ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2023 - Volume 13 - Número 2

Impacto da pandemia de COVID-19 em crianças e adolescentes com excesso de peso: influência do confinamento e do fechamento das escolas na obesidade infantil

Impact of the COVID-19 pandemic on overweight children and adolescents: influence of lockdown and school closure on childhood obesity

RESUMO

INTRODUÇÃO: O confinamento da pandemia da COVID-19 levou ao fechamento das escolas, aumento do tempo de sedentarismo e maior consumo de alimentos ultraprocessados, um contexto que pode ter agravado a epidemia de obesidade infantil.
OBJETIVOS: Verificar o impacto do fechamento das escolas sobre o índice de massa corporal (IMC), os hábitos de vida e a prevalência de obesidade em crianças e adolescentes.
MÉTODOS: Estudo observacional transversal de pacientes com sobrepeso/obesidade acompanhados em um serviço de referência em endocrinologia. Foram avaliados os dados da última consulta antes da pandemia e da primeira consulta realizada durante a pandemia e um questionário foi aplicado.
RESULTADOS: De 50 pacientes (31 meninas) com idade de 11,5±2,4 anos e intervalo entre as consultas de 379,5±79,5 dias, 29 (58%) relataram aumento no número diário de lanches, 76% maior consumo de alimentos ultraprocessados e 54% inalteração na quantidade de alimentos ingeridos. Também foi relatado maior tempo de sedentarismo. Quarenta e cinco pacientes ganharam peso e houve aumento de 19,6% em relação ao peso pré-pandemia, com ganho ponderal de 9,0 kg (-3,6 a 25,5). A mediana do IMC e as variações do escore-z entre as consultas foram de +1,9 kg/m2 (-2,9 a +7,7) e +0,11 (-0,93 a +1,47), respectivamente. A mudança no IMC ajustado para a mediana para sexo e idade foi de +1,65 kg/m2 (-3,60 a +6,90). Houve aumento de 6% na prevalência de obesidade no grupo.
CONCLUSÕES: Definir alterações longitudinais do IMC na faixa etária pediátrica é um desafio. O presente estudo identificou ganho ponderal não saudável, aumento do IMC, aumento do tempo de sedentarismo e explicitou as dificuldades enfrentadas pelas crianças durante a quarentena.

Palavras-chave: Índice de massa corporal, COVID-19, SARS-CoV-2, Obesidade, Quarentena.

ABSTRACT

The COVID-19 pandemic lockdown caused schools closures, increased sedentary time and greater consumption of ultra-processed foods, an environment that might have aggravated the childhood obesity epidemic.
AIMS: To verify the impact of school closure on the body mass index (BMI), on lifestyle habits as well as the prevalence of obesity in children and adolescents.
METHODS: Cross-sectional observational study of overweight/obesity patients followed at an Endocrinology referral service. A review of the last pre-pandemic visit and the first visit during the pandemic were carried out, and a questionnaire was applied.
RESULTS: 50 patients (31 girls) aged 11.5±2.4 years, interval between visits of 379.5±79.5 days. Twenty-nine (58%) reported an increase in the daily number of snacks, 76% reported greater consumption of ultra-processed foods, while 54% reported eating the same amount of food. Greater sedentary time was also reported. Forty-five patients gained weight and there was an increase of 19.6% compared to pre-pandemic weight, a gain of 9.0 kg (-3.6 to 25.5). The median BMI and its z-score variations between visits were +1.9kg/m2 (-2.9 to +7.7) and +0.11 (-0.93 to +1.47), respectively. The change in adjusted BMI to the median for sex and age was +1.65kg/m2 (-3.60 to +6.90). There was an increase in the prevalence of obesity of 6% in the group.
CONCLUSION: Defining the longitudinal change in BMI in the pediatric age group is a challenge. This study showed unhealthy weight gain, increased BMI, increased sedentary time and some difficulties faced by children during quarantine.

Keywords: Body mass index, COVID-19, SARS-CoV-2, Obesity, Quarantine.


INTRODUÇÃO

Desde março de 2020, a pandemia da COVID-19, doença causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2, corona-vírus 2 da síndrome respiratória aguda grave), vem causando mudanças em vários aspectos da vida no Brasil e no mundo. As crianças foram afetadas por restrições como o fechamento de escolas, parques, playgrounds e áreas de lazer. Além disso, foram forçadas a se adaptar ao ensino remoto e ao distanciamento social. Embora eficaz no retardamento da propagação do vírus, o confinamento pode gerar desafios com mudanças nas condições socioeconômicas e outras consequências negativas, como aumento da ansiedade, estresse, depressão, alimentação emocional e atividade física limitada(1-6).

