ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2023 - Volume 13 - Número 2

Meningite secundária a seio dérmico dorsal infectado em região torácica - um relato de caso

Meningitis secondary to infected dorsal dermal sinus in the thoracic region - a case report

RESUMO

Lactente apresentando quadro clínico-laboratorial de meningite com déficit neurológico de progressão lenta e persistente levando ao diagnóstico de abscesso intramedular devido à seio dérmico dorsal em região torácica.

Palavras-chave: Tubo neural, Anormalidades congênitas, Pediatria, Disrafismo espinal, Meningite.

ABSTRACT

Infant presenting with clinical and laboratory features of meningitis with progressive neurological deficit leading to the diagnosis of intramedullary abscess due to dorsal dermal sinus in the thoracic region. The case report aims to emphasize the importance of a careful evaluation of skin stigmata located in the midline, so that there is the possibility of an adequate diagnosis, in an attempt to avoid neurological sequelae.

Keywords: Neural tube, Congenital abnormalities, Pediatrics, Spinal dysraphism, Meningitis.


INTRODUÇÃO

Lactente de 4 meses, com febre persistente, evoluindo com crise convulsiva e déficit neurológico focal. Foi realizado diagnóstico laboratorial de meningite bacteriana, porém sem resposta inicial ao tratamento antimicrobiano adequado. A propedêutica foi complementada com exame de ressonância magnética (RM) que demonstrou seio dérmico dorsal em região torácica. O relato de caso tem objetivo de enfatizar a importância da avaliação criteriosa de estigmas cutâneos localizados na linha média para que haja a possibilidade do diagnóstico adequado, na tentativa de evitar sequelas neurológicas.


RELATO DE CASO

Este relato de caso foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP), sendo autorizada sua publicação pelos responsáveis legais do paciente que assinaram o TCLE. Lactente de 4 meses, nascido de parto vaginal, a termo, sem intercorrências, com vacinação completa até os 3 meses de idade de acordo com calendário do programa nacional de imunizações brasileiro. Passou por avaliação médica devido à febre iniciada quatro dias antes e foram realizados além de exame clínico, os seguintes exames laboratoriais: hemograma, dosagem de PCR (Proteína C-reativa), rotina de urina, urocultura e gram de gota — todos dentro da normalidade. Foi realizado novo atendimento no sétimo dia de sintomatologia devido à manutenção da febre, presença de irritabilidade e com discreta redução de movimento em membro superior direito notada pela mãe. Ao exame físico apresentava-se febril, com abaulamento leve de fontanela anterior e alternando períodos de hipoatividade e irritabilidade. Foi realizada tomografia computadorizada (TC) de crânio, que se encontrava dentro da normalidade e então optado por fazer punção lombar que demonstrou as seguintes alterações: 192 hemácias; 614 células: 54% de linfócitos; 2688 proteína; glicose: 1. Gram: cocos Gram-positivos. Látex positivo para Pneumococo. Foi optado pela internação e durante a transferência iniciou crises convulsivas (desvio ocular e espasmos de membro superior esquerdo). sendo então admitido na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP). As crises cessaram após 3 bolus de midazolam (0,2mg/Kg) e ataque de fenobarbital (10mg/Kg). Foi iniciado ceftriaxona na dose de 100mg/kg/dia neste mesmo momento.

Após 48 horas de tratamento na UTI, paciente mantinha febre, irritabilidade, plegia de MSD e evoluiu com torcicolo à direita. Realizada nova TC de crânio, sem alterações significativas, e nova punção liquórica que demonstrava liquor ainda alterado e com gram de gota evidenciando presença de cocos Gram-positivos e bastonetes Gram-negativos. Optado por suspender ceftriaxona e ampliar a cobertura antimicrobiana com vancomicina (15mg/kg de 6/6 horas) e meropenem (40mg/kg de 8/8 horas). Não foi atingido nível sérico terapêutico de vancomicina com doses intermitentes, sendo necessária realização de infusão contínua do antimicrobiano na dose de 540mg/dia.

