ISSN-Online: 2236-6814

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Artigo Original - Ano 2023 - Volume 13 - Número 4

Avaliação do conhecimento dos pediatras e neonatologistas sobre afecções oculares na infância

Evaluation of pediatricians and neonatologists knowledge about ocular disorders in childhood

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o grau de conhecimento dos pediatras e neonatologistas sobre os problemas oculares na criança, seu diagnóstico e conduta, por meio de questionário padronizado.
MÉTODOS: Aplicou-se questionário, no qual constam dados demográficos e questões sobre conhecimentos oftalmológicos, entre pediatras através da linha transmissão do serviço de pediatria do HC da FMRP/USP no período de janeiro a junho de 2021. Realizou-se estudo de delineamento transversal, cujas respostas foram tabuladas, foi realizada a análise estatística com o Teste de Kruskal-Wallis e Teste Exato de Fisher para comparação entre os grupos pré-estabelecidos (residentes em pediatria, 4 a 9 anos e mais de 10 anos de exercício em pediatria).
RESULTADOS: O questionário estruturado foi enviado para 277 pediatras. Noventa pediatras responderam ao questionário, sendo que 81,11% foram do sexo feminino. Quanto ao tempo de exercício da pediatria, 42,22% tinham mais de 10 anos. Das 17 questões voltadas ao conhecimento oftalmológico, os acertos variaram de 6 a 14, sendo que a média de acertos foi 58,52%. As perguntas que obtiveram maior índice de erro foram quanto à conduta em recém-nascidos (RN) com secreção ocular e obstrução lacrimal congênita e quando uma criança prematur a deve ser avaliada por um oftalmologista, porém não foram encontradas diferenças significativas quando comparado o nível de acerto entre os grupos (p=0,425).
CONCLUSÃO: Os resultados sugerem deficiência no conhecimento oftalmológico entre os pediatras entrevistados, portanto programas de educação continuada e de colaboração entre disciplinas de oftalmologia e pediatria devem ser desenvolvidos e reforçados, visando um aprofundamento no conhecimento desses tópicos.

Palavras-chave: Pediatria, Questionários, Competência clínica, Oftalmologia, Inquéritos e questionários.

ABSTRACT

OBJECTIVE: The aim was to evaluate the level of knowledge of pediatricians and neonatologists about eye problems in children, their diagnosis and management, using a standardized questionnaire.
METHODS: A questionnaire with demographic data and questions about ophthalmological knowledge was applied among pediatricians, through the transmission line of the pediatric service of the HC FMRP/USP from January to June 2021. A cross-sectional study was carried out, whose responses were tabulated, and statistical analysis was performed using the Krukal Wallis Test and Fishers Exact Test for comparison between the pre-established groups (pediatric residents, 4 to 9 years, and more than 10 years of practice in pediatrics). Sampling was by convenience.
RESULTS: The structured questionnaire was sent to 277 pediatricians. Ninety pediatricians answered the questionnaire and 81.11% were female. As for the time of pediatric practice, 42.22% had more than 10 years. From the 17 questions about ophthalmologic knowledge, correct answers ranged from 6 to 14, and the average score was 58.52%. The questions with the highest error rate were about the management of newborns with ocular discharge and congenital tear obstruction and when a premature child should be evaluated by an ophthalmologist. However, no significant differences were found when comparing the correct answers between the groups (p=0.425)
CONCLUSION: The results suggest a deficiency in ophthalmologic knowledge among the pediatricians interviewed; therefore, continuing education and collaboration programs between ophthalmology and pediatrics disciplines should be developed and reinforced to deepen knowledge on these topics.

Keywords: Knowledge, Pediatrics, Clinical competence, Eye diseases, Surveys and Questionnaires.


INTRODUÇÃO

A visão é um dos mais importantes sentidos no desenvolvimento físico e cognitivo normal da criança. Os gestos e condutas são aprendidos, na maioria, por feedback visual, por isso, crianças com deficiência visual têm um desenvolvimento motor e capacidade de comunicação prejudicadas1.

Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que 1,4 milhão de crianças são consideradas cegas ao redor do mundo. O controle da deficiência visual infantil é de extrema importância por diversos motivos, entre eles, os aspectos sociais, econômicos e psicológicos para a criança e sua família. Além disso, muitas causas são evitáveis ou tratáveis, e algumas delas estão associadas à mortalidade infantil (como sarampo, rubéola, parto prematuro, deficiência de vitamina A e meningite)2.

No Brasil, segundo a Agência Internacional de Prevenção de Cegueira, estima-se que mais de 33 mil crianças são cegas de etiologias preveníveis ou tratáveis se detectadas precocemente. Estima-se que pelo menos 100 mil crianças têm alguma deficiência visual. Pelo levantamento do Conselho Brasileiro de Oftalmologia, retinopatia da prematuridade, catarata, toxoplasmose, glaucoma congênito e neuropatias ópticas hereditárias são as principais causas de deficiência visual infantil moderada e grave3,4. Além disso, 20% das crianças em idade escolar apresentam distúrbios oftalmológicos em decorrência de erros de refração não corrigidos5,6.

O conhecimento básico de oftalmologia é necessário para o cotidiano do médico pediatra para que, quando necessário, seja feito o rápido e preciso encaminhamento para um médico oftalmologista. Desse modo, vê-se necessário avaliar continuamente a qualidade de formação do pediatra sobre conhecimentos básicos das afecções oftalmológicas durante a infância.

O presente trabalho tem como objetivo avaliar o grau de conhecimento dos pediatras sobre problemas oculares na infância, seu diagnóstico e conduta, por um questionário padronizado e validado.


MÉTODO

Realizou-se pesquisa de corte transversal envolvendo 277 médicos pediatras. A amostra foi obtida através da linha de transmissão do serviço de pediatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP-USP). Foi elaborado questionário com base de estudo preliminar da realidade (Manica et al.), estruturado na plataforma Google Formulário e enviado por e-mail entre o período de janeiro e junho de 2021.

O questionário foi aplicado em duas fases. Na primeira fase, participaram 10 pediatras que forneceram elementos esclarecedores a respeito da relevância dos aspectos indagados, dúvidas quanto às dificuldades na compreensão das perguntas formuladas. Na segunda fase, foi aplicado questionário semiestruturado a 10 pediatras, construído a partir dos subsídios da fase anterior. Após análise dessas fases, foi aplicado o questionário definitivo.

O questionário assim construído foi submetido a teste prévio, mediante a aplicação por questionário a 20 pediatras, como prova de validade e confiança. Os indivíduos que participaram do teste prévio foram excluídos da amostra do estudo.

No presente estudo, o questionário utilizado constou de uma parte inicial contendo perguntas acerca de características demográficas como idade, sexo e tempo de atuação em pediatria. A segunda parte era constituída de 17 testes, abrangendo afecções oftalmológicas na infância, questionando condutas na primeira avaliação, avaliação da acuidade visual, condutas perante secreção ocular, encaminhamento correto ao oftalmologista, conhecimento em catarata congênita, leucoria e glaucoma congênito (Figura 1).


Figura 1. Questionário aplicado aos médicos pediatras.



Após coletado os dados, foi realizada a análise estatística com o teste de Kruskal-Wallis e teste exato de Fisher para comparação entre os grupos pré-estabelecidos (residentes, 4 a 9 anos de exercício e mais de 10 anos de exercício) e estabelecido o nível de significância de 0,05.

O projeto de pesquisa recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do HCFMRP/CEP (número do protocolo: 36538220.7.0000.5440). Obteve-se consentimento de todos os participantes que preencheram o questionário para usar os dados neste trabalho. Foram assegurados anonimato e sigilo dos dados aos respondentes.


