ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo de Revisao - Ano 2023 - Volume 13 - Número 2

Intervenções baseadas em mindfulness para crianças com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade

Mindfulness-based interventions for children with attention deficit and hyperactivity disorder

RESUMO

INTRODUÇÃO: O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) tem prevalência de 5 a 7,5% de todas as crianças do mundo, com grande impacto financeiro na saúde e educação. A sobrecarga do cuidador afeta a dinâmica familiar e os relacionamentos conjugais. Isso facilita o uso de métodos reativos e punitivos na parentalidade, levando a um círculo vicioso, intensificando o comportamento infantil desajustado. Seu manejo é abordado por diferentes áreas de atuação, representando um desafio para os provedores de saúde e cria demanda por opções alternativas. Mindfulness é uma intervenção baseada em meditação, que serve como uma ferramenta direta para auxílio da autorregulação emocional infantil e indireta no manejo do estresse parental, servindo como auxílio na educação infantil. Este trabalho tem objetivo de descrever os fundamentos e as evidências clínicas do uso do Mindfulness em crianças com TDAH.
METODOLOGIA: Revisão da literatura baseada realizada entre 2000 e 2021.
RESULTADOS: A busca resultou em 351 artigos, dos quais 6 ensaios clínicos randomizados e 4 revisões sistemáticas que foram incluídas na revisão. Os achados indicaram melhora nos sintomas de TDAH das crianças em relação à impulsividade, atenção, agressividade e regulação emocional. Enquanto nos pais, foram observadas melhora no estresse parental e na parentalidade atena.
CONCLUSÃO: a revisão sugeriu benefícios da prática para crianças nos sintomas internalizantes e TDAH, além de benefícios no estresse parental, prática da parentalidade e relacionamento interfamiliar. No entanto, pesquisas longitudinais futuras devem ser realizadas para confirmar os benefícios e a sustentabilidade dos efeitos a longo prazo.

Palavras-chave: Atenção plena, Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade, Revisão, Terapêutica.

ABSTRACT

The prevalence of attention deficit and hyperactivity disorder (ADHD) in children worldwide is 5 to 7.5%. ADHD causes substantial financial impact on health and education services. The burden placed on caregivers affects family dynamics and marital relationships. Parents often resort to punishment in response to their children’s behavior, which creates a vicious circle in which maladjusted child behavior intensifies. Professionals from different areas manage cases of ADHD differently, posing a challenge to healthcare providers and creating demand for alternative options. Mindfulness is a meditation-based intervention that helps children develop emotional self-regulation and parents manage stress, and aids in child rearing. This paper describes the rationale and clinical evidence in favor of the use of mindfulness interventions in children with ADHD.
METHOD: This literature review included articles published between 2000 and 2021.
RESULTS: A total of 351 articles, six of which randomized clinical trials and four systematic reviews, were included in the review. In children, the findings indicated improvement in ADHD symptoms in the areas of impulsivity, attention, aggressiveness, and emotional regulation. In parents, improvements were seen in stress levels and mindful parenting.
CONCLUSION: The review suggested benefits from mindfulness interventions for children in internalizing symptoms and ADHD, in addition to benefits to parents in stress management, parenting practices, and interfamily relationships. However, longitudinal research must be conducted to confirm the benefits and sustainability of long-term effects.

Keywords: Mindfulness, Attention Deficit and Hyperactivity Disorder, Review, Therapeutics.


INTRODUÇÃO

O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é um transtorno do neurodesenvolvimento definido por níveis prejudiciais de desatenção, desorganização e/ou hiperatividade-impulsividade, presentes em mais de um ambiente, com início antes dos 12 anos deidade. Segundo os critérios diagnósticos da quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), comportamento desatento e desorganizado refere-se à incapacidade de permanecer em uma tarefa única, aparência de não ouvir e perda de materiais em níveis inconsistentes com a idade ou desenvolvimento. Já a hiperatividade implica atividade excessiva e inquietação, enquanto a impulsividade refere-se a ações precipitadas que ocorrem sem premeditação1.Tal condição encontra-se frequentemente associada a comorbidades como transtornos externalizantes, quando associada a distúrbios do comportamento, e internalizantes, quando associada a distúrbios no humor ou emoções, podendo ser uma consequência da desregulação emocional da criança afetada2.

