ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2024 - Volume 14 - Número 1

Osteomielite em Pacientes com Doença Falciforme

Osteomyelitis in patients with sickle cell disease

RESUMO

OBJETIVO: identificar características clínicas e laboratoriais de osteomielite (OM) em 3 pacientes com doença falciforme (DF).
METODOLOGIA: Avaliação retrospectiva do prontuário de Hospital Universitário terciário em São Paulo.
DISCUSSÃO: Os casos descritos foram comparáveis com Weisman (2020), com relação à idade e à maior frequência de acometimento de ossos longos e 2 dos 3 pacientes são homozigotos para a DF. Os três pacientes apresentaram contagem de leucócitos semelhante ao encontrado na literatura (Fontalis et al., 2019), e todos apresentaram aumento de PCR conforme progressão da OM apresentando redução de valores quando iniciado o tratamento. Dor e edema local estavam presentes nos casos relatados, e dois deles apresentavam dores em diversos sítios, sendo diagnosticados nestes casos. Neste estudo nenhum agente foi isolado nas hemoculturas, assim como relatado por Fontalis (2019). No caso 1, o exame de imagem apresentou alterações esperadas, enquanto nos casos 2 e 3 em que os pacientes apresentavam acometimento de ossos longos, sítios mais comuns de infarto ósseos pregressos, foram encontradas alterações tanto agudas quanto crônicas (Al Farii et al., 2020).
CONCLUSÃO: Pacientes com DF apresentam risco aumentado para osteomielite. O diagnóstico diferencial entre infarto ósseo relacionado à crise vaso-oclusiva é um desafio, pois a apresentação clínica inicial é semelhante. Deve-se suspeitar de osteomielite em pacientes com DF que apresentem crise vaso-oclusiva em apenas um sítio, com febre prolongada e um aumento de provas inflamatórias. A antibioticoterapia precoce dirigida aos agentes mais frequentes pode evitar complicações e permite um melhor prognóstico.

Palavras-chave: Doença da hemoglobina SC, Anemia falciforme, Criança, Osteomielite, Hemoglobinopatias.

ABSTRACT

OBJECTIVE: identify clinical and laboratory characteristics of osteomyelitis (OM) in 3 patients with sickle cell disease (SCD).
METHOD: Retrospective evaluation of medical records of a tertiary University Hospital in São Paulo.
DISCUSSION: The cases described were comparable to Weisman, 2020, regarding age and the higher frequency of involvement of long bones, and 2 of the 3 patients are homozygous for SCD. The three patients had leukocytosis similar to those found in the literature (Fontalis et al, 2019), and all showed an increase in CRP as the OM progressed, showing reduction in values ?? when treatment started. Pain and local edema were present in the reported cases, and two of them presented pain in different sites, being diagnosed in these cases. In this study, no agent was isolated in blood cultures, as reported by Fontalis 2019. In case 1, the imaging exam showed expected changes, while in cases 2 and 3, the patients had involvement of long bones, the most common sites of previous bone infarction , acute and chronic alterations were found. (Al Farii et al , 2020)
CONCLUSION: SCD patients are at increased risk for osteomyelitis. The differential diagnosis between bone infarction related to vaso-occlusive crisis is a challenge, as the initial clinical presentation is similar. Osteomyelitis should be suspected in patients with SCD who present a vaso-occlusive crisis in only one site, with prolonged fever and an increase in inflammatory evidence. Early antibiotic therapy directed at the most frequent agents can avoid complications and allow for better prognosis.

Keywords: Hemoglobin SC disease, Anemia sickle cell, Infant, Osteomyelitis, Hemoglobinopathies.


INTRODUÇÃO

A doença falciforme (DF) é uma hemoglobinopatia de herança autossômica recessiva resultante da associação do gene beta S (βS) com outro gene anormal devido à alteração na estrutura da hemoglobina (Hb) ou defeito em sua síntese. Quando o gene (βS) se apresenta em homozigose (HbSS), a doença denomina-se anemia falciforme (AF), que é a forma mais grave da DF. A DF é uma anemia hemolítica crônica associada com complicações agudas e crônicas. Na população brasileira, estima-se que 4% tenham traço falciforme (HbAS) e que 25.000 a 50.000 pessoas apresentem a doença em estado homozigótico ou na condição de heterozigotos compostos ou duplos1.

