Relato de Caso
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Ano 2023 -
Volume 13 -
Número
4
Extubação paliativa: experiência de quatro casos em unidade de terapia intensiva neonatal
Palliative extubation: an experience of four cases in a neonatal intensive care unit
Beatriz Cristina Guerreiro1; Fernanda Vieira de Souza Leite2; Iasmin Barufaldi Prette1; Jaqueline Venturin1; Daneila Barbosa Dias2
RESUMO
OBJETIVO: caracterizar e descrever pacientes neonatais portadores de condições graves e irreversíveis submetidos a extubação paliativa em unidade de terapia intensiva neonatal.
DESCRIÇÃO DO CASO: análise descritiva de quatro casos de extubação paliativa em unidade de terapia intensiva neonatal de hospital infantil de 2019 a 2020 a partir de revisão de prontuários eletrônicos dos seguintes dados: idade, diagnóstico principal, tempo de intubação, tempo de vida entre a extubação e o óbito, sintomas descritos neste período e medidas de conforto realizadas, abordagem familiar, diagnóstico e acompanhamento prévios ou não com equipe de cuidados paliativos. Todas as patologias foram incluídas na classificação de cuidados paliativos exclusivos. Todos os pacientes evoluíram para óbito após a extubação paliativa. A abordagem da equipe de cuidados paliativos baseou-se em proporcionar medidas de conforto ao paciente, suporte a família e a equipe de funcionários da unidade de terapia intensiva neonatal.
CONCLUSÃO: É fundamental a necessidade de conhecimento e aprofundamento da prática de extubação paliativa como forma de tornar o fim de vida um momento livre de sofrimento, prezando o respeito e dignidade aos pacientes.
Palavras-chave:
Cuidados Paliativos, Terapia Intensiva Neonatal, Cuidados Críticos.
ABSTRACT
OBJECTIVE: Characterize and describe neonatal patients with severe and irreversible conditions undergoing palliative extubation in a neonatal intensive care unit .
CASE DESCRIPTION: Descriptive analysis of four cases of palliative extubation in a neonatal intensive care unit of a childrens hospital in the year 2019 to 2020 based on a review of electronic medical records of the following data: age, primary diagnosis, period of intubation, time of life between extubation and death, symptoms described in the time interval between extubation and death and comfort measures taken, family approach, diagnosis and previous or not follow-up with the palliative care team. All diseases into the exclusive palliative care classification. All patients died after the palliative extubation. The approach of the palliative care team was based on providing comfort measures for the patient, support for the family and the staff of the neonatal intensive care unit.
CONCLUSION: The need for knowledge and deepening of the practice of palliative extubation is essential to make the end of life a time free of suffering, valuing respect and dignity for patients.
Keywords:
Palliative Care, Intensive Care Units,Neonatal, Critical Care.
INTRODUÇÃO
Os avanços tecnológicos permitiram aumentar as taxas de sobrevida de recém-nascidos com doenças potencialmente fatais (1). As sociedades médicas e os bioeticistas entendem que quando as medidas de suporte à vida não podem mais beneficiar o paciente, elas devem ser limitadas e suspensas (2). A extubação paliativa consiste na suspensão da ventilação mecânica para pacientes com condições irreversíveis, limitantes e com risco de vida, numa abordagem exclusiva de cuidados paliativos. Corroborada pelo Código de Ética Médica Brasileiro e pelo Conselho Federal de Medicina, trata-se de uma prática de ortotanásia, cujo objetivo é permitir a morte pela evolução natural da doença (3). É um processo complexo, que exige habilidades de planejamento e comunicação, em que o Brasil ainda carece de estudos e publicações nas áreas de pediatria e neonatologia. O objetivo principal deste estudo é caracterizar e descrever pacientes neonatais com condições graves e irreversíveis submetidos à extubação paliativa em unidade de terapia intensiva neonatal.
