ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo de Revisao - Ano 2024 - Volume 14 - Número 1

Barreiras e facilitadores da adesão ao tratamento de tuberculose em crianças e adolescentes

Barriers and facilitators of adherence to tuberculosis treatment in children and adolescents

RESUMO

INTRODUÇÃO: A tuberculose (TB), doença infectocontagiosa, demanda tratamento prolongado e, usualmente, acomete pacientes socialmente vulneráveis, o que aumenta o risco de abandono durante seu curso. Crianças e adolescentes são susceptíveis a essa infecção, necessitando de tratamento adequado para um desfecho clínico favorável. Sabe-se que a adesão ao tratamento da TB é o principal obstáculo para a cura da doença, sendo importante conhecer fatores que influenciam essa adesão. O objetivo desta revisão é analisar os fatores que interferem na adesão ao tratamento da TB em crianças e adolescentes.
METODOLOGIA:
Trata-se de revisão sistemática de literatura realizada pela pesquisa dos descritores Tuberculosis (OR Tuberculoses) AND Adherence (OR Adhesion) nas bases de dados PubMed, SciELO e LILACS. Foram incluídos artigos que tratavam da adesão de crianças e adolescentes ao tratamento de TB. Excluíram-se os duplicados. A seleção dos artigos para revisão foi realizada nas seguintes etapas: análise de títulos, leitura dos resumos e dos artigos na íntegra. Ao final da seleção, 28 artigos foram revisados.
RESULTADOS: As principais barreiras à adesão ao tratamento de TB foram: tempo prolongado de tratamento, efeitos adversos, desconhecimento dos cuidadores em relação à doença e à infecção latente e aspectos socioeconômicos. Os principais facilitadores foram: tratamento mais curto, diretamente observado, suporte financeiro e aconselhamento dos pacientes e cuidadores. A coinfecção HIV-TB pode aumentar a adesão pela rotina de ingestão de medicamentos, ou diminuir, pelo aumento dos efeitos adversos.
CONCLUSÃO: Conhecer facilitadores e barreiras à adesão permite direcionar esforços necessários à promoção de melhor resposta ao tratamento da TB.

Palavras-chave: Tuberculose, Adesão à medicação, Criança, Adolescente.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Tuberculosis (TB), an infectious and contagious disease, requires prolonged treatment and usually affects socially vulnerable patients, which increases the risk of abandonment during its course. Children and adolescents are susceptible to this infection, requiring adequate treatment for a favorable clinical outcome. It is known that adherence to TB treatment is the main obstacle to cure the disease, and it is important to know the factors that could influence this adherence. The aim of this review is to analyze the factors that interfere with adherence to TB treatment in children and adolescents.
METHODS: This systematic literature review was conducted by searching the descriptors Tuberculosis (OR Tuberculosis) AND Adherence (OR Adhesion) in the PubMed, Scielo and Lilacs databases. Articles about the adherence of children and adolescents to TB treatment were included. Duplicates were excluded. The selection of articles for review was conducted in the following steps: analysis of titles, reading of abstracts and full articles. At the end of the selection, 28 articles were reviewed.
RESULTS: The main barriers to adherence to TB treatment were: prolonged treatment time, adverse effects, caregivers lack of knowledge about the disease and latent infection and socioeconomic status. The main facilitators were: shorter treatment, directly observed, financial support and advice from patients and caregivers. HIV-TB co-infection can increase adherence due to routine medication intake, or decrease due to the increase in adverse effects.
CONCLUSION: The acknowledgement of the facilitators and barriers to adherence allows directing the necessary efforts to promote best response to TB treatment.