Segundo a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura, mais de 850 milhões de crianças ficaram sem aulas. No Brasil, as escolas permaneceram fechadas por mais de 40 semanas (7). Houve um aumento no tempo de tela e no estilo de vida sedentário, criando um ambiente favorável à obesidade infantil (8). A quarentena limitou a vida das pessoas às suas casas, dificultando a compra de alimentos frescos, como frutas e legumes. Consequentemente, houve maior consumo de alimentos ultraprocessados, que têm preço mais baixo, mas maior densidade calórica(9).

De acordo com o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional, 15,9% das crianças brasileiras com menos de cinco anos de idade, 29,3% das crianças de cinco a nove anos e 30,8% dos adolescentes estavam acima do peso antes da atual pandemia(10). A obesidade é uma doença crônica que aumenta o risco de patologias subjacentes, como diabetes mellitus tipo 2, hipertensão, dislipidemia, esteatose hepática não alcoólica, apneia obstrutiva do sono, síndrome do ovário policístico e problemas psiquiátricos11, 11, 12). Vários estudos sobre crianças com sobrepeso mostraram que o ganho pon-deral não saudável é maior quando as crianças estão fora da escola durante as férias de verão, quando há menos tempo de atividade física supervisionada, mais tempo de tela, comportamento sedentário, dieta não saudável e tempo e qualidade de sono irregulares. É importante ressaltar que o peso ganho durante esses meses não é eliminado durante o ano letivo, acumulando-se ano a ano (13-15). Uma simulação realizada nos Estados Unidos mostrou que o fechamento das escolas por períodos de seis e 12 meses, durante a pandemia, levaria a um aumento de 0,14 e 0,20 no escore-z do índice de massa corporal (IMC) dos alunos, respectivamente(16). Entretanto, definir as mudanças longitudinais do IMC na faixa etária pediátrica é sempre um desafio devido às mudanças normais que ocorrem no IMC durante a infância e a adolescência. Portanto, a diferença nos valores absolutos de IMC entre consultas não deve ser usada para monitorar o ganho ponderal adequado. Além disso, o escore-z do IMC pode mascarar aumentos de peso em crianças com obesidade preexistente, especialmente quando são utilizadas as referências do CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças)117, 18).

Um problema adicional advindo da quarentena da COVID-19 é que muitas crianças de baixa renda dependiam das refeições fornecidas pelas escolas e creches. Seu fechamento agravou a insegurança alimentar, além de limitar o acesso à atividade física. Embora pareça paradoxal, há também uma forte relação entre obesidade e insegurança alimentar(19). Embora hábitos alimentares pouco saudáveis tenham sido relatados durante o isolamento social por adultos em alguns países, como Itália(20), Polônia(21), Reino Unido(22) e Arábia Sau-dita(23), houve um aumento no número de refeições caseiras e melhorias nos hábitos alimentares na Espanha, onde também houve maior adesão à dieta mediterrânea, levando a uma maior ingestão de alimentos frescos e menor consumo de carne vermelha, frituras e doces(24).

Considerando as mudanças impostas pela pandemia da COVID-19, é relevante pesquisar o impacto no ganho ponderal e na prevalência da obesidade infantil. O presente estudo tem como objetivo verificar a mudança no IMC e nos hábitos de vida de crianças com sobrepeso em acompanhamento na Unidade de Endocrinologia Pdiátrica do Hospital das Clínicas, um sistema hospitalar de rede pública, durante o período em que as escolas estiveram fechadas.


MATERIAIS E MÉTODOS

O presente estudo observacional explorou o impacto das restrições sociais iniciais relacionadas à pandemia da COVID-19 sobre o escore-z do IMC de pacientes com mais de seis anos de idade com sobrepeso/obesidade prévia que receberam atendimento médico na Unidade de Endocrino-logia Pediátrica do Hospital das Clínicas, entre novembro de 2019 e maio de 2021. Foram excluídos pacientes com causa orgânica ou endócrina de obesidade, suspeita de obesidade monogênica e síndromes genéticas. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná, CAAE número 45073921.8.0000.0096. Os pacientes e seus responsáveis assinaram Termos de Consentimento e Termos de Consentimento Livre e Esclarecido, respectivamente.