RESULTADOS

Características demográficas

O questionário estruturado foi enviado para 277 pediatras. Dos 90 pediatras que responderam ao questionário, 73 (81,11%) foram do sexo feminino e 17 (18,88%) do sexo masculino. Quanto à idade, 25 (27,77%) referiram ter entre 24 e 29 anos, 20 (22,22%) entre 29 e 34 anos, e 45 (50%) responderam ser maiores que 34 anos. Para o tempo de exercício da pediatria, 26 (28,88%) referem estar na residência médica de Pediatria (1 a 3 anos), 26 (28,88%) entre 4 e 9 anos e 38 (42,22%) tinham mais de 10 anos do exercício da pediatria.

Conhecimento em afecções oculares na infância

Das 17 questões voltadas ao conhecimento oftalmológico, os acertos variaram de 6 a 14 (pontuação total de 17), a média de acertos das questões foi 10 (58,52%).

As perguntas que obtiveram maior índice de erro foram quanto à conduta em recém-nascidos com secreção ocular e obstrução lacrimal congênita e quando uma criança prematura deve ser avaliada por um oftalmologista (Gráfico 1), porém não foram encontradas diferenças significativas quando comparado o nível de acerto entre os grupos (p=0,425) (Gráfico 2).


Gráfico 1. Número de acerto entre os grupos pré-definidos para cada questão.




Gráfico 2. Teste de Kruskal-Wallis entre número de acerto e cada grupo pré-estabelecido.



Quando avaliado o nível de acerto de cada questão entre os grupos, encontrou-se diferença significativa apenas nos grupos entre residentes e mais do que 10 anos de formação quando questionados qual droga que quando usada abusivamente poderia causar problemas oculares (p=0,025) e quando questionados qual seria uma condição nosológica maligna (p=0,041) com maior índice de acerto para ambas as questões no grupo com mais de 10 anos de formação.

Primeira avaliação

Somente 68,88% (n=62) dos pediatras encaminhariam ao oftalmologista, uma criança sem fator de risco, antes do primeiro ano de vida, para o primeiro exame oftalmológico. Além disso, 10% (n=9) referem não perguntar quanto à história familiar de problema ocular.

Em crianças prematuras, na primeira semana de vida, 81,11% (n=73) dos entrevistados desconheciam necessidade de se realizar avaliação oftalmológica.

Quanto ao encaminhamento ao oftalmologista, 75,55% (n=68) não sabiam o melhor momento para encaminhar uma criança com obstrução lacrimal congênita, e 74,44% (n=67) encaminhariam uma criança com desvio ocular direto para o oftalmologista.

Acuidade visual

Neste tópico foi analisado o conhecimento para estimar a acuidade visual de uma criança pré-verbal, e 8,88% (n=8) dos entrevistados desconheciam como aferir corretamente. É importante ressaltar também que 37,77% (n=34) desconheciam o melhor momento para iniciar o tratamento de baixa acuidade visual. Além disso, 66,6% (n=60) não souberam a definição de ambliopia.

Secreção ocular

Relativo ao tratamento de uma criança com secreção ocular, 78,88% (n=71) referem como primeira escolha a Tobramicina colírio®, sendo que, 67,77% (n=61) prescrevem seu uso a cada 6 horas. Entretanto, quando o questionamento se ateve a recém-nascidos com secreção ocular, 83,33% (n=75) não souberam a conduta correta. É importante ressaltar que 91,11% (n=82) dos pediatras reconhecem que o uso excessivo de colírios com corticoide pode levar a graves problemas oculares.

Catarata congênita

Quanto à conduta inicial na catarata congênita, 63,33% (n=57) desconhecem o melhor momento para realização da cirurgia e 52,22% (n=47) não saberiam informar à família o prognóstico da doença.

Leucoria

Dentre as diversas causas de leucoria, 54,44% (n=49) não sabiam que retinoblastoma, retinopatia da prematuridade e doença exsudativa da retina podem causar leucoria. Além disso, 86,66% (n=78) sabem que retinoblastoma é maligno.

Glaucoma Congênito

Fotofobia, lacrimejamento e blefaroespasmo é a tríade clássica do glaucoma congênito, e 41,11% (n=37) dos entrevistados a desconhecem.