O TDAH apresenta uma prevalência de 5 a 7,5% de todas as crianças do mundo, sendo mais prevalente em meninos com uma proporção de 3:13. Os custos anuais estimados, nos Estados Unidos, variam de 143-266 bilhões de dólares, principalmente relacionados à saúde, seguida de educação, perda de produtividade do cuidador e criminalidade4.

A sobrecarga do cuidadorpodeterum impacto emocional, com maior propensão a apresentar transtornos psiquiátricos, além do impacto financeiro devido aos custos diretos de saúde do doente, somado à saída do mercado de trabalho do cuidador principal5. Isso afeta o funcionamento familiar como um todo, a partir do surgimento de um novo papel de cuidador e com a sobrecarga de trabalho prejudicando os relacionamentos conjugais6. Assim, os pais tendem a ser menos pacientes e mais impulsivos, principalmente aqueles também acometidos pelo TDAH devido ao seu componente hereditário7. O uso de métodos mais reativos e punitivos leva a um círculo vicioso, intensificando o comportamento infantil desajustado8.

Essas crianças são complexas para os provedores de saúde devido à necessidade de cuidados médicos especializados como psiquiatria e neurologia; serviços terapêuticos multidisciplinares incluindo terapia ocupacional, fonoaudiologia e psicologia, além de coordenação do cuidado mais atenta9. Embora tais distúrbios sejam abordados por diferentes áreas de atuação, seu manejo ainda é um desafio para as diferentes especialidades10.

Os medicamentos e intervenções psicossociais são os tratamentos mais comumente usados para reduzir os sintomas de TDAH em crianças e adolescentes11. O tratamento com metilfenidato é a principal escolha para crianças com TDAH. No entanto, cerca de 30% dos pacientes não apresentam benefícios com a medicação, devido ao alto custo, aos efeitos adversos e à dificuldade de aderência ao tratamento11,12. Sendo assim, em função das dificuldades no tratamento dessas crianças e adolescentes no longo prazo, há uma grande demanda por opções alternativas de tratamento dessa condição clínica; entre estas, as técnicas baseadas no conceito de mindfulness ou atenção plena vem se destacando na literatura médica.

O mindfulness é uma intervenção baseada em técnicas de meditação, que visa aumentar a consciência prestando atenção propositalmente no momento presente, melhorar a observação sem julgamentos e reduzir a resposta automática13. Os indivíduos são encorajados a direcionar sua atenção para experiências internas como sensações corporais, emoções, pensamentos e tendências de ação, bem como para estímulos ambientais como cheiros e sons ao redor14.

A capacidade de focar e manter atenção no momento presente e retornar à atenção sempre que houver uma distração, o que é treinado durante um curso de atenção plena, pode ser especialmente benéfico para crianças com TDAH, visto que um de seus principais sintomas é a desatenção. Além disso, deve-se observar os pensamentos sem julgá-los, permitindo o reconhecimento de emoções e padrões de pensamento, de forma a interromper a resposta automática. Assim, os indivíduos aprendem a responder ao invés de reagir aos estímulos, sendo interessante para manejo do comportamento hiperativo-impulsivo15.

Sendo assim, o mindfulness com enfoque na família serve como uma ferramenta direta para as crianças, auxiliando na autorregulação emocional e indireta para os pais, permitindo manejo do estresse e servindo como auxílio na educação infantil. Essa ferramenta também pode ser chamada de parentalidade atenta, que significa atrair a atenção consciente para o momento presente, ao invés de se deixar levar pelas emoções, de modo que os pais estejam cientes das necessidades do filho a qualquer momento16. Tal abordagem permite a regulação de emoções, comportamento e processos cognitivos, principalmente em resposta ao estresse. Isso pode ser particularmente relevante para famílias sobrecarregadas,reduzindo as interações automáticas comos filhos eabrindo caminho para relacionamentos mais positivos17.