A DF ocorre como consequência da substituição de um único nucleotídeo (adenina por timina) no códon pelo aminoácido 6. A alteração converte um códon do ácido glutâmico (GAG) em um códon de valina (GTG) (HBB Glu6Val, βS). A AF é o genótipo mais grave da DF e resulta da combinação de dois genes HbβS. Quando o gen HbβS se combina com outras formas de hemoglobinopatia, ocorrem outros genótipos, por exemplo, HbSC, HbSβ talassemia. O resultado é uma Hb que é pouco solúvel quando desoxigenada e, em consequência, ocorre a polimerização das hemácias, que assumem a forma de foice. Após repetidos ciclos de falcização, a membrana dos glóbulos vermelhos é rompida, levando à hemólise e a eventos vaso-oclusivos2.

Dentre as principais complicações agudas, a crise vaso-oclusiva (CVO) é a mais frequente. Diversas outras complicações ocorrem, muitas expondo esses pacientes a risco de vida, como infecções bacterianas devido à asplenia, síndrome torácica aguda, acidente vascular cerebral, sequestro esplênico, crise aplástica aguda devido à infecção pelo eritrovírus B19 (parvovirus), priapismo, complicações hepatobiliares, entre outras. As complicações crônicas podem envolver a maioria dos órgãos e sistemas durante a vida dos indivíduos afetados, dentre elas as mais comuns são dor crônica, necrose óssea avascular, hipertensão pulmonar, complicações renais e oftalmológicas, úlceras de membro inferior e priapismo recorrente3.

A fisiopatologia da vaso-oclusão evoluiu de conceito baseado apenas na polimerização para uma via de múltiplas etapas envolvendo interação complexa entre as hemácias falciformes, leucócitos, células endoteliais e proteínas plasmáticas4. A CVO dolorosa se caracteriza por início súbito de dor e é a causa mais comum de internação nos pacientes com DF, geralmente é precipitada por vários fatores de risco conhecidos, incluindo hipoxemia, inflamação, estresse, trauma, aumento da viscosidade do sangue, desidratação e exposição ao frio3. Quando a CVO cursa com dor óssea ou articular, por tempo prolongado, sem melhora com as medidas habituais, deve ser aventado o diagnóstico de osteomielite ou de artrite séptica como complicação da CVO5.

Osteomielite (OM) é um processo infeccioso agudo ou crônico do osso, causado por bactérias ou outros micro-organismos através de três mecanismos diferentes: disseminação hematogênica do patógeno, que é a via mais frequente, extensão por contiguidade ou inoculação direta do agente infeccioso. A ocorrência de OM em pacientes com DF varia entre 1,4% a 12% em diferentes estudos6. O aumento da propensão de OM em pacientes com AF tem sido atribuído à asplenia, atividade do complemento prejudicada, aumento da permeabilidade intestinal promovendo a translocação bacteriana e presença de infarto e necrose óssea7.

Embora a CVO seja 50 vezes mais comum que OM5,8-10, o diagnóstico diferencial de OM deve ser aventado visto que o atraso deste pode levar a sérias consequências, incluindo destruição óssea, sepse e deformidade óssea11.

As duas condições apresentam aumento de provas inflamatórias como a proteína C-reativa (PCR) e velocidade de hemossedimentação (VHS), da contagem de leucócitos e febre. O padrão-ouro para diagnóstico é hemocultura ou cultura de secreção óssea ou articular positivas, porém culturas negativas não excluem o diagnóstico, visto que na literatura não há identificação do agente infeccioso em 33% a 55% dos casos de OM9.

Devido à dificuldade diagnóstica baseada na clínica e exames laboratoriais, os exames de imagem tornam-se fundamentais para o diagnóstico de OM. Nas primeiras duas semanas, tanto o infarto ósseo quanto a OM apresentam reação periosteal, sendo a radiografia um exame limitado para diferenciar as duas condições12. A ultrassonografia, apesar de não ser o padrão-ouro, é um exame de fácil realização e baixo custo, sendo que, correlacionada a achados como presença de elevação periosteal significativa (>0,4 cm)5 e associada ao aumento da PCR e de leucócitos, sugere o diagnóstico de OM, podendo ser confirmado por ressonância magnética (RM)8.

A RM é a imagem padrão-ouro para o diagnóstico de OM. Alterações patológicas precoces como edema da medula óssea são detectáveis após as primeiras 24 horas do início da infecção, traduzido como anormalidade localizada da medula de sinal diminuído em imagens T1 e sinal aumentado em T27,10. Outros achados secundários de OM, como coleções de tecidos moles, celulite e áreas do seio ósseo cortical, também têm características de sinalização de RM semelhantes. RM seriadas podem apresentar correlação clínica com a evolução e resposta ao tratamento, sem o risco da ionização5.

