ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2023 - Volume 13 - Número 3

Injúria renal aguda com terapia renal substitutiva na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital Infantil Dr. Jeser Amarante Faria

Acute kidney injury with replacement kidney therapy in the Pediatric Intensive Care Unit of children's hospital Dr. Jeser Amarante Faria

RESUMO

INTRODUÇÃO: A injúria renal aguda (IRA) é definida como uma redução súbita na função renal, que apresenta desde alterações discretas nos biomarcadores renais a condições graves que necessitam terapia renal substitutiva (TRS). A TRS é o tratamento mais efetivo para pacientes com IRA grave, sendo que os métodos de TRS mais utilizados são: hemodiálise convencional (HD), hemodiálise contínua e a diálise peritoneal (DP).
OBJETIVOS: Este estudo tem por objetivo analisar o perfil epidemiológico e o desfecho dos pacientes diagnosticados com Injúria Renal Aguda submetidos à terapia renal substitutiva na Unidade de Terapia Intensiva.
MÉTODOS: Para isso, foi realizado um estudo descritivo, observacional, transversal, realizado por meio da coleta retrospectiva de dados obtidos através do sistema de prontuários eletrônicos.
RESULTADOS: Entre as internações no período estudado, 3,67% necessitaram de TRS devido à IRA, tendo como principal causa a sepse (48,57%). A maioria dos pacientes foi submetida à TRS por meio da HD. O índice de mortalidade foi de 45,7%, mostrando maior mortalidade naqueles que desenvolveram IRA durante a internação em comparação àqueles que já foram admitidos com IRA.
CONCLUSÃO: É possível concluir que a maioria dos pacientes submetidos à TRS em decorrência de IRA são menores de 2 anos de idade e mais de 50% apresentam comorbidades. A presença de comorbidades e o PIM2 estão relacionados com a mortalidade.

Palavras-chave: Terapia de substituição renal, Injúria renal aguda, Unidades de terapia intensiva pediátrica.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Acute kidney injury (AKI) is defined as a sudden reduction in kidney function, which ranges from mild changes in kidney biomarkers to severe conditions that require renal replacement therapy (RRT). RRT is the most effective treatment for patients with severe AKI, and the most used RRT methods are: conventional hemodialysis (HD), continuous hemodialysis and peritoneal dialysis (PD).
OBJECTIVES: This study aims to analyze the epidemiological profile and outcome of patients diagnosed with Acute Kidney Injury undergoing renal replacement therapy in the Intensive Care Unit.
METHODS: For this, a descriptive, observational, cross-sectional study was carried out through the retrospective collection of data obtained through the electronic medical record system.
RESULTS: Among the hospitalizations during the study period, 3.67% required RRT due to AKI, with sepsis as the main cause (48.57%). Most patients underwent RRT through HD. The mortality rate was 45.7%, showing higher mortality in those who developed AKI during hospitalization compared to those who were already admitted with AKI.
CONCLUSION: It is possible to conclude that most patients undergoing RRT due to AKI are under 2 years of age and more than 50% have comorbidities. The presence of comorbidities and PIM2 are related to mortality.

Keywords: Renal replacement therapy, Acute kidney injury, Intensive care units, pediatric.


INTRODUÇÃO

A injúria renal aguda (IRA) é definida como uma redução súbita na função renal, que pode apresentar vários graus de severidade, desde alterações discretas nos biomarcadores renais a condições graves que necessitam terapia renal substitutiva (TRS). Tem prevalência crescente tanto em países desenvolvidos como nos em desenvolvimento. Geralmente de etiologia multifatorial, trata-se de uma condição grave com alta morbimortalidade em pacientes gravemente enfermos1,2.

É uma condição muito frequente em crianças hospitalizadas. Dados sugerem que 5% das crianças com condições não críticas e até 27% daquelas em condições críticas apresentam IRA em algum momento da internação2. Um estudo epidemiológico realizado pela Sociedade Latino-americana de Nefrologia e Hipertensão, no período de 2004-2012, constatou mortalidade entre 18 e 70,4% dos casos pediátricos de IRA entre os países latino-americanos. As etiologias mais comuns foram síndrome hemolítico urêmica (SHU), cardiopatias e doença crítica3. No Brasil, um estudo retrospectivo de 2008 observou mortalidade global de 53,3% em crianças de 0-12 anos com IRA dialítica1.

