ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2024 - Volume 14 - Número 1

Fatores que diferenciam a Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica de outras doenças febris agudas na admissão em Unidade de Emergência - Experiência de um serviço terciário

Factors that distinguish multisystem inflammatory syndrome in children from other acute xfebrile illnesses on admission to the emergency department - tertiary service experience

RESUMO

OBJETIVO: Estabelecer parâmetros clínicos e laboratoriais para diferenciação, no serviço de emergência, da síndrome inflamatória multissistêmica em pediatria - SIM-P, pelos critérios de classificação CDC/WHO: Grupo 1, de outras síndromes febris não relacionadas ao SARS-CoV-2: Grupo 2.
MÉTODOS: Estudo retrospectivo, observacional transversal. Avaliou pacientes menores de 18 anos apresentando síndromes febris e sinais clínicos ou laboratoriais sugestivos de SIM-P, de março de 2020 a outubro de 2021. Os grupos foram comparados pelos testes exato de Fisher e Wilcoxon, nível de significância de 5% e risco relativo (RR) e ajustado, IC 95% como medida de associação. Conditional inference tree identificou cutoffs de variáveis contínuas.
RESULTADOS: Dos 44 pacientes com critérios clínicos e/ou laboratoriais para SIM-P, 23 tiveram confirmação da infecção por SARS-CoV-2 por RT-PCR ou testes sorológicos (Grupo 1), apesar dos Grupo 1 (44,8%) e Grupo 2 (14,3%) terem epidemiologia positive para COVID-19. Doze síndromes febris, particularmente gastroenterite viral, mimetizaram SIM-P. Erupção cutânea, RR 5,0 (IC 95%, 1,7 -14,5), PCR > 6,4 mg/dl, RR 3,7 (IC 95%, 1,3 - 10,0), idade > 31 meses, RR 2,7 (IC 95%, 1,2 - 6,0) ), hiponatremia, RR 2,1 (IC 95%, 1,3 - 3,5) e uso anterior de antibiótico RR 1,9 (IC 95%, 1,1 - 3,1), foram associados ao diagnóstico confirmatório de SIM-P. Pacientes com níveis de PCR superiores a 6,4 mg/dl foram três vezes mais propensos a ter um diagnóstico confirmatório de SIM-P.
CONCLUSÃO: PCR superior a 6,4 mg/dl e erupção cutânea na admissão foram os principais fatores de risco associados à SIM-P.

Palavras-chave: SARS-CoV-2, Síndrome de Resposta Inflamatória Sistêmica, Proteína C-Reativa, Febre exantema, Biomarcadores.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To establish clinical and laboratory parameters that allow the differentiation, on hospital admission, between patients with the multisystem inflammatory syndrome in children defined by CDC/WHO classification criteria - MIS-C (Group 1) and patients with other febrile syndromes unrelated to SARS-CoV-2 infection (Group 2).

METODOLOGY: Retrospective, cross-sectional observational study of patients under 18 with febrile syndromes evaluated from March 2020 to October 2021. The groups were compared using Fisher exact and Wilcoxon tests, level of significance of 5%. The relative risk (RR) and adjusted, 95% CI, were used as measures of association, and a conditional inference tree was used to identify the cutoffs of continuous variables.

RESULTS: Of the 44 patients who met MIS-C criteria, only 23 had confirmed SARS-CoV-2 infection by positive RT-PCR or antibody test (group 1), despite positive epidemiology in both groups: Group 1 (44.8%) and Group 2 (14.3%). Twelve febrile syndromes, particularly viral gastroenteritis, mimicked MIS-C. The skin rash, RR 5.0 (95% CI, 1.7 -14.5), CRP > 6.4 mg/dl, RR 3.7 (95% CI, 1.3 - 10.0), age > 31 months, RR 2.7 (95% CI, 1.2 - 6.0), hyponatremia, RR 2.1 (95% CI, 1.3 - 3.5), and previous antibiotic RR 1.9 (95% CI, 1.1 - 3.1), were associated with a confirmatory diagnosis of MIS-C. Patients with CRP levels higher than 6.4 mg/dl were three times more likely to have a confirmatory diagnosis of MIS-C.

CONCLUSION: CRP levels higher than 6.4 mg/dl and skin rash present on admission was the leading risk factor associated with MIS-C

Keywords: SARS-CoV-2, Systemic inflammatory response syndrome, C-reactive protein, Fever, Exanthema, Biomarkers.