A elevada prevalência do TDAH, seu impacto na saúde pública, nas questões psicossociais e na dinâmica familiar, representa um desafio no cuidado clínico. Esta revisão avaliou os fundamentos e as evidências clínicas do uso do mindfulness em crianças e adolescentes com Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade e seus cuidadores.


METODOLOGIA

Trata-se de uma revisão não sistemática da literatura sobre mindfulness como suporte terapêutico em crianças e adolescentes com TDAH e seus cuidadores. A busca por periódicos ocorreu nos seguintes bancos de dados eletrônicos: Lilacs/SciELO, Medline/ PubMed, BVS/Bireme, Cochrane/Central, Scopus/Elsevier e Em-base/Elsevier. As restrições aplicadas na busca foram em relação ao período de janeiro de 2000 a junho de 2021 e idioma das publicações em inglês, espanhol e português. Os descritores MeSH e entry terms foram utilizados na busca do Medline e Cochrane, enquanto os Emtree no Embase e Decs no Lilacs. Os termos de busca escolhidos foram: Mindfulness/Atenção plena; Parenting/ Educação parental; Child Rearing/Educação infantil; Parent-Child Relations/Relações pais-filho; Child/ Criança; Adolescent/adolescente; Pediatrics/pediatria; Child behavior disorders/ Transtorno do comportamento infantil, Attention Deficit Hyperactivity Disorder/Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade. Foram utilizados também na pesquisa o termo Mindful Parenting e termos diversos tais como: palavras de texto, sinônimos, siglas, termos relacionados; além de outras referências encontradas nos artigos selecionados.

Os critérios de inclusão foram: 1) desenhos de estudo – ensaio clínico randomizado ou revisão sistemática; 2) idade dos participantes dos estudos – crianças e adolescentes até 19 anos; 3) diagnóstico dos participantes – TDAH diagnosticado por especialista e/ou DSM-5; 4) intervenção utilizada – baseada na atenção plena, definida como conscientização não julgadora proposital da experiência em andamento (Kabat-Zinn (2003))13; 5) intervenção aplicada nas crianças e adolescentes e/ou em seus cuidadores.

Os documentos identificados na busca foram avaliados, inicialmente, por títulos e resumos. Os artigos considerados relevantes foram lidos na íntegra e os que preencheram os critérios de inclusão foram selecionados para a revisão da literatura. Os artigos duplicados foram excluídos.

Os artigos selecionados foram identificados pelo título, nome do autor, ano de publicação, tipo de estudo e país. A seguir, foram analisados quanto aos participantes: filhos e/ou pais, tamanho da amostra, idade, sexo, recrutamento, presença de comorbidades nas crianças com TDAH, utilização de outras terapias prévias ou concomitantes, associação com outras doenças, condição socioeconômica familiar, grau de instrução dos pais, composição familiar e presença de TDAH no familiar. Quanto à descrição das técnicas de parentalidade atenta utilizadas, os artigos foram analisados segundo o tipo de técnica, o fundamento clínico, o protocolo de treinamento e os dados relacionados a sua aplicação (intervenção). Sendo estes últimos direcionados à alocação da técnica, capacitação do participante e execução do estudo. Buscou-se identificar a presença de grupo-controle, randomização, cegamento, controle da efetividade do treinamento e da execução continuada. Em relação aos desfechos clínicos de interesse da pesquisa, os artigos foram analisados segundo suas descrições e avaliações,assim como a análise deles, de acordo com o método de avaliação, avaliador, cegamento, etapas de avaliação, tempo de seguimento, perdas e efeito adverso.


RESULTADOS

Inicialmente, foram identificados 351 artigos (Figura 1). Destes, 310 foram excluídos após a leitura de títulos e resumos e após descarte dos artigos duplicados. Dos 41 artigos lidos na íntegra, 29 foram excluídos por não contemplarem os objetivos do estudo e 2 foram excluídos por ter apenas o projeto piloto divulgado. Por fim, os dez artigos que atenderam aos critérios de inclusão e ao objetivo do estudo foram incluídos no estudo, sendo seis ensaios clínicos randomizados (ECR) e quatro revisões sistemáticas (RS).