Além da alta mortalidade, as crianças que apresentam IRA possuem períodos mais longos de internação e frequentemente necessitam de cuidados intensivos. Dentre os pacientes que sobrevivem ao insulto, ainda há um risco elevado de desenvolver doença renal crônica (proteinúria, hipertensão e redução de taxa de filtração glomerular)4.

A necessidade de uniformização de critérios para IRA resultou em classificações inicialmente padronizadas para adultos e posteriormente adaptadas para a pediatria. O sistema mais recente de classificação, e também o mais indicado na pediatria, é o KDIGO (Kidney Disease: Improving Global Outcome). Foi publicado em 2012 e classifica os pacientes em três estágios conforme a gravidade. Os critérios analisados são o aumento da creatinina sérica e/ou redução do débito urinário com seguimento por até 24 horas1,5,6.

A TRS é o tratamento mais efetivo para IRA grave em pacientes críticos. Tem como objetivos a correção de distúrbios metabólicos decorrentes da disfunção renal, o equilíbrio eletrolítico e volêmico, preservação e auxílio na recuperação das disfunções orgânicas associadas ao dano renal. Os métodos de TRS são a hemodiálise convencional (HD) ou intermitente, hemodiálise contínua e a diálise peritoneal (DP). A escolha do método depende do objetivo do tratamento, da disponibilidade de material e equipe especializada e da condição clínica do paciente1. Por se tratar de uma terapia complexa e de alto custo, o acesso às opções de TRS é um desafio nos países de baixa e média renda. Nesse contexto, a diálise peritoneal é, portanto, a modalidade mais utilizada nos quadros agudos devido à sua facilidade técnica e custo mais acessível1,7.

Pesquisas recentes buscam prever ou detectar riscos para IRA de forma mais precoce a fim de evitar ou atenuar seus danos. Dessa forma, novos biomarcadores, mais específicos e sensíveis, com capacidade de detectar o início do insulto renal mais cedo que a elevação da creatinina sérica, estão sob estudo. Tais marcadores, como a lipocaína associada à gelatinase na urina (NGAL), detectam dano tubular precoce e quando associada com outros biomarcadores como a cistatina C (CysC), pode contribuir para dados fisiopatológicos e prognósticos mais precisos. Seguindo essa tendência, em 2010 foi desenvolvido o conceito de "angina renal", trata-se de uma ferramenta clínica de pontuação que identifica pacientes com alto risco de IRA e serve como triagem para indicar a dosagem desses biomarcadores1,4,8.

Do ponto de vista epidemiológico, principalmente no Brasil, há carência de grandes estudos sobre IRA na população pediátrica. Por se tratar de uma condição grave com alta morbimortalidade e de alto custo para o sistema de saúde, a análise do perfil epidemiológico e dos desfechos dos pacientes submetidos à TRS permite levantar dados estatísticos, com o objetivo de instituir medidas de saúde pública, tratamento racionalizado dessa condição e consequentemente reduzir o impacto da doença sobre essa população.


MÉTODOS

Trata-se de um estudo descritivo, observacional, transversal entre primeiro de janeiro de 2016 e 31 de agosto de 2020. A coleta de dados foi retrospectiva e obtida através do sistema Tasy de prontuários eletrônicos.

Foram incluídos no estudo pacientes com diagnóstico de injúria renal aguda com internação na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) que, em algum momento, foram submetidos a algum método de TRS, com idade superior a 28 dias até 17 anos incompletos. Foram excluídos do estudo pacientes com idade igual ou inferior a 28 dias, os que possuíam diagnóstico ou que evoluíram para insuficiência renal crônica (IRC), prontuários com dados faltantes, com preenchimento insuficiente ou incorreto.

As variáveis coletadas foram: idade, gênero, diagnóstico etiológico, procedência, método dialítico inicial e se houve conversão para outro método, PIM2 (Paediatric Index of Mortality %), KDIGO no momento de indicação da TRS, comorbidades prévias, tempo total de TRS, tempo de ventilação mecânica (VM), se recebeu droga vasoativa (DVA) em algum momento da internação, tempo de internação em UTI e desfecho (alta ou óbito).