MATERIAL E MÉTODOS
Estudo observacional, transversal, de delineamento descritivo, com abordagem quantitativa, baseado em quatro casos de extubação paliativa realizados em unidade de terapia intensiva neonatal (UTIN). Foram pesquisados prontuários eletrônicos de 2019 a 2020 para preenchimento de uma ficha com as seguintes informações: idade, diagnóstico principal, tempo de intubação na UTIN, tempo de vida entre extubação e óbito, sintomas descritos no intervalo de tempo entre extubação e óbito, medidas de conforto implementadas, abordagem dos familiares durante o processo de morte, diagnóstico e acompanhamento prévio ou não com equipe de cuidados paliativos. Os critérios de inclusão foram recém-nascidos internados na UTIN da instituição do estudo que atendessem aos critérios de elegibilidade para cuidados paliativos completos, recém-nascidos em ventilação mecânica com parâmetros mínimos e recém-nascidos intubados no parto por condições desfavoráveis ao nascimento.
RELATO DE CASO
Os pacientes apresentavam vários diagnósticos que foram definidos anteriormente ao seu encaminhamento. Após definição do diagnóstico, os pacientes foram encaminhados para acompanhamento com cuidados paliativos, quando possível, iniciando pelo pré-natal (Tabela 1). Todas as doenças foram classificadas como necessitando de cuidados paliativos completos e os quadros em questão eram intratáveis e letais, tornando imperativa a abordagem paliativa aos cuidados de fim de vida.
A abordagem da equipe de cuidados paliativos foi multidisciplinar. Os pais dos pacientes em acompanhamento pré-natal foram informados sobre as condições irreversíveis, intratáveis e terminais dos pacientes. Baseado no conforto, na limitação de cuidados e no apoio familiar, foi oferecido um plano terapêutico. Após o nascimento, com a confirmação diagnóstica do pré-natal, os conceitos foram retomados ou abordados pela primeira vez em pacientes que não tiveram acompanhamento pré-natal e, em seguida, foi proposta a extubação paliativa. Foi sugerida a presença dos pais em tempo integral na UTIN, sendo permitido que eles segurassem os filhos no colo sempre que quisessem. Outros membros da família foram autorizados a visitar e realizar rituais religiosos se solicitados pela família. Paciente 1: paciente do sexo feminino, com dois dias de vida, extubada após ser batizada durante visita com familiares. Após retirada da ventilação mecânica, evoluiu com desconforto respiratório leve, episódios de bradicardia e queda da saturação. Foi realizada morfina subcutânea intermitente e instalada oxigenação suplementar em catéter. Os pais permaneceram na unidade durante todo o processo e após 44 horas da extubação a paciente foi a óbito. O paciente 2 não foi acompanhado anteriormente por cuidados paliativos devido ao diagnóstico pré-natal de hidrocefalia. Após o nascimento e a realização de exames complementares, o diagnóstico foi redefinido para holoprosencefalia e estado vegetativo persistente, sendo então indicada a retirada do suporte avançado. Os pais optaram por não estar presentes no momento da extubação e do óbito. A retirada da ventilação mecânica foi realizada aos 18 dias de vida sob morfina contínua em bomba de infusão. Não houve desconforto respiratório ou agitação após a extubação. O paciente foi a óbito em duas horas. Os pacientes 3 e 4 nasceram em ambulatório, onde foram instalados dispositivos invasivos. Medidas de limitação assistencial foram implementadas após a transferência para o nosso serviço. O batismo e as visitas familiares foram realizados antes da extubação, sete dias após o nascimento, na presença dos pais. Durante o procedimento de retirada da ventilação mecânica em infusão contínua de fentanil, o recém-nascido apresentou desconforto respiratório leve e agitação, evoluindo para óbito 36 horas após a extubação. Os parâmetros da ventilação mecânica foram mínimos para todos os pacientes, e foi preparada uma caixa de memória com os artigos do recém-nascido. Houve clara percepção por parte da equipe de cuidados paliativos de que alguns funcionários do setor de neonatologia se sentiam incomodados com a retirada do apoio dos pacientes do estudo. Toda a equipe foi convidada para discutir os casos e prestar esclarecimentos conceituais quanto ao respaldo moral e legal de tal medida e sua indicação clínica.