INTRODUÇÃO

A síndrome respiratória aguda grave causada pelo coronavírus 2 (SARS-CoV-2) é um problema de saúde global que, nos últimos anos, modificou a clínica médica pediátrica, especialmente no contexto da síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (SIM-P).1,2

A SIM-P é uma patologia temporalmente associada à infecção por SARS-CoV-2. A síndrome é caracterizada por febre associada a uma ampla gama de sinais e sintomas clínicos com elevação significativa de marcadores inflamatórios laboratoriais.3 Em geral, há uma sobreposição de manifestações da doença de Kawasaki (DK), síndrome do choque tóxico e síndrome de ativação macrofágica, que correspondem a síndromes de tempestade de citocinas potencialmente fatais.4,5 A SIM-P geralmente se manifesta de quatro a seis semanas após a infecção por SARS-CoV-2, sugerindo que a síndrome é um fenômeno imunológico pós-infeccioso e não o resultado de uma infecção viral aguda.6

Para serem notificados, casos de SIM-P exigem a presença de evidências laboratoriais (teste positivo para SARS-CoV-2 por reação em cadeia da polimerase via transcriptase reversa [RT-PCR], sorologia ou antígeno) ou epidemiológicas (exposição à COVID-19 num período de quatro semanas antes do surgimento dos sintomas) de infecção por SARS-CoV-2.7 Uma vez que os sinais e sintomas associados à síndrome são comumente observados em outras doenças febris, a confirmação de infecção prévia por RT-PCR ou sorologia para SARS-CoV-2 pode atrasar o início do tratamento específico. Por outro lado, a confirmação da infecção pode não ser suficiente em algumas circunstâncias, como em casos de coinfecção ou de relação coincidente. Assim, são necessários marcadores mais sensíveis e específicos para a classificação da síndrome, principalmente no primeiro atendimento ao paciente, para que ações imediatas possam ser tomadas.

O presente estudo tem como objetivo estabelecer parâmetros clínicos e laboratoriais que permitam a diferenciação, à admissão, entre pacientes com SIM-P e indivíduos com outras síndromes febris não relacionadas à infecção por SARS-CoV-2.


MÉTODOS

O presente estudo observacional retrospectivo e transversal incluiu crianças e adolescentes menores de 18 anos com síndromes febris que deram entrada no pronto-socorro de um hospital terciário no período de março de 2020 a outubro de 2021, durante a pandemia de SARS-CoV-2. Nesse período, foram avaliados todos os pacientes que tiveram hipótese diagnóstica inicial de SIM-P definida por um pediatra.

O diagnóstico final de SIM-P foi feito com base nos critérios de classificação propostos pelos Centers for Disease Control and Prevention7 e/ou Organização Mundial da Saúde,8 com confirmação laboratorial da infecção por SARS-CoV-2 por RT-PCR positivo ou teste de anticorpos. Apenas a epidemiologia positiva para COVID-19 não foi considerada como confirmação diagnóstica.

Os diagnósticos finais dos demais pacientes sem infecção por SARS-CoV2 foram realizados por médicos do pronto-socorro ou no seguimento em ambulatórios específicos e confirmados através da evolução do paciente.

Após o diagnóstico definitivo, os pacientes foram divididos em dois grupos: Grupo 1 – pacientes que atenderam aos critérios de classificação para SIM-P e confirmação de infecção por SARS-CoV-2; Grupo 2 – pacientes que apresentaram outras síndromes febris graves não relacionadas ao SARS-CoV-2, com outros diagnósticos confirmados no seguimento. Dados demográficos, histórico clínico e resultados laboratoriais foram obtidos dos prontuários.

Revisamos o diagnóstico dos pacientes com DK ou DK incompleta de acordo com as recomendações da American Heart Association.9 Em nosso estudo, consideramos pacientes com SIM-P apenas aqueles com infecção por SARS-CoV2 confirmada. Pacientes com DK ou com critérios diagnósticos de DK incompleta e com RT-PCR ou testes de anticorpos para SAR-CoV2 negativos foram incluídos no Grupo 2.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE: 51759721.5.0000.5440).

As características da amostra do estudo foram resumidas por meio de estatística descritiva. Os dados ordinais foram expressos em porcentagem e os dados contínuos em média e desvio padrão (DP) ou mediana e intervalo interquartílico, conforme o caso. Os dados dos Grupos 1 e 2 foram comparados utilizando o teste exato de Fisher para variáveis categóricas independentes e o teste de Wilcoxon para variáveis contínuas, com nível de significância de 5%. O risco relativo (RR) e o risco relativo ajustado (RRa) foram utilizados como medidas de associação entre variáveis que foram significativamente diferentes entre os grupos, adotando-se intervalo de confiança (IC) de 95%. Utilizamos uma árvore de inferência condicional para identificar os pontos de corte das variáveis contínuas, quando necessário. O software SAS 9.4 foi utilizado na análise.