A etiologia da IRA foi definida conforme a classificação proposta pela ESPN/ERA-EDTA (European Society for Paediatric Nephrology / European Renal Association-European Dialysis and Transplant). De acordo com essa classificação, os pacientes foram separados em 5 categorias: doença glomerular, nefrite tubulointersticial, doenças sistêmicas com acometimento renal (SHU, lúpus), nefropatia familiar, outras (sepse, hipovolemia, choque, pielonefrite).

As comorbidades prévias ao diagnóstico de IRA foram categorizadas em: neuropatia, cardiopatia, doença oncológica, síndrome genética, prematuridade, doença endocrinológica, outras.

Os pacientes foram classificados conforme faixa etária no momento do diagnóstico da IRA: 29 dias a 2 anos, 2 a 5 anos, 5 a 10 anos, maiores de 10 anos. Foram também classificados entre aqueles que apresentavam IRA no momento da internação e os que apresentaram IRA em algum momento durante a internação na UTI.

Para a construção do banco de dados foi utilizado o software Microsoft Excel. A análise estatística dos dados foi feita por meio do software SPSS (Statistical Package for the Social Science).

O estudo respeita as normas das Diretrizes para Pesquisa envolvendo seres humanos, constantes na resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. Foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Hospital Hans Dieter Schmidt sob o número 35713720.0.0000.5363.

A pesquisa não traz riscos diretos para os pacientes incluídos no estudo. A pesquisa também não influenciará na mudança de condutas e tratamentos dos pacientes. Por se tratar de um estudo observacional e descritivo não houve necessidade de termo de consentimento livre e esclarecido. Conforme resolução RDC 96/2008 da ANVISA, declaro não haver conflito de interesses.


RESULTADOS

De 1º de janeiro de 2016 a 31 de agosto de 2020 (56 meses), houve 1905 admissões na UTI pediátrica do HJAF, das quais 70 pacientes foram submetidos à TRS devido à IRA. Destes, 33 meninos (47,1%) e 37 meninas (52,9%). A média de idade foi de 4,87 anos (DP: ±4,61). Conforme a distribuição por faixa etária, 25 (35,72%) pacientes encontravam-se entre 29 dias e 2 anos, 17 (24,28%) entre 2 e 5 anos, 14 (20%) entre 5 e 10 anos, e 14 (20%) maiores de 10 anos.

A média foi de 1,25 pacientes/mês submetidos à TRS. O ano com maior número de admissões foi 2019 (32,85%) com média de 1,91 pacientes/mês. Da amostra total, 50% eram procedentes da região Norte do estado, em seguida a região Oeste com 20%, Vale do Itajaí 15,71%, região Sul com 7,14%, Grande Florianópolis 5,71% e região Serrana 1,42%.

Conforme a etiologia, as causas de IRA foram: doença glomerular em 3 pacientes (4,28%), 25 pacientes (35,71%) com doença sistêmica com acometimento renal. SHU foi a principal causa de IRA devido à doença sistêmica, com 18 pacientes (25,71%). Por fim, 42 pacientes (60%) foram classificados com outras causas de IRA, entre esses a sepse foi predominante com 34 pacientes (48,57%).

No momento da admissão, 46 (65,71%) crianças foram diagnosticadas com IRA, enquanto 24 (34,28%) apresentaram IRA em algum momento durante a internação. De acordo com a classificação KDIGO, no momento da indicação de TRS, 53 (75,71%) encontravam-se no estágio 3, 9 (12,85%) no estágio 2 e 8 (11,42%) no estágio 1. Do total de pacientes, 39 foram submetidos inicialmente à HD e 31 à DP, dos quais 13 (41,9%) converteram para HD em algum momento da internação.

Dos 70 pacientes, 36 (51,42%) apresentavam alguma doença prévia à IRA, com predomínio das doenças oncológicas correspondendo a aproximadamente 17%, seguida por neuropatia, cardiopatia, prematuridade, síndrome genética, doenças endocrinológicas e outras comorbidades.

Mais de 87% dos pacientes foram submetidos à VM com tempo médio de ventilação de 14,18 dias (DP: ±15,51), variando de 1 a 75 dias. DVA foi utilizada em 55 (78,57%) crianças. Somente 9 pacientes não necessitaram de suporte ventilatório e 15 não fizeram uso de DVA.