Na população em geral, o Staphylococcus aureus (S. aureus) é o organismo mais associado a OM, encontrado em 70% a 90% dos casos confirmados13. Entretanto, na população com DF, o bacilo entérico Salmonella spp. (70%) é mais comumente isolado em relação ao S. aureus (16,4%)5. Acredita-se que as bactérias entéricas sejam translocadas para corrente sanguínea através do infarto isquêmico do intestino durante os episódios de vaso-oclusão. Portanto, em casos suspeitos de OM em pacientes com DF, a cobertura antimicrobiana empírica deve ser tanto para S. aureus quanto Salmonella spp. para tentar evitar as complicações da OM7.

A diferenciação entre OM e CVO é um desafio, visto que os achados clínicos, laboratoriais e radiológicos são muito semelhantes.


OBJETIVO

Identificar características clínicas e laboratoriais de osteomielite em três pacientes com doença falciforme.


METODOLOGIA

Descrição de três casos de crianças e adolescentes, com DF e OM. Trata-se de um estudo retrospectivo realizado em um Hospital Universitário terciário. Os dados foram obtidos de prontuário eletrônico de paciente constando nome, idade, sexo, genótipo, tratamento prévio da DF — hidroxiureia ou transfusão crônica, e presença de comorbidades.

Também foram coletados dados referentes à internação por osteomielite, dos sintomas iniciais, localização da CVO e da OM, antibióticos administrados, exames laboratoriais (hemograma, proteína C-reativa, ressonância magnética) solicitados pelo médico assistente, complicações, duração da internação e evolução clínica até a alta hospitalar.

Caso 1 - Menino, doze anos, genótipo HbSS, em transfusão crônica desde os oito anos de idade, devido a acidente vascular cerebral. A mãe do paciente procurou o pronto-socorro infantil (PSI) porque a criança apresentava queixa de dor em membros superiores e inferiores, de forte intensidade, há um dia. Negava trauma, febre ou demais queixas, melhorando com o uso de tramadol. Exames de entrada: Hemoglobina (Hb) 10,6 g/dL; Leucócitos 12600/mm3 (6475 neutrófilos; 3667 linfócitos) e PCR 97,32 mg/L. No 2º dia de internação (DI), iniciou quadro de parestesia em mandíbula esquerda, com dor e hiperemia em último molar esquerdo e sinais flogísticos em mandíbula. Foi realizada ulectomia com saída de secreção purulenta local. Iniciada terapia antimicrobiana com ceftriaxone e clindamicina. No 5º DI, foi realizada drenagem do molar acometido. A Ressonância Magnética (RM) mostrava sinais de OM local (Figura 1). Manteve-se afebril durante a terapia antimicrobiana intravenosa por nove dias. Na alta apresentava Hb 11,5 /g/dL; Leucócitos 12300/mm3 (7417 neutrófilos; 2645 linfócitos); PCR 6,85 mg/L. Nenhum agente foi isolado. Recebeu alta no 12º dia de internação, assintomático com ciprofloxacina e clindamicina, via oral, por sete semanas, e orientado para prosseguir acompanhamento ambulatorial com a hematologia pediátrica e infectologia pediátrica.


Figura 1. Caso 1 - RNM mandíbula : Hipersinal da medular óssea do corpo da mandíbula à esquerda, associado a edema dos planos mioadiposos adjacentes, compatível com processo inflamatório/infeccioso (osteomielite).



Caso 2 - Menina, nove anos, genótipo HbSC. A mãe da paciente procurou o PSI porque a criança referia queixa de dor de forte intensidade na região lombar, irradiando para membros inferiores, com início há 2 horas da admissão. Negava febre, trauma ou demais queixas. Antecedente de OM em fêmur esquerdo aos três anos de idade com necessidade de tratamento cirúrgico. Exames de entrada: Hb: 10,6 g/dL; Leucócitos: 15400 /mm3 (8624 neutrófilos 5852 linfócitos) e PCR 95,99 mg/L. No 2º DI, apresentou um pico febril, evoluindo com síndrome torácica aguda, sendo introduzido ceftriaxone. No 4º DI, referia queixa álgica em região de úmero direito, ombro esquerdo, quadril e fêmur bilateral, com restrição de mobilidade, feita a hipótese de OM e introduzida oxacilina. A RM mostrava OM de cabeça de fêmur esquerdo e fratura de vértebra L4 (Figura 2). Manteve picos febris por cinco dias seguidos. No 6o DI, apresentou melhora do quadro álgico e no 10o DI voltou a deambular. Permaneceu internada por 22 dias, recebendo ceftriaxone para tratar STA e oxacilina. Na alta apresentava Hb: 11,3 g/dL; Leucócitos: 6910 /mm3 (2419 neutrófilos; 4077 linfócitos); PCR 4,29 mg/dL. Nenhum agente foi isolado em culturas. Alta no 22º DI com ciprofloxacino, via oral, por 76 dias. Prosseguiu acompanhamento ambulatorial com a hematologia pediátrica e infectologia pediátrica.


