ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2023 - Volume 13 - Número 3

Relação entre reação de hipersensibilidade e a dose zero da vacina tríplice viral: um relato de caso

Relationship between hypersensitivity reaction and the zero dose of the viral triple vacine: a case Report

RESUMO

INTRODUÇÃO: O surto de sarampo registrado no Brasil, em 2018, forçou a alteração de ações preventivas para a doença, levando ao acréscimo da dose zero da vacina Tríplice Viral para crianças a partir dos 6 meses de idade até os 11 meses e 29 dias. A dose zero antecede a primeira dose, mas não exclui sua obrigatoriedade. Estudos que abordam os malefícios e benefícios da extra dose antecipada são escassos. Este trabalho objetivou apontar os prós e contras do manejo da dose zero à luz do relato de uma reação de hipersensibilidade adversa à essa dose da vacina Tríplice Viral.
RELATO DE CASO: Paciente sexo masculino, 6 meses de idade, compareceu à consulta de puericultura para investigação de possível reação de hipersensibilidade após administração da dose zero da vacina Tríplice Viral. Ao exame físico, apresentava bom estado geral, desenvolvimento compatível com a idade e hipersensibilidade generalizada.
DISCUSSÃO: Aborda sobre a importância da Vacina Tríplice Viral e levanta a questão de poucos estudos acerca das consequências diante do novo protocolo vacinal, que preconiza a administração da dose zero em crianças menores de um ano, diante do surto de sarampo.
CONCLUSÃO: A vacina Tríplice Viral é um eficiente mecanismo para o combate ao sarampo. Os benefícios se sobrepõem aos efeitos adversos da vacina, no entanto, faz-se necessário mais estudos a fim de se conhecer as reais consequências da administração da dose zero em crianças menores de um ano.

Palavras-chave: Vacinas, Vacina contra sarampo-caxumba-rubéola, Efeitos adversos, Hipersensibilidade.

ABSTRACT

INTRODUCTION: The measles outbreak registered in Brazil in 2018, forced the alteration of preventive actions for the disease, leading to the addition of the zero dose of the Triple Viral vaccine for children from 6 months of age to 11 months and 29 days. The zero dose precedes the first dose, but does not exclude its mandatory nature. Studies that address the harms and benefits of the extra early dose are scarce. This study aimed to point out the pros and cons of zero dose management in light of the report of an adverse hypersensitivity reaction to this dose of the Triple Viral vaccine.
CASE REPORT: Male patient, 6 months old, attended the childcare consultation to investigate a possible hypersensitivity reaction after administration of the zero dose of the Triple Viral vaccine. On physical examination, he showed good general condition, development compatible with age and generalized hypersensitivity.
DISCUSSION: It addresses the importance of the Triple Viral Vaccine and raises the question of few studies about the consequences of the new vaccine protocol, which recommends the administration of zero dose in children under one year old, in the face of the measles outbreak.
CONCLUSION: The Triple Viral vaccine is an efficient mechanism to fight measles. The benefits outweigh the adverse effects of the vaccine, however, further studies are needed in order to understand the real consequences of administering the zero dose to children under one year of age.

Keywords: Vaccines. Measles-mumps-rubella vaccine. Adverse effects. Hypersensitivity.


INTRODUÇÃO

No ano de 2018, o sarampo foi reintroduzido no cenário brasileiro de forma preocupante, uma vez que o vírus da doença foi considerado eliminado de circulação no país pela Organização Mundial de Saúde em 20161. Para combater essa doença infecciosa, foi adotada a dose zero da vacina tríplice viral em crianças de 6 a 11 meses e 29 dias2,3.

A vacina tríplice viral é responsável pela imunização contra três doenças infecciosas: sarampo, caxumba e rubéola. A primeira dose de imunização é usualmente manejada aos 12 meses de idade e deve ser mantida mesmo com o manejo da dose zero, determinado durante o surto de sarampo ocorrido em 2018 no Brasil2.

As vacinas são produtos biológicos e, assim como qualquer outro, podem produzir efeitos adversos leves ou graves, que variam desde manifestações locais até efeitos sistêmicos. Independente da gravidade do evento adverso causado pela vacina, todos merecem investigação e acompanhamento4. A imunização, geralmente, é bem tolerada e apresenta baixa frequência de reação e apresentação de adversidades, sobretudo quando comparadas aos eventos de infecção pela doença quando não ocorre a vacinação4,5.

O objetivo deste trabalho é relatar e discutir um caso de reação de hipersensibilidade após a administração da vacina tríplice viral a um paciente antes dos 12 meses de idade. Este estudo visou apontar benefícios e malefícios da adoção e seguimento da nova recomendação de antecipação de imunização no contexto do surto de sarampo iniciado em 2018 no Brasil.


RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, pardo, 6 meses de idade, nascido no dia 06/04/2019, natural de Belo Horizonte/MG, foi levado ao ambulatório para realização de consulta de puericultura com relato de suspeita de alergia à vacina tríplice viral. O responsável afirmou que, após a realização da vacina tríplice viral, a criança apresentou "manchas vermelhas pelo corpo e no rosto", de caráter intermitente, mas cuja primeira aparição se deu em seguida à vacinação, próximo ao local de aplicação, na região do músculo vasto lateral direito. No mesmo dia, o pai conduziu o paciente ao Hospital da Criança, por volta das 21 horas, quando foi medicado com desloratadina e, logo após, teve alta. Foi relatada a continuidade de um ressecamento na região da glabela do paciente, sem melhora com a aplicação do hidratante prescrito em consulta anterior.

O informante negou outras comorbidades. A criança estava com cartão de vacina completo; sem aleitamento materno exclusivo; início de alimentação sólida e em uso de suplementação, com sulfato ferroso e vitamina D.

Ao exame físico, constatou bom estado geral e parâmetros compatíveis com a idade da criança: estatura de 72cm; peso de 10,570kg; perímetro cefálico de 45cm; frequência cardíaca de 124 batimentos por minuto e frequência respiratória de 42 incursões respiratórias em um minuto. Ademais, foram realizadas a consulta e a atualização das tabelas de peso e altura da Caderneta de Saúde da Criança. Diante disso, foi visto uma criança saudável, com a curva de crescimento adequada à idade. O sobrepeso evidenciado pelo escore Z maior que +2 do presente relato, possivelmente está associado à escolha errada de quantidade ou qualidade de alimentos oferecidos durante a introdução alimentar. Esse dado é relevante diante da prevalência da obesidade infantil e merece ser acompanhado em consultas posteriores. Entretanto, essa alteração antropométrica não tem relação relevante com a queixa e nem com a história alérgica do paciente. A conduta abrangeu tanto orientações sobre a dieta do paciente quanto sobre a vacina, além da manutenção do creme hidratante e da suplementação com sulfato ferroso e vitamina D, bem como o retorno do paciente em um mês.


DISCUSSÃO

A hipótese diagnóstica de suspeita de reação de hipersensibilidade à vacina tríplice viral não afasta a importância desse método preventivo para reduzir os riscos associados à ocorrência de doenças imunopreviníveis. A conduta vacinal é um método eficaz de imunização ativa em que o material imunizante é administrado antes da exposição ao agente infeccioso, permitindo que o indivíduo produza seu próprio anticorpo e seja capaz de elevar o seu nível em vacinações ou contágios subsequentes6,7. Nesse sentido, deve haver um esforço para informar aos responsáveis sobre os agentes que são administrados em cada vacina e os potenciais efeitos colaterais causados4.

Reações adversas podem se manifestar em curtos períodos de até 4 semanas após a administração da vacina. Sendo assim, é essencial que os pais recebam orientações e estejam cientes do Programa Nacional de Imunização (PNI)4,7.

Concernente ao estudo, o paciente recebeu a dose zero da vacina tríplice viral em decorrência do surto de sarampo que acometeu o país e alterou o PNI. Trata-se, portanto, de um caso diferenciado, embora não isolado, de vacinação extemporânea. A época da imunização ativa é determinada pela história natural da doença que apresenta quando a vacina terá melhores resultados. Nesse contexto, em doenças de maior impacto em lactentes, a imunização deve ser iniciada dentro de semanas a meses após o nascimento. Algumas características individuais são consideradas na recomendação do tempo de vacinação de lactentes. Exemplo disso, tem-se a ausência de resposta a antígenos polissacarídeos ou à interferência de anticorpos de origem materna. Nesse caso, os lactentes têm a idade de imunização adiada6,7.

A vacina contra o sarampo é combinada, contém vírus atenuados em cultivo celular de fibroblasto de embrião de pinto ou diploides humanos e tem composição de acordo com a cepa, apresentando componentes como traços de antibióticos e estabilizantes a exemplo da albumina humana e gelatina7,8. Caracterizada por ser uma imunização bem tolerada, a maioria dos efeitos adversos relacionados a ela são uma hipersensibilidade a seus componentes e, em menor frequência, ocorrem sinais clínicos semelhantes aos causados pelo vírus selvagem5-9.