A média de tempo de internação na UTI foi de 17,31 dias (DP: ±16,89) variando de 1 a 75 dias. Dentre os pacientes que foram a óbito, o tempo médio de internação foi de 13,81 dias e nos que receberam alta foi de 20,26 dias. O tempo médio de TRS foi de 8,86 dias (DP: ±9,82), nos pacientes que foram a óbito, o tempo médio foi de 5,66 dias, e nos que receberam alta foi de 11,55 dias.

A média do PIM2 foi 21,41% (DP: ±24,46), nos pacientes que foram a óbito atingiu a média de 33,27% e nos que receberam alta 11,42%. A taxa de mortalidade foi de 45,7%, dos 32 pacientes que evoluíram para óbito, 7 já haviam recuperado a função renal (Tabela 1).




Comparando-se características da amostra com o desfecho (Tabela 2), encontrou-se associação com significância estatística (p<0,05) com o PIM2 (p<0,001), presença de comorbidade (p=0,009) e tempo de TRS (p=0,008). As demais características (KDIGO, faixa etária, IRA na admissão), quando comparadas ao desfecho, não obtiveram resultados com significância estatística.




Por meio dessa associação, percebe-se que as doenças sistêmicas com acometimento renal, representadas principalmente pela SHU, apresentaram maior número de altas que de óbitos. Já as patologias classificadas em "outras", predominantemente a sepse, apresentaram maior associação com óbito (Tabela 3).




DISCUSSÃO

O presente estudo apresentou taxa de 1,25 pacientes/mês com necessidade de TRS devido à IRA, correspondendo a 3,67% das internações na UTIP no período estudado. Outros trabalhos encontraram taxas entre 0,29 e 5,16 pacientes/mês, com variação de 1,2 a 7,17% de TRS dentre os pacientes admitidos na UTI9-17.

Assim como em outros estudos, a faixa etária predominante foi a mais jovem, de 29 dias a 2 anos (35,72%). De acordo com a literatura, existe uma tendência de IRA ocorrer predominantemente nos extremos de idade, ou seja, nos adolescentes e nos menores de um mês2,18,19. A média de idade foi de 4,87 anos, na literatura essa média é muito variável, não houve diferença significante entre o gênero, apesar de a maioria dos artigos apontarem uma discreta predominância em pacientes do sexo masculino9,12,20,21.

Ao contrário do nosso trabalho, alguns estudos encontraram relação entre mortalidade e faixa etária mais jovem, especialmente nos menores de 1 ano, essa associação é ainda mais forte nas amostras que incluem pacientes menores de 1 mês9,11,21.

O ano com maior número de admissões foi 2019, isso se deve ao fato de que, nesse ano, o Hospital passou a ser a única referência de TRS pediátrica em todo o estado. A procedência dos pacientes foi predominantemente da região Norte, onde está situado o Hospital.

Este estudo encontrou sepse como principal causa de IRA, seguida de SHU, e por fim glomerulopatias. O trabalho foi elaborado em uma UTI pediátrica de pacientes predominantemente clínicos, com raras internações pós-cirúrgicas, dessa forma, não houve estatística disponível para uso de TRS em possíveis complicações cirúrgicas.

O espectro etiológico da IRA apresenta ampla variação entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Nos países desenvolvidos, IRA está mais associada às doenças hospitalares, correspondendo a consequências do tratamento ao paciente crítico (pós-operatório de cirurgia cardíaca, sepse, transplante, lise tumoral, exposição a drogas nefrotóxicas). Em decorrência da melhoria no atendimento e na sobrevida dos pacientes críticos, existe, portanto, uma tendência de que a IRA esteja cada vez mais relacionada a doenças sistêmicas, como a sepse, lesão de múltiplos órgãos e a terapêutica que essas condições demandam2,23.

Ao contrário, os países em desenvolvimento apresentam maior incidência de IRA decorrente de condições adquiridas na comunidade como glomerulonefrite pós-infecciosa, hipovolemia, intoxicação/envenenamento e sepse.

Pol et al. (2015)16, em um estudo multicêntrico espanhol, encontraram como principais causas de IRA complicações pós-operatórias, seguido de sepse e por fim causas renais. Entretanto, um estudo multicêntrico realizado na China revelou urolitíase, desidratação e síndrome nefrótica como principais causas de IRA21. Uma revisão realizada em países da África subsaariana encontrou malária como principal etiologia, seguida de desidratação devido a gastroenterites24. Outro trabalho conduzido na Turquia apresentou sepse como principal causa, seguida de hipovolemia e choque, por fim doenças tubulointersticiais e SHU11.