Keywords: Tuberculosis, Medication Adherence, Child, Adolescent


INTRODUÇÃO

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a pandemia da covid-19 impactou o número de novos diagnósticos de tuberculose (TB), reduzindo de 7,1 milhões em 2019 para 5,8 milhões em 2020. No entanto, notou-se um aumento no número de óbitos por TB, de 1,2 milhões em 2019 para 1,3 milhões em 2020 em pessoas não infectadas pelo HIV, assim como de 209.000 em 2019 para 214.000 em 2020 em infectadas pelo HIV1. Esse paradoxo existente entre os dados pode ser atribuído a diversos fatores decorrentes da pandemia, como um menor acesso ao diagnóstico e ao tratamento da TB. Sendo assim, percebe-se que os valores referentes ao ano de 2019 ilustram a situação da TB no mundo sem a interferência provocada pela pandemia de SARS-CoV-21.

No ano de 2019, dados referentes à quantidade de doentes por TB no mundo mostraram um total de 10 milhões de pessoas, as quais predominavam nos continentes da Ásia e da África, uma vez que apresentam uma condição socialmente mais vulnerável. Além disso, 12% dessas pessoas acometidas que desenvolveram a doença eram crianças e adolescentes menores de 15 anos2.

A TB ativa apresenta-se como um desafio diagnóstico em crianças, visto que elas são paucibacilíferas, devendo ser realizada uma investigação mais detalhada acerca de critérios clínicos, epidemiológicos e radiológicos. Os menores de 5 anos e os infectados pelo HIV são considerados grupos de risco para o desenvolvimento de TB ativa, já que apresentam maior chance de desenvolver as formas mais graves da doença, como a meningite tuberculosa e a TB miliar, pela imaturidade ou comprometimento do sistema imunológico3,4.

No caso da infecção latente da tuberculose (ILTB), as crianças e os adolescentes são assintomáticos, o que demonstra a necessidade do rastreio dos contatos para se realizar o diagnóstico. Uma das maiores preocupações para a identificação desses casos se baseia no risco de evolução para a forma ativa da doença, a qual pode se demonstrar como formas mais graves da TB. A OMS reconhece que a identificação e o tratamento dos casos de ILTB são as principais ferramentas para o controle da TB5.

Dessa forma, observa-se o quanto as crianças e os adolescentes são suscetíveis a essa doença, necessitando de um tratamento adequado para um desfecho clínico favorável. Todavia, tanto o tratamento curativo para TB ativa quanto preventivo para ILTB demandam um tempo prolongado, o que aumenta o risco de abandono durante o seu curso. Nesse contexto, as taxas de sucesso diminuem, as chances de progressão da ILTB para TB ativa aumentam, assim como a taxa de mortalidade na população afetada.

Sabe-se, portanto, que a má adesão ao tratamento é o principal obstáculo para o seu sucesso, sendo importante conhecer os fatores que a influenciam. Essa revisão pretende identificar as barreiras e os facilitadores que interferem na adesão ao tratamento da TB ativa e da ILTB em crianças e adolescentes, para que maiores esforços sejam feitos nessa área em busca da maior taxa de sucesso do tratamento.


METODOLOGIA

Trata-se de revisão sistemática de literatura realizada em três bases de dados: o PubMed, o LILACS e o SciELO. Para a pesquisa foram aplicadas as palavras-chave "tuberculosis (OR tuberculoses) AND adhesion (OR adherence)" associadas aos filtros aplicados em cada plataforma. Sendo assim, os filtros utilizados no PubMed foram: texto na íntegra com acesso aberto, crianças de 0-10 anos e adolescentes de 10-19 anos, idiomas português, inglês, espanhol e francês, publicações de 1955 a 2020; enquanto no LILACS foram: texto completo, idiomas português, inglês, espanhol e francês, publicações de 1955 a 2020. No SciELO foi utilizado o filtro de idiomas, português, inglês e espanhol, publicações de 1997 a 2020. A data final de pesquisa nas bases de dados foi 07/11/2020.

A Figura 1 detalha as etapas de seleção dos artigos para a extração de dados.



Figura 1. Etapas de seleção dos artigos para a extração de dados.



