ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2023 - Volume 13 - Número 2

Repercussão da perda de peso na velocidade de crescimento de crianças e adolescentes: um estudo de caso

Repercussions of weight loss on the growth rate of children and adolescents: a case study

RESUMO

Relato da evolução de índices antropométricos de uma criança obesa da fase pré-escolar até o fim da puberdade. Trata-se de um menino de 4 anos com ganho de peso desde o primeiro ano de vida, devido à alimentação rica em carboidratos e produtos industrializados, associado à inatividade física e antecedente de obesidade familiar. Inicialmente com índice de massa corporal (IMC) em escore-Z +7,36 e estatura acima do canal familiar. Após orientações quanto a mudanças do estilo de vida, atingiu aos 7 anos o menor escore-Z de IMC, quando ocorreu desaceleração da velocidade de crescimento. Foram afastadas outras causas de retardo do crescimento e feita hipótese de parada de crescimento secundária à perda de peso ou recanalização da curva de crescimento em resposta ao tratamento da obesidade exógena. Na evolução ele voltou a ganhar peso, com queda de estatura, mantendo-se dentro do canal familiar. Quando iniciou a puberdade, apresentou queda progressiva do escore-Z de IMC e aumento da velocidade de crescimento. Aos 17 anos, atingiu IMC e estatura dentro da normalidade e do canal familiar. Durante o acompanhamento, foi reforçada a importância da alimentação saudável e da realização de atividade física. Não foi utilizado qualquer medicamento e não foram encontradas alterações nos exames físico e complementares. A perda de peso em crianças com obesidade e alta estatura para o seu canal familiar pode levar à diminuição da velocidade de crescimento quando secundária à mudança para hábitos alimentares saudáveis e aumento da atividade física, porém sem comprometer a altura final.

Palavras-chave: Obesidade pediátrica, Crescimento, Manejo da obesidade.

ABSTRACT

Report of the longitudinal evolution of the anthropometric indices of an obese child from preschool to the end of the puberty. It is about a 4 year-old boy with history of weight gain since the first year due to carbohydrate-rich and industrialized food intake, associated with physical inactivity and familiar history of obesity. At the first appointment he had body mass index (BMI) in Z-score + 7,36 and stature above the parental target. After orientations about lifestyle changes, he reached, at 7 years old, the lowest BMI and the growth rate became reduced. At this point, other causes of growth retardation have been ruled out, therefore the hypothesis was of growth stop secondary to weight loss and recanalization of the growth curve in response to the treatment of the exogenous obesity. In the evolution, the patient regained weight maintaining the drop on the stature, staying within the parental target. When puberty started, hepresented progressive fall in BMI score and increased growth velocity. At 17, he reached BMI and stature within normality and parent target. Throughout the follow-up, the importance of healthy eating and realization of physical activity was reinforced. No medications were used, and there were no alterations at physical and complementary exams.The weight loss in obese children with tall stature for the parental target, can lead to slow growth rate when secondary to change to healthy habits and increase in physical activity, however without affecting the final height.

Keywords: Pediatric obesity, Growth, Obesity management.


INTRODUÇÃO

A monitorização do crescimento de uma criança proporciona a avaliação longitudinal do paciente e reflete o seu estado de saúde1. Desvios da normalidade do crescimento podem ser a primeira manifestação de uma doença subjacente2. Quando há desaceleração na velocidade de crescimento, é importante atentar para as suas possíveis causas.

A partir da estatura dos pais, a altura-alvo pode ser calculada, e quando o padrão de crescimento desvia da altura genética esperada, é preciso considerar um processo patológico subjacente2,3. Este desvio deve ser considerado tanto para baixa quanto para alta estatura.

Em crianças e adolescentes, a obesidade exógena além de estar relacionada com doenças crônicas no futuro, está frequentemente associada a um crescimento linear rápido e uma maturação óssea acelerada2. Portanto, uma alta estatura reativa é esperada em uma criança com diagnóstico de obesidade em idade precoce.

A discussão deste caso tem como objetivo descrever a evolução dos índices antropométricos de uma criança obesa que inicialmente apresentava alta estatura em relação ao alvo familiar. Como resultado, após mudanças no estilo de vida e tratamento da obesidade, o paciente apresentou retorno para seu desvio padrão de altura-alvo, apesar de apresentar desaceleração na velocidade de crescimento.


RELATO DE CASO

Pré-escolar de 4 anos, sexo masculino, encaminhado ao ambulatório de crianças e adolescentes obesos para seguimento clínico por ganho ponderal excessivo a partir do 1º ano de vida.