Como últimas consultas pediátricas pré-COVID-19, consideramos aquelas realizadas entre 1° de novembro de 2019 e 22 de março de 2020 (tempo 0), data de fechamento das escolas em Curitiba. Como consultas realizadas durante a pandemia de COVID-19, consideramos aquelas realizadas entre 1° de setembro de 2020 e 31 de maio de 2021, quando as escolas públicas ainda estavam fechadas (tempo 1). Foi realizada uma revisão dos prontuários médicos e aplicado um questionário com 17 perguntas aos pacientes e seus responsáveis a respeito das mudanças no estilo de vida e percepção de peso, bem como IMC durante a quarentena, no tempo 1. Foram analisadas variáveis quantitativas (número de dias entre consultas, idade nos dias entre consultas, idade, peso e IMC) e qualitativas (gênero e estágio puberal).

A estatura foi medida com a criança em pé com um estadiômetro fixo de parede (Ayrton Stadiometer Modelo S100, Ayrton Corporation, EUA) com precisão de 0,1 cm. O peso foi medido com balança mecânica com precisão de 0,1 kg (Filizola®, São Paulo, Brasil). O IMC foi calculado (kg/m2). Com relação às curvas e pontos de corte da Organização Mundial da Saúde (OMS, 2007), os escores-z de peso e IMC foram calculados usando o programa AnthroPlus (OMS, versão 1.0.4). As categorias de IMC foram definidas de acordo com as diretrizes da OMS para status de peso infantil com base no escore-z do IMC para idade e sexo: peso saudável (> -2 e < +1); sobrepeso (> +1 e < +2), obesidade (> +2 e < +3) e obesidade grave (> +3) (25). A variação no IMC ajustada para idade e gênero (ÁIMCJ foi calculada com base na fórmula ÁIMCaj = (IMC1-IMC0) - (mediana IMC1-mediana IMC0), em que IMC0 é o IMC no tempo 0 e IMC1 é o IMC no tempo 1; a mediana foi obtida nas tabelas da oMs (25' 26). O ÁIMCaj é semelhante ao escore-z do IMC, exceto pelo fato de ser calculado com base em um desvio padrão fixo, o que o torna mais útil para populações que incluem pessoas com IMC extremo para a idade (26, 27).

O estágio puberal foi avaliado em uma consulta médica. As meninas com estágio mamário Tanner M2-4 e os meninos com estágio genital G2-4 e volume testicular > 4 mL medido com um orquidômetro Prader, foram considerados púberes. Foram considerados pós-púberes os pacientes com estágio M5 ou G5 de Tanner e volume testicular >15 mL.

Análises estatísticas

Os dados foram analisados no Microsoft® Excel 365 (versão 16.59). Os dados foram descritos em médias (DP) ou medianas (mínimo - máximo). A normalidade dos dados foi testada com gráficos QQ e testes de Shapiro-Wilk ou Kolmogorov-Smirnov, quando apropriado. As diferenças entre as variáveis contínuas foram analisadas pelo teste t de Student ou pelo teste de Mann-Whitney, de acordo com a distribuição. Para a estimativa da diferença entre variáveis contínuas, foram usados o teste t pareado e o teste de Wilcoxon. Regressão linear múltipla foi aplicada para verificar a contribuição das variáveis na variabilidade do escore-z do IMC. Valores de p <0,05 foram considerados estatisticamente significativos.


RESULTADOS

Desde setembro de 2020, os responsáveis por 116 pacientes reagendaram consultas espontaneamente. Contudo, apenas 55 compareceram. Reagendamento bem-sucedido pelo pesquisador foi observado em apenas 13 pacientes, e sete não compareceram à consulta. Cinco pacientes foram excluídos: um cujo prontuário médico foi extraviado, dois com consultas realizadas antes do início do presente estudo, um paciente sindrômico e um com obesidade após cirurgia de ressecção de astrocitoma.

A amostra final consistiu de 50 crianças (31 meninas e 19 meninos) com idade média de 11,5±2,4 anos no tempo 1, sendo os meninos mais velhos do que as meninas (12,7±2,0 vs. 10,8±2,4 anos, p=0,002). Sessenta e oito por cento eram púberes, 14% eram pré-púberes e 18% eram pós-púberes. O intervalo médio entre as consultas realizadas no tempo 0 e no tempo 1 foi de 379,5,7±79,5 dias.