RESULTADOS

Das 5.664 crianças e adolescentes internados no pronto-socorro, 44 (0,77%) apresentavam características clínicas e/ou laboratoriais de SIM-P na admissão. No entanto, apenas 23 (0,4%) pacientes foram diagnosticados com SIM-P de acordo com os critérios de classificação estabelecidos7,8 e RT-PCR ou teste de anticorpos confirmatórios positivos (Grupo 1). Os 21 pacientes restantes (Grupo 2) tiveram outros diagnósticos durante o seguimento associados a síndrome febril: cinco pacientes (24%) foram diagnosticados com gastroenterite viral aguda, principalmente associada a febre persistente, distúrbios eletrolíticos e desidratação; rotavírus e adenovírus foram identificados em dois casos cada. Bronquiolite viral aguda foi o diagnóstico final de dois pacientes (10%) e vírus sincicial respiratório foi detectado em um destes casos. Dois pacientes apresentaram síndrome mononucleose-like (10%); e um teve infecção confirmada pelo vírus de Epstein-Barr. Dois pacientes (10%) apresentaram miocardite viral, com etiologia por adenovírus confirmada em um deles. Outras patologias diagnosticadas no Grupo 2 foram: síndrome de choque tóxico estafilocócico, pneumonia adquirida na comunidade, crise de broncoespasmo associada a infecção viral em paciente asmático, pielonefrite por Escherichia coli, glomerulonefrite pós-estreptocócica e adenite mesentérica, com um paciente cada.

Três pacientes (14%) preencheram os critérios diagnósticos para DK incompleta9 sem diagnóstico confirmado de infecção por SARS-CoV-2 e foram, portanto, incluídos no Grupo 2. Esses pacientes não apresentavam acometimento cardíaco, incluindo miocardite, e tinham idade média de quatro anos.

Um paciente com cetoacidose, desconforto respiratório grave e alteração da consciência associados a uma possível infecção viral teve SIM-P como uma das hipóteses diagnósticas iniciais. Vale lembrar que a menção do diagnóstico de SIM-P nestes casos foi feita pela pediatria no momento da admissão do paciente no pronto-socorro com posterior encaminhamento para exames confirmatórios.

Trinta e dois por cento dos indivíduos do Grupo 1 e 14% dos pacientes incluídos no Grupo 2 apresentaram alterações cardiovasculares na apresentação, incluindo disfunção sistólica ventricular esquerda, insuficiência valvar, derrame pericárdico e hipocinesia da parede cardíaca. Apenas um paciente do Grupo 1 manteve aumento das câmaras cardíacas durante o seguimento, sem repercussões clínicas ou alterações coronarianas. A evolução dos pacientes do Grupo 2 não foi estudada.

A Tabela 1 exibe as características epidemiológicas e clínicas dos pacientes com SIM-P em comparação com os dados dos pacientes com outras síndromes febris. Nenhum gênero foi preferencialmente afetado e os sintomas clínicos eram semelhantes entre os grupos na admissão. Acometimento gastrointestinal foi frequente nos dois grupos e incluiu dor abdominal (56%), vômito (54%) e diarreia (50%). Cinquenta e dois por cento dos pacientes apresentaram manifestação clínica compatível com os critérios de classificação para DK, mas apenas exantema foi mais frequente no Grupo 1 (p<0,01). Sintomas respiratórios foram observados em uma minoria de casos. A idade média dos indivíduos do Grupo 1 era maior (p=0,03), assim como a frequência de uso de antibióticos antes do diagnóstico (p=0,04). Apenas 47% dos pacientes do Grupo 1 tiveram contato caso confirmado ou suspeito de infecção por COVID-19 nas quatro semanas que antecederam o início dos sintomas. Contudo, infecção por SARS-CoV-2 foi confirmada por RT-PCR (95,6%) e/ou sorologia (60,87%) em todos os pacientes deste grupo.





Todos os pacientes do Grupo 1 apresentaram pelo menos um teste inflamatório elevado, enquanto não houve evidência laboratorial de inflamação em 19% dos pacientes do Grupo 2. Níveis elevados de proteína C-reativa e hiponatremia (< 135 mEq/L) foram mais frequentes no Grupo 1. Os níveis de creatinina foram mais elevados no Grupo 1, mas não ultrapassaram os limites etários. Apenas três pacientes do Grupo 1 apresentaram aumento transitório da creatinina sérica. Os demais parâmetros laboratoriais foram semelhantes entre os grupos, incluindo coagulação (dímero D e tempo de tromboplastina parcial ativada) e marcadores cardíacos (fragmento amino-terminal do peptídeo natriurético cerebral [pró-BNP] e troponina) (Tabela 2).