DISCUSSÃO
Os cuidados paliativos neonatais foram incluídos na definição proposta pelo Departamento de Dor e Cuidados Paliativos da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) em 2017. Segundo a SBP, a abordagem por meio dos cuidados paliativos traz uma proposta para oferecer a melhor qualidade de vida possível durante todo o processo da doença, desde o diagnóstico no período pré ou pós-natal, se indicado. Além da identificação precoce, tal abordagem requer a avaliação e tratamento impecáveis da dor e de outros problemas físicos, psicossociais e espirituais (1). Atualmente, em UTIs para adultos na América do Norte, alguma forma de limitação de medidas de suporte à vida ocorre em 90% dos óbitos. A prevalência desta decisão é bastante variável a nível global, tendo como explicação fatores culturais e religiosos. Essa variabilidade também ocorre na pediatria (4). Estudos a respeito das formas de morrer em UTIP realizados nos EUA, Austrália e Japão mostraram incidência de limitação de medidas de suporte à vida variando de 70 a 100% (5); até 84% (6), até 70% (7), respectivamente. Um estudo realizado em 2005 na Região Sul do Brasil mostrou uma incidência de 36% (8). Embora ainda incipiente e pouco relatada no Brasil, a limitação de medidas de suporte à vida aumentou em 30% nas UTIs entre 1998 e 2002 (9). Em 2016, um estudo chileno em UTIP mostrou que as modalidades de limitação de medidas de suporte à vida mais utilizadas não eram a reanimação cardiopulmonar, a limitação da internação na UTI ou o não início de tratamentos específicos. A retirada de medidas de suporte, como a extubação paliativa, mostrou-se mais perturbadora do que a sua abstenção, por ser considerada mais ativa, o que poderia ter implicações jurídicas (10). Na Espanha, um estudo relatou que o tratamento em unidade neonatal não foi iniciado em 24,2% e a retirada do suporte vital ocorreu em 27,6% dos casos. A ventilação mecânica foi o suporte mais retirado (11). Os cuidados prestados ao recém-nascido após a limitação de medidas de suporte à vida devem ser planejados de acordo com seu estado clínico e perspectivas de sobrevida. A atenção deve estar voltada para o indivíduo e não para a doença em si. Após a extubação, o tempo de sobrevida do paciente é variável e indeterminado. A média de sobrevida no nosso estudo após extubação paliativa foi de 29 horas. Dados divergentes da literatura a respeito de UTIs de pacientes adultos relatam tempos de 56 e 54 minutos (12) (13). Os sintomas prevalentes descritos na literatura são semelhantes aos observados em nosso estudo. Os principais sinais de desconforto respiratório foram controlados com opioides e às vezes com benzodiazepínicos (9). Os principais fatores que agregam à assertividade da extubação paliativa são a realização e o acompanhamento do procedimento por equipe treinada em cuidados paliativos, a discussão prévia dos casos por equipe multidisciplinar, decisões compartilhadas com a família e conhecimento dos aspectos éticos e legais subjacentes à retirada das medidas avançadas de suporte destinadas exclusivamente a postergar a morte. É fundamental abordar os pais, prepará-los e esclarecer todos os resultados incertos e possíveis. Essa medida pode reforçar a decisão compartilhada, assim como trazer os valores familiares como componente da decisão técnica e não transferir a responsabilidade da decisão aos pais. Ao longo deste processo, deve ser garantida a privacidade dos pais e a oportunidade de terem as suas dúvidas esclarecidas e os seus sentimentos expressos. Eles devem ter permissão para segurar o filho no colo. Outros membros da família devem ser incentivados a visitar sempre que quiserem. Deve ser permitido tirar fotos para organizar recordações e realizar ritos religiosos de acordo com as crenças da família. Eles devem sentir-se seguros de que a equipe controlará adequadamente os sintomas.