Redução da renda familiar durante o período da pandemia foi relatada por 44% das famílias; 68% têm vivido com menos de 2 salários/mês (R$ 1.045,00, em 2020). Com exceção de uma criança, a maioria estudava em escolas públicas. Nenhum havia retornado à sala de aula. A maioria dos pacientes entrevistados permaneceu em casa com seus pais e/ou avós durante o fechamento das escolas. Sobre o ensino remoto: 42% realizaram tarefas escritas e 56% assistiam às aulas remotamente; o tempo dedicado aos estudos foi inconsistente nas respostas ao questionário. Uma criança relatou ter abandonado a escola (Figura 1). Todos os responsáveis expressaram dificuldade em transferir a escola para casa.


Figura 1. Impacto da quarentena e do fechamento de escolas no estilo de vida e na percepção do peso corporal



A maioria relatou ganho de peso, mas 58% dos pacientes afirmaram indiferença diante do peso extra e 34% relataram tristeza com o ganho ponderal. O tempo estimado de tela para fins de lazer foi de mais de seis horas por dia em 60% dos entrevistados. Apenas 11 (22%) mantiveram atividade física e cinco (10%) relataram redução das horas de sono. Vinte e nove (58%) relataram aumento no número diário de lanches, enquanto 27 (54%) relataram ingerir a mesma quantidade de alimentos. Pacientes e cuidadores relataram maior consumo de alimentos ultraprocessados, como biscoitos, bolos, pães, salgadinhos, refrigerantes e sucos em pó, e menor consumo de frutas, verduras, leite e produtos lácteos (Figura 1). No momento da consulta, apenas um paciente tinha diagnóstico de COVID-19 confirmado por laboratório, e 26% relataram pelo menos um caso na família.

A mediana do peso e a média do IMC foram significativamente maiores no tempo 1 (Tabela 1; Figura 2). As medianas da mudança de peso e do escore-z de peso entre consultas foram de +9,0 kg (-3,6 a 25,5) e +0,07 (-0,97 a +1,18), respectivamente. A mediana das alterações do IMC e do escore-z do IMC entre consultas foi de +1,9 kg/m2 (-2,9 a +7,7) e +0,11 (-0,93 a +1,47), respectivamente. Não houve diferença entre os sexos. Vinte e oito (56%) crianças tiveram aumento no escore-z do IMC e em 22 (44%) foi observada redução. Ao ajustar o IMC para a mediana de sexo e idade, a mediana do ÁIMCaj foi +1,65 kg/m2 (-3,60 a +6,90). Não houve relação entre ÁIMCaj e IMC inicial (tempo 0), idade e intervalo entre consultas.





Figura 2. Comparação entre peso, escore-z do peso, índice de massa corporal (IMC) e escore-z do IMC no tempo 0 (pré-pandemia) e no tempo 1 (durante a pandemia)
Observação: Resultados obtidos com o teste t pareado e o teste de Wilcoxon.



Quarenta e cinco (90%) pacientes ganharam peso, com aumento médio de 19,6% (0,5-44,4) em relação ao peso pré-pandemia. Dezenove (42,2%) tiveram ganho ponderal de 20% e 22 (48,9%) entre 10 e 20%. Não houve relação entre porcentagem de ganho ponderal, aumento de peso e escores--z do IMC, idade do paciente ou tempo entre consultas. No tempo 0, treze (26%) pacientes estavam acima do peso, 19 (38%) eram obesos e 18 (36%) tinham obesidade grave. No tempo 1, esses números eram nove (18%), 20 (40%) e 20 (40%), respectivamente; uma criança foi reclassificada como tendo peso saudável. Houve aumento na prevalência de obesidade de 74% para 80%


DISCUSSÃO

Os resultados do presente estudo mostraram ganho de peso não saudável em um grupo de pacientes pediátricos previamente diagnosticados com sobrepeso/obesidade. O fechamento das escolas resultou em redução da atividade física regular, maior tempo de tela e maior consumo de alimentos com alto teor calórico, condições que podem estar associadas a aumento do IMC em crianças18, 13). Seria de se esperar que as crianças compensassem a falta de escola com atividades recreativas em casa, mas as restrições impostas pela quarentena podem ter aumentado o temor das famílias de realizar atividades como andar pelas ruas ou ir a parques. O número de ausências em consultas médicas também pode estar relacionado ao medo da COVID-19 ou à dificuldade de ter acesso a um hospital. Houve queda na renda familiar, o que contribuiu para o aumento do consumo de alimentos mais calóricos e baratos(19).