É o segundo filho de um casal não consanguíneo. Tem histórico familiar de obesidade exógena do lado paterno, diabetes tipo 2 em avó e tio maternos e mãe com hipertensão arterial sistêmica. Sem intercorrências ao nascimento, foi um recém-nascido a termo, adequado para idade gestacional. Recebeu aleitamento materno exclusivo até os 4 meses, com duração total de 1 ano. Fazia acompanhamento com pneumologia pediátrica, desde os 4 anos, por sibilância recorrente controlada após a introdução de corticoide inalatório em média dose e seguimento regular.

No primeiro atendimento não apresentava alterações ao exame físico, com exceção de índice de massa corporal (IMC) no escore- Z +7,36 e estatura (E) em escore-Z +1,78. O canal familiar foi calculado em 167cm +- 8,5cm (escore-Z entre -2 e 0), portanto o paciente apresentava além de obesidade, estatura acima de seu canal de crescimento3.

Tinha uma alimentação rica em carboidratos e produtos industrializados. Não aceitava frutas e verduras. Não realizava atividades físicas regulares. Brincava mais sentado e com tempo de tela de aproximadamente 4 horas por dia.

A família foi orientada em relação à necessidade de redução do tempo de tela, à importância de uma dieta adequada e ao desenvolvimento de atividades físicas regulares. Mesmo ainda seletivo em relação à alimentação, iniciou rotina de exercícios físicos de moderada intensidade, duas a três vezes por semana. Reduziu consumo de produtos ricos em carboidratos e industrializados e teve redução ponderal gradual, com diminuição máxima de IMC aos 7 anos (escore-Z = +0,66) (Figura 1A). Porém, também com 7 anos, fase em que o crescimento esperado é de cerca de 5cm/ano3, o paciente apresentou desaceleração do crescimento estatural (E em escore-Z = +0,29) (Figura 1B), alcançando o crescimento de apenas 0,48cm/ano. Apesar dessa desaceleração na velocidade de crescimento, o paciente ficou dentro do seu canal familiar.


Figura 1. A: Curva de IMC; B. Curva de crescimento estatural.



A: Índice de massa corporal x idade em anos. Marcação realizada em 7 anos e 4 meses, ponto de maior queda de IMC. Z-score de IMC = +0,6611. B: Estatura em centímetros x idade em anos11. A marcação em vermelho à direita se refere ao canal familiar.

Foi iniciada, portanto, a investigação quanto à etiologia da desaceleração da velocidade de crescimento (VC). Todos os exames para investigação de doença possivelmente causadora da redução da velocidade de crescimento foram normais (Tabela 1). Único parâmetro alterado foi uma IgE elevada. O aumento de IgE é compatível com quadro atópico do paciente, mas que não justificaria a clínica de desaceleração do crescimento, pois o paciente estava controlado da parte pulmonar desde a introdução de corticoide inalatório. Portanto, foi feita hipótese de parada de crescimento secundária à perda de peso e recanalização da curva de crescimento em resposta ao sucesso terapêutico da obesidade exógena.




Para acompanhamento da obesidade exógena, a insulina sérica foi solicitada desde o início do seguimento. Com o emagrecimento, os níveis séricos de insulina, que estavam dentro do valor de normalidade, foram reduzindo gradualmente chegando a valores abaixo de 2,0uUi/ml no período da máxima redução da velocidade de crescimento e do IMC (Figura 2). Um estudo feito com crianças e adolescentes eutróficos mostrou que a insulinemia de jejum varia de acordo com a idade e tem valores ascendentes até a puberdade, com posterior queda. Mas não há valores de cortes aceitos internacionalmente para a insulinemia na pediatria⁴. Comparando o paciente com ele mesmo, durante a puberdade teve aumento da sua insulina sérica, mesmo que com valores no limite inferior, voltou a crescer com uma velocidade normal.


Figura 2. Relação entre Insulina, Escore-Z de IMC e Velocidade de Crescimento.



Relação entre insulina sérica, escore-Z de IMC e velocidade de crescimento. Todos com redução máxima aos 7 anos.

Na evolução, o paciente voltou a ganhar peso e após dois anos atingiu IMC em escore-Z = +2,08, mantendo queda do escore-Z de estatura (escore Z = -0,21). Aos 9 anos e 9 meses, apresentava uma idade óssea de 9,1 anos. De nove a doze anos manteve IMC elevado (escore-Z = +2,0) e aumentou ainda mais a queda na E (escore-Z = -1,07), sendo inclusive realizado teste de estímulo de GH, com resultado normal. Durante esse período, o paciente não tinha mais rotina de atividades físicas e passava a maior parte do tempo em frente às telas. Quanto à alimentação, apesar de ter aumentado o consumo frutas e verduras, voltou a ter ingesta excessiva de guloseimas diariamente.

