ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2024 - Volume 14 - Número 1

Diagnóstico precoce de histiocitose das células de Langerhans: relato de caso

Early diagnosis of Langerhans cells histiocytosis: case report

RESUMO

A histiocitose das células de Langerhans é uma doença pertencente ao grupo dos distúrbios histiocíticos, sendo considerada uma patologia rara. Resulta de uma proliferação e acúmulo de células do sistema mononuclear fagocitário, incluindo as células de Langerhans. O presente trabalho relata um caso de paciente de 4 anos que apresentava lesão crescente, edemaciada, nodular, depressível e móvel em região retroauricular direita, sem a presença de dor ou sinais flogísticos por meses, além de lesões erosivas e com necrose em primeiro e segundo molares direitos. O diagnóstico confirmatório foi feito pela biópsia e imuno-histoquímica. Trata-se de um estudo do prontuário médico, avaliações histológicas, exames laboratoriais e de imagem do paciente, com o objetivo de discutir a patologia, fazendo com que o diagnóstico e o tratamento sejam cada vez mais precoces.

Palavras-chave: Células de Langerhans, Histiocitose de células de Langerhans, Histiocitose, Pediatria.

ABSTRACT

Langerhans' cells histiocytosis is a disease that belongs to the group of histiocytic disorders and is considered a rare pathology. It results from a proliferation and accumulation of cells of the phagocytic mononuclear system, including Langerhans' cells. This paper reports a case of a 4-year-old patient who presented a growing, swollen, nodular, depressible and mobile lesion in the right retroauricular region, without pain or phlogistic signs for 6 months, besides erosive and necrotic lesions in the first and second right molars. The confirmatory diagnosis was made by biopsy and immunohistochemistry. This is a study of the medical record, histological evaluations, laboratory and imaging tests of the patient, with the aim of discussing the pathology, making the diagnosis and treatment earlier.

Keywords: Histiocytosis, Langerhans Cells, Histiocytosis, Langerhans-Cell, Pediatrics.


INTRODUÇÃO

A histiocitose das células de Langerhans (HCL) é uma doença do grupo dos distúrbios histiocíticos, sendo considerada uma patologia rara1. Sua primeira descrição ocorreu em meados de 1900, quando foi relatada uma patologia chamada doença de Hand-Schuller-Christian, que é descrita como sendo uma granulomatose eosinofílica2.

Ainda hoje, não há consenso acerca da patogênese da HCL. Há uma ambivalência em torno de ser um distúrbio inflamatório ou neoplásico. A ideia mais defendida é que se trataria de uma patologia neoplásica devido ao fato de os pacientes apresentarem mutações no proto-oncogene BRAF (proteína quinase específica de serina/treonina), já que mutações nesse local estão relacionadas ao desenvolvimento de diversos tipos de câncer2.

Em relação à epidemiologia, estima-se que ocorra cerca de três a cinco casos por milhão de habitantes por ano, principalmente entre a 1ª e a 3ª década de vida3. Entendese que é uma doença mais comum na faixa pediátrica4, acometendo cerca de um a dois casos por milhão de nascidos vivos em neonatos5.

As manifestações clínicas são variadas, podendo afetar diferentes órgãos e sistemas, tendo uma grande variabilidade de sinais e sintomas. Desse modo, para fins práticos, foi criada uma divisão em que os pacientes são classificados de duas formas: HCL de órgão único, em um ou múltiplos focos; e HCL de múltiplos sistemas, que afeta diversos órgãos, incluindo osso, sistema gastrointestinal, pulmão, medula óssea, olhos, pele, linfonodos e sistema nervoso central (SNC). Além disso, os órgãos envolvidos podem ser divididos em: alto risco, como fígado, baço e medula óssea; ou baixo risco, como pele, osso, pulmão, linfonodos e glândula pituitária no SNC. Vale ressaltar que 80% dos casos de HCL cursam com lesões ósseas6.

O diagnóstico definitivo da HCL requer, através da biópsia das lesões, uma reatividade imuno-histoquímica aos marcadores CD1a, CD207+ (Langerina) e/ou S1005. Além disso, na microscopia eletrônica, é possível encontrar os grânulos de Birbeck (estrutura microscópica encontrada no interior do citoplasma de células de Langerhans)7. Outros exames laboratoriais e/ou radiológicos podem ser utilizados para definir a extensão da doença, mas não são utilizados como critério diagnóstico, podendo citar como exemplo, a tomografia computadorizada por emissão de pósitrons (PETTC) com fluorodesoxiglicose (FDG), que é usada especialmente para localização das lesões ósseas8.

O prognóstico está intimamente relacionado com o acometimento de órgãos de alto risco9. No entanto, depende também de outros fatores, tais como idade do diagnóstico, resposta inicial ao tratamento, sítio de acometimento e local da mutação no gene BRAF9.