Figura 1. Fluxograma da seleção dos artigos.



As características autorais dos seis estudos de ensaios clínicos randomizados, assim como as técnicas utilizadas, seus fundamentos eprotocolos seguidos estão descritos nas Tabelas 1 e 2,respectivamente. Tanto a duração das sessões semanais quanto o tempo da intervenção variaram entre os estudos incluídos, de 18 a 120 minutos e de 6 a 12 semanas (Tabela 2) respectivamente.







A aplicação da técnica teve objetivos distintos, como melhora dos sintomas de TDAH, sintomas de internalização e externalização, método de disciplina parental, estresse parental, bem-estar dospais e atenção plena conforme descrito na Tabela 3.




O diagnóstico de TDAH dos participantes foi confirmado por médico através da escala DSM-IV em um estudo, DSM-5 em três estudos, escala Swan em um estudo e um deles aceitou diagnóstico prévio do centro médico onde foram recrutados os participantes.

O tamanho amostral foi bem variado entre os estudos,com crianças com TDAH entre 5-12 anos e predomínio de sexo masculino (Tabela 4). A maioria dos participantes foi recrutada de clínicas especializadas e hospitais. Embora seja comum a associação de TDAH com distúrbios de internalização e externalização, somente três estudos descreveram essas comorbidades, sendo que um deles não divulgou o percentual de participantes acometidos. Dois estudos descreveram um percentual de participantes que já haviam participado de outro tipo de terapia comportamental.




Os critérios de exclusão dos estudos foram heterogêneos. Pacientes com deficiência intelectual foram excluídos em cinco estudos, autistas em outros cinco, com desordem psiquiátrica em 4 estudos e com problemas neurológicos e comportamentais em um estudo. Nenhum estudo descreveu as doenças associadas nos participantes incluídos nos estudos, embora um deles tenha excluído participantes que apresentassem quaisquer outras condições clínicas. Em relação ao uso de medicamentos, um estudo excluiu uso irregular de medicamento para TDAH e dois descartaram pacientes em uso de medicamentos para TDAH (Tabela 4).

A Tabela 5 apresenta as características populacionais dos pais. Somente um estudo informou a condição socioeconômica familiar, enquanto quatro deles incluíram o grau de instrução que, em sua maioria, apresentavam ensino superior completo. O casamento foi observado na maioria da composição familiar dos estudos nos quais essa informação foi divulgada. Somente dois estudos avaliaram a presença de sintomas de TDAH nos pais. Os estudos solicitavam a presença de pelo menos um dos pais, sendo em sua maioria representado apenas pela figura feminina.




Em relação à intervenção, o grupo-controle dos estudos foi composto por crianças com TDAH que receberam outra técnica comportamental ou com crianças oriundas de uma lista de espera para intervenção (Tabela 6). Embora todos os estudos tenham sido descritos como randomizados, nem todos explicitaram sua técnica de randomização, sendo, portanto, classificados como não randomizados. Somente dois estudos descreveram o cegamento em relação à ferramenta utilizada. O controle da efetividade da técnica foi realizado em alguns estudos com a presença de instrutores de mindfulness qualificados, enquanto o controle de sua execução foi feito a partir de avaliação da participação nas sessões e na realização das tarefas domiciliares. Houve perdas de participantes nos estudos por não atingirem a presença mínima nos encontros ou por desejo da família em sair do estudo.




Os desfechos foram avaliados de forma distinta: dois estudos não incluíram os pais no programa de intervenção, embora em um deles avaliaram-se efeitos da intervenção no estresse parental (Tabela 7). Dois estudos não incluíram as crianças na intervenção, embora seus sintomas de TDAH tenham sido avaliados através de questionário com os pais.