Em nosso estudo, houve correlação com significância estatística entre a etiologia da IRA e o desfecho, predominantemente a sepse apresentando maior associação com mortalidade. Assim como encontrado na literatura, sepse é a maior causa de mortalidade em crianças com quadro de IRA19,25.

Por ser um Hospital de referência em TRS, a maioria dos pacientes já possuíam diagnóstico de IRA na admissão, esse dado é bastante variável na literatura estudada, mas essa é uma tendência dos países em desenvolvimento, nos quais a IRA adquirida na comunidade é a forma mais prevalente24. O mesmo ocorre com o grau de comprometimento renal que nos países em desenvolvimento apresenta-se de forma mais severa no momento do diagnóstico11,14,18,23,25. Neste estudo, no momento do diagnóstico, os pacientes encontravam-se predominantemente no estágio mais avançado de injúria renal, de acordo com a classificação KDIGO.

Não houve significância estatística na comparação entre KDIGO e desfecho, e a literatura também é bastante divergente na associação das taxas de mortalidade com o grau de comprometimento renal. Vale destacar que dois artigos analisados apresentaram dados interessantes a respeito da classificação de injúria renal. Kari et al. (2018)25 encontrou menor mortalidade nos pacientes submetidos à TRS que se encontravam nos estágios 1 e 2 da classificação KDIGO, em comparação aos que se encontravam no estágio 3, ou seja, aqueles com lesão renal menos severa se beneficiaram mais da TRS. Kaddourah et al. (2017)15 avaliaram uma progressão do escore KDIGO ao longo de uma semana nos pacientes críticos internados, e constataram que aqueles que estavam no estágio 1 no primeiro dia tinham maior probabilidade de progressão para os estágios 2 ou 3 em comparação aos pacientes sem diagnóstico de IRA no primeiro dia analisado.

Deve-se destacar que, assim como em nosso estudo, vários outros não possuem um protocolo de tratamento da IRA, o que pode prejudicar na avaliação do grau de dano renal com os desfechos. Entretanto, a severidade da IRA está associada à maior probabilidade e duração da TRS, maior tempo de VM, e por consequência maior tempo de internação4,9,12,23,25.

Mais de 50% dos pacientes apresentavam alguma condição clínica crônica prévia ao diagnóstico de IRA. Esse dado se apresenta em semelhante proporção em outros trabalhos, com predomínio de cardiopatias, neuropatias e pneumopatias. A presença de comorbidade é um fator de risco para IRA, mas também está associada à maior taxa de mortalidade dentre os pacientes submetidos à TRS911,23. Nosso estudo encontrou associação estatisticamente significativa entre presença de comorbidade e óbito.

Constatou-se que a maioria dos pacientes foi submetida à TRS por meio de HD. Isso se deve ao fato de que muitos pacientes que são encaminhados ao nosso serviço já possuem falha terapêutica com DP. Dentre os que iniciaram DP na admissão, 41,9% apresentaram falha de dispositivo e converteram para HD. Na literatura analisada, a preferência foi por DP, isso se deve à facilidade de uso e custo mais acessível do método11,16. Existe uma preferência ao uso de hemodiálise contínua nos pacientes críticos, por gerar menor instabilidade hemodinâmica, entretanto trata-se do método de mais alto custo, ainda não disponível em nosso serviço.

Assim como na literatura, houve alta incidência de VM e uso de DVA nos pacientes submetidos à TRS. O tempo médio de internação e de TRS foi menor naqueles pacientes que evoluíram para óbito. O tempo médio de VM, de internação e de TRS foi superior ao encontrado na literatura, mas dentre os artigos estudados não houve comparação com amostra que exclusivamente foi submetida à TRS, como em nosso trabalho9,24,25.

