ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2024 - Volume 14 - Número 2

Abordagem à agitação no serviço de urgência pediátrico

Approach to agitation in the pediatric emergency department

RESUMO

A agitação psicomotora e a auto/heteroagressividade em crianças e adolescentes podem representar um desafio no serviço de urgência pediátrico (SU), pois são uma ocorrência frequente que chega a constituir até 5% das avaliações de urgência nos Estados Unidos. A agitação é um sinal altamente inespecífico, podendo resultar de condições orgânicas e/ou psiquiátricas, e requer, na sua gestão, adequação dos espaços do SU, treino dos profissionais envolvidos e aumento dos recursos de saúde mental nos SUs. A avaliação diagnóstica inicial deve conduzir a escolha terapêutica mais adequada, embora, em muitas situações, seja necessário intervir antes de terminar a exploração diagnóstica. Essa intervenção deve contemplar, em primeiro lugar, medidas ambientais e não farmacológicas. Quando necessário, poderá ser efetuada uma contenção farmacológica, sendo desaconselhada a contenção física nessas idades. Existe pouca literatura sobre a correta abordagem dessas ocorrências, e não há qualquer linha orientadora, de maneira que mais da metade dos profissionais do SU se sente inadequadamente preparados na sua gestão. Este trabalho propõe-sea reuniras evidências eos consensos disponíveis na literatura para criarumapoio prático para a abordagemdo paciente agitado no atendimento de urgência pediátrica, com enfoque nas abordagens não farmacológica e farmacológica, é baseado numa revisão da literatura, com recurso a múltiplas bases de dados de artigos em inglês, português e espanhol. Também foram analisadas as diretrizes do National Institute for Health and Care Excellence (NICE), embora se apliquem ao comportamento agressivo eviolento enão àagitação psicomotora,entendendo adiferença,mas procurando elementos sobreponíveis eaplicáveis.

Palavras-chave: Agitação psicomotora, Criança, Adolescente, Serviços Médicos de Emergência.

ABSTRACT

Psychomotor agitation and self/hetero-aggressiveness in children and adolescents can represent a challenge in the pediatric emergency department (ED), they are a frequent occurrence that account for up to 5% of emergency assessments in the United States. Agitation is a highly nonspecific sign, which may result from organic and/or psychiatric conditions, and requires, in its management, the adequacy of ED spaces, training of the professionals involved and an increase in mental health resources in the EDs. The initial diagnostic evaluation should lead to the most appropriate therapeutic choice, although in many situations it is necessary to intervene before finishing the diagnostic exploration. This intervention must firstly contemplate environmental and non-pharmacological measures. When necessary, pharmacological restraint can be carried out, physical restraint being discouraged at these ages. There is little literature on the correct approach to these occurrences, and there is no guideline, so that more than half of the ER professionals feel inadequately prepared in their management. This work aims to bring together the evidence and consensus available in the literature to create practical support for the approach of the agitated patient in pediatric emergency care, with a focus on non-pharmacological and pharmacological approaches, it is based on a literature review, using multiple databases of articles in English, Portuguese and Spanish. The National Institute for Health and Care Excellence (NICE) guidelines were also analyzed although they apply to aggressive and violent behavior and not psychomotor agitation, understanding the difference, but looking for overlapping and applicable elements.

Keywords: Psychomotor agitation, Child, Adolescent, Emergency Medical Services.


INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, tem-se assistido a um aumento relativo das idas ao Serviço de Urgência Pediátrico (SU) devido a problemas relacionados com a saúde mental, chegando a constituir até 5% do total das consultas de pediatria no SU nos Estados Unidos e parece ser um fenômeno em aumento1-3. Alguns autores apontam para o fato de que o aumento do número de episódios de urgência nem sempre corresponde a uma verdadeira urgência médico psiquiátrica em sentido estrito tais como comportamentos suicidas e autolesivos3. Não existem dados sobre a realidade portuguesa, mas possivelmente seriam semelhantes aos dados internacionais que, entre as mais frequentes causas psiquiátricas de atendimento em SU, apontam para alterações de comportamento sem diagnóstico estabelecido, comportamento suicida, depressão, agressividade, abuso de substâncias e situações de violência4,5. Esses dados revelam a necessidade de adaptar as condições do ambiente e espaço do serviço de urgência, aumentando os recursos da saúde mental nessa faixa etária e o treino dos diversos profissionais em contexto de urgência na abordagem das situações referidas, nomeadamente nos serviços que não dispõem de atendimento pedopsiquiátrico urgente presencial5,6.