O presente trabalho apresenta um caso de histiocitose de células de Langerhans em paciente pediátrico com acometimento facial e revisão de literatura do tema. O objetivo foi discutir essa patologia, fazendo com que o diagnóstico e o tratamento sejam cada vez mais precoces.


RELATO DE CASO

Paciente de quatro anos, caucasiano, masculino, gestação sem intercorrências, a termo e de parto cesárea, com 41 semanas, e com desenvolvimento neuropsicomotor adequado. Apresentava lesão crescente, edemaciada, nodular, depressível e móvel em região retroauricular direita com início há seis meses, sem a presença de sinais flogísticos, além de lesões erosivas e com áreas de necrose no primeiro e segundo molares à direita (Figura 1). A radiografia da face não apresentou alterações e a ultrassonografia da região retroauricular direita evidenciou ausência de cortical óssea de 20 mm de extensão, com aumento de partes moles retroauriculares. Estudo tomográfico demonstrou lesão lítica com componente de partes moles, acometendo osso parietal posterior direito, medindo aproximadamente 31 x 11 x 33 mm, em contato com as suturas lambdoide e escamosa correspondentes. Foi realizada extração dos dentes afetados e biópsia do tecido adjacente que evidenciou proliferação de células histiocitárias positivas para proteína S10. Até o momento não foi realizado o rastreio genético para investigação de possíveis mutações no gene BRAF.


Figura 1. Arcada dentária do paciente evidenciando lesões erosivas e necrose no primeiro e segundo molares à direita.



Foi encaminhado para hospital oncológico de referência onde foi realizada tomografia computadorizada por emissão de pósitrons (PET-TC), em março de 2021, que demonstrou metabolismo glicolítico da lesão lítica com envolvimento de partes moles, localizada na região parietooccipital direita do crânio, com SUVmax de 5,4 (há um maior consumo de glicose nessa área quando comparado com as demais regiões captadas pelo exame, sendo indicativo de tumores malignos). Iniciou tratamento com vimblastina 6mg/ m2 endovenosa semanal, associada com prednisona oral 40 mg/m2 diariamente. Realizou nova PET-TC dois meses depois que demonstrou boa resposta ao tratamento, passando a usar vimblastina 6mg/m2 endovenosa a cada três semanas e prednisona oral 40 mg/m2 por cinco dias seguintes ao tratamento com vimblastina. Apresentou reação adversa após a primeira sessão de quimioterapia (QT) com tosse seca, fazendo uso de cloridrato de difenidramina e hidrocortisona nos dias antecedentes à QT, sem necessidade de alteração no esquema quimioterápico. Fez, ainda, uso profilático de sulfametoxazol + trimetoprima e ondansetrona no caso de náuseas ou vômitos.

Vale ressaltar que o acompanhamento foi feito com a realização de novas PET-TC. Como referido anteriormente, houve uma involução do valor de SUVmax de 5,4 em março/2021 para 4,1 em maio/2021, com diminuição do metabolismo glicolítico, o que indicou boa resposta ao tratamento. Ainda, 6 meses depois, ao realizar nova PET-TC, apresentou ausência de metabolismo glicolítico significativo na lesão lítica, podendo indicar regressão completa da lesão inicial.

Portanto, nesse paciente, é possível afirmar que houve boa evolução com regressão completa das lesões após o curso de 8 meses de tratamento. Seguirá em acompanhamento por mais 1 ano para o caso de possível recidiva, tendo estimativa de 52 semanas de tratamento.


DISCUSSÃO

A histiocitose das células de Langerhans é uma doença rara1 com uma patogênese não completamente elucidada2,10. É caracterizada por proliferação intensa e anormal de células dendríticas, provenientes da medula óssea, com características semelhantes às células de Langerhans2. Atualmente, entende-se que essas células se assemelham mais com células dendríticas imaturas de origem mieloide do que com as células de Langerhans propriamente ditas2.

Em relação à etiologia, ainda existe uma divergência na literatura sobre a origem da HCL, não havendo um consenso sobre se tratar de uma doença de origem inflamatória ou neoplásica10. A origem inflamatória é defendida com base no infiltrado abundante de células T e citocinas inflamatórias, encontradas nos locais acometidos pela patologia7. Todavia defende-se a origem neoplásica como a ideia mais aceita atualmente, devido à capacidade clonal das células presentes nas lesões e a descoberta de mutações no oncogene BRAF, mais comumente, a mutação BRAF V6000E, além da boa resposta ao tratamento com quimioterápicos7.

Epidemiologicamente, a HCL se trata de uma doença majoritariamente pediátrica4, havendo uma predileção pelo sexo masculino11 e uma média diagnóstica aos 3 anos de idade12. Em relação à etnia, o paciente assemelha-se à maioria, visto que 80% dos casos são referentes à população caucasiana3.