Após mais 48 horas persistiu com febre, irritabilidade, piora do torcicolo e paresia de todo lado direito mais importante em MSD. Notado em exame físico, presença de fosseta em região torácica, localizada em linha média, mediando entre 5mm e 10mm. Optado por realizar RNM de crânio e região cervical (Figura 1), sendo identificado processo inflamatório agudo leptomeníngeo; coleção subdural crônica frontoparietal esquerda, com leve efeito de massa, medindo 10mm de espessura; seio dérmico infectado na altura de T4, com pertuito intradural. Vista estrutura cística arredondada bem delimitada intradural e extramedular, medindo 10mm de diâmetro, situada na altura do corpo vertebral de T3, em comunicação com seio dérmico e infectado, exercendo efeito compressivo sobre o cordão medular adjacente. O aspecto da lesão foi compatível com provável cisto epidermoide infectado; volumoso abscesso intramedular na medula espinhal torácica medindo 35mm de extensão craniocaudal na altura dos corpos vertebrais de T3 a T6; extenso edema intramedular na medula espinhal cervical e torácica; espinha bífida óssea em T3 e T4.


Figura 1. Imagens de RNM ao diagnóstico: Sequência sagital ponderada em T2 e sequência sagital ponderada em T1 com supressão de gordura pós-contraste, respectivamente.



O paciente foi submetido à abordagem cirúrgica dois dias após a RNM para drenagem do abscesso intramedular. Durante o ato operatório foi identificada espinha bífida em T2-T3 e T3-T4 e lesão medular em continuidade com o seio dérmico que foi desconectado e liberado da medula. A lesão foi aberta e houve retirada de material sugestivo de tumor epidermoide infectado.

Para seguimento clínico, foi realizada RNM de controle (Figura 2) no primeiro dia de pós-operatório, que evidenciou resquício de abscesso intramedular, sendo optado por estender o tratamento antimicrobiano. Assim, o paciente fez uso de vancomicina em infusão contínua, durante 6 semanas e, devido à boa evolução clínica, foi optado pela equipe de infectologia por descalonar a cobertura antimicrobiana para os antimicrobianos linezolida (10mg/kg de 8/8 horas) e ertapenem (15mg/kg de 12/12 horas) durante mais 6 semanas, totalizando 12 semanas de tratamento antimicrobiano. Na décima semana de tratamento, nova RNM de controle foi realizada, sendo observada drenagem satisfatória do volumoso abscesso intramedular. Todas as novas culturas de liquor e sangue obtidas tiveram resultado negativo.


Figura 2. Imagens de RNM após o tratamento: sequência sagital ponderada em T2 e sequência sagital ponderada em T1 com supressão de gordura pós-contraste, respectivamente.



Após abordagem cirúrgica e tratamento antimicrobiano, paciente evoluiu com melhora da febre, do torcicolo, inclusive da plegia de MSD, com recuperação gradual dos movimentos.


DISCUSSÃO

Os disrafismos espinhais ocultos são defeitos congênitos resultantes de alterações no desenvolvimento do tubo neural, onde o defeito é coberto por pele íntegra. A fisiopatologia das diversas formas de disrafismos ocultos pode resultar no ancoramento da medula que perde sua movimentação fisiológica dentro do saco dural, podendo evoluir com isquemias do tecido nervoso e graus variados de comprometimento neurológico. Podem ocorrer sinais e sintomas como paresias, disfunções esfincterianas, escolioses. Os disrafismos ocultos podem não apresentar manifestações clínicas no recém-nascido, mas podem vir associados a estigmas cutâneos que indicam o disrafismo. A presença de malformações envolvendo simultaneamente a pele e o sistema nervoso pode ser justificada pelo fato de ambos apresentarem a mesma origem ectodérmica.

O seio dérmico dorsal é um tipo incomum de disrafismo espinhal oculto. Embriologicamente resulta da separação incompleta, durante a neurulação, entre a neuroectoderma e o ectoderma cutâneo, resultando em um canal fistuloso que liga o saco dural à parte externa da pele1-3. Ocorre com uma frequência aproximada de 1 para cada 2500 nascidos vivos4. É mais frequentemente encontrado na região lombar (41%), seguido pela região lombossacra (35%), sacrococcígea (13%), torácica (10%) e cervical (1%). Em 35 a 55% dos casos, ocorre a associação com cistos dermoides, epidermoides ou teratomas1. Quase 60% dos seios dérmicos dorsais entram no espaço subaracnóideo e em 10 a 20% dos casos seu trajeto pode terminar cegamente dentro do espaço extradural5.