Os episódios de agitação psicomotora em crianças e adolescentes são ocorrências relativamente frequentes nos serviços de urgência. A agitação psicomotora é um sinal altamente inespecífico6-8, pode observar-se num número variado e diverso de patologias não psiquiátricas, e em patologias psiquiátricas3-6. Importa também sublinhar que muitas vezes a agitação é um sinal subvalorizado e rotulado demasiado rapidamente como sendo de origem psiquiátrica, não se excluindo apropriadamente outras causas, entre as quais algumas potencialmente graves8. Os comportamentos auto e heteroagressivos, assim como a agitação, representam um desafio para as equipes do serviço de urgência pediátrico, e vários autores chamam a atenção de que mais da metade dos profissionais em SU sentem-se inadequadamente preparados na sua gestão9.

Este trabalho propõe-se a reunir as evidências e os consensos disponíveis na literatura sobre o tema. Temos como objetivo criar um apoio prático para a abordagem do paciente agitado no atendimento de urgência pediátrica. Baseandose numa revisão não sistemática, utilizando as plataformas PubMed, ScieELO e Google Scholar, utilizaram-se os termos de pesquisa: “Psychomotor agitation”, “Child”, “Adolescent”, “Emergency medical services” em inglês, português e espanhol. Também foram analisadas as diretrizes do National Institute for Health and Care Excellence (UK) (NICE)10, embora se apliquem ao comportamento agressivo e violento, e não à agitação psicomotora, entendendo que as duas situações são diferentes, mas procurando elementos sobreponíveis e aplicáveis.

À data não existe qualquer linha orientadora oficial e é notória a escassez de literatura sobre o tema. O enfoque do trabalho será dirigido aos consensos sobre a abordagem não farmacológica e farmacológica.


DISCUSSÃO

Investigação diagnóstica

A agitação psicomotora em crianças e adolescentes é um sintoma que pode traduzir múltiplas etiologias3-8, como já referido. A avaliação começa desde os primeiros instantes de observação, avaliando o nível de desenvolvimento, a linguagem e a aparência física geral11. É necessária a colheita de informação junto dos cuidadores, à procura de fatores ambientais ou acontecimentos potencialmente desencadeantes da situação em causa, e de informação relativa a possíveis causas e fatores de manutenção da agitação11,12, informações sobre antecedentes médicos-psiquiátricos de relevo, episódios anteriores de agitação, os triggers e a sua resposta à medicação8.

As causas não psiquiátricas de agitação psicomotora em idade pediátrica podem incluir causas infecciosas, metabólicas, tumorais, endocrinológicas, deficiências vitamínicas, traumatismos cranioencefálico, intoxicações acidentais ou voluntárias com fármacos, reações paradoxais a medicamentos, particularmente frequentes nessa população, drogas de abuso à abstinência de substâncias, e expressão de dor em crianças ou adolescentes com graves limitações na linguagem e comunicação8,11-13. Ainda que raro, não é de esquecer a hipótese de Munchausen by proxy.

O delirium, também designado por síndrome confusional aguda, representa uma importante causa não psiquiátrica de agitação refratária em crianças, erroneamente rotulada como psiquiátrica por apresentar com frequência alucinações auditivas e/ou visuais. Distingue-se principalmente pela alteração do estado de consciência unida à flutuação sintomática e é potencialmente fatal quando não tratada a causa de base6,8,12.

Resulta difícil estimar a frequência relativa das diferentes causas não psiquiátricas de agitação pediátrica no SU, porque se trata de um sintoma altamente inespecífico, potencialmente presente em todas as causas médicas de agitação.

As causas psiquiátricas incluem uma ampla variedade de condições, sendo necessário, no atendimento de urgência, e após a exclusão de causas orgânicas, investigar sobre antecedentes psiquiátricos e medicamentosos, situação e suporte familiar e social, nomeadamente em SUs que não disponham de atendimento de Pedopsiquiatra, de forma a poder orientar a decisão de referenciação para atendimento pedopsiquiátrico urgente e/ou diferido4,6,11. A agitação de natureza psiquiátrica em crianças e adolescentes é mais frequentemente reativa a eventos vivenciais e ou situacionais, pode ser mais raramente propositada e voluntária, ou então depender da conjugação de vários fatores ambientais, físicos e individuais11.