DISCUSSÃO

Os resultados sugerem uma deficiência no ensino médico básico e residência médica no tocante a conhecimentos de oftalmologia, uma vez que a média de acertos foram de 10 questões, ou seja, 58,52%. Considerando a porcentagem de pediatras que não responderam ao questionário, essa média pode estar tanto subestimada, quanto superestimada.

Conforme a Academia Americana de Pediatria (AAP), é imprescindível conscientizar os pais e responsáveis de que o teste do reflexo vermelho não substitui o exame oftalmológico completo, que deve ser realizado no primeiro ano de vida8.

É necessário que os pais e responsáveis da criança sejam questionados sobre história de doenças oculares na família9. Quando questionados, somente 68,88% dos pediatras encaminharam ao oftalmologista, uma criança prematura, antes do primeiro ano de vida, para o primeiro exame oftalmológico e 10% (n=9) referem não perguntar quanto à história familiar de problema ocular. Como recomendação geral da Sociedade Brasileira de Oftalmologia Pediátrica (SBOP) e da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), recomenda-se que crianças saudáveis sejam submetidas a pelo menos um exame oftalmológico completo entre 3 e 5 anos de idade, a ser realizado por um oftalmologista. Idealmente, ele pode ser precedido por um exame dos 6 aos 12 meses de idade10. Em comparação com Ababneh & Co, somente 62,5% dos pediatras julgavam que as crianças deveriam ser atendidas pelo menos uma vez antes de entrar no jardim de infância, enquanto 10,4% achavam que deveriam ser atendidas apenas se houvesse alguma reclamação, e 12,5% não sabiam quando as crianças deveriam ser triadas11. A triagem por um médico oftalmologista é importante, pois muitas doenças oculares podem ser silenciosas, e as crianças podem não ser capazes de reclamar ou se comunicar bem sobre problemas de visão.

A retinopatia da prematuridade (ROP) é uma doença vasoproliferativa secundária à inadequada vascularização da retina imatura dos recém-nascidos prematuros, que pode levar à cegueira ou a graves sequelas visuais, os exames de detecção de ROP devem ser realizados em nascidos prematuros de peso abaixo de 1500g e/ou idade gestacional abaixo ou igual a 32 semanas, e deve ser realizado no máximo, com um mês de vida. Assim, o exame para avaliação retiniana feito por um oftalmologista experiente é muito importante, dessa maneira, todos os neonatologistas e pediatras que cuidam desses recém-nascidos prematuros devem estar cientes da gravidade de evolução da doença, e 81,11% não solicitariam uma avaliação especializada12. Enquanto em Manica et al. 53% desconheciam o melhor momento para uma avaliação oftalmológica na ROP, no estudo de Ababneh et al., 75% dos participantes encaminhariam um bebê para rastreio de ROP7 em até 6 semanas após o nascimento ou na idade de 32 semanas, o que ocorrer mais tarde11.

Este estudo mostrou que 37,77% dos pediatras desconheciam o melhor momento para iniciar o tratamento de baixa acuidade visual, independente da idade, enquanto o estudo de Manica et al. mostrou que 20% desconheciam7. Este é um dado relevante, pois se a intervenção não for realizada no tempo adequado, pode resultar em ambliopia, definida como a redução considerável da acuidade visual em um ou em ambos os olhos, na ausência de outra patologia. A ambliopia pode ser decorrente de inúmeras causas, dentre elas, catarata congênita, erros refrativos, estrabismo, entre outros. Conhecer a definição de ambliopia e suas causas é fundamental para o correto encaminhamento da criança, para posterior diagnóstico e tratamento. Neste estudo 66,6% dos entrevistados não souberam defini-la, enquanto em Manica et al. mostrou que 70% desconheciam a definição7.

