ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2024 - Volume 14 - Número 1

Diagnóstico clínico de hemangiomatose neonatal disseminada: um relato de caso

Clinical diagnosis of disseminated neonatal hemangiomatosis: a case report

RESUMO

O hemangioma é o mais comum dos tumores vasculares da infância. Em raras ocasiões, pode se apresentar como múltiplos hemangiomas cutâneos, com ou sem acometimento visceral. O quadro de lesões restritas à pele é denominado de hemangiomatose neonatal benigna, já no caso de lesões viscerais associadas a lesões cutâneas, a denominação é de hemangiomatose neonatal disseminada ou difusa (HND). Para o diagnóstico de HND, três critérios devem ser preenchidos: início no período neonatwal, envolvimento de três ou mais órgãos e ausência de malignidade nos hemangiomas.
ASAS, um recém-nascido de parto normal, termo, peso: 3560g, comprimento: 52cm, perímetro cefálico: 35cm, APGAR: 9/9. História materna de sífilis durante a gestação - mãe adequadamente tratada na gravidez. Ao nascimento, apresentava lesões purpúricas de tamanho variável em tórax, membros, pés e mãos, que se descoravam à digitopressão; maiores lesões com relevo, não descamativas. Evoluiu com quadro de insuficiência cardíaca grave, sendo internado em Unidade de Terapia Intensiva neonatal (UTIneo) em hospital secundário do Distrito Federal. Foram realizados exames de imagem: Tomografia Computadorizada (TC) de crânio, tórax e abdome total, que revelaram presença de possível hemangioma em lobo frontal esquerdo, telangiectasias em pulmões e múltiplos hemangiomas hepáticos. Teve diagnóstico clínico de HND. O caso descrito corrobora o fato de que o conhecimento sobre a doença é relevante, pois o diagnóstico precoce pode direcionar condutas mais acertadas que poderão reduzir a morbimortalidade da doença.

Palavras-chave: Hemangioma, Propranolol, Diagnóstico precoce.

ABSTRACT

Hemangioma is the most common vascular tumor of childhood. It may present as multiple cutaneous hemangiomas on rare occasions, with or without visceral involvement. The condition of lesions restricted to the skin is called benign neonatal hemangiomatosis, and in the case of visceral lesions associated with cutaneous lesions, the denomination is disseminated or diffuse neonatal hemangiomatosis (DNH). For the diagnosis of DNH, three criteria must be met: onset in the neonatal period, involvement of three or more organs, and absence of malignancy in hemangiomas.
ASAS, a full-term, vaginally delivered newborn, weight: 3560g, length: 52cm, head circumference: 35cm, APGAR: 9/9. Maternal history of syphilis during pregnancy - mother adequately treated in pregnancy. At birth, she presented with purpuric lesions of variable size on the chest, limbs, feet, and hands, which discolored under digital pressure; larger lesions with relief, not scaly. He developed severe heart failure and was admitted to the Neonatal Intensive Care Unit (NICU) in a secondary hospital in the Federal District. Imaging tests were performed: Computed tomography of the skull, thorax, and total abdomen, which revealed the presence of a possible hemangioma in the left frontal lobe, telangiectasias in the lungs, and multiple hepatic hemangiomas. He had a clinical diagnosis of DNH. The case described corroborates the fact that knowledge about the disease is relevant, as early diagnosis can lead to more accurate approaches that may reduce morbidity and mortality from the disease.

Keywords: Hemangioma, Propranolo, Early diagnosis.


INTRODUÇÃO

O hemangioma é o mais comum dos tumores vasculares da infância, além de também ser o tumor benigno de partes moles mais comum nessa faixa etária1-3. Em raras ocasiões, pode se apresentar como múltiplos hemangiomas cutâneos, com ou sem acometimento visceral. O quadro de lesões restritas à pele é denominado de hemangiomatose neonatal benigna, já no caso de lesões viscerais associadas a lesões cutâneas, a denominação é de hemangiomatose neonatal disseminada ou difusa (HND)4. Pacientes com a forma benigna da hemangiomatose costumam apresentar rápida involução dos tumores, com prognóstico bom, já aqueles com hemangiomatose neonatal disseminada têm prognóstico mais reservado1.

Para o diagnóstico de HND, três critérios devem ser preenchidos: início no período neonatal, envolvimento de três ou mais órgãos e ausência de malignidade nos hemangiomas1. Diante da possibilidade do diagnóstico de HND, é indicada investigação de lesões viscerais em crianças com cinco ou mais hemangiomas cutâneos5.