Entre as causas psiquiátricas mais frequentes de agitação pediátrica encontram-se a ansiedade, os transtornos do desenvolvimento intelectual, transtorno do espectro do autismo, outras patologias do neurodesenvolvimento, transtornos da conduta e do comportamento, transtorno de adaptação, estresse pós-traumático e depressão8,12. Não obstante, o diagnóstico definitivo, tendo em conta a sintomatologia e história clínica, deverá ser avaliado após o controle das alterações comportamentais4.

Nas crianças, a depressão apresenta-se frequentemente com irritabilidade e/ou agitação. Alucinações de causa não orgânica e/ou transtornos psicóticos e estados maníacos ou mistos de transtorno bipolar são causas muito raras de agitação nessa população12.

À data atual não existem dados sobre a frequência relativa das diferentes causas de agitação pediátrica no SU uma vez que esse sintoma pode resultar de múltiplas causas não psiquiátricas e que, no que respeita às causas psiquiátricas, o esclarecimento diagnóstico muitas vezes necessita de uma avaliação longitudinal do paciente que vai frequentemente muito além da atuação no SU, o que ultrapassa o âmbito deste trabalho. Existem, por fim, fatores socioculturais e dinâmicas familiares que também podem precipitar episódios de agitação, por vezes graves, sem que seja possível diagnosticar qualquer patologia de base.

Pode ser útil, na avaliação rápida da criança ou adolescente agitado, a mnemônica inglesa “AEIOU TIPS” normalmente utilizada para decorar as principais causas de alterações do estado mental: (Alcohol – Electrolyte - Insulin (hipoglicemia) -Opiates and Other Drugs (tóxicos, drogas, medicamentos anticolinérgicos e/ou simpaticomiméticos, síndrome serotoninérgica) -Uremia -Trauma – Infection (Meningite/encefalite) -Psychiatric disorder -Space occupying lesion), muito utilizado entre estudantes. Na Tabela 1, apresentamos um resumo das principais causas não psiquiátricas e psiquiátricas de agitação pediátrica no serviço de urgência14.




Em contexto de urgência, importa a identificação, antes de tudo, de causas não psiquiátricas, cujo tratamento resolveria a origem do problema. A conclusão precipitada de que se trata de causa psiquiátrica e consequente uso de psicofármacos de imediato pode diminuir o grau de atividade e agitação do paciente, atenuando o sintoma, mas sem intervir na causa dando uma falsa sensação de resolução do quadro clínico, atrasando o diagnóstico, com riscos para o paciente e piorando o prognóstico.

Por fim, tanto na presença de etiologia não psiquiátrica quanto psiquiátrica, pode ser necessário intervir na agitação aguda nos casos em que dificulta a observação, avaliação e realização de meios complementares de diagnóstico. Ou seja, é possível a intervenção para contenção da agitação, enquanto as causas ainda estão a ser investigadas, sendo que a decisão resulta da ponderação risco-benefício em cada caso em específico.

Medidas ambientais e abordagens não farmacológicas

É consensual entre os autores que o diagnóstico deva conduzir à escolha terapêutica mais adequada e a abordagem deve idealmente ser individualizada, multidisciplinar e colaborativa, sendo a farmacologia e a contenção física apenas um possível aspeto, em último recurso, de um plano terapêutico mais amplo a curto e médio prazo, muito mais do que a simples terapêutica farmacológica3-8. A utilização de medidas não farmacológicas para reduzir a escalada da agitação deve ser utilizada precocemente para permitir a colaboração do paciente sempre que possível6,11,12.

O ambiente do SU pode representar para o doente um evento estressante devido à estimulação múltipla que daí vem, como ruído, cheiros, número de pessoas e frequentes interações invasivas com pessoas desconhecidas. Crianças e adolescentes com défice intelectual, transtorno do espectro do autismo, transtorno de défice de atenção ou baixo limiar de tolerância à frustração são particularmente suscetíveis a estímulos ambientais11. O ambiente e a sua organização estrutural devem ser tidos em conta.

De forma a minimizar os riscos para o paciente e os profissionais, é importante que o ambiente seja seguro, sem elementos/objetos passíveis de se atirar, cortantes, com a mobília fixada às paredes6-8,11,12. O médico ou outro profissional deve posicionar-se entre o paciente e a porta de saída em caso de ser necessário fugir, idealmente perante um paciente agitado, este não deverá ser avaliado por um profissional sozinho8.

Quando possível, deve-se procurar a colaboração do familiar e, se o caso o requer, deve-se previamente avisar à equipe de segurança de que há risco de agitação perante determinado paciente6-8,11,12. Os cuidadores podem ser importantes elementos de contenção, pode ser relevante a sua presença bem como informar sobre estratégias usadas ou que já foram úteis no passado em situações semelhantes.

