ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2024 - Volume 14 - Número 2

A importância da antropometria e semiologia craniana para o diagnóstico precoce da trigonocefalia: relato de caso

The importance of anthropometry and cranial semiology for the early diagnosis of Trigonocephaly: Case report

RESUMO

A trigonocefalia é um tipo de craniossinostose em que ocorre o fechamento precoce da sutura metópica, de modo a determinar um crescimento anormal do crânio. Em uma minoria dos casos, a trigonocefalia pode causar o aumento da pressão intracraniana e surgimento de disfunções neurológicas. Quando presentes, essas complicações podem ser prevenidas ou amenizadas caso o diagnóstico e o tratamento ocorram entre 6 e 12 meses de vida. O objetivo do estudo é relatar um caso de craniossinostose em um lactente e reafirmar a importância da antropometria e da semiologia craniana. Ao exame físico, lactente de 4 meses apresentou perímetro cefálico: 41 cm, sutura metópica cavalgada, diâmetro biparietal: 23 cm, diâmetro fronto- occipital: 28 cm. Realizada tomografia computadorizada de crânio com reconstrução em 3D que confirmou diagnóstico de trigonocefalia, sendo encaminhadoà cirurgia infantil. O estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos aprovado sob o número do CAAE 53607821.7.0000.5237. O diagnóstico de trigonocefalia é realizado através da análise das medidas antropométricas do crânio, representadas pelo perímetro cefálico, distância anteroposterior e distância biauricular, e confirmado através da tomografia computadorizada com reconstrução em 3D. Na prática pediátrica, é comum apenas a medida do perímetro cefálico, que frequentemente é normal, existindo alterações apenas nas distâncias anteroposterior ebiauricular. Consequentemente, tem-se um atrasonodiagnósticoda craniossinostose.Assim, ressalta-se a importância da mensuraçãorotineira das três medidas antropométricas do crânio para o diagnóstico precoce das craniossinostoses e para a prevenção e redução das suas complicações, mesmo sendo raras.

Palavras-chave: Craniossinostoses, Cefalometria, Diagnóstico precoce.

ABSTRACT

Trigonocephaly is a type of craniosynostosis in which there is premature closure of the metopic suture, in order to determine an abnormal growth of the skull. In a minority of cases, trigonocephaly can cause increased intracranial pressure and the onset of neurological disorders. When present, these complications can be prevented or mitigated if the diagnosis and treatment occur between 6 and 12 months of life. The objective of the study is to report a case of craniosynostosis in an infant and reaffirm the importance of anthropometry and cranial semiology. On physical examination, a 4-month-old infant had a head circumference: 41 cm, metopic suture mounted, biparietal diameter: 23 cm, fronto-occipital diameter: 28 cm. Cranial computed tomography with 3D reconstruction confirmed the diagnosis of trigonocephaly, and he was referred to pediatric surgery. The study was submitted to the Human Research Ethics Committee approved under CAAE number 53607821.7.0000.5237. The diagnosis of trigonocephaly is made through the analysis of anthropometric measurements of the skull, represented by the head circumference, anteroposterior distance and binaural distance, and confirmed through computed tomography with 3D reconstruction. In pediatric practice, it is common to only measure the head circumference, which is often normal, with changes only in the anteroposterior and binaural distances. Consequently, there is a delay in the diagnosis of craniosynostosis. Thus, the importance of routinely measuring the three anthropometric measurements of the skull is emphasized for the early diagnosis of craniosynostosis and for the prevention and reduction of its complications, even though they are rare.

Keywords: Craniosynostoses, Cephalometry, Early Diagnosis.


INTRODUÇÃO

A craniossinostose é um conjunto de anomalias cranianas congênitas definida pelo fechamento precoce de uma ou mais suturas cranianas1,2. Essa alteração é constatada em 0,6 pessoa a cada 1.000 nascidos vivos3, tendo ocorrido um aumento de sua prevalência nos últimos tempos1,4,5. De acordo com a sua etiologia, essa patologia é classificada em primária ou não sindrômica e em secundária ou sindrômica. A craniossinostose primária, observada em 85% dos pacientes, é decorrente de um defeito primário da ossificação craniana, já a secundária é consequente de doenças genéticas que cursam com disfunção hematológica ou metabólica, como o raquitismo e o hipotireoidismo congênito. Além disso, essa condição também é definida como simples, quando apenas uma sutura craniana está acometida, ou complexa, quando ocorre o fechamento precoce de duas ou mais suturas6,7.