A etiologia da HND ainda é discutida: existe a hipótese de que tenha uma herança multifatorial, mas também se especula a possibilidade de uma herança autossômica dominante1. Independente do tipo de herança, considera-se atualmente que o hemangioma é o resultado de um desequilíbrio na angiogênese que permite a proliferação descontrolada de elementos vasculares1.

Alguns tratamentos são propostos para a condição: beta-bloqueadores sistêmicos (especialmente propranolol), beta-bloqueadores tópicos (como o timolol), corticosteroides, sirulimus (um inibidor da via mTor) e embolização vascular1,6-8.


RELATO DE CASO

ASAS, recém-nascido de parto normal, termo, peso: 3560g, comprimento: 52cm, perímetro cefálico: 35cm, Apgar: 9/9. História materna de sífilis durante a gestação - mãe adequadamente tratada na gravidez. Ao nascimento, apresentava lesões purpúricas de tamanho variável em tórax, membros, pés e mãos, que se descoravam à digitopressão; maiores lesões com relevo, não descamativas (Figuras 1 e 2). Evoluiu com quadro de insuficiência cardíaca congestiva (ICC) grave, sendo internado em Unidade de Terapia Intensiva neonatal (UTIneo) em hospital secundário do Distrito Federal. Foram realizados exames de imagem: Tomografia Computadorizada (TC) de crânio, tórax e abdome total, que revelaram presença de possível hemangioma em lobo encefálico frontal esquerdo, telangiectasias em pulmões e múltiplos hemangiomas hepáticos. Paciente recebeu diagnóstico de hemangiomatose neonatal disseminada.



Figura 1. Paciente no período neonatal, apresentando múltiplos hemangiomas em face, tronco e membros.



Figura 2. Em detalhe, pés do paciente no período neonatal, revelando presença de lesões hemangiomatosas inclusive em região plantar.



No vigésimo sétimo dia de vida, evoluiu com insuficiência respiratória, necessidade de intubação orotraqueal e ventilação mecânica. Apresentou dois episódios de parada cardiorrespiratória, tendo como sequela lesão focal secundária a injúria hipóxico-isquêmica em sistema nervoso central. Na ocasião, ecocardiograma com doppler mostrava hipertrofia de ventrículo esquerdo e dilatação global de cavidades cardíacas, débito cardíaco elevado, hipertensão pulmonar e forame oval pérvio.

Com um mês de idade, iniciou uso de propranolol (2mg/kg/dia) e, dois dias depois, de prednisolona (3mg/kg/dia), com involução parcial das lesões hemangiomatosas. Aos dois meses de vida, apresentou episódios convulsivos tônico-clônicos generalizados, causados por hipoglicemias refratárias, sem evidências de erro inato do metabolismo ou distúrbio endocrinológico, consideradas as hipóteses de hiperinsulinismo secundário ao uso de corticoide, baixa reserva hepática (secundária ao hemangioma hepático) e baixo aporte calórico na dieta.

Aos três meses de idade, diante da evolução favorável do paciente com o uso de propranolol, a equipe assistente, em discussão com a equipe de tumores vasculares de um hospital terciário do estado de São Paulo, decidiu aumentar a dose de propranolol para 3mg/kg/dia, reduzir gradualmente a dose de prednisolona até a sua suspensão total (pelo risco de imunossupressão) e associar vincristina (0,05 mg/kg/semana) ao tratamento.

Recebeu alta hospitalar aos quatro meses de idade para acompanhamento ambulatorial com equipe multidisciplinar de cardiologia, neurologia, hematologia, hepatologia e genética médica.

Exame ultrassonográfico para controle de lesões hepáticas, aos cinco meses, mostrava trombose venosa extensa. Aos dez meses, TC de abdome superior revelou desaparecimento dos nódulos hepáticos, surgimento de trombose crônica da veia hepática média e ramo portal no segmento VIII, surgimento de trombose crônica da veia esplênica com esplenomegalia e maior densificação e mais linfonodos na raiz do mesentério. A essa idade (Figuras 3 e 4) já não apresentava mais sinais clínicos sugestivos de ICC, e ecocardiograma não revelava alterações, estando a criança em uso de espironolactona, atenolol, ursacol, furosemida, anlodipino e fenobarbital.



Figura 3. Paciente aos 10 meses, com involução de lesões hemangiomatosas após o tratamento.



Figura 4. Em detalhe, membro superior esquerdo do paciente aos 10 meses, com involução de lesões hemangiomatosas após o tratamento.



O paciente será reavaliado por equipe multidisciplinar quanto à necessidade de realização de embolização de lesões vasculares.