Deve ser proporcionado à criança/adolescente agitada um espaço confortável, longe de outras pessoas, onde se possa mover mais livremente, afastando-o do ruído e diminuindo a luz, oferecendo brinquedos sensoriais e outras distrações preferidas, comida ou bebidas. Reunir a criança aos pais ou então afastá-la, segundo a situação, podem ser medidas simples e eficazes para acalmar a criança11.

Deve-se procurar evitar intervenções desnecessárias, expor/explicar minimamente as intervenções, nomeadamente invasivas, e usar uma comunicação clara e empática, com tom de voz calmo, esclarecendo a dinâmica e as regras da interação, pedindo autorização antes de efetuar qualquer manobra e, eventualmente, exemplificando-a com os pais, evitando confrontar diretamente o paciente e mantendo uma atitude neutra, evitando comentários negativos ou críticas6-8.

Pode ser útil o treino das equipes de urgência em competências comunicativas e de terapia dialéticocomportamental, assim como sessões de simulação incluindo treino no reconhecimento de fatores de risco de agitação e comportamento disruptivo de forma a melhorar a atuação, evitar a escalada comportamental e a necessidade de usar técnicas de contenção física e/ou farmacológica9.

A neutralidade não quer dizer que se aceite ou concorde com as atitudes. Tem como objetivo conter e resolver a situação com o menor risco possível.

Contenção física

É consensualmente reconhecido na literatura que a contenção física deve ser um último recurso, restrita aos casos em que todas as restantes (em ordem de execução: medidas, ambientais, de comunicação e farmacológicas) não tenham sido eficazes. Por terem sido associados a lesões e morte em crianças/adolescentes, os métodos coercitivos podem destruir a possibilidade de qualquer aliança terapêutica, podem ser traumáticos e dificultam a exploração etiológica posterior12. Embora se refiram ao comportamento agressivo e violento, e não à agitação psicomotora em si, as Guidelines NICE não recomendam a contenção mecânica em crianças10.

Os comportamentos ou situações de agitação devem ser falados fora das situações de crise, analisando o que funcionou e como agir no futuro.

Abordagem farmacológica

Na abordagem farmacológica da agitação em crianças e adolescentes, é preciso fazer algumas considerações sobre as particularidades dessa população. A absorção da medicação é geralmente semelhante à dos adultos, embora o metabolismo hepático,a excreção glomerular ea distribuição corporal são maiores nos mais jovens,deforma queas dosagens podem ser superiores às utilizadas em adultos e devem ser proporcionais ao peso corporal4.

Em geral,o uso de fármacos deveser dirigido ao diagnóstico quando este é conhecido6. No que concerne às indicações, não existem drogas aprovadas especificamente para o controle da agitação e as que se utilizam são, portanto, usadas em off-label12.

A colheita de informação adequada relativamente à medicação atual, reações medicamentosas prévias e medicações utilizadas em crises anteriores pode orientar a escolha, evitando efeitos colaterais,interações medicamentosas ediminuindo os riscos6. Devido à diferente suscetibilidade da população pediátrica aos efeitos adversos da medicação psiquiátrica,é necessário cautela na escolha12. Muitos profissionais, em contexto de urgência, acabam escolhendo os fármacos comos quais sesentemmais familiarizados,no entanto estes podem não ser os mais adequados, daí a necessidade de reflexão e análise sobre as intervenções farmacológicas.

Em primeiro lugar, é recomendado oferecer medicação oral antes de ponderar a necessidade de medicação injetável, devendo, se possível, preferir-se a via intravenosa à via intramuscular6,8. A escolha de proceder ao tratamento farmacológico da agitação como sintoma deve idealmente ser ponderado junto dos cuidadores, obtendo o consentimento destes15. Se o paciente se encontra medicado, é razoável o uso de meia ou uma dose da medicação habitual ou de medicação prescrita para uso em SOS/resgate, o que pode ser suficiente no manejo da agitação6,8,11.

Vários autores preferem a monoterapia à associação de vários medicamentos, devido ao risco de interações medicamentosas na população pediátrica e reforçam a necessidade de monitorização apertada da resposta do paciente (estado de consciência, sinais vitais, efeitos adversos, eletrocardiograma, entre outros).