Os resultados da intervenção nos pais foram avaliados com diferentes escalas, incluindo: índice de parentalidade atenta (PA), comportamento parental, estresse, sintomas de TDAH, índice de bem-estar pela Organização Mundial de Saúde (OMS), variabilidade de frequência cardíaca e escala de atenção e conscientização de mindfulness (Tabela 6). Algumas escalas levaram em consideração a interação de pais-filhos. Nas crianças, foram avaliados: comportamento infantil, sintomas de TDAH, habilidade social e de comunicação, testes neuropsicológicos, habilidades acadêmicas, inteligência e condições psiquiátricas (ansiedade, depressão e psicopatia). Tais dados foram obtidos a partir de testes específicos com as crianças e questionários realizados com os pais, professores ou diretamente com as crianças. Quatro estudos realizaram seguimento de 1-8 semanas após a intervenção.


DISCUSSÃO

Apesar do crescente número de publicações na literatura médica sobre intervenções envolvendo mindfulness, poucos estudos de ECR e RS abordam o presente objeto de estudo — seus efeitos em crianças e adolescente com TDAH e seus pais.

Existem diferentes versões de programas de mindfulness, tais como redução do estresse baseado na atenção plena (MBSR), terapia cognitiva baseada na atenção plena (MBCT); parentalidade atenta e intervenção de mindfulness baseado na família (FBMI). Todas apresentam mesmo formato e estrutura básica de aulas de mindfulness com exercícios para incorporação da atenção plena na vida diária, consciência corporal e forma de lidar com pensamentos e emoções24. Os tipos de técnicas baseadas em mindfulness foram distintos nos estudos e, embora todos derivem do mesmo conceito, o objetivo da técnica é diferente como a interação pai-filhos no PA e redução de estresse no MBSR. Na PA, pais são ensinados a prestar atenção na própria respiração antes derespondera comportamentos infantis quepodem desencadear reações impulsivas. Já no MBSR, os pais são ensinados sobre o mecanismo do estresse e em como abordar tal situação usando habilidades de atenção plena24.

A comparação entre os ensaios clínicos foi prejudicada, pois os estudos analisados apresentaram distintas técnicas baseadas em mindfulness com fundamentos variáveis e, também, os protocolos aplicados diferiam em relação ao tempo da sessão e duração do método (Tabela 2).

Houve grande diversidade nos critérios de seleção da população, afetando a caracterização do grupo de estudo e análise dos desfechos (Tabela 3). A variabilidade na idade das crianças participantes pode ter influenciado os desfechos relatados pelo próprio indivíduo, pelo grau de compreensão, assim como, pelas famílias, pela forma de interação. Houve variação na presença de comorbidades das crianças, o tipo e a gravidade do TDAH e uso de medicações (prévias, atuais ou ausência) afetando a homogeneidade da seleção, levando a um viés de confusão. Na maioria dos estudos, havia um maior percentual de participantes do sexo masculino, podendo ser justificado pela maior prevalência da doença nesse gênero. Em alguns estudos, foram incluídas crianças que já haviam realizado outro tipo de terapia para TDAH como terapia comportamental, podendo influenciar os resultados.

Em relação às famílias incluídas nos estudos, os participantes eram compostos em sua maioria por pais casados e com ensino superior completo (Tabela 4). O grau de instrução pode facilitar a aderência à técnica`, e a estabilidade conjugal, à relação interfamiliar. Nem todos os estudos descreveram a presença de TDAH nos pais ou outras doenças associadas que poderiam dificultar a adesão à técnica e sua aplicação na parentalidade.

Adiversidadeétnica das famílias podeinfluenciar nos resultados dos estudos, uma vez que o fator cultural pode estimular a participação das famílias, podendo gerar um viés de seleção. Além disso, a compreensão e a aderência à prática também podem ser alteradas por esse fator.