DISCUSSÃO

Como o quadro da HND faz diagnóstico diferencial com condições como linfangioendoteliomatose multifocal com trombocitopenia e hemangioendotelioma kaposiforme, como descrito por Glick et al. (2012)9, e a HND pode evoluir com gravidade, é importante que casos dessa condição sejam descritos, avaliados e estudados.

O paciente fechou critérios clínicos para hemangiomatose neonatal disseminada, com diagnóstico em idade precoce, que possibilitou o emprego de terapias mais assertivas. O caso descrito corrobora o estudo realizado por Santos et al. (2016)10, o qual demonstra que o conhecimento sobre a doença é relevante, pois o diagnóstico precoce pode direcionar condutas mais acertadas que poderão reduzir a morbimortalidade da condição.

Além disso, os tratamentos utilizados para o quadro clínico do paciente (especialmente propranolol e prednisolona) são alguns dos tratamentos descritos para a doença, citados também por Bau et al. (2015)2. No caso em questão, além do propranolol e corticosteroide, foi associada ao tratamento vincristina, diferentemente do caso descrito por Iribarren et al. (2020)11, em que o tratamento foi realizado somente com propranolol, apresentando boa resposta clínica, com redução de lesões cutâneas e viscerais.

É igualmente relevante a percepção da necessidade e importância do trabalho em equipe multidisciplinar para o diagnóstico e o seguimento clínico do paciente com HND, como é observado também no caso relatado por Iribarren et al. (2020)11.


REFERÊNCIAS

1. Gontigo B, Silva CMR, Pereira LB. Hemangioma da infância. An Bras Dermatol. 2003;78(6):651-73.

2. Bau AEK, Abagge KT. Hemangioma da infância: conceito, classificação, diagnóstico e atualização terapêutica [Internet]. [atualizado em 2015 Jul 18]. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Pediatria; 2015; [citado 2021 Maio 30]. Disponível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/2012/12/Hemangiomas-o-que-o-pediatra-precisa-saber-2015.pdf.

3. Sociedade Brasileira de Pediatria, Departamento Científico de Dermatologia. Hemangioma: Nova Classificação e Atualização Terapêutica [Internet]. [atualizado em 2018 Nov 3]. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Pediatria; 2018; [citado 2021 Set 30]. Disponível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/_21458c-DC_Hemangioma-nova_Classif_e_atualiz_Pediatrica.pdf.

4. Pestana MNN. Hemangioma Infantil: Clínica, Fisiopatologia e Tratamento [dissertação]. Coimbra: Universidade de Coimbra, Faculdade de Medicina, Mestrado Integrado em Medicina; 2013.

5. Passas MA, Teixeira, M. Hemangioma da Infância. Nascer e Crescer. 2016;25(2):83-9.

6. Bonini FK, Bellodi FS, Souza EM. Hemangioma infantil tratado com propranolol. An Bras Dermatol. 2011;86(4):763-6.

7. Bettencourt ALC. Hemangioma Cutâneo Infantil - Novas Opções Terapêuticas [dissertação]. Coimbra: Universidade de Coimbra, Faculdade de Medicina, Mestrado Integrado em Medicina; 2014.

8. Batista GS, Sabbatini S. Uso do Propranolol para Tratamento do Hemangioma: Consenso. Resid Pediatr. 2014;4(2):81.

9. Glick ZR, Frieden IJ, Garzon MC, Mully TW, Drolet BA. Diffuse neonatal hemangiomatosis: An evidence-based review of case reports in the literature. J Am Acad Dermatol. 2012 Nov;67(5):898-903.

10. Santos MR, Silva LR, Salponik R, Marques CDF, Dias JEMT. Manifestações Gastrointestinais da Hemangiomatose Neonatal Difusa em Lactente: Relato de Caso. Acta Gastroenterol Latinoam. 2016;46(4):332-6.

11. Irribarren AI, Expósito AM, Odriozola AE, Esnaola AA. Hemangiomatosis neonatal difusa: Presentación de um caso clínico. Bol S Vasco-Nav Pediatr. 2020;52(1):102-4.












1. Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS), Residência em Genética Médica - Brasília - Distrito Federal - Brasil
2. Hospital Materno-Infantil de Brasília (HMIB), Unidade de Genética Médica - Brasília - Distrito Federal - Brasil

Endereço para correspondência:
Wallace William da Silva Meireles
Escola Superior de Ciências da Saúde
ESMHN Quadra 3 Conjunto A Bloco 01 Edifício Fepecs, SMHN Conjunto A Bloco 01 Edifício Fepecs Asa Norte
Brasília/DF, 70710-907
E-mail: wallacemeireles@hotmail.com

Data de Submissão: 12/03/2022
Data de Aprovação: 25/06/2023