As classes de medicamentos mais utilizados na prática clínica para tratamento da agitação pediátrica, em ordem de frequência, são benzodiazepínicos (lorazepam), antipsicóticos (clorpromazina e haloperidol) e antihistamínicos (difenidramina e hidroxizina)15,16. Essas drogas são geralmente bem toleradas, contudo não existem linhas orientadoras específicas nem ensaios comparativos entre as diversas medicações (com amostras significativas ou análise comparativa dos efeitos e impacto do seu uso)15,16.

O uso de antipsicóticos (AP) em crianças e adolescentes, particularmente os de 2ª geração, tem aumentado nos últimos anos12. Entre os APs de primeira geração para tratamento da agitação, encontramos clorpromazina, levomepromazina, haloperidol e droperidol (este último foi retirado do mercado na Europa). A literatura aponta para uma eficácia semelhante aos APs de segunda geração, mas maior taxa de efeitos colaterais, nomeadamente sintomas extrapiramidais e cardiotoxicidade11,17, de maneira que não são recomendados como primeira escolha17.

O haloperidol é eficaz na agitação e no delirium12; contudo, por ser um agente de elevada potência, apresenta maior risco de distonia aguda, acatisia e síndrome maligna dos neurolépticos, mas reduz o limiar convulsivo em menor grau do que os outros agentes da mesma classe17. Constitui uma exceção à regra pela qual é preferível, dentro do possível, usar a mesma substância em monoterapia, em vez de associações. Assim, alguns autores preferem a associação com lorazepam, em vez de uma dose adicional de haloperidol na ausência de resposta completa à primeira administração6.

Os APs de segunda geração utilizados no tratamento da agitação incluem risperidona, olanzapina, ziprasidona e aripiprazol. Essa classe exibe um melhor perfil de risco, embora possam proporcionar, mais raramente, os mesmos eventos adversos dos de primeira geração17. Dentro desse grupo, a olanzapina poderá ter o maior efeito sedativo e menor incidência de efeitos adversos extrapiramidais e cardíacos6; contudo, devido ao risco de depressão respiratória grave e morte, é desaconselhada a associação com benzodiazepinas e/ou outros depressores do sistema nervoso central6,12,17. O aripiprazol parece ser menos eficaz do que os outros, podendo ser útil para evitar a sedação excessiva17 e também é menos utilizado em pacientes com perturbação do espectro do autismo ou outras perturbações do neurodesenvolvimento devido ao potencial de ativação e acatisia em contexto de SU11.

A maioria dos autores desaconselha a administração intravenosa de APs por ser associada a aumento da incidência de torsade de pointes e morte súbita assim como a associação de APs devido ao risco de interações e a falta de estudos sobre segurança12.

As benzodiazepinas são as medicações mais frequentemente utilizadas para tratamento da agitação em contexto de urgência16. O lorazepam parece ser preferível ao diazepam devido à absorção completa e rápida, início rápido, tempo de semivida curto e eliminação sem metabólitos ativos.

O midazolam, embora útil comosedativo, deve ser evitado para tratamento da agitação17. O uso de midazolam intranasal tem sido estudado na sedação pré-operatória para reduzir o impacto da ansiedade ou em pacientes não cooperantes, no entanto não existem à data estudos que avaliem a sua eficácia e segurança em contexto de agitação aguda.

As benzodiazepinas devem ser evitadas em pacientes com histórico de reações paradoxais e no tratamento do delirium6.

Os fenômenos paradoxais ocorrem mais frequentemente em pacientes com défice intelectual, perturbações do neurodesenvolvimento, doenças neurológicas e orgânicocerebrais. A sua frequência exata é desconhecida17.

A difenidramina e a hidroxizina são também escolhas frequentes para controle da agitação, embora apresentem o risco de agravar o delirium devido ao efeito anticolinérgico e tem sido associada à agitação paradoxal em crianças12,17. Constituem opções razoáveis no tratamento da agitação secundária à ansiedade ou de exacerbação de uma perturbação de ansiedade subjacente17.

Os antiepilépticos demonstraram-se pouco eficazes e mal tolerados12. Barbitúricos e analgésicos opioides não devem ser utilizados apenas para controle da agitação6. Entre os fármacos utilizados, há autores a sugerir também o uso de clonidina, embora este fármaco necessita de monitorização constante devido aos riscos cardiocirculatórios associados15. Existem estudos sobre um possível papel da ketamina intranasal na agitação18, mas carecem de mais investigação.