O RR (IC 95%) foi avaliado para as variáveis idade, uso prévio de antibiótico, exantema, PCR elevada e hiponatremia. Foram considerados pontos de corte de idade e PCR de 31 meses e 6,49 mg/dl, respectivamente. O RR foi ajustado para idade e uso prévio de antibiótico para as variáveis exantema e hiponatremia e para uso prévio de antibiótico para a variável PCR.

Os RR para exantema, PCR > 6,49 mg/dl, idade > 31 meses, hiponatremia e uso prévio de antibióticos foram 5,0 (IC 95%, 1,7 -14,5), 3,7 (IC 95%, 1,3 - 10,0), 2,7 (95 IC %, 1,2 - 6,0), 2,1 (IC 95%, 1,3 - 3,5) e 1,9 (IC 95%, 1,1 - 3,1), respectivamente. Nos modelos ajustados, o RRa para PCR > 6,49 mg/dl, exantema e hiponatremia foram 3,3 (IC 95%, 1,1 - 9,6), 2,0 (IC 95%, 0,9-4,1) e 1,2 (IC 95%, 0,8 - 1,7), respectivamente (Figura 1).



[Exantema; uso prévio de antibiótico; hiponatremia; idade > 31 meses; PRC (>6,49 mg.dl) | Modelo p < 0,001 *RR ajustado para idade e uso prévio de antibióticos | RR bruto e ajustado* (escala logarítmica)]
Figura 1: Risco relativo (RR) bruto e ajustado em pacientes com SIM-P confirmada e outras síndromes febris.



DISCUSSÃO

Nos últimos anos, o diagnóstico e o manejo clínico de pacientes com SIM-P se tornaram um desafio para os pediatras. O cenário atual nos levou a abordar os possíveis fatores que poderiam diferenciar a SIM-P de outras síndromes febris não relacionadas à infecção por SARS-Cov-2, antes mesmo da confirmação do agente infeccioso, para que a terapia adequada pudesse ser inicada o mais precocemente possível. Poucos estudos na literatura avaliaram os fatores que diferenciam a SIM-P de outras síndromes febris.10-13

O perfil clínico dos pacientes com SIM-P avaliados no presente estudo é semelhante ao descrito anteriormente na literatura internacional.14-17 Pacientes com SIM-P confirmada e indivíduos com outros diagnósticos apresentaram características semelhantes, exceto pelo primeiro grupo, que continha pacientes com maior idade média, que usavam antibióticos com maior frequência antes do diagnóstico e apresentavam maior frequência de exantema e, portanto, satisfaziam um maior número de critérios para DK atípica do que o segundo grupo.

A exposição prévia a antibióticos pode causar disbiose intestinal acompanhada de COVID-19 mais grave e levar a piores desfechos da síndrome pós-aguda de COVID-19.18,19. Este fato pode explicar porque a SIM-P está mais frequentemente associada a uso prévio de antibióticos do que outras doenças infecciosas. Outra explicação seria que os casos já estabelecidos de SIM-P foram tratados com maior frequência com antibióticos devido à sobreposição de sintomas com infecções bacterianas.

Vários tipos de lesões cutâneas foram associadas à COVID-19, incluindo eritema pérnio, urticariforme, vesicular e maculopapular.20 Em crianças, o exantema polimorfo está frequentemente associado à SIM-P, assim como à DK e outras síndromes febris virais.21,22 Em nosso estudo, embora tenham sido encontradas lesões cutâneas em outras síndromes febris, sua presença na admissão aumentou em duas vezes as chances de o paciente ter um diagnóstico confirmatório de SIM-P, mesmo quando o RR foi ajustado para uso prévio de antibióticos. Infelizmente, não temos a descrição exata das características das lesões cutâneas; no entanto, a maioria deles era exantema polimorfo.