O fechamento precoce da sutura metópica, denominado de trigonocefalia, é a segunda causa mais frequente de craniossinostose, sendo constatado em 10 a 31% dos portadores dessa condição1,3,4 e em 1 a cada 5.000 a 15.000 nascidos vivos3. Ainda não foi estabelecida uma etiologia específica para a trigonocefalia, mas acredita-se que o seu desenvolvimento está relacionado a anormalidades genéticas, a alterações das vias de sinalização celular, a fatores ambientais, a desordens metabólicas e a restrições à movimentação fetal intrauterina3,8. As anomalias genéticas mais frequentemente associadas à trigonocefalia incluem a deleção do cromossomo 11q24, 7p, 3q, 13q, 12pter ou 22pter, a deleção ou a trissomia do cromossomo 15q25 e as mutações nos genes ERF e SMAD63. Já a restrição à movimentação fetal intrauterina é uma condição em que os movimentos fetais são significativamente reduzidos, de modo que o feto não pode se mover livremente, o que pode causar anormalidades craniofaciais3.

A trigonocefalia é clinicamente caracterizada pela presença das seguintes anomalias craniofaciais: fronte estreita, hipotelorismo, arqueamento das sobrancelhas e retrusão orbital lateral com estreitamento frontotemporal bilateral associado e alargamento occipitobiparietal compensatório. Em casos que essas anomalias craniofaciais estão ausentes e que não existem outras condições clínicas associadas, o fechamento prematuro dessa sutura é denominado de cavalgamento benigno da sutura metópica8.

Em uma minoria dos casos, a trigonocefalia está associada a uma série de complicações graves, entre as quais se destaca a presença de disfunções sensoriais, respiratórias e neurológicas e o desenvolvimento de hipertensão intracraniana (HIC)5-7. Nessas situações, existe um maior risco de comprometimento cognitivo, em função do crescimento restrito do cérebro e da elevação da pressão craniana1. Mediante a essas complicações e da possível associação da trigonocefalia com certas anomalias genéticas, é de suma importância o seu diagnóstico e tratamento precoces, preferencialmente, nos primeiros 6 a 12 meses de vida6.

O diagnóstico das craniossinostoses é clínico, baseado na morfologia, mensuração e palpação craniana1,2, e confirmado através da tomografia computadorizada com reconstrução em 3D, que avalia a permeabilidade de todas as suturas e possíveis anormalidades estruturais1. A ultrassonografia pode ser usada como método de triagem precoce nos casos suspeitos, acessando a permeabilidade das suturas sem utilização de radiaçãoionizante, reservando a tomografia computadorizada para o mapeamento pré-cirúrgico9. Assim, a aferição das medidas antropométricas do crânio, como o perímetro cefálico, a distância anteroposterior (DAP) e a distância biauricular (DBA) e a determinação do índice cefálico (DAP/DAB) permitem a identificação precoce dessa condição2.

Na prática pediátrica, é comum apenas a medida do perímetro cefálico, subentendendo-se que, mediante à presença de craniossinostose, essa medida estará diminuída, o que possibilitaria a identificação dessas condições. Entretanto,na maior parte dos casos, o perímetro cefálico está dentro dos padrões de normalidade para a idade, existindo alterações apenas nas demais medidas antropométricas do crânio. Consequentemente, tem-se um atraso em seu diagnóstico, o qual é muito prejudicial ao desenvolvimento saudável da criança. Assim, apesar de pouco utilizadas, é de suma importância a medida rotineira das distâncias anteroposterior e biauricular e, também, a análise do índice cefálico para o diagnóstico dessa patologia2.


RELATO DE CASO

Lactente, 4 meses, sexo masculino, compareceu àconsulta médica pediátrica para puericultura. À anamnese, não foram identificados sinais de alarme. Ao exame clínico, não foram constatadas alterações nos sinais vitais e nos demais sistemas. A ectoscopia, fronte em quilha (Figura 1). Ao exame craniano, perímetro cefálico: 41 cm, fontanela anterior: 0,5 cm, sutura metópica cavalgada, diâmetro anteroposterior: 28 cm, diâmetro biauricular: 23 cm, índice cefálico (DAP/DAB): 1,2. O desenvolvimento neuropsicomotor encontrava-se adequado para a idade. Realizada tomografia computadorizada de crânio com reconstrução em 3D que confirmou diagnóstico de trigonocefalia (Figura 2), sendo encaminhado à neurocirurgia pediátrica e operado após dois meses.


Figura 1. Visão frontal da face da criança mostrando aspecto em quilha da testa.