Sempre que possível, o tratamento deve ser dirigido à causa da agitação, um exemplo claro é o delirium, onde é essencial o tratamento da causa orgânica que o provoca. A abordagem farmacológica do delirium deveter em conta a descontinuação das drogas que podem agravar o estado do paciente. Como referido, deve-se evitar benzodiazepinas, anticolinérgicos e opióides6,11. Sugere-se o uso de APs de segunda geração para o tratamento farmacológico complementar no delirium: risperidona, olanzapina e quetiapina são os mais utilizados6.

Na agitação secundária à intoxicação ou abstinência de drogas, o tratamento será dirigido e baseado na substância suspeitada, haloperidol e lorazepam poderão ser opção nos casos de agitação mais severa11.

Crianças com perturbações do neurodesenvolvimento são mais vulneráveis a reações paradoxais à medicação pelo que serão evitadas as benzodiazepinas6. Pelas dificuldades de comunicação, a causa da agitação pode ser aferida através de uma observação atenta e uma história adequada.

Em pacientes com diagnóstico prévio de perturbação de défice de atenção, assim como em outras causas psiquiátricas comuns de agitação, é frequentemente eficaz o uso de uma dose extra da medicação habitual do paciente ou a toma se a causa for o esquecimento dela6.

Tendo em conta a raridade de quadros agudos de psicose ou estados maníacos na pré-adolescência, o melhor será, após exclusão da causa orgânica, o encaminhamento para observação pedopsiquiátrica de urgência.

Na Tabela 2, são expostas as medicações mais utilizadas na agitação e as doses em idade pediátrica19, derivada de uma adaptação do consenso da Associação Americana de Emergência Psiquiátrica6, tendo em conta que algumas drogas ou formulações citadas nesta tabela não estão disponíveis nos SUs portugueses e/ou brasileiros, mas que, eventualmente, e com estudos adequados, poderiam vir a ser implementadas nos formulários terapêuticos nacionais.




CONCLUSÃO

A agitação no contexto do SU pediátrico pode ser uma situação difícil de gerir. Atualmente faltam linhas orientadoras precisas para a atuação e gestão das situações na população pediátrica.

A avaliação diagnóstica é de extrema importância para dirigir a conduta terapêutica e, ainda mais importante, considerar a relação risco-benefício face ao uso de medicação para contenção do comportamento.

Seria relevante a elaboração de casuísticas e a sua análise de forma a orientar a criação de medidas preventivas e de controle mais dirigidas à causa de agitação pediátrica, assim como na formação adequada das equipes do serviço de urgência na abordagem dessas ocorrências, sobretudo quando não está disponível a valência de pedopsiquiatria no SU.

A contenção química deve ser avaliada apenas após a adequada implementação de estratégias ambientais e de comunicação. Isso pode requerer a reorganização dos espaços do SU, prevendo, por exemplo, salas preparadas, afastadas da hiperestimulação do serviço de urgência e a formação dirigida de profissionais na abordagem do doente agitado. O objetivo primário é acalmar o paciente sem o sedar, de forma a reduzir o sofrimento e ansiedade, o risco de lesões ao próprio, aos profissionais e terceiros e permitir a correta avaliação do paciente, idealmente permitindo a colaboração e envolvimento do paciente na exploração e evitar eventos traumatizantes.

O uso de recursos médicos deve ser baseado na evidência, em detrimento do uso das drogas “mais utilizadas”. As medidas comportamentais e ambientais, se utilizadas por profissionais treinados, podem reduzir a necessidade de qualquer outro tipo de atuação.

São necessários mais estudos relativamente à medicação utilizada em contexto de urgência, nomeadamente avaliando a segurança a curto e longo prazo, bem como estudos comparativos entre as opções disponíveis e as ótimas que deveriam ser integradas nos formulários de SU. A abordagem desta temática e planejamento das intervenções podem ser o primeiro passo para melhorar o conhecimento e qualidade das intervenções. Na Figura 1, é apresentada uma proposta de fluxograma de decisão clínica20 para auxiliar os profissionais empenhados na abordagem à agitação pediátrica em contexto de urgência, adaptado do consenso da Associação Americana de Emergência Psiquiátrica6.


Figura 1. Fluxograma de decisão clínica.20



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1. Hospital Senhora da Oliveira, Serviço de Psiquiatria - Guimarães - Portugal
2. Hospital Senhora da Oliveira, Serviço de Pedopsiquiatria - Guimarães - Portugal

Endereço para correspondência:

Francesco Monteleone
Hospital Senhora da Oliveira
R. dos Cutileiros 114
Creixomil, Portugal
E-mail: francescomonteleone.md@gmail.com

Data de Submissão: 17/10/2022
Data de Aprovação: 21/12/2023