ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2023 - Volume 13 - Número 3

Taxa de mortalidade infantil relacionada à hipóxia intrauterina e asfixia perinatal no estado do Pará no período de 1996 a 2019

Infant mortality rate related to intrauterine hypoxia and perinatal asphyxia in the state of Pará in the period from 1996 to 2019

RESUMO

OBJETIVO: analisar a taxa de mortalidade infantil por hipóxia intrauterina e asfixia perinatal no Estado do Pará no período de 1996 a 2019.
MÉTODOS: estudo retrospectivo, descritivo e quantitativo com dados obtidos da base de dados DATASUS do Ministério da Saúde.
RESULTADOS: a taxa de mortalidade infantil anual por hipóxia intrauterina e asfixia ao nascer no estado do Pará veio diminuindo desde 1996 até 2019, embora de forma mais lenta comparada à média nacional. O estado do Pará apresentou uma redução de 41% da mortalidade infantil entre os anos de 1996 e 2019, uma queda menor se comparada ao índice nacional e da região Norte, que foram respectivamente de 64% e 72%. O Pará foi o estado da região Norte que menos conseguiu reduzir a mortalidade infantil relacionada à condição, tornando-se o detentor do maior índice de mortalidade infantil da região Norte em 2019.
CONCLUSÃO: É necessário que as políticas públicas de saúde sejam direcionadas para a melhoria do atendimento pré-natal e do parto com o intuito de reduzir a taxa de mortalidade infantil por hipóxia intrauterina e asfixia perinatal, especialmente nas regiões mais remotas do estado para que se alcancem os mesmos avanços obtidos no resto do País.

Palavras-chave: Asfixia neonatal, Base de dados, Mortalidade infantil.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To analyze the infant mortality rate due to intrauterine hypoxia and perinatal asphyxia in the State of Pará from 1996 to 2019.
METHODS: A retrospective, descriptive and quantitative study was conducted using data from the DATASUS database from the Ministry of Health.
RESULTS: The annual infant mortality rate due to intrauterine hypoxia and birth asphyxia in the state of Pará has been decreasing since 1996 to 2019, albeit at a slower rate compared to the national average. The state of Pará has seen a 41% reduction in infant mortality between 1996 and 2019, a smaller decrease compared to the national and North Region indices which were respectively 64% and 72%. Pará was the state in the North region that least managed to reduce infant mortality related to the condition, becoming the holder of the highest infant mortality rate in the North region in 2019.
CONCLUSION: It is necessary that public health policies are directed towards improving pre-natal care and childbirth in order to reduce the infant mortality rate due to intrauterine hypoxia and perinatal asphyxia, especially in the more remote regions of the state in order to achieve the same advances obtained elsewhere in the country.

Keywords: Asphyxia neonatorum, Database, Infant mortality.


INTRODUÇÃO

A asfixia perinatal, definida também como hipóxia intrauterina e asfixia ao nascer, é a ausência de fluxo sanguíneo ou trocas gasosas do recém-nascido (RN) durante o periparto. Com menor influxo de oxigênio para os órgãos vitais, sequelas como a encefalopatia hipóxico-isquêmica são acarretadas. Causas de asfixia ao nascer ocorrem tanto no pós-parto, comprometendo a ventilação-perfusão pulmonar, quanto no anteparto, se associando a fatores pré-natais de risco como: alteração da hemodinâmica materna, disfunções uterinas, placentárias ou do cordão umbilical, ou até infecções uterinas1,2.

A morte perinatal e a paralisia cerebral são frequentemente causadas pela asfixia ao nascer, ocasionando sofrimento para o indivíduo e a sua família, e grandes ônus ao serviço público. A identificação precoce de fatores de riscos pré-natais facilita intervenções para prevenção de prejuízo neurológico hipóxico-isquêmico e redução da mortalidade em neonatos. Entretanto são necessários mais estudos para compreender rotas causais e refinar os preditores de hipóxia ao nascer2,3.