Em relação à intervenção, os estudos apresentaram diferentes tipos de grupo controle e nem todos os estudos incluídos puderem ser classificados como randomizados devido à falta de descrição da técnica de randomização e alocação dos participantes (Tabela 5). A efetividade do treinamento foi descrita por instrutores de mindfulness com distintas certificações e poucos estudos descreveram cegamento. Os estudos tiveram algumas perdas de seguimentos de participantes sem a justificativa para tal. Isso pode ter ocorrido devido ao tempo requerido para intervenção, pela dificuldade de conciliá-la com as tarefas cotidianas ou pela falta de confiança dos pais na técnica.

Alguns estudos realizaram a intervenção tanto nos cuidadores quanto nas crianças, dificultando a definição do elemento mais importante — mindfulness para as crianças, para os pais ou a combinação de ambas. Nem todos os estudos incluíram os pais e as crianças na intervenção e, quando incluídos, geralmente somente a mãe participava da intervenção.

Os dados dos desfechos foram obtidos através questionários e testes, sendo que a maioria das perguntas foi realizada com os pais, que também participaram do estudo, podendo levar a um viés de aferição (Tabela 6). Foram avaliadas diferentes variáveis e o mesmo fator foi avaliado por escalas distintas, embora descritas como escalas validadas nos estudos, prejudicando a comparação entre eles. Nenhum seguimento foi realizado no longo prazo.

O índicede PA avalia práticas parentais conscientes,conforme os conceitos descritos anteriormente. No estudo analisado, foi observado que os pais de filhos com TDAH apresentam menores níveis de PA, da mesma forma que os pais em sofrimento psíquico, independente da presença do TDAH. Houve indícios de melhora no estresse parental e PA após a intervenção baseada em atenção plena18. A literatura também sugere a redução dos níveis de estresse parental e refere que os benefícios podem ser mantidos por até 1 ano após a intervenção25.

Os estudos analisados apontaram melhora nos sintomas de TDAH das crianças na impulsividade e atenção18-23. Além de melhora no comportamento agressivo e regulação emocional21,22. No ambiente escolar, a melhora foi percebida apenas na atenção, semefeito no comportamento18. Esses resultadoscorroboramcom a descrição da literatura sobre os benefícios do mindfulness nos principais sintomas de TDAH, com destaque para o componente da desatenção26.

Os artigos de Revisão Sistemática incluídos no estudo não recomendarama aplicação clínica do mindfulness emcrianças com TDAH devido à qualidade dos estudos incluídos. Porém apontaram algumas possíveis indicações: melhora na atenção de indivíduos com TDAH, independente dos estágios de desenvolvimento27; ferramenta de psicoeducação para pais da comunidade em geral para reduzir os níveis de estresse e aumentar a consciência emocional de seus filhos28; uso como terapia complementar à farmacoterapia e tratamentos comportamentais29; uso para redução do estresse parental e na construção de um senso de confiança na parentalidade30.

Sendo assim, devemos interpretar esses resultados com cautela ao considerar a heterogeneidade dos estudos em relação à idade do participante, condições de controle, ano de publicação, qualidade do estudo, tipo de meditação, duração da intervenção e tipo de informante, além das questões já mencionadas anteriormente.


CONCLUSÃO

Esta revisão apresentou as técnicas baseadas em mindfulness como ferramenta de auxílio nos sintomas das crianças com TDAH e na relação pai-filho; particularmente no controle nos sintomas de atenção, comportamento hiperativo e sintomas internalizantes na infância, assim como redução do estresse parental e melhora na relação interfamiliar.

Embora a utilização dessas técnicas apresente indícios crescentes de benefícios terapêuticos para a criança com TDAH e seus familiares, ainda se fazem necessários maiores estudos a fim de confirmar os benefícios relatados. Pesquisas longitudinais futuras devem avaliar o indivíduo com TDAH considerando alguns aspectos: relativos às crianças — comorbidades, gravidade do TDAH e seu subtipo e uso de terapias associadas; relativos aos pais — composição familiar, nível socioeconômico e presença de TDAH; relativos à intervenção — alocação, capacitação da técnica e controle, randomização e cegamento; relativos à avaliação do desfecho — modo de avaliação e o tempo de seguimento do estudo.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A adoção do mindfulness no contexto familiar pode equipar os pais com habilidades para lidar com eventos estressantes normativos, prevenindo o surgimento de raiva excessiva e auxiliando na autorregulação emocional da criança. O uso de práticas parentais mais conscientes contribui não só para uma melhora nos distúrbios internalizantes e externalizantes infantis como também para um relacionamento interfamiliar mais positivo.