Figura 2. Caso 2 - RNM quadril esquerda : Áreas de osteonecrose acometendo a borda acetabular do ilíaco e do pube, a epífise, região metadiafisária do fêmur.



Caso 3 - Menina, dezessete anos, genótipo HbSS, em uso de hidroxiureia (desde abril de 2011 e atualmente na dose 22,5 mg/kg/dia). A mãe da paciente procurou PSI porque a paciente apresentava queixa de dor intensa em membro inferior esquerdo, esterno e coluna torácica, iniciada há 3 horas. Exames de entrada: Hb 7,8 g/dL; Leucócitos 14118/ mm3 (8471 neutrófilos; 3106 linfócitos) e PCR 324,32 mg/dL. No 2o DI, evoluiu com dor em articulação de quadril e coxa direita e analgesia de difícil controle com morfina. Devido à persistência do quadro álgico, recebeu terapia múltipla com baclofeno, gabapentina, dipirona e morfina. No 4º DI, evoluiu com síndrome torácica aguda com necessidade de oxigenioterapia e introduzida terapia antimicrobiana com ceftriaxone e azitromicina. No 6º DI, devido à persistência de febre, houve a troca dos antibióticos por cefepime. No 10º DI, ainda persistia com febre e dor intensa em quadril e coxa direita, com limitação da deambulação, sendo aventada hipótese de OM e osteonecrose de quadril e coxa direita, confirmada por RM que mostrava processo inflamatório agudo/subagudo na diáfise proximal do fêmur e no aspecto anterior do ilíaco, múltiplas lesões ósseas de aspecto crônico (osteonecrose) na cabeça e diáfise proximal do fêmur, ilíaco e ísquio (Figura 3) e iniciada vancomicina. Alta após completar 21 dias de cefepime e 17 dias de vancomicina intravenosos, apresentava Hb: 9,3 g/dL; Leucócitos: 2520/ mm3 (1273 neutrófilos; 1081 linfócitos) e PCR 10,85 mg/dL. Nenhum agente foi isolado em culturas. Orientada para completar o tratamento com ciprofloxacino, via oral, por 19 semanas e prosseguir acompanhamento ambulatorial com a hematologia pediátrica e infectologia pediátrica.


Figura 3.Caso 3 - RNM quadril direito : Processo inflamatório agudo/subagudo na diáfise proximal do fêmur e no aspecto anterior do ilíaco. Múltiplas lesões ósseas de aspecto crônico (osteonecrose) na cabeça e diáfise proximal do fêmur, ilíaco e ísquio



As características clínicas e laboratoriais dos casos descritos encontram-se no Quadro 1.




DISCUSSÃO

O estudo teve como objetivo descrever três pacientes com DF e OM que chegaram ao PSI com CVO dolorosa e evoluíram para OM aguda. Diferenciar entre CVO e OM é um desafio na prática médica do diagnóstico ao tratamento.

Na população pediátrica, é relatada uma incidência de OM de aproximadamente oito casos a cada 100.000 crianças por ano13, sendo que nos pacientes com DF a OM representa uma complicação que acomete de 0,3 a 12% da população7.

Em estudo retrospectivo com 28 crianças com DF, observou que a maioria dos pacientes diagnosticados com OM eram crianças com idade média de 13 anos variando entre 4 e 17 anos e genótipo HbSS7. Os ossos longos foram os mais acometidos, porém não foi encontrada diferença significativa em relação ao genótipo, o que se assemelha aos casos aqui relatados. Os casos aqui descritos foram comparáveis com o estudo acima com relação à idade e à maior frequência de acometimento de ossos longos e 2 dos 3 pacientes são homozigotos para a DF. Neste relato observamos que um paciente apresentou acometimento de mandíbula, que não é descrito como sítio frequente, e um paciente apresentava genótipo HbSC, o que confirma que todos os pacientes com DF devem receber atenção especial para o diagnóstico de OM, independentemente de genótipo ou localização.