Aos 13 anos e 2 meses, apresentou uma IO de 11,4 anos (-2,1 desvios padrão), o que correspondeu ao período imediatamente antes do estirão puberal, onde fisiologicamente há a máxima desaceleração na velocidade de crescimento antes do pico de crescimento3,5. Ao surgirem os sinais de desenvolvimento puberal, aos 13 anos, apresentou queda progressiva do escore-Z de IMC e aumento da VC (7,4cm/ano), com consequente aumento da E (escore-Z = -0,74).

Aos 17 anos, atingiu IMC e E com escore-Z = -0,34 e -0,12, respectivamente, dentro da normalidade para o sexo e idade e para o canal familiar. Durante todo o período puberal, voltou a ter atividades físicas regulares e organizadas com alimentação adequada. A Tabela 1 resume a cronologia dos eventos.

Após serem descartadas possíveis doenças, retrospectivamente, foi levantada a seguinte hipótese: obesidade exógena com alta estatura reacional, seguida de parada de crescimento secundária à perda de peso após orientações dietéticas e de atividade física. Tudo isso em resposta ao sucesso do tratamento da obesidade exógena. O paciente teve retorno ao seu canal de crescimento familiar (recanalização), mantendo-se ainda no limite superior do mesmo. A partir do início da puberdade, apresentou crescimento adequado, atingindo estatura final esperada. Durante todo o acompanhamento foi reforçada a importância da alimentação saudável e da realização de atividade física, e em nenhum momento foi utilizada qualquer medicação.


DISCUSSÃO

O crescimento é um processo contínuo que depende de fatores intrínsecos e extrínsecos sobre o indivíduo. O potencial genético do indivíduo só será atingido se esses fatores estiverem em concordância com o processo de crescer5.

A obesidade, por sua vez, é definida como acúmulo excessivo de gordura corporal que proporciona consequências prejudiciais à saúde. Tem etiologia multifatorial e, assim como o crescimento, depende de fatores genéticos, nutricionais, metabólico-hormonais, psicossociais e ambientais6. A etiologia mais comum é a obesidade exógena, caracterizada por baixa atividade física e consumo excessivo de alimentos ricos em gorduras e carboidratos, o que demonstra o importante papel do ambiente7.

A velocidade de crescimento traz informações sobre o padrão de crescimento da criança. Desvios da normalidade do crescimento podem ser a primeira manifestação de uma doença subjacente2. Quando há desaceleração na velocidade de crescimento, é importante investigar possíveis causas. Porém, a herança genética também é importante na determinação do crescimento, e quando uma criança apresenta uma altura que foge dos padrões familiares, um processo patológico subjacente deve ser investigado2. Uma criança baixa para o canal familiar ou com baixa velocidade de crescimento, por exemplo, pode não estar com baixa estatura8.

A obesidade exógena é acompanhada por alta estatura para idade e para o canal familiar, além de uma tendência ao avanço da idade óssea2,9. O acompanhamento longitudinal de uma série de ensaios clínicos randomizados para controle de peso avaliou 158 crianças de 6 a 12 anos até 10 anos após o tratamento da obesidade, com o objetivo de avaliar o seu crescimento estatural. Como resultado, apesar de essas crianças terem uma redução no percentil de altura comparado com sua altura no início do tratamento, não houve diferença no crescimento ao final dos 10 anos comparando com crianças não obesas10.

Um estudo que acompanhou crianças desnutridas em reabilitação nutricional, mostrou que o ganho de peso diário estava diretamente relacionado com o aumento da velocidade de crescimento e consequentemente com o “catch up” desses pacientes em seu potencial genético de crescimento11. De modo semelhante, no caso descrito, uma criança com obesidade grave em idade precoce, sofreu uma recanalização ao perder peso e se tornar eutrófica, como se após a sua reabilitação nutricional, o seu potencial genético pudesse também ser atingido.

Uma criança com obesidade em idade precoce tem um crescimento acelerado, mas quando tratada com sucesso, pode reduzir a sua velocidade de crescimento até atingir o seu alvo genético de estatura, ocorrendo uma recanalização ou “catch down” do crescimento.


REFERÊNCIAS

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5. Sucupira ACSL, Kobinger MEBA, Saito MI, Bourroul MLM, Zucolotto SMC. Pediatria em Consultório. 5ª edição. São Paulo: Sarvier; 2010.

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12. WHO AnthroPlus Software. Geneva: WHO [Internet]. 2009; [access in YEAR Month Day]. Available from: https://www.who.int/growthref/tools/en/.










Unicamp, Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas - Campinas - São Paulo - Brasil

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Carolina Paniago Lopes
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Data de Submissão: 09/02/2021
Data de Aprovação: 21/02/2021