Nesse levantamento, foram encontrados 1.013 artigos, sendo 540 no PubMed, 240 no LILACS e 233 no SciELO, os quais foram analisados por toda a equipe de pesquisa, composta por quatro pesquisadoras (BC, MR, MS e CC), por meio das seguintes fases: análise de títulos, análise de resumos e análise dos artigos na íntegra para extração de dados. Durante esse processo, os artigos duplicados foram excluídos. Tanto a análise dos títulos quanto a análise dos resumos foram realizadas inicialmente de forma individual por três pesquisadoras (BC, MR e MS) e as discordâncias encontradas foram discutidas com uma quarta pesquisadora (CC). A inclusão dos artigos envolveu aqueles que discorreram sobre a adesão de crianças e de adolescentes ao tratamento da TB, a qual poderia ser tanto ativa quanto latente, demonstrando os fatores que interferem nela. A análise dos artigos na íntegra foi realizada por meio da divisão dos artigos selecionados entre as duplas pré-definidas (BC e MR; MS e CC), em que cada integrante fez a leitura de todos aqueles destinados à sua dupla. Após esse procedimento, o grupo compartilhou e debateu as questões entre si, até chegar a um consenso sobre os artigos que deveriam ser incluídos na revisão. Portanto, seguindo os critérios adotados, 28 artigos foram selecionados para a extração de dados.


RESULTADOS

Os estudos selecionados foram realizados em diferentes regiões, como Estados Unidos, Canadá, Brasil, Ruanda, África do Sul, entre outras, sendo a maior parte realizada no continente africano. Os estudos avaliaram a adesão ao tratamento da TB ativa e da ILTB, essa última discutida em mais da metade dos estudos.

A Tabela 1 mostra o quantitativo de estudos selecionados para revisão que identificavam quais eram as barreiras e os facilitadores da adesão ao tratamento de TB ativa e de ILTB.





As barreiras encontradas em um maior número de estudos são relacionadas ao tratamento prolongado, desconhecimento dos cuidadores sobre a doença, efeitos adversos dos medicamentos e aspectos socioeconômicos das famílias. Os facilitadores mais recorrentes nos artigos eram relacionados aos tratamentos mais curtos, tratamentos diretamente observados e ao aconselhamento de pais e cuidadores.

As figuras 2A e 2B ilustram quais facilitadores e barreiras da adesão ao tratamento de TB foram mais citados nos artigos revisados.



Figura 2. A: Facilitadores da adesão ao tratamento de TB mais citados nos artigos revisados.



Figura 2. B: Barreiras da adesão ao tratamento de TB mais citadas nos artigos revisados.



COINFECÇÃO HIV-TB

Em relação à coinfecção HIV-TB, somente cinco dos 28 artigos revisados tratavam desse tema, dos quais dois4,14 apresentavam a terapia antirretroviral (TARV) como facilitador da adesão ao tratamento de TB, enquanto outros três5,15,16 apresentavam a TARV como uma barreira. A administração rotineira da TARV anterior ao tratamento de TB4,14 foi o principal facilitador identificado. Como barreiras à adesão, foram verificados os efeitos adversos e a grande quantidade de comprimidos diários5,15,16.


DISCUSSÃO

Essa revisão sistemática analisou os fatores que podem interferir na adesão ao tratamento de TB e ILTB em crianças e adolescentes. Dentre os artigos revisados, foram encontrados fatores que operam como facilitadores e como barreiras ao tratamento. As variáveis tempo de tratamento, tratamento diretamente observado (TDO), relação dos pais/cuidadores e fatores socioeconômicos foram encontradas, sendo demonstrado como elas interferem no tratamento da TB e ILTB, assim como a coinfecção HIV/TB.


TEMPO DE TRATAMENTO

Cruz et al. (2014)17 referem que para seleção do tratamento correto, é preciso avaliar a adesão, tendo em vista que baixas taxas de adesão suprimem a eficácia da terapia escolhida. Dessa forma, o fato de o tempo prolongado de tratamento ser considerado uma barreira significativa na adesão ao tratamento, torna-o um tópico importante a ser analisado para garantir a eficiência da terapêutica de TB e de ILTB em crianças e adolescentes.