Na amostra de Bresolin et al. (2009)17, 100% das crianças que foram a óbito fizeram uso de DVA e VM. Em outro estudo brasileiro, realizado com pacientes pediátricos internados por sepse e IRA, mais de 70% da amostra necessitou de VM, mais de 98% de DVA e 42,8% de TRS. Dentre os que necessitaram de TRS, mais de 92% necessitaram de VM e todos fizeram uso de DVA. E, assim como em nosso estudo, os pacientes que evoluíram para óbito tiveram menor tempo de internação21. Sutherland et al. (2013)18, em uma revisão norte americana, compararam tempo de internação entre grupos de IRA, aqueles que foram tratados na UTI tiveram tempo de internação superior ao grupo com IRA e necessidade de TRS, por último, com menor tempo de internação, o grupo com IRA sem necessidade de UTI e de TRS.

Diversos estudos demonstram que IRA é um fator de risco independente para internação prolongada em UTI, maior tempo de VM e aumento de mortalidade dentre pacientes críticos2,20,25.

A taxa de mortalidade foi de 45,7%, esse valor difere dos índices constatados nos países desenvolvidos, que variam de 11 a 27%, nos pacientes com IRA, apresentando valores mais altos nos grupos submetidos à TRS. Entretanto, em países subdesenvolvidos, essa taxa de mortalidade pode atingir até 86,5%1,9,18,23,26. Uma revisão realizada na América Latina, sobre IRA em pediatria, apontou mortalidade variando de 18 a 70,4%3. Bresolin et al. (2009)17, encontraram 68,5% de mortalidade em crianças submetidas à TRS em um Hospital pediátrico no sul do Brasil.

Estudos comparativos entre pacientes críticos, aqueles que desenvolveram IRA apresentaram maior tempo de internação, escore de mortalidade, incidência de choque e falência respiratória, bem como maior índice de mortalidade se comparados aos pacientes críticos sem IRA11,12,18,25. Este estudo não encontrou relação estatisticamente significativa entre o momento de instalação da IRA e o desfecho, mas assim como em outros artigos, houve maior taxa de mortalidade entre os pacientes que desenvolveram IRA durante a internação, em relação àqueles que já foram admitidos com IRA11,23,26.

O uso de TRS nos pacientes críticos está fortemente associado à mortalidade, com risco de óbito de 3 a 9 vezes maior em relação aos pacientes com IRA sem necessidade de TRS21,22. Houve diferença estatisticamente significativa entre o tempo de TRS e o desfecho, com menor média nos pacientes que evoluíram para óbito.

Além da mortalidade em curto prazo, um estudo canadense avaliou prospectivamente a taxa de óbitos dentre pacientes que haviam sido hospitalizados em uma UTIP. A comparação demonstrou que aqueles que tiveram IRA na internação tiveram taxa de mortalidade maior tanto após 30 dias de alta hospitalar como após seguimento de 5 a 7 anos20.

A média do escore de mortalidade encontrada em nosso estudo foi de 21,41%, superior ao encontrado em outros trabalhos que utilizaram o PIM2, os quais apresentaram médias entre 13,1 e 16,5 dentre os pacientes com IRA. Não há dados específicos somente para os pacientes submetidos à TRS como em nosso estudo9,19. Entretanto, todos os trabalhos que avaliaram algum índice de mortalidade pediátrico, encontraram média mais elevada no grupo que apresentou IRA16,19,25. Assim como outros, nosso trabalho encontrou associação com significância estatística entre PIM2 e óbito.


CONCLUSÃO

Por meio deste estudo, conclui-se que os pacientes pediátricos críticos submetidos à TRS em decorrência de IRA são, em sua maioria, menores de 2 anos de idade e mais de 50% apresentam alguma comorbidade. Ventilação mecânica e uso de droga vasoativa foi estabelecido em mais de 78% da amostra. Tempo médio de internação e de TRS foi maior nos pacientes que receberam alta da UTI.

A mortalidade geral foi de 45,7%. Sepse foi a principal causa de IRA. PIM2 e presença de comorbidade estão associados positivamente com mortalidade.


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1. Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE - Joinville - Santa Cantarina - Brasil
2. Hospital Infantil Dr. Jeser Amarante Faria, Unidade de Terapia Intensiva - Joinville - Santa Cantarina - Brasil

Endereço para correspondência:
Ana Luiza da Silva Wendhausen
Universidade da Região de Joinville
Rua Paulo Malschitzki, Zona Industrial Norte
Joinville, SC, Brasil. CEP: 89219-710
E-mail: wendhausen.ana@gmail.com

Data de Submissão: 03/02/2022
Data de Aprovação: 21/03/2022