O acompanhamento pré-natal reduz as taxas de mortalidade em gestações de risco4-7. Shah et al. (2020)4 demonstraram uma taxa hospitalar estadunidense 1,54 vez menor de mortalidade neonatal em partos prematuros conduzidos em centros hospitalares de alta complexidade (nível III). Além disso, medidas intra-hospitalares como o uso de corticoides no anteparto de partos prematuros levaram à redução de intercorrências no periparto, com menores taxas de morbidade e mortalidade5,6.

No mundo ocorreram 3,6 milhões de mortes a menos em crianças abaixo de 5 anos de idade entre 2000 e 2013. Com os cuidados de saúde contra infecções em lactentes e crianças de 1 a 4 anos de idade, houve uma queda acentuada da mortalidade. Entretanto as mortes neonatais se tornaram mais proeminentes no mesmo período, passando de 37,6% a 43,9%8.

A mortalidade neonatal mundial reduziu mais de 50% entre os períodos de 1990 a 2019, contudo se mantém alta e afeta iniquamente países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Em 2019, houve o registro de 2,4 milhões de óbitos neonatais, grande parte por causas evitáveis, e ocorrendo principalmente nas primeiras 24 horas de vida. Em países que adotam programas de atenção continuada da saúde à gestante, houve redução de até 16% dos óbitos neonatais e 24% dos partos prematuros7.

No Brasil mais de dez mil neonatos sem baixo peso ou malformações morreram na primeira semana de vida por asfixia ao nascer. A mortalidade ocorreu principalmente nas primeiras 24 horas de vida, acometendo 71% desses recém-nascidos. Além disso, o índice de mortalidade neonatal precoce vem reduzindo, descendo de 0,81 por cada mil nascidos vivos em 2005 para 0,65 a cada 1.000 nascidos vivos em 20109.

A evolução dos índices de mortalidade neonatal no Pará deve ser avaliada e comparada com os dados nos âmbitos regional e nacional, para se estimar o investimento e os recursos necessários na atenção à gestante e ao neonato dentro do estado. Dessa forma, o trabalho aqui apresentado busca avaliar o índice de mortalidade infantil em asfixiados ao nascer do estado do Pará, comparando com o índice da região Norte do Brasil e o nacional.


METODOLOGIA

De acordo com a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), por se tratar de um trabalho baseado em dados disponibilizados sem restrição para cidadãos em domínio público do DATASUS, não se fez necessário tramitação de anteprojeto em Comitê de Ética, nem configura a utilização do Termo de Consentimento Livre e Esclarecimento (TCLE).

Este estudo é de natureza retrospectiva, descritiva e quantitativa, com o objetivo de analisar a taxa de mortalidade infantil por hipóxia intrauterina e asfixia perinatal no período de janeiro de 1996 a dezembro de 2019 no estado do Pará e compará-la com os estados da região Norte, esta como um todo e o Brasil.

Os dados foram obtidos da base de dados DATASUS do Ministério da Saúde (MS) no Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) e no Sistema de Informações Sobre Nascidos Vivos (SINASC)10. Os códigos CID-10 P20 (mortalidade relacionada à hipóxia intrauterina) e P21 (mortalidade relacionada à asfixia perinatal) foram utilizados para selecionar os óbitos infantis com hipóxia intrauterina e/ou asfixia ao nascer e nascidos vivos oriundos do estado do Pará, dos estados da região Norte e do Brasil, no período de janeiro de 1996 a dezembro de 2019.

Esses dados foram organizados nas planilhas do programa Microsoft Office Excel 2010 e transformados em tabelas para facilitar a análise e interpretação dos resultados. As taxas de mortalidade infantil (TMI) da hipóxia intrauterina e asfixia ao nascer foram calculadas através da equação:

TMI = (nº de óbitos infantil/nascidos vivos) x 1.000 habitantes.

Além disso, foi calculado o percentual de redução das TMIs entre os anos de 1996 e de 2019 em cada território analisado usando a fórmula a seguir:

%ΔTMI = (TMI inicial- TMI final)/TMI inicial x 100

Posteriormente, os resultados obtidos das taxas de mortalidade infantil anuais foram analisados entre si e comparados com a literatura. Os territórios avaliados foram o estado do Pará, a região Norte e seus estados, e o Brasil.