Alguns estudos mostraram que regimes de tratamento de curta duração aumentam a adesão de crianças e adolescentes. De acordo com Assefa et al. (2018)18 e Cruz et al. (2018)19, além da eficácia dos regimes de tratamento curto ser alta, essas terapias são mais bem toleradas e as taxas de conclusão e de adesão são significativamente mais elevadas.

Cruz et al. (2018)19 notaram que crianças que recebiam três meses de isoniazida e rifampicina, uma vez por semana, mais quatro meses de rifampicina diariamente tendiam a completar mais o tratamento quando comparadas com crianças recebendo nove meses de isoniazida, sem TDO. Além disso, os resultados encontrados no Diallo et al. (2018)20, demonstraram que o tratamento de quatro meses de rifampicina para ILTB apresentava, além de taxas de segurança e eficácia similares ao tratamento de nove meses de isoniazida, melhor taxa de adesão. Sendo assim, de forma semelhante, os dois estudos mostraram que o tempo de tratamento mais curto é um facilitador à adesão.

Segundo Diallo et al. (2018)20, o motivo mais encontrado para a não adesão à terapia foi a decisão das crianças ou dos pais de abandonar o tratamento de forma precoce. Essa questão é um problema, uma vez que quando essa terapêutica não é realizada de forma e no tempo adequados, a probabilidade de desenvolver a doença, no caso da profilaxia para ILTB, ou de desenvolver TB multirresistente, no caso do tratamento para TB ativa, é potencialmente maior.

Para Rutherford et al. (2012)21, a baixa adesão é uma barreira relevante para o tratamento de TB e uma das soluções seriam regimes de tratamento de menor duração. Resolver essa questão é de extrema importância para a saúde pública, especialmente em áreas endêmicas de TB.


TRATAMENTO DIRETAMENTE OBSERVADO

O tratamento diretamente observado (TDO) é considerado um facilitador da adesão e pode ser utilizado tanto para pessoas com ILTB quanto para pessoas com TB ativa. De acordo com Marais et al. (2006)22, estudos retrospectivos relataram baixa adesão nos tratamentos não supervisionados. No TDO, o profissional da saúde observa o paciente ingerir o medicamento diariamente, com o intuito de garantir a tomada do comprimido e o seguimento do tratamento.

Para Cruz et al. (2018)19, a terapia realizada sem a estratégia do TDO está associada a falhas para completar o tratamento. No mesmo estudo, nove meses de isoniazida apresentava taxa de conclusão de 89% quando administrada com TDO e apenas 53% quando o tratamento era realizado por autoadministração, sem TDO. No estudo de Cruz et al. (2014)17, a conclusão do tratamento era maior de 95% quando os medicamentos eram administrados por meio do TDO, enquanto na administração dos medicamentos pela família, a conclusão foi de cerca de 50%.

Segundo Cruz et al. (2014)17, o papel do TDO ultrapassa a administração dos medicamentos para os pacientes. Essa estratégia também avalia imediatamente os efeitos colaterais, em razão do contato diário com o paciente, educa e encoraja a criança e os seus familiares a tomar os medicamentos. Além disso, a visita dos profissionais se adequa mais à rotina dos pais, de modo a não interferir na rotina de trabalho, por exemplo. Essas situações de choque entre a rotina e o tratamento são observadas em pacientes que frequentam a clínica. Assim, muitas crianças que não aderiam ao tratamento tornaram-se concluintes com o TDO.

De acordo com Weaver et al. (2015)23, o TDO é utilizado como intervenção para aumentar a adesão. Para Marais et al. (2006)22, o TDO deve ser considerado, especialmente, para crianças com alto risco de desenvolver a doença. Entretanto, Cruz et al. (2014)17 relatam que o TDO é um recurso limitado em muitas regiões. Nessas situações, outras estratégias podem ser adotadas para aumentar a adesão, como ligações periódicas para lembrar as famílias sobre a adesão e para perguntar sobre os efeitos colaterais, além da retirada mensal de medicamentos. Nesse caso, a taxa de conclusão usando isoniazida foi de 86% em um estudo.


