva da leptospirose é um dos sintomas que causam confusão para profissionais de saúde e, consequente subnotificação, pois este sintoma é relatado em diversas outras doenças, inclusive na recente síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica temporariamente associada a COVID-19 (MIS-C), na qual vem sendo relatado como um dos sintomas mais frequentes, considerado inclusive um dos critérios diagnósticos dessa condição22.

O relato de alterações respiratórias, alterações cardíacas, insuficiência renal e meningismo em 23,1%, 15,4%, 7,7% e 7,7% dos casos, respectivamente, faz válido destacar que a síndrome de Weil nas crianças tem manifestação geralmente associada a pneumonite hemorrágica, arritmias cardíacas ou colapso circulatório (choque) e insuficiência renal aguda. Assim como a meningite asséptica da fase imune, que ocorre em até 80% dos pacientes, e se apresenta comumente com uma cefaleia intensa bitemporal e frontal, com ou sem delírio6,23.

Um estudo transversal realizado na Bahia objetivando verificar a frequência de enterovírus, leptospiras e arbovírus como agentes causais da síndrome da meningite asséptica (SMA) em 112 crianças com suspeita clínica de SMA, entre 3 meses e 15 anos de idade, mostrou que a leptospirose é um importante diagnóstico diferencial desta condição, tendo uma prevalência de 7,1% (8) na sua amostra24. Ressaltamos que neste estudo não foi possível esta diferenciação, pois não se sabe se houve ou não casos de meningite asséptica, porque foram analisados somente dados de fichas de notificação com o relato de presença de meningismo em um caso confirmado e notificado para leptospirose. Não foram analisados prontuários com os demais dados clínicos e exames complementares do respectivo paciente.

A taxa de letalidade dessa afecção varia entre 8,5 e 14,5%, conforme o suporte clínico e cuidados intensivos disponíveis23, podendo aumentar para mais de 50% em pacientes com pneumonite hemorrágica, lembrando que é uma doença de alta morbimortalidade, porém, apesar de apresentar de formas assintomáticas até as fulminantes com acometimento multissistêmico, a mortalidade não é alta na faixa pediátrica - a letalidade é estimada de 5 a 15% dos casos com forma grave da doença6. Neste estudo não foi possível estimar a letalidade nos casos notificados, uma vez que o campo da evolução final dos casos não foi respondido em 23,1% das fichas com a doença confirmada, salientando então a importância do preenchimento completo das fichas de notificação para o fornecimento de dados.


CONCLUSÃO

Conclui-se que a leptospirose na população pediátrica afeta predominantemente meninos, mais incidente em zona periurbana em comparação à urbana, sendo lugares como cachoeira, riachos, rio, córrego ou represas, locais com sinais de roedores (fezes) e/ou água, lama de enchentes as maiores situações de risco para o contágio da doença, segundo resultados aqui apresentados. Apresenta-se clinicamente na grande maioria dos casos com sintomatologia inespecífica e autolimitada, caracterizada por febre, cefaleia, vômito, prostração, mialgia, congestão conjuntival, diarreia e dor na panturrilha, o que pode dificultar a suspeita clínica de profissionais de saúde no momento da análise de hipóteses diagnósticas.

O conhecimento do perfil epidemiológico e clínico deste agravo contribui para direcionar políticas públicas mais equitativas e resolutivas de intervenção e aperfeiçoamento de medidas preventivas, bem como auxiliar para fornecer melhor capacitação de profissionais de saúde para diagnóstico, uma vez que a suspeita clínica, diagnóstico e tratamento precoce são fundamentais para evitar a morbimortalidade desta doença. Portanto, estudos com caráter epidemiológico são indispensáveis para o trabalho da vigilância epidemiológica, na educação em saúde ambiental como ferramenta de prevenção de zoonoses.


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1. Universidade Federal de Santa Catarina, Graduação em Medicina - Florianópolis - Santa Catarina - Brasil
2. Universidade Federal de Santa Catarina, Professora Assistente A2 Pediatria - Florianópolis - Santa Catarina - Brasil
3. Hospital Infantil Joana de Gusmão, Médica Infectologista Pediátrica - Florianópolis - Santa Catarina - Brasil

Endereço para correspondência:

Emanuela da Rocha Carvalho
Universidade Federal de Santa Catarina
Endereço: R. Eng. Agronômico Andrei Cristian Ferreira, s/n - Trindade
Florianópolis - SC, 88040-900
E-mail: emanuela.carvalho@ufsc.br

Data de Submissão: 25/06/2022
Data de Aprovação: 15/08/2022