O perfil laboratorial dos pacientes com SIM-P também foi semelhante ao descrito em estudos anteriores, incluindo marcadores inflamatórios elevados (PCR, velocidade de hemossedimentação e ferritina), linfopenia, neutrofilia, trombocitopenia, hiponatremia e hipertrigliceridemia.10 Apenas níveis elevados de PCR e hiponatremia foram mais frequentes em pacientes com SIM-P confirmada do que em pacientes com outras síndromes febris. Pacientes com níveis de PCR superiores a 6,49 mg/dl na admissão tinham três vezes mais chances de ter diagnóstico confirmatório de SIM-P, mesmo quando o RR foi ajustado para uso prévio de antibióticos. Resultados semelhantes foram relatados por Karagol et al., que relataram PCR mais elevada em 83 crianças e adolescentes com SIM-P em comparação com 113 pacientes da mesma faixa etária com COVID-19, sendo a PCR um importante marcador diagnóstico para diferenciar os dois grupos.23 Azili et al. avaliaram o diagnóstico diferencial entre SIM-P e apendicite aguda em 81 crianças e adolescentes com dor abdominal e concluíram que pacientes com PCR na admissão superior a 130 mg/dl tinham 100% de chance de diagnóstico confirmatório de SIM-P.12

Esses marcadores estavam significativamente mais elevados em pacientes com SIM-P (PCR > 93,57 mg/dl e pró-BNP > 99,55 pg/l) e, portanto, foram elencados como fatores de risco para SIM-P.11 Em nosso estudo, embora os pacientes apresentassem níveis elevados de pró-BNP, a diferença entre os níveis observados em pacientes com SIM-P e outras síndromes febris não foi significativa. Da mesma forma, outros marcadores como a troponina e o dímero D, fortemente associados à SIM-P,24 não foram significativos na previsão desta síndrome na admissão hospitalar.

Kline et al. compararam 32 crianças com SIM-P confirmada a 15 crianças com suspeita de SIM-P, mas sem evidência de infecção por SARS-CoV-2 admitidas no pronto-socorro.13 Conforme observado em nosso estudo, crianças com SIM-P confirmada tinham idade média mais elevada, apresentavam níveis elevados de PCR e maior frequência de hiponatremia (sódio < 135 mEq/l) do que aquelas com SIM-P não confirmada. Em nosso estudo, a hiponatremia não foi um bom preditor de SIM-P confirmada nos modelos ajustados. Os autores também mostraram que os pacientes com SIM-P confirmada apresentaram maior contagem absoluta de neutrófilos e maiores valores de BNT, ferritina e dímero D, bem como menor contagem de linfócitos e plaquetas, em comparação ao grupo com SIM-P não confirmada. No entanto, na análise por regressão logística, apenas a PCR (> 4,5 mg/dl) e uma menor contagem de linfócitos foram preditores laboratoriais úteis para distinguir SIM-P confirmada de pacientes triados. Assim, PCR < 4,5 mg/dl e contagem de linfócitos < 1,5 K/mcL sugerem baixo risco de SIM-P confirmada. Em nosso estudo, a frequência de linfopenia não foi diferente entre os grupos; entretanto, utilizamos um ponto de corte para contagem de linfócitos < 1,0 K/mcL, o que dificulta a comparação dos resultados. Apesar dos critérios bem estabelecidos para classificação da SIM-P, nosso estudo destaca que outras síndromes febris podem apresentar sinais e sintomas semelhantes, incluindo avaliação laboratorial, em sua fase inicial. O conhecimento adquirido com a pandemia do SARS-CoV-2 e suas consequências nos tem orientado na rápida proposição de diagnósticos presuntivos. Contudo, o seguimento cuidadoso desses pacientes nos ajuda a detectar diagnósticos que podem ter sido equivocadamente definidos como SIM-P. Infelizmente, não há marcador sensível que consiga diferenciar entre SIM-P e outras síndromes febris na admissão. A rápida confirmação da infeção por SARS-CoV-2 por RT-PCR ou sorologia continua a ser essencial.

Nosso estudo apresenta diversas limitações, principalmente o pequeno número de pacientes avaliados e a heterogeneidade do grupo de comparação. No entanto, os resultados confirmam a baixa especificidade de vários sintomas e exames laboratoriais utilizados para a classificação da SIM-P. Além disso, nosso estudo indica que níveis de PCR superiores a 6,4 mg/dl, presença de exantema, idade mais elevada e uso prévio de antibióticos são fatores de risco associados ao diagnóstico confirmatório de SIM-P.


CONCLUSÃO

As características clínicas e laboratoriais da SIM-P são semelhantes às de outras doenças. Em nosso estudo, níveis de PCR superiores a 6,4 mg/dl e exantema presentes na admissão foram o principal fator de risco associado à SIM-P.


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Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Departamento de Puericultura e Pediatria - Ribeirão Preto - São Paulo - Brasil

Endereço para correspondência:
Luciana M. de Carvalho
Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
R. Ten. Catão Roxo, 3900 - Vila Monte Alegre
Ribeirão Preto - SP, 14015-010
E-mail: lucianamartinscarvalho@usp.br

Data de Submissão: 26/10/2022
Data de Aprovação: 06/07/2023