Pessoas com sobrepeso ou obesidade tendem a ganhar mais peso em situações de estresse19, 28, 29). Crianças e adolescentes tendem a ganhar peso durante as semanas de férias(13-15) e as taxas de obesidade infantil podem aumentar proporcionalmente ao número de meses em que as escolas permanecem fechadas130, 31). Weaver et al.(32) relataram que, antes da pandemia, o ganho anual de escore-z do IMC era de +0,03 em crianças com idade média de 8,7 anos e que, durante a pandemia, o aumento foi de +0,34, ou seja, aproximadamente 10 vezes maior. O ganho também foi maior em mulheres previamente eutróficas (+0,58), o que significa risco de apresentar sobrepeso/obesidade 7,5 vezes maior, semelhante ao encontrado por Kang et al.(33). Em crianças de 4 a 14 anos de idade, houve aumento na prevalência de sobrepeso de 23,9% para 31,4% e escore-z de IMC médio de +0,22, sendo diretamente associado à idade de 4 a 12 anos com o número de dias de fechamento da escola(34). O percentual de crianças coreanas de 4 a 12 anos de idade com sobrepeso ou obesidade aumentou de 24,5% no início da pandemia da COVID-19 para 38,1% um ano depois (p &lt;&nbsp;0,001)(5). Em nosso estudo, houve aumento de +0,11 (-0,93 a +1,47) no escore-z do IMC e acréscimo de 6% na prevalência de obesidade, embora nosso grupo consistisse apenas de pacientes previamente diagnosticados com sobrepeso. Nos estudos de Weaver et al.(32) e Kang et al.+, crianças com sobrepeso prévio não tiveram aumento exacerbado no escore-z do IMC durante a quarentena. Isso pode ter ocorrido porque essas crianças já viviam em ambientes em que as mudanças impostas pela pandemia não eram tão relevantes e por conta da limitação do uso do escore-z do IMC, que tende a ser comprimido nas faixas mais altas de IMC, potencialmente mascarando o ganho real de peso em crianças com obesidade prévia(17). Por outro lado, um grupo holandês que não relatou diferenças entre os escores-z de IMC pré-pandemia e durante a pandemia conseguiu combinar consultas digitais e presenciais adaptadas durante a pandemia(35). Por sua vez, Brooks et al.(18) relataram aumento médio de 0,31 kg/m2 no ÁIMC. nos três anos anteriores à pandemia e aumento de 0,62 kg/m2 de setembro a dezembro de 2020 em um grupo de 96.501 pacientes com idades entre 6 e 17 anos, sendo tal aumento mais destacado em crianças com obesidade prévia (1,16 kg/m2). Da mesma forma, Miller et al.(6) encontraram maior aumento no ÁIMCaj durante a pandemia em pacientes de três a 19 anos de idade que tinham obesidade prévia ou obesidade grave, concluindo que o ganho de peso não saudável persistiu em 2021, um agravamento alarmante da obesidade infantil. No presente estudo, observamos acréscimo de 1,65 kg/m2 (-3,60 a +6,90) no ÁIMCaj, valor bastante expressivo quando comparado à variação mencionada anteriormente. Essa medida foi sugerida para avaliar crianças com sobrepeso longitudinalmente e refere-se à mudança na distância da me-diana do IMC para idade e sexo entre duas consultas sucessivas e tem vantagens sobre o uso da comparação com o valor absoluto ou escore-z do IMC(17, 26, 27). Entretanto, o escore-z do IMC é recomendado pela OMS para definir obesidade infantil, representando a condição fisiológica do paciente e permitindo comparações entre idade e gênero(25). Além das limitações do escore-z do IMC, devemos utilizar o IMC com cautela no monitoramento das mudanças na composição corporal de crianças em crescimento(34).

Ganho ponderal foi detectado em 90% dos pacientes durante a pandemia, com aumento de 19,6% em relação ao peso inicial. Isso é considerado insalubre e vai na direção oposta do conceito atual de obesidade controlada por meio de reduções de peso de 3 a 10%, que não são suficientes para normalizar o IMC, mas podem melhorar as condições subja-centes(36). Em crianças, foi determinado que redução de 0,20 no escore-z do IMC é clinicamente significativa e comparável a perda de peso de 5%(37).