RELAÇÃO DOS PAIS/CUIDADORES

O desconhecimento dos pais/cuidadores sobre a doença, principalmente em relação à ILTB, é uma importante barreira à adesão ao tratamento. Segundo Hill et al. (2010)24, 20% dos participantes do seu estudo não tinham o conhecimento de que a ILTB poderia ser detectada por um teste cutâneo, assim como 13% dos entrevistados não sabiam que realizar de forma adequada o tratamento preventivo daria grandes chances de reduzir o risco da TB ativa nas crianças. Nesse mesmo estudo, 30% dos pais não acreditavam que TB poderia ser curada e 26% não se preocuparam com o teste positivo para a infecção.

A dificuldade de compreensão da ILTB leva a uma maior resistência à adesão ao tratamento das crianças. Confirmando tal fato, Santos et al. (2020)25 destacaram como a principal barreira ao tratamento preventivo da TB a falta de consciência e a falta de percepção de risco dos pais em relação à ILTB. E Rutherford et al. (2013)26 também demonstraram a relutância dos cuidadores em tratar as crianças assintomáticas, visto que elas estavam aparentemente saudáveis e poderiam ainda sofrer com os efeitos colaterais das medicações, supostamente desnecessárias perante a avaliação desses cuidadores.

As dificuldades para diagnosticar TB pediátrica mostraram-se, também, como uma barreira no estudo de Lopez-Varela et al. (2017)27, por ocasionar uma incerteza nos pais e cuidadores em relação às recomendações de tratamento.

Os riscos de progressão para a doença ativa e grave são altos em crianças e por isso a não percepção dos pais e cuidadores da importância do tratamento preventivo como redutor do fator de risco para desenvolvimento da doença na criança, mesmo nas que não apresentam sintomas, diminuem a chance de tratar e curar essa população pediátrica.

Apesar da recorrência desse impacto do desconhecimento, existem algumas estratégias que podem ser oferecidas para aumentar e facilitar essa adesão. De acordo com a revisão de Weaver et al. (2015)23, intervenções realizadas com o objetivo de melhorar a adesão ao tratamento, como a educação e o aconselhamento dos pais e cuidadores sobre a ILTB, sobre a doença ativa e a necessidade de realizar o tratamento corretamente durante os meses necessários, foram apontados como benéficos e contribuidores para o aumento da adesão.

Birungi et al. (2019)28 concluíram que um dos facilitadores da adesão ao tratamento da ILTB era o conhecimento e a crença dos pais/cuidadores dos benefícios do tratamento para a criança, ainda que assintomática. O apoio e o acolhimento dos profissionais de saúde eram fundamentais para a manutenção do tratamento preventivo. Ainda, relatos de pais/cuidadores que já foram infectados com Mycobacterium tuberculosis ou que cuidaram de parentes infectados tinham uma maior taxa de adesão ao tratamento da criança. Segundo o relato de uma mãe, nesse mesmo estudo, a sua experiência de já ter tido a doença a ajudou na manutenção do tratamento do seu filho, pois não desejava que ele fosse contaminado e vivenciasse o mesmo que ela.

Nissen et al. (2012)29 mostraram que a saúde das crianças era um bom motivador para o retorno aos seguimentos para avaliação, visto que muitos cuidadores possuíam a preocupação e a falta de confiança no seu conhecimento sobre o bem-estar da criança e os encaminhavam às clínicas para avaliação profissional. O relato de uma mãe nesse mesmo estudo confirma esse fator motivador, ela relata que frequenta os acompanhamentos para avaliar o estado de saúde de seu filho, pois se preocupa de não ter conhecimento suficiente para identificar se ele está bem ou não.

A idade dessas crianças pode ser um facilitador dessa adesão, Lopez-Varela et al. (2017)27 identificaram uma maior taxa de adesão ao tratamento em crianças menores de três anos e relacionou tal dado a um maior comprometimento dos cuidadores com o tratamento das crianças nessa faixa etária.