As manifestações da reação de hipersensibilidade podem ser locais ou sistêmicas. Os sinais pontuais mais significantes são ardência, hiperestesia, eritema e enduração no local de aplicação da injeção e é indicado pela Organização Mundial da Saúde e pelo Ministério da Saúde do Brasil notificar apenas os casos mais intensos ou quando ocorre o aparecimento de diversas reações locais3,5-7.

Em relação aos efeitos sistêmicos, enquadram-se: febre igual ou maior que 39,5°C (em cerca de 5-15% dos vacinados)10; cefaleia ocasional, irritabilidade, conjuntivite e/ou manifestações catarrais; reações de hipersensibilidade, reação anafilática; exantema de extensão variável e linfadenopatia após uma semana da aplicação. Apesar da ocorrência baixa, também pode ocorrer o desencadeamento de doenças autoimunes como artrite aguda ou artralgia, artrite crônica, trombocitopenias9,11.

A partir da análise do quadro do paciente, concluiu-se que a reação da criança se caracterizou por ser de hipersensibilidade, resultado de reações patológicas devido à exposição a um antígeno particular4. O paciente apresentou urticária nas primeiras 24 horas após a vacinação no local da injeção e em outras regiões do corpo.

A urticária do paciente é caracterizada por lesões eritêmato-edematosas que têm como causa uma degranulação cutânea dos mastócitos, possivelmente relacionada a mecanismos imunológicos ou não imunológicos. Após o início da reação de hipersensibilidade, foi administrada a desloratadina, medicamento anti-histamínico considerado de primeira linha para o alívio da urticária12,13.

Assim como preconizado pelo Ministério da Saúde, esse evento não contraindica doses subsequentes, sendo fundamental que o profissional da saúde oriente quanto à necessidade da imunização e sua relevância na prevenção do sarampo5.

Em estudo retrospectivo aplicado nos Estados Unidos, Demicheli et al. (2012)12 avaliaram a eficácia da tríplice viral ao observar 14.700.000 crianças. Seus resultados indicaram que uma dose da vacina é pelo menos 95% eficaz na prevenção do sarampo clínico. Esse dado reforça a necessidade da vacinação e da propagação de sua importância para o combate de doenças imunopreveníveis. Entretanto, em uma recente metanálise, Schenk et al. (2021)14 estudaram a persistência de anticorpos depois da vacinação, encontrando altos níveis logo após a vacina e um decréscimo ao longo dos anos após sua administração. Tais estudos reforçam que mesmo com a imunização, falhas podem ocorrer tanto àquelas primárias, em que o indivíduo tem um problema na imunogenicidade e não responde à vacina, quanto as secundárias, com a diminuição da proteção ao longo do tempo14,15.

Dentro dos sinais clínicos do paciente, um diagnóstico diferencial possível seriam as doenças exantemáticas, por serem patologias frequentes nessa faixa etária. Elas têm causas infecciosas e não infecciosas, como reações medicamentosas e doenças autoimunes. Entretanto, ao contrário das placas urticariformes encontradas no paciente, as doenças exantemáticas são caracterizadas por uma erupção cutânea ao longo do corpo somadas de máculas ou pápulas11,13.


CONCLUSÃO

As pesquisas e as publicações científicas convergem e demonstram, em sua grande maioria, que os benefícios da administração da vacina tríplice viral se sobrepõem aos seus efeitos adversos, principalmente quando se contabilizam as sequelas devastadoras consequentes do sarampo. Sendo assim, diante da notificação de surto, o Ministério da Saúde não se embargou e preferiu instituir a dose zero, sem prejuízo das outras já determinadas no calendário vacinal.

No entanto, pouco se conhece sobre as reais consequências, bem como a possível relação de alergias com a antecipação dessa vacina em crianças menores de um ano. Deve-se destacar que é apenas um adiantamento, mas uma dose extra, tendo em vista que a orientação para se seguir com as doses subsequentes, já estipuladas em calendário vacinal, persiste. Vê-se, portanto, a necessidade de se avançar nas pesquisas, a fim de se conhecer melhor sobre os possíveis efeitos adversos da administração da dose zero da vacina tríplice viral.


REFERÊNCIAS

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1. Hospital Infantil São Camilo Unimed, Residente de Pediatria - Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil
2. Centro Universitário de Belo Horizonte, Curso de Medicina - Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil
3. Hospital Infantil São Camilo Unimed, Médica Pediatra - Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil

Endereço para correspondência:
Ana Elisa Choucair Hosken Arão
Centro Universitário de Belo Horizonte
Av. Professor Mário Werneck, nº 1685, Buritis
Belo Horizonte, MG, Brasil. CEP: 30575-180
E-mail: ana.choucair@gmail.com

Data de Submissão: 29/03/2021
Data de Aprovação: 18/06/2021