Isso pode se estender para outras condições de pais em sofrimento psíquico. Conforme descrito no trabalho, o sofrimento parental está associado a níveis reduzidos do índice de parentalidade atenta, podendo ter benefícios com a prática.

Pesquisas futuras deveriam levar em consideração o subtipo e a gravidade do TDAH, além do uso de multi-informantes para permitir a avaliação da criança em mais de um ambiente. Seria interessante a comparação da combinação do treinamento em mindfulness em paralelo de pais e filhos com o treinamento infantil e parental isolado, assim como a participação de ambos os cuidadores.

O desenvolvimento de um programa de manutenção e aprofundamento em mindfulness poderia estimular a continuação da prática após o término da intervenção e a sustentabilidade dos efeitos no longo prazo deveria ser analisada.


REFERÊNCIAS

1. Association. AP. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-5). Arlington: American Psychiatric Pub; 2013.

2. Hughes EK, Gullone E. Internalizing symptoms and disorders in families of adolescents: a review of family systems literature. Clin Psychol Rev. 2008;28(1):92117.

3. Willcutt EG. The prevalence of DSM-IV attention-deficit/hyperactivity disorder: a meta-analytic review. Neurotherapeutics. 2012;9(3):490-9.

4. Doshi JA, Hodgkins P, Kahle J, Sikirica V, Cangelosi MJ, Setyawan J, et al. Economic impact of childhood and adult attention-deficit/hyperactivity disorder in the United States. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2012;51(10):990-1002. e2.

5. Pilapil M, Coletti DJ, Rabey C, DeLaet D. Caring for the caregiver: supporting families of youth with special health care needs. Curr Probl Pediatr Adolesc Health Care. 2017;47(8):190-9.

6. Caicedo C. Families with special needs children: family health, functioning, and care burden. J Am Psychiatr Nurses Assoc. 2014;20(6):398-407.

7. Miller-Lewis LR, Baghurst PA, Sawyer MG, Prior MR, Clark JJ, Arney FM, et al. Early childhood externalising behaviour problems: child, parenting, and family-related predictors over time. J Abnorm Child Psychol. 2006;34(6):891-906.

8. Breaux RP, Harvey EA. A Longitudinal study of the relation between family functioning and preschool ADHD symptoms. J Clin Child Adolesc Psychol. 2019;48(5):749-64.

9. Fox HB, McManus MA, Almeida RA, Lesser C. Medicaid managed care policies affecting children with disabilities: 1995 and 1996. Health Care Financ Rev. 1997;18(4):23-36.

10. Antshel KM, Hargrave TM, Simonescu M, Kaul P, Hendricks K, Faraone SV. Advances in understanding and treating ADHD. BMC Med. 2011;9:72.

11. Wolraich M, Brown L, Brown RT, DuPaul G, Earls M, Feldman HM, et al. ADHD: clinical practice guideline for the diagnosis, evaluation, and treatment of attention-deficit/hyperactivity disorder in children and adolescents. Pediatrics. 2011;128(5):1007-22.

12. Graham J, BanaschewskiT, Buitelaar J, CoghillD, Danckaerts M, DittmannRW, et al. European guidelines on managing adverse effects of medication for ADHD. Eur Child Adolesc Psychiatry. 2011;20(1):17-37.

13. Kabat-Zinn J. Mindfulness-based interventions in context: past, present, and future. Clin Psychol Sci Pract. 2003 Jun;10(2):144-56.

14. Kabat-Zinn J. Wherever you go, there you are: Mindfulness meditation in everyday life. New York: Hyperion; 1994.

15. Meppelink R, de Bruin E, Bögels S. Meditation or Medication? Mindfulness training versus medication in the treatment of childhood ADHD: a randomized controlled trial. BMC Psychiatry. 2016:16(1):267-83.