CONCLUSÃO
A escassez de estudos sobre extubação paliativa em pediatria, principalmente em neonatologia, é uma realidade. Por se tratar de um procedimento complexo, uma equipe de cuidados paliativos bem preparada deve fornecer suporte adequado a todos os envolvidos. No atual ambiente de alta tecnologia, é crítica a necessidade de conhecimento e aprofundamento desta prática, tornando os momentos de final de vida uma experiência livre de sofrimento, rodeada de transparência e humanismo. As medidas de conforto, a presença da família no momento da morte e os procedimentos que limitam o suporte à vida, como a extubação paliativa, precisam ser respeitados e utilizados para proporcionar cada vez mais dignidade no momento da mortemore and more dignity at the time of death.
REFERÊNCIAS
1. Gibelli MABC. Cuidados paliativos em neonatologia. In: Associação de Medicina Intensiva Brasileira, Sociedade Brasileira de Pediatria; Piva JP, Carvalho WB, organizadores. PROTIPED Programa de Atualização em Terapia Intensiva Pediátrica: Ciclo 12. Porto Alegre: Artmed Panamericana; 2020. p. 147–76. (Sistema de Educação Continuada a Distância, v. 2).
2. Rubio AV, Souza JL. Cuidado paliativo: pediátrico e neonatal. 1.ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 2019.
3. Weise KL, Okun AL, Carter BS, Christian CW. Guidance on forgoing life-sustaining medical treatment. Pediatrics. 2017;140:e20171905.
4. Mark NM, Rayner SG, Lee NJ, Curtis JR. Global variability in withholding and withdrawal of life-sustaining treatment in the intensive care unit: a systematic review. Intensive Care Med. 2015 Sep;41(9):1572-85.
5. Meert KL, Keele L, Morrison W, Berg RA, Dalton H, Newth CJL, et al. End-of-life practices among tertiary care PICUs in the United States: a multicenter study. Pediatr Care Med. 2015 Sep;16(7):e231-8.
6. Lee KJ, Tieves K, Scanlon MC. Alterations in the end-of-life support in the pediatric intensive care unit. Pediatrics. 2010 Oct;126(4):e859-e64.
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8. Kippe DJ, Piva JP, Garcia PCR, Einloft PR, Bruno F, Lago P, et al. Evolution of the medical practices and moles of death on pediatric intensive care units in southern Brazil. Pediatric Crit Care Med. 2005 May;6(3):258-63.
9. Araújo Affonseca C, de Carvalho LFA, de Pinho Barroso Quinet R, da Cunha Guimarães MC, Cury VF, Rotta AT. Palliative extubation: a five-year experience in a pediatric hospital. J Pediatr (Rio J). 2019.
10. Valdés G, Romero T, Castro R. Limitación del esfuerzo terapéutico en cuidados intensivos pediátricos: conocimiento y actitudes bioéticas del profesional médico. Rev Chil Pediatr. 2016;87(2):116-20
11. Grupo de Trabajo de la Sociedad Española de Neonatología sobre Limitación del Esfuerzo Terapéutico y Cuidados Paliativos en recién nacidos. [Decisions on limiting treatment in critically-ill neonates: a multicenter study]. An Esp Pediatr. 2002 Dec;57(6):547-553.
12. Cooke CR, Hotchkin DL, Engelberg RA, Rubinson L, Curtis JR. Predictors of time to death after terminal withdrawal of mechanical ventilation in the ICU. Chest. 2010;138:289-97.
13. Huynh TN, Walling AM, Le TX, Kleerup EC, Liu H, Wenger NS. Factors associated with palliative withdrawal of mechanical ventilation and time to death after withdrawal. J Palliat Med. 2013;16:1368-74.
1. Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto- FAMERP, Pediatria - São José do Rio Preto - SP - Brasil
2. Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto- FAMERP, Pediatria / Cuidados Paliativos Pediatricos - São José do Rio Preto - SP - Brasil
Endereço para correspondência:
Beatriz Cristina Guerreiro.
Av. Brg. Faria Lima, 5416 - Vila Sao Pedro
São José do Rio Preto - SP, 15090-000
E-mail: beatrizcristinaguerreiro@gmail.com
Data de Submissão: 10/05/2022
Data de Aprovação: 06/06/2022