FATORES SOCIOECONÔMICOS

A pobreza e a falta de suporte financeiro foram identificadas como barreiras à adesão ao tratamento das crianças com ILTB e TB ativa, por fatores diversos. Em Santos et al. (2020)25, problemas sociais e as disfunções familiares estavam presentes em 38,5% dos pacientes, todos esses que não completaram o tratamento preventivo.

A disponibilidade de suporte de vida e social é fundamental para a adesão, sendo assim ela pode ser prejudicada tanto por questões sociais como por questões familiares, como a pouca saúde física e mental dos familiares e o suporte social limitado oferecido para essas famílias, como relatado por van Elsland et al. (2018)30.

Birungi et al. (2019)28 mostraram o impacto social e a pobreza como importante barreira ao tratamento, visto que pais/cuidadores acreditavam que as medicações ingeridas sem alimentação seriam maléficas para as crianças e assim não concluíram ou aderiram ao tratamento. Assim como a falta de alimentos, a má nutrição dessas crianças também dificultava a adesão ao tratamento.

De acordo com Nissen et al. (2012)29, a razão mais comum para o não seguimento dos acompanhamentos para o tratamento era a dificuldade financeira, o estudo revelou que a falta de dinheiro para o ônibus era a justificativa dos pais que não realizavam o retorno de seguimento para avaliar a evolução do tratamento na criança. Tal fator financeiro é ainda mais relevante quando os cuidadores vivem sozinhos ou perderam seus companheiros. Ainda segundo Nissen et al. (2012)29, a oferta de uma estratégia para suporte financeiro oferecido pelo projeto obteve um impacto positivo quanto à frequência aos acompanhamentos.

Em Weaver et al. (2015)23, intervenções que objetivavam proteção social e financeira demonstraram aumento na adesão ao tratamento pelos pais/cuidadores, estratégias de auxílios para alimentação e transporte, habitação e despesas diárias da família se mostraram eficientes. Entende-se, portanto, que o suporte social e financeiro seriam fatores facilitadores da adesão ao tratamento de TB e ILTB nas crianças.


EFEITOS COLATERAIS

Santos et al. (2020)25 e Chang et al. (2014)31 identificaram os efeitos colaterais como barreiras à adesão ao tratamento da ILTB, tais efeitos envolvem náuseas, vômitos, perda de apetite e outros sintomas abdominais, assim como hepatite medicamentosa. Nesse sentido, evidencia-se que o conhecimento sobre a possibilidade de evolução da ILTB para TB ativa é muito importante para a continuidade do tratamento, uma vez que, ao iniciá-lo, as crianças podem se tornar sintomáticas, o que, muitas vezes, não é compreendido pelos responsáveis, os quais resolvem abandonar o tratamento.

Assefa et al. (2018)18 demonstraram que os sintomas gastrointestinais também estão relacionados ao tempo de tratamento da ILTB, já que no regime de nove meses de isoniazida foi observado uma predominância de 6,5%, enquanto no regime de quatro meses de isoniazida com rifampicina uma de 0,7%. Tal dado é confirmado por Cruz et al. (2018)19, que encontraram uma maior chance (OR: 2,51, IC95%: 1,48 - 4,32) de desenvolvimento dos efeitos colaterais no regime de nove meses de isoniazida quando comparado com o de quatro meses de isoniazida com rifampicina.

Na TB ativa, as crianças já são sintomáticas, logo a presença de efeitos colaterais exacerba a sua condição, o que pode influenciar a adesão ao seu tratamento. Franck et al. (2014)16, com estudo qualitativo, transmitiram relatos de crianças que exemplificaram o quanto esses efeitos interferem na qualidade de vida, como a presença de um enjoo constante, dor no estômago e necessidade de vomitar.