A maioria dos vícios de refração são facilmente corrigidos com óculos quando diagnosticados, entretanto, as anisometropias e as altas ametropias na infância podem levar à ambliopia, resultando em perda de visão permanente se não corrigida na primeira infância. Portanto, a acuidade visual deve ser avaliada corretamente inclusive em uma criança pré-verbal, com seguimento de objetos e da luz, fato que 8,88% dos entrevistados não souberam informar13. No estudo de Ababneh & Co, somente 62,5% dos entrevistados sabiam que as crianças podem ter erros de refração, demonstrando um resultado importante, já que é de extrema importância detectar erros refrativos o mais cedo possível para evitar complicações11.

A conjuntivite neonatal é definida como conjuntivite mucopurulenta aguda, que se apresenta nas quatro primeiras semanas de vida. A apresentação clínica pode variar de edema palpebral e hiperemia conjuntival, até quemose, secreção serosa ou purulenta. A conjuntivite neonatal possui diversas etiologias, como infecções bacterianas (Chlamydia trachomatis, N. gonorrhoeae, Haemophilus, Streptococcus pneumonia etc.), infecções virais (adenovírus ou vírus do Herpes simplex), ou substâncias químicas (após tratamento com profilaxia com nitrato de prata). Para a maioria das conjuntivites bacterianas não sexualmente transmissíveis, o tratamento inclui diferentes antibióticos tópicos. Nos casos causados por C. trachomatis e N. gonorrhoeae, o tratamento inclui antibióticos tópicos e sistêmicos14. Foi questionada a conduta perante a presença de secreção ocular em recém-nascidos e 83,33% não encaminhariam para um oftalmologista, número comparativamente maior ao observado no estudo de Manica et al. (2003)12, no qual somente 45% não souberam7.

Em crianças com secreção ocular, a primeira escolha foi a Tobramicina colírio®, com índice de acerto de 78,88%, sendo que 67,77% prescrevem a cada 6 horas. Um problema comum é distinguir a conjuntivite viral da bacteriana, mas, epidemiologicamente, a causa mais comum de conjuntivite em crianças é a bacteriana, dessa maneira, é necessário o uso de antibiótico15.

Quanto ao corticoide tópico ocular, 91,11% dos pediatras reconhecem que seu uso excessivo pode levar a problemas oculares, como glaucoma, portanto deverão ter seu uso racionalizado e prescrito somente quando necessário15.

A obstrução congênita do ducto lacrimonasal (OCDLN) ocorre em aproximadamente em 6% dos recém-nascidos, por imperfuração da válvula de Hasner. Manifesta-se por epífora persistente, desde os primeiros dias de vida. A grande maioria dos casos de OCDLN, pode ser resolvida espontaneamente até o primeiro ano de vida, com massagem do ângulo interno do olho contra o osso nasal, na direção do ducto lacrimonasal (massagem de Crigler)16. Se não resolvida, a conduta é sondagem do ducto lacrimonasal, que é quando se deve encaminhar para o oftalmologista até os 6 meses de idade, e no presente estudo 74,44% não sabiam o melhor momento, comparativamente, em Manica e col, 65% não sabiam o melhor momento7,17.

O desvio ocular, ou estrabismo, possui diversas classificações e cada uma deverá ter uma conduta diferente tomada pelo médico oftalmologista. Dessa maneira, perante a suspeita clínica, a criança deverá ser encaminhada imediatamente em qualquer idade, e somente 74,44% dos entrevistados encaminhariam direto para o oftalmologista, em comparação com Manica et al., 15% não sabiam o manejo adequado7. Já em Ababneh & Co, em termos de tratamento, 60,4% dos pediatras responderam que encaminhariam crianças com estrabismo a oftalmologista, enquanto 31,3% recomendariam a realização de exames de imagens do cérebro, além disso, 58,3% deles responderam erroneamente que poderia realizar o tratamento por conta própria11,18.