Um desafio encontrado é estimar dados concretos perante os casos de HCL no Brasil, visto que o CID (D76.0) específico da doença não é encontrado no sistema epidemiológico do departamento de informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) do Ministério da Saúde do Governo Federal. Além de esse fato impactar no subdiagnóstico da doença, ainda dificulta a implementação de novas políticas públicas, no entendimento da necessidade de investimento em novas terapias e novos trabalhos científicos relacionados a essa patologia. Isso traz mais relevância ao caso apresentado, servindo como meio de difusão de conhecimento acerca da patologia e suas principais características.

A doença possui diversas manifestações clínicas, podendo acometer ossos, pele, mucosas e/ou órgãos internos6. No caso descrito, havia relato de lesões líticas em 2 focos: crânio e maxila, sendo a forma de apresentação mais comum por se tratar de acometimento ósseo, ocorrendo em cerca de 80% dos casos6. Nesse caso, é classificada de baixo risco por não envolver órgãos ditos de alto risco, como fígado, baço e medula óssea12,13.

O diagnóstico confirmatório de HCL se dá por meio da biópsia da lesão com análise histológica do tecido, devendo apresentar reatividade imuno-histoquímica para os marcadores CD1a, CD207 + e/ou S1007. No caso em questão, a confirmação diagnóstica foi feita através da proliferação de células histiocitárias positivas para proteína S100 e CD1a, em biópsia realizada na maxila posterior direita. Adicionalmente, outros exames complementares são necessários para descartar outras hipóteses diagnósticas e avaliar a função orgânica na HCL sistêmica, como hemograma, dosagem de proteínas plasmáticas, hepatograma, proteínas inflamatórias, hormônios tireoideanos e urina tipo 16,7. O paciente em questão somente apresentava lesão óssea restrita, não havendo alterações nos exames laboratoriais de rotina. Em relação aos exames de imagem, a PET-TC tem papel fundamental no estadiamento e acompanhamento das lesões8, tendo sido realizada no paciente no momento do diagnóstico e nos intervalos terapêuticos, sedimentando a regressão da doença.

A localização retroauricular da lesão do paciente ditou o curso de tratamento utilizado, pois devido a sua proximidade ao sistema nervoso central, condutas mais agressivas são necessárias12, tendo sido escolhido o tratamento de primeira linha com vimblastina e prednisona14. Vale ressaltar que, por mais que o paciente em questão tenha apresentado sucesso terapêutico, para a maioria dos pacientes essa resposta é incerta, já que a mutação mais comum é a BRAF V600E4, que está relacionada a uma doença mais agressiva e resistência aos agentes terapêuticos de primeira linha15. Nesses casos, faz-se necessário o uso de agentes de segunda linha, que apresentam maior grau de toxicidade e estão relacionados a maiores efeitos colaterais a longo prazo em ¼ dos pacientes15.

O prognóstico da HCL varia de acordo com a apresentação da doença, idade do diagnóstico, tempo de resposta ao tratamento e grau de disseminação da doença13. O paciente apresentou um melhor prognóstico, primeiramente, pelo fato de não haver comprometimento de órgãos-alvo e teve resposta satisfatória ao tratamento nas primeiras seis semanas, com alto grau de regressão da doença. Juntamente a este fator, a patologia se limitou à região maxilar e retroauricular e a idade do início dos sintomas foi posterior aos 2 de idade, o que corroborou para um prognóstico mais favorável.

É importante destacar que, por ter sido acompanhado por uma equipe multidisciplinar treinada, o paciente fechou o diagnóstico em apenas 6 meses desde o início do primeiro sintoma. Esse dado foge da realidade habitual, pois normalmente as queixas tendem a ser inespecíficas, fazendo com que os pacientes passem anos tratando e pesquisando diversos diagnósticos diferenciais dependendo dos sintomas por ele apresentados, por exemplo dermatite seborreica (presença de descamação inespecífica), mastoidite (edema e vermelhidão retroauricular) e leucemia (linfonodomegalia e equimoses).

Um obstáculo de caráter mundial é referente ao tratamento de primeira linha com vimblastina e prednisona. Isso se dá pois, em diversos estudos, pode ser vista a mutação mais frequente da doença (BRAF V600E), que caracteriza uma apresentação mais resistente e com maior taxa de recidivas, quando tratada com essa terapêutica. Ainda, os tratamentos de segunda linha, que seriam de escolha nesses casos, apresentam altos índices de toxicidade e efeitos adversos em longo prazo. Com isso, é necessário criar abordagens terapêuticas mais adequadas ao perfil genético mais frequente, objetivando garantir o melhor prognóstico e menor recidiva nesses pacientes.


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Universidade do Grande Rio, Escola de Ciências da Saúde - Rio de Janeiro - Rio de Janeiro - Brasil

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Gabriela Saraiva Mangueira
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Data de Submissão: 09/03/2022
Data de Aprovação: 27/11/2022