COINFECÇÃO HIV/TB

Para Shayo et al. (2015)4, as pessoas infectadas pelo HIV em utilização do terapia antirretroviral (TARV) já apresentam um incentivo para ir à clínica mês a mês, o que facilita a adesão ao tratamento da ILTB, uma vez que não ocorre alteração da rotina, sem modificar o deslocamento e sem aumentar o gasto de tempo para receber esses medicamentos. Hunter et al. (2020)14 confirmam tal fato, uma vez que possibilita a escolha do modelo de tratamento pelas crianças e pelos seus familiares, que tomavam a decisão buscando manter a rotina já existente, o que provocou um aumento da adesão.

Além disso, no estudo de Shayo et al. (2015)4, observou-se que pacientes menores de 18 anos apresentavam uma menor adesão ao tratamento da ILTB quando comparados aos adultos. No entanto, todas as crianças completaram os seis meses de tratamento, sugerindo que uma maior supervisão em torno do tratamento da ILTB aumente a sua adesão. Nesse sentido, a relação médico-paciente relatada no artigo de Hunter et al. (2020)14, com a decisão compartilhada e com o modelo centrado no paciente, pode gerar uma melhor aceitabilidade da supervisão do tratamento da ILTB por parte das crianças, o que impacta a sua taxa de adesão.

A TARV também pode ser uma barreira ao tratamento da TB, uma vez que existe um aumento na quantidade de comprimidos diários, gerando maiores efeitos adversos, o que prejudica a adesão. Kebede et al. (2017)15 notam que a taxa de abandono do tratamento da TB entre crianças infectadas pelo HIV é de 25%, enquanto entre as não infectadas pelo HIV é de 15,2%, ratificando o quanto a adesão é diferenciada entre esses dois grupos. No estudo qualitativo de Franck et al. (2014)16, uma mãe relata a grande quantidade de comprimidos que seu filho ingere ao dia, visto que ele realiza tratamento para TB multirresistente e para HIV, o que provoca efeitos adversos em um tratamento de longa duração.

A coinfecção HIV-TB necessita de extrema atenção, com desenvolvimento de uma comunicação efetiva entre os responsáveis e os profissionais de saúde, já que o acompanhamento desses pacientes é muito importante para a continuidade do tratamento4. Eles apresentam mais efeitos adversos devido à grande quantidade de comprimidos diários, assim como apresentam uma maior vulnerabilidade psicológica pela presença de duas doenças que envolvem um grande estigma social16.


LIMITAÇÕES

O estudo em questão foi realizado a partir da revisão de artigos disponíveis em acesso aberto nas plataformas, portanto, é possível que artigos da mesma temática não tenham sido revisados por não estarem disponíveis nessa modalidade.


CONCLUSÃO

A adesão ao tratamento de TB e ILTB em crianças e adolescentes é de extrema importância para garantir sua eficácia, de modo a evitar o desenvolvimento da doença ativa, no caso de ILTB, e, na hipótese de TB ativa, impedir a progressão da TB para formas mais graves e garantir a cura.

Com esta revisão, observou-se que o uso de tratamentos mais curtos e a aplicação do TDO são importantes facilitadores da adesão ao tratamento de TB e de ILTB. No sentido oposto, os efeitos adversos dos medicamentos, o perfil socioeconômico das famílias, os tratamentos prolongados e o desconhecimento dos cuidadores em relação à doença dificultam a adesão ao tratamento. Sendo assim, medidas que visem promover os facilitadores e a solução das barreiras de adesão ao tratamento de TB e ILTB são relevantes para a saúde pública, uma vez que podem reduzir o custo com tratamento, os casos de recidivas e a mortalidade, especialmente em países endêmicos.


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Universidade Federal Fluminense, Materno-infantil - Niterói - Rio de Janeiro - Brasil

Endereço para correspondência:
Claudete Araújo Cardoso
Universidade Federal Fluminense
Rua Miguel de Frias, 9, Icaraí
Niterói/RJ
E-mail: claudetecardoso@id.uff.br

Data de Submissão: 19/01/2023
Data de Aprovação: 12/06/2023