A catarata congênita é a opacificação do cristalino presente ao nascimento ou logo após ele. Possui diversas etiologias, pode estar associada a anomalias congênitas, doenças metabólicas, como diabetes, galactosemia e hipoglicemia, e infecções intrauterinas como rubéola19,20. A triagem para o diagnóstico é realizada pelo teste do reflexo vermelho ao nascimento. O tratamento é cirúrgico, podendo a criança ficar afácica ou com implante de uma lente intraocular, realizado no máximo até a oitava semana de vida, levando ao melhor prognóstico visual19. O melhor momento para tratamento e prognóstico dessa afecção deve ser de conhecimento do pediatra para a melhor orientação aos familiares. Do total de entrevistados, 63,33% desconhecem o melhor momento para operar, até 2 meses de vida, e 52,22% não saberiam informar à família o prognóstico da doença, tendo um prognóstico mais reservado quanto aos adultos operados de catarata senil19. Enquanto no estudo de Manica et al. (2003)12, 36% não sabiam a conduta inicial na catarata congênita e 75% não sabiam informar aos familiares de seus pacientes sobre o prognóstico do tratamento dessa doença7,19.

Dos entrevistados, 54,44% não sabiam que retinoblastoma, retinopatia da prematuridade e doença exsudativa da retina podem causar leucocoria. A leucocoria é observada como um reflexo branco ao teste do reflexo vermelho, sendo frequentemente o primeiro sinal de doenças oculares graves, as quais o diagnóstico e manejo devem ser precoces, pois a maioria das condições ameaça o prognóstico visual, e em específico o retinoblastoma, que pode ser fatal21.

Além disso, 86,66% sabem que retinoblastoma é maligno21. Em comparação com Manica e col, 63% não lembravam que retinoblastoma, retinopatia da prematuridade e doenças exsudativas da retina são causas de leucocoria e 90% sabiam que o retinoblastoma é maligno7. Já no estudo de Ababneh & Co, 83,3% dos respondentes referiram que retinoblastoma é uma causa de leucocoria11.

O glaucoma congênito é uma doença potencialmente grave, que pode resultar em cegueira, caso não seja diagnosticada precocemente e não receba tratamento adequado22. O glaucoma do desenvolvimento refere-se ao glaucoma associado a anomalias do desenvolvimento do olho presente no nascimento23.

A suspeita clínica de glaucoma congênito deve ser realizada pela presença da tríade clássica de lacrimejamento, fotofobia e blefarospasmo, e deve ser confirmada através da avaliação do estado refrativo, das alterações presentes na córnea e de procedimentos como a tonometria, oftalmoscopia e gonioscopia24. O tratamento deve ser eficiente, preciso e imediato, para evitar futuras complicações, sendo assim, um diagnóstico precoce é de suma importância para o prognóstico23. Segundo o questionário, 41,11% dos pediatras entrevistados desconhecem a tríade clássica. Enquanto em Manica e col., 52% não sabiam a tríade clássica do glaucoma congênito7.


CONCLUSÃO

Os resultados sugerem uma deficiência no ensino médico básico e residência médica de pediatria quanto à área de oftalmologia, avaliada numa amostra de pediatras, uma vez que a média de acertos foi de 10 questões (58,52%). Dessa maneira, pode-se concluir que os conhecimentos são insuficientes para diagnosticar, tratar e informar sobre a maioria das afecções oculares questionadas. Programas de educação continuada e de colaboração entre disciplinas de oftalmologia e pediatria devem ser desenvolvidos e reforçados, visando um aprofundamento no conhecimento desses tópicos.


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1. UNINOVE Campus Vergueiro, Oftalmologia/Pediatria - São Paulo - São Paulo - Brasil
2. Hospital das Clínicas / Faculdade de Medicina Ribeirão Preto (USP), Oftalmologia - Ribeirão Preto - São Paulo - Brasil

Endereço para correspondência:

Marcelo Jordão Lopes Silva
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
R. Ten. Catão Roxo, 3900 - Vila Monte Alegre
Ribeirão Preto - SP, 14015-010
E-mail: marcelo.jordao@gmail.com

Data de Submissão: 13/05/2022
Data de Aprovação: 05/12/2022