Por formarem uma porta de entrada aos espaços meníngeos, os seios dérmicos podem causar meningite ou levar à formação de abscessos ou infecção do cisto associado. A primeira manifestação clínica pode ser de infecção do SNC. Meningite de repetição ou por organismos atípicos pode ocorrer, além de meningite asséptica pelo derramamento do conteúdo do cisto de inclusão ou outros elementos dérmicos no liquor1,5. O déficit neurológico, quando presente, geralmente decorre da formação de abscesso com compressão medular4.

A introdução da ressonância magnética levou a um diagnóstico mais precoce e a uma diminuição das complicações potenciais da infecção e déficits neurológicos. Apesar de não haver um consenso quanto ao tempo ideal de se realizar a cirurgia nos pacientes sem complicações e assintomáticos, a cirurgia deve ser realizada profilaticamente antes dos déficits, para manter a função neurológica normal, não sendo recomendado o tratamento conservador1,6.

Após o procedimento, deve ser realizado acompanhamento anual do paciente para procurar sinais de recorrência ou infecção6.


CONCLUSÃO

No caso relatado, o paciente apresentava um estigma cutâneo em região torácica, de localização na linha média, que só foi mais bem avaliado após o paciente apresentar um quadro de meningite com déficit neurológico. A não realização de uma propedêutica adequada poderia ter levado a uma sequela neurológica permanente. Sendo assim, a avaliação completa e cuidadosa do recém-nascido tem grande importância no diagnóstico precoce de malformações que podem comprometer o desenvolvimento e gerar sequelas futuras. Pela mesma origem embriológica, estigmas cutâneos podem ser associados com malformações do sistema nervoso, sendo então fundamental sua avaliação minuciosa para propedêutica adequada e no tempo certo.


REFERÊNCIAS

1. Henriques JGB, Pianetti G. Disrafismos espinhais ocultos. In: Fonseca LF, Xavier CC, Pianetti G, eds. Compêndio de neurologia infantil. Rio de Janeiro: Medbook; 2011. p. 865-9.

2. Vankipuram S, Sahoo SK, Srivastava C, Ojha BK. Spinal cord abscess secondary to infected dorsal dermal sinus in an infant: uncommon presentation of a known entity. BMJ Case Rep. 2017;2017:bcr2017222366.

3. Patwari S, Reddy BN, Kapanigowda MK, Ramesha SK, Chadaga H. Thoracic dorsal dermal sinus with secondarily infected intramedullary dermoid cyst. Asian J Neurosurg. 2019;14(3):975-7.

4. Khoury C. Closed spinal dysraphism: clinical manifestations, diagnosis, and management. In: Patterson MC, Levy M, eds. Up to Date [Internet]. 2020; [access in 2020 May 4]. Available from: https://www.uptodate.com/contents/closed-spinal-dysraphism-clinical-manifestations-diagnosis-and-management.

5. Singh I, Rohilla S, Kumar P, Sharma S. Spinal dorsal dermal sinus tract: an experience of 21 cases. Surg Neurol Int. 2015;6(Suppl 17):S429-34. 

6. ISPN, International Society for Pediatric Neurosurgery. Congenital Disorders of the Nervous System in Children. Dermal Sinus Tracts in Children Homepage. [Internet]. [cited 2020 May 4]. Available from: https://www.ispn.guide/congenital-disorders-of-the-nervous-system-in-children/dermal-sinus-tracts-in-children-homepage/.










1. Hospital Mater Dei, Pediatria - Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil
2. Hospital Municipal Odilon Behrens, Pediatria - Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil

Endereço para correspondência:

Ana Clara Alves Gontijo
Hospital Mater Dei
R. Gonçalves Dias, 2.700 - Santo Agostinho
Belo Horizonte - MG, Brasil. CEP: 30190-094
E-mail: ana.alvesgontijo@hotmail.com

Data de Submissão: 27/01/2021
Data de Aprovação: 22/03/2021