RESULTADOS

Os dados anuais de mortalidade infantil por asfixia perinatal no Pará são mostrados na Tabela 1. O número de óbitos infantis e nascidos vivos foi utilizado para calcular a taxa de mortalidade infantil por asfixia perinatal no Pará, na região Norte e em seus estados, e no Brasil (Tabelas 2 e 3).












Entre os anos de 1996 e 2019, a taxa de mortalidade infantil relacionada à asfixia ao nascer apresentou uma redução de 41% no Pará, 72% na região Norte e 64% no Brasil (Tabela 4). Esse declínio foi registrado em todos os estados da região Norte, incluindo Pará (41%), Rondônia (50%), Amapá (80%), Amazonas (88%), Roraima (94%), Acre (94%) e Tocantins (97%), como evidenciado na Tabela 4.





DISCUSSÃO

A taxa de mortalidade infantil anual por asfixia ao nascer no estado do Pará vem diminuindo desde 1996 até 2019, embora de forma mais lenta comparada à média nacional. Essa redução se deve à articulação do pré-natal, à assistência ao parto e às condições de assistência materna, as quais contribuem para a diminuição da mortalidade infantil nos estados brasileiros ao longo dos anos.

Políticas públicas implementadas pelo Ministério da Saúde para o atendimento pré-natal e perinatal em todo o Brasil reduziram as taxas nacionais de mortalidade infantil, incluindo a região Norte e o estado do Pará. Uma dessas políticas foi a Rede Cegonha, projeto governamental que melhorou o atendimento à gestante e ao feto no Brasil9,11,12.

No entanto, mesmo havendo uma redução de 41% na mortalidade infantil entre 1996 e 2019 no Pará, de acordo com este estudo, essa queda foi inferior aos índices nacionais e da região Norte. O estado enfrenta diversos desafios, tais como acesso limitado a cuidados pré-natais de qualidade, infraestrutura de saúde precária, capacitação insuficiente dos profissionais de saúde e condições socioeconômicas desfavoráveis13. Além disso, a falta de conscientização e educação sobre práticas adequadas durante a gravidez, parto e pós-parto também contribui para essa situação. É importante realizar uma análise mais aprofundada, com base em dados epidemiológicos específicos, para compreender plenamente a situação e identificar outras possíveis causas13.

Branco et al. (2020)9 obtiveram dados semelhantes de queda da mortalidade infantil no período de 2005 a 2010 associados à asfixia perinatal no Norte do país. Esse avanço lento na gestão do risco perinatal no estado do Pará sugere uma maior necessidade de investimentos na atenção ao pré-natal e ao periparto para gestantes no território estadual.

Segundo França et al. (2008)13, a assistência pré-natal é precária em muitos municípios da federação brasileira devido a uma grande proporção de os partos não serem precedidos por consultas pré-natais. Isso torna as gestantes vulneráveis a complicações não diagnosticadas antes do período periparto, principalmente em populações de regiões remotas do Brasil13.

A situação no Pará e no restante do norte brasileiro demonstra desigualdade social nas regiões interioranas, com carência de serviços de assistência ao pré-natal e ao acesso a maternidades de baixa e alta complexidade levando à vulnerabilidade social materna, fatores esses que contribuem para a mortalidade infantil no estado do Pará e região Norte13.


CONCLUSÃO

A taxa de mortalidade infantil por hipóxia intrauterina e asfixia ao nascer no estado do Pará diminuiu de 1996 a 2019. No entanto, os avanços nesse período foram menores em comparação com os índices nacionais e outros estados da região Norte. Portanto, são necessários mais estudos no Pará para avaliar o acesso pré-natal e a qualidade do atendimento durante o parto para as gestantes, e correlacionar essas informações com os óbitos por asfixia e hipóxia intrauterina.

Os resultados do estudo sugerem a necessidade de aprimorar as políticas públicas de saúde, com enfoque na melhoria do atendimento pré-natal e do parto. É crucial reduzir a taxa de mortalidade infantil por hipóxia intrauterina e asfixia perinatal, principalmente nas regiões mais remotas do estado do Pará, para alcançar os mesmos avanços obtidos no restante do Brasil.


REFERÊNCIAS

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Data de Submissão: 28/03/2022
Data de Aprovação: 10/06/2023