Um estudo com 726 crianças e adolescentes (115 brasileiros) mostrou que o percentual de adolescentes fisicamente inativos aumentou de 73% para 79,5% no período da pandemia. No Brasil, a incidência de estilo de vida sedentário aumentou de 40,9% para 93%(38). Além disso, mais de 60% das crianças brasileiras consumiram alimentos ultraprocessados pelo menos cinco vezes por semana, devido ao estresse e à ansiedade causados pelo isolamento(38). Aumento do consumo de alimentos ultraprocessados e mais tempo de sedentaris-mo também foram identificados no presente estudo, bem como aumento dos sentimentos de tristeza e ansiedade. O fechamento das escolas e as medidas de isolamento podem afetar negativamente a saúde física e mental das crianças. Além disso, as crianças podem ter dificuldades para adquirir novas competências e habilidades e vivenciar a deterioração de seus relacionamentos interpessoais, o que aumenta a sua propensão para desenvolver estresse agudo e crônico, ansiedade, depressão, distúrbios do sono e do apetite, irritabilidade, medo e insegurança(29, 39, 40). Para muitas crianças, a escola não serve apenas para a educação pedagógica, mas também é uma janela para a liberdade que permite a interação, a alimentação saudável, noções de higiene e comportamento(29). Foi demonstrado que as crianças estão direta e indiretamente expostas às situações trazidas pela COVID-19(39).

A lacuna de aprendizado entre crianças de famílias de baixa e alta renda também foi ampliada com o fechamento de escolas. A explicação para esse fato reside no acesso limitado a computadores e/ou smartphones, na má qualidade das conexões com a Internet e na falta de espaço físico adequado para fazer as tarefas escolares, fatores observados em famílias de baixa renda. Também houve aumento do risco de evasão escolar, abuso infantil e trabalho infantil(29).

As limitações deste estudo são a ausência de dados coletados durante um período maior anterior à pandemia e a ausência de um grupo de crianças saudáveis com peso previamente saudável. O medo de levar os filhos ao médico e expô-los ao risco de contaminação pelo SARS-CoV-2 no transporte público, nas salas de espera do ambulatório ou durante o contato com a equipe multidisciplinar também foi um fator limitante para a amostra.

Estudar a variação de peso e IMC durante o período de crescimento é um desafio e, como não há precedentes para a situação atual, faltam dados sobre os efeitos deletérios do isolamento social e do fechamento das escolas sobre a saúde de crianças e adolescentes. Por outro lado, este estudo destacou o ganho de peso não saudável, o aumento do IMC e o estilo de vida sedentário, além de algumas dificuldades enfrentadas pelas crianças durante o período. Um possível efeito colateral dessas restrições é o ganho excessivo de peso e o agravamento da epidemia global de obesidade.

Em nosso grupo, o fechamento das escolas causou ganho de peso não saudável, aumento do tempo de seden-tarismo e maior consumo de alimentos ultraprocessados. A pandemia da COVID-19 ainda não acabou e há vários fatores desconhecidos, como a duração da imunidade natural e va-cinal, o impacto das novas variantes do SARS-CoV2, o efeito de longo prazo da síndrome pós-COVID-19 e o tratamento inadequado de doenças crônicas, os impactos emocionais e a dificuldade de aprendizagem causada pelo fechamento das escolas. Esperamos que a sociedade e as autoridades reconheçam a obesidade como uma doença crônica, estabelecendo medidas de tratamento, prevenção e redução do estigma causado pela doença.


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1. Hospital de Clínicas - Universidade Federal do Paraná, Unidade de Endocrinologia Pediátrica Prof. Romolo Sandrini - Curitiba - Paraná - Brasil
2. Hospital de Clínicas - Universidade Federal do Paraná, Serviço de Endocrinologia e Metabologia do Paraná (SEMPR) - Curitiba - Paraná - Brasil

Endereço para correspondência:

Adriane de Andre Cardoso Demartini
Hospital das Clínicas
Endereço: R. Gen. Carneiro, 181 - Alto da Glória
Curitiba - PR, Brasil. CEP: 80060-900
E-mail: dra.adriane@yahoo.com.br

Data de Submissão: 11/03/2023
Data de Aprovação: 02/04/2023