Sabe-se que a probabilidade de OM aumenta em 80% para cada dia em que uma criança teve febre antes da apresentação e em 20% para cada dia em que teve dor antes da apresentação11. Os pacientes tinham 8,4 vezes mais probabilidade de ter osteomielite se apresentassem edema documentado do membro afetado. O risco de osteomielite foi reduzido em 30% para cada local doloroso adicional se mais de um local doloroso estivesse presente. Uma alta contagem de leucócitos não foi considerada um fator prognóstico significativo para osteomielite na análise multivariada.

Em um estudo, avaliaram-se retrospectivamente 96 pacientes com DF, com 358 admissões hospitalares, com o objetivo de identificar a incidência de OM e o manejo da dor óssea. Os autores compararam os pacientes com OM com aqueles com CVO e observaram que a contagem de leucócitos não apresentou diferença significativa, enquanto a PCR e a febre, quando elevadas, apresentaram significância (p=0,007 e 0,010 respectivamente)9. Os três pacientes aqui descritos apresentaram contagem de leucócitos semelhante ao encontrado na literatura9, e todos apresentaram aumento de PCR conforme progressão da OM apresentando redução de valores quando iniciado o tratamento. Dor e edema local também estavam presentes nos casos relatados, e dois deles apresentavam dores em diversos sítios, sendo diagnosticado nesses casos.

Neste estudo nenhum agente foi isolado nas hemoculturas – na literatura encontramos estudos com resultados semelhantes9, enquanto outros estudos apontaram cultura positiva em 19,3% (6/31)11, 30% (6/20)6 e 32,1% (9/28)7 respectivamente dos casos analisados. Tanto hemocultura quanto cultura local positiva são exames padrão-ouro para diagnóstico, Staphylococcus aureus e Salmonella spp. são os agentes mais comuns quando isolados. Ao ser aventada a hipótese de OM, deve ser introduzida terapia antimicrobiana empírica para cobertura destes, com duração mínima entre 4 e 6 semanas, visando diminuir a ocorrência de complicações como artrite séptica, deformidade óssea e dano crônico. Neste relato, um paciente necessitou de abordagem cirúrgica local durante a internação e nenhum dos pacientes apresentou complicações. Nos três casos descritos, os pacientes, após alta, realizaram acompanhamento com as equipes de infectologia e hematologia pediátrica, e a suspensão final do tratamento variou de acordo com os exames laboratoriais e a evolução clínica.

Devido à dificuldade diagnóstica clínica e laboratorial entre infarto ósseo e OM, os exames de imagem têm apresentado papel importante. Em estudo retrospectivo com 41 pacientes com DF e diagnóstico de OM, foi avaliado o papel do ultrassom no diagnóstico da OM. O ultrassom foi o primeiro exame de imagem de escolha devido ao baixo custo e facilidade para realização, sendo relatado que a presença de elevação periosteal maior que 0,4 cm correlacionada à clínica é um achado positivo para OM8. Entretanto a RM continua sendo o exame de imagem padrão-ouro para o diagnóstico, e deve ser indicada quando é necessária a confirmação diagnóstica. As características patológicas iniciais, como edema da medula óssea, são detectáveis 24 horas após o início da infecção5. No caso 1, o exame de imagem apresentou as alterações esperadas, enquanto nos casos 2 e 3, em que os pacientes apresentavam acometimento de ossos longos, sítios mais comuns de infarto ósseos pregressos, foram encontradas alterações tanto agudas quanto crônicas.

Os pacientes descritos não apresentaram diferenças significativas ao serem comparados com a literatura, e a correlação entre aspectos clínicos, laboratoriais e de imagem permitiu o diagnóstico correto.


CONCLUSÃO

Pacientes com DF apresentam risco aumentado para OM, o diagnóstico diferencial entre infarto ósseo relacionado a CVO é um desafio, pois a apresentação clínica inicial é semelhante. Deve-se suspeitar de OM em pacientes com DF que apresentem CVO dolorosa persistente, febre prolongada e um aumento de provas inflamatórias. O reconhecimento e o tratamento precoce da OM com antimicrobianos apropriados podem evitar complicações e proporcionar um melhor prognóstico.


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Universidade Federal de São Paulo, Departamento de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo - São Paulo - SP - Brasil

Endereço para correspondência:

Andréia Regina Augusto dos Santos
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Data de Submissão: 29/09/2022
Data de Aprovação: 27/02/2023