16. Townshend K, Caltabiano NJ. The extended nervous system: affect regulation, somatic and social change processes associated with mindful parenting. BMC Psychol. 2019;7(1):41.

17. Perry-Parrish C, Copeland-Linder N, Webb L, Sibinga EM. Mindfulness-Based Approaches for Children and Youth. Curr Probl Pediatr Adolesc Health Care. 2016;46(6):172-8.

18. van der Oord S, Bögels SM, Peijnenburg D. The effectiveness of mindfulness training for children with ADHD and mindful parenting for their parents. J Child Fam Stud. 2012;21(1):139-47.

19. Behbahani M, Zargar F, Assarian F, Akbari H. Effects of mindful parenting training on clinical symptoms in children with attention deficit hyperactivity disorder and parenting stress: randomized controlled trial. Iran J Med Sci. 2018;43(6):596-604.

20. Santonastaso O, Zaccari V, Crescentini C, Fabbro F, Capurso V, Vicari S, et al. Clinical application of mindfulness-oriented meditation: a preliminary study in children with ADHD. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(18):6916.

21. Huguet A, Izaguirre Eguren J, Miguel-Ruiz D, Vall Vallés X, Alda JA. Deficient emotional self-regulation in children with attention deficit hyperactivity disorder: mindfulness as a useful treatment modality. J Dev Behav Pediatr. 2019;40(6):425-31.

22. Lo HHM, Wong SWL, Wong JYH, Yeung JWK, Snel E, Wong SYS. The effects of family-based mindfulness intervention on ADHD Symptomology in young children and their parents: a randomized control trial. J Atten Disord. 2020;24(5):667-80.

23. Mah JWT, Murray C, Locke J, Carbert N. Mindfulness-enhanced behavioral parent training for clinic-referred families of children with ADHD: a randomized controlled trial. J Atten Disord. 2021;25(12):1765-77.

24. Harnett P, Dawe S. The contribution of mindfulness-based therapies for children and families and proposed conceptual integration. Child Adolesc Mental Health. 2012;17(4):195-208.

25. Burgdorf V, Szabó M, Abbott MJ. The effect of mindfulness interventions for parents on parenting stress and youth psychological outcomes: a systematic review and meta-analysis. Front Psychol. 2019;10:1336.

26. Xue J, Zhang Y, Huang Y. A meta-analytic investigation of the impact of mindfulness-based interventions on ADHD symptoms. Medicine (Baltimore). 2019;98(23):e15957.

27. Lee CSC, Ma MT, Ho HY, Tsang KK, Zheng YY, Wu ZY. The effectiveness of mindfulness-based intervention in attention on individuals with ADHD: a systematic review. Hong Kong J Occup Ther. 2017;30(1):33-41.

28. Townshend K, Jordan Z, Stephenson M, Tsey K. The effectiveness of mindful parenting programs in promoting parents’ and children’s wellbeing: a systematic review. JBI Database System Rev Implement Rep. 2016;14(3):139-80.

29. Evans S, Ling M, Hill B, Rinehart N, Austin D, Sciberras E. Systematic review of meditation-based interventions for children with ADHD. Eur Child Adolesc Psychiatry. 2018;27(1):9-27.

30. Zwi M, Jones H, Thorgaard C, York A, Dennis JA. Parent training interventions for Attention Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD) in children aged 5 to 18 years. Cochrane Database Syst Rev. 2011(12):CD003018.










Instituto Fernandes Figueira, Pediatria - Rio de Janeiro – Rio de Janeiro - Brasil

Endereço para correspondência:

Maria Elizabeth Pereira Freire Machado
Instituto Fernandes Figueira
Av. Rui Barbosa, 716 - Flamengo
Rio de Janeiro - RJ, Brasil. CEP: 22250-020
E-mail: bebethfreire@gmail.com

Data de Submissão: 17/05/2022
Data de Aprovação: 30/01/2023