Figura 2. Tomografia computadorizada do crânio com reconstrução tridimensional demonstra fechamento precoce da sutura metópica conferindo aspecto triangular, em “quilha” do osso frontal.



DISCUSSÃO

O diagnóstico da craniossinostose é clínico e, idealmente, deve ser realizado nos primeiros meses de vida. O primeiro passo para a sua identificação precoce é a realização de uma anamnese detalhada, buscando-se identificar a existência de condições predisponentes a essa patologia1. Essas condições são multifatoriais e incluem fatores ambientais, como crescimento intrauterino restrito, oligoidrâmnia, posição fetal anormal, complicações da gravidez, exposição pré-natal a teratógenos, tabagismo materno e uso de drogas antiepiléticas, e genéticos, os quais abrangem mutações genéticas únicas, anormalidades cromossômicas e ambientes poligênicos1,10. Além da anamnese, é de suma importância a realização do exame físico completo, buscando-se identificar características indicativas de um fechamento precoce das suturas cranianas, como formas incomuns do crânio, e a existência de características sugestivas de síndromes genéticas.

Conforme descrito por alguns estudos, os portadores de trigonocefalia possuem a porção occipital alargada, a fronte estreita e pontuda e a cabeça de formato triangular. Além disso, eles geralmente apresentam hipotelorismo e um dorso nasal baixo com pregas epicânticas1,2,6. Entretanto, essas alterações podem não estar presentes ou serem encontradas isoladamente, como o constatado no paciente deste relato, que apresentava apenas uma fronte estreita e pontuda, indicativa do cavalgamento da sutura metópica.

Mediante a possível ausência de características físicas marcantes indicativas de craniossinostose, é de suma importância a determinação das medidas antropométricas do crânio e a palpação e mensuração das fontanelas para o diagnóstico clínico e para a solicitação de exames de imagem1. Um estudo demonstrou que uma parcela considerável dos pediatras não realiza a mensuração rotineira das distâncias anteroposterior e biauricular e do índice cefálico nas consultas de rotina, o que constitui um grande empecilho à identificação precoce da craniossinostose2.

A maior parte dos portadores de craniossinostose não apresenta uma diminuição do perímetro cefálico, mas demonstra alterações nas distâncias anteroposterior e biauricular e no índice cefálico2. O paciente deste relato de caso possuía um perímetro cefálico dentro da normalidade para a sua idade, apresentando apenas uma alteração no diâmetro anteroposterior do crânio e, por consequência, no índice cefálico. Esse achado corrobora a importância do estabelecimento rotineiro dessas medidas antropométricas nas consultas pediátricas de rotina para o diagnóstico precoce das craniossinostoses. Ainda que a minoria dos pacientes com trigonocefalia apresentem alguma anormalidade neurológica, eles possuem maior risco de desenvolverem alterações cognitivas e comportamentais1,6, atrasos psicomotores, dificuldades de aprendizagem, defeitos visuais e comportamentos desadaptativos10. A escolha entre conduta cirúrgica ou conservadora depende da avaliação do desenvolvimento neuropsicomotor, do exame neurológico e da estética pretendida pela família. O tratamento cirúrgico precoce costuma ser recomendado visando proporcionar uma expansão cerebral mais adequada, bem como uma melhor estética craniofacial. No entanto, a conduta conservadora pode ser adotada se a deformidade for leve ou se o cavalgamento da sutura for benigno3. Neste caso, o desenvolvimento neuropsicomotor do lactente estava adequado para a idade, o que reitera a importância das medidas antropométricas do crânio para a identificação da craniossinostose.


CONCLUSÃO

Como o diagnóstico das craniossinostoses é essencialmente clínico, ressalta-se a importância da medida do perímetro cefálico, da distância anteroposterior e da distância biauricular, e a determinação do índice cefálico em consultas pediátricas de rotina desde o nascimento. Além disso, como uma parte considerável dos pediatras não realiza a mensuração das distâncias anteroposterior e biauricular rotineiramente, torna-se relevante divulgar para a comunidade científica o impacto que as medidas antropométricas e a semiologia do crânio possuem para a detecção precoce dessas condições e para a prevenção das suas complicações, mesmo que essas sejam mínimas.


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1. UniFOA, Curso de Medicina - Volta Redonda - RJ - Brasil
2. Hospital Santa Cecília - Volta Redonda - RJ - Brasil

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Carolina Fernandes Correa Leite
UniFOA
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E-mail: carolinasfcorrea@gmail.com

Data de Submissão: 29/08/2022
Data de Aprovação: 18/03/2023