ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2024 - Volume 14 - Número 2

Manifestações cutâneas em seis crianças pelo CHIKV: uma série de casos

Cutaneous manifestations in six children by CHIKV: a case series

RESUMO

OBJETIVOS: Descrever uma série de casos de crianças diagnosticadas com infecção pelo vírus Chikungunya (CHIKV) com manifestações dermatológicas atípicas, a fim de ampliar as possibilidades de diagnósticos diferenciais em casos de apresentações clínicas semelhantes.
MÉTODOS: Trata-se de uma série de casos em que foram incluídos todos os pacientes com idade entre 0 e 18 anos e que, entre janeiro de 2018 e novembro de 2020, deram entrada no pronto socorro de um hospital público pediátrico apresentando manifestações cutâneas atípicas associadas a diagnóstico clínico-epidemiológico ou laboratorial do CHIKV.
RESULTADOS: Um total de seis pacientes foram triados de uma coorte de 432 pacientes. Desses seis, quatro eram do sexo feminino e cinco eram menores de um ano. As manifestações mais relatadas foram febre de início súbito, além de exantema e lesões cutâneas bolhosas, acometendo principalmente os membros. Houve internação de cinco pacientes ao todo, sem óbitos.
CONCLUSÃO: As apresentações cutâneas são de magnitude diferente de acordo com a faixa etária acometida pelo CHIKV, principalmente em menores de um ano de idade, acometendo especialmente áreas de extremidades da superfície corporal. Portanto, vale ressaltar que os pacientes pediátricos merecem maior atenção e cuidados precoces, a fim de reduzir as complicações da infecção e, portanto, também a morbidade da população acometida.

Palavras-chave: Infecções por Arbovirus, Vírus Chikungunya, Criança.

ABSTRACT

OBJECTIVES: To describe a case series of children diagnosed with Chikungunya virus (CHIKV) infection with atypical dermatologic manifestations, in order to broaden the picture of possibilities for differential diagnoses in cases of similar clinical presentations.
METHODS: This is a series of cases in which were included all patients aged between zero and 18 years and who, between January, 2018 and November, 2020, were admitted to the emergency department of a pediatric public hospital, presenting atypical cutaneous manifestations associated with a clinical-epidemiological or laboratory diagnosis of CHIKV.
RESULTS: A total of six patients were screened from a cohort of 432 patients. Of these, four were female and five were under one year of age. The most reported manifestations were fever of sudden onset, besides exanthema and bullous skin lesions, mainly affecting the limbs. There was hospitalization of five of patients, without deaths.
CONCLUSION: Cutaneous presentations are of different magnitude according to the age range affected by CHIKV, especially for children under one year of age, affecting mainly extremity areas of the body surface. It is therefore worth noting that pediatric patients deserve greater attention and early care, in order to reduce complications from the infection and thus also the morbidity of the affected population.

Keywords: Arbovirus infections, Chikungunya virus, Child.


INTRODUÇÃO

“Chikungunya” significa “aquele que se curva” no idioma Makonde, de origem da Tanzânia, onde o vírus Chikungunya (CHIKV), vírus causador da doença, transmitido por mosquitos do gênero Aedes, foi descrito pela primeira vez1. Tal denominação se justifica por essa arbovirose ser caracterizada por gerar sintomas como intensa poliartralgia, que leva à posição antálgica de curvamento, além de febre de início súbito, edema, exantema, dermatite bolhosa, náusea, mialgia e/ou cefaleia nos pacientes acometidos, durante o estágio agudo de evolução da doença, que dura entre 7 e 14 dias. No estágio subagudo, persistem principalmente os sintomas articulares e cutâneos, o que pode durar até três meses. Quando há continuidade dessas manifestações por tempo acima de três meses, considera-se o estágio crônico da doença2,3.

A apresentação clínica da CHIKV no paciente pediátrico, em contrapartida, é muito variada e ainda pouco explorada no cenário científico atual. Sabe-se, por exemplo, que em cerca de 40% dos casos a infecção é assintomática4. Em outros, pode haver febre de início agudo, exantema, linfadenopatia e letargia. Dessa forma, enquanto em adultos é característico o aparecimento de artralgia associada à febre alta, em crianças há maior recorrência de febre e rubor seguidos por erupções cutâneas, que podem ser graves, e mialgia5-7.

O objetivo deste estudo foi descrever uma série de casos de crianças diagnosticadas com CHIKV e que apresentaram manifestações dermatológicas atípicas, com o intuito de apresentar o quadro de possibilidades para diagnósticos diferenciais em casos de apresentações clínicas semelhantes.


MÉTODOS

Trata da descrição de uma série de casos observados no Serviço de Emergência de um hospital público pediátrico da região Metropolitana do Rio de Janeiro, Brasil. Foram triados todos os pacientes de 0 a 18 anos atendidos entre janeiro de 2018 e novembro de 2020 na unidade participante do estudo, com sintomatologia sugestiva de arbovirose associada a manifestações cutâneas atípicas, como dermatite bolhosa/ esfoliativa. Os dados foram obtidos através de boletins de atendimento médico do setor de Emergência do hospital.

Foi recomendada pesquisa para anticorpos específicos (ELISA) do tipo IgM – nos casos de suspeita de fase aguda da doença com coleta de sangue em mais de dois dias de início dos sintomas – e do tipo IgG – quando houve suspeita de infecção no periparto ou após oito dias do início dos sintomas – para diagnóstico sorológico. A técnica de RT-PCR foi indicada para caso de indefinição sobre a data de início dos sintomas ou para pacientes afetados menores de um ano de idade. Para diagnóstico epidemiológico foram considerados pacientes com manifestação de febre e exantema associados ou não a outros sintomas como dor abdominal, artrite/artralgia, náuseas, vômitos, entre outros.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da unidade participante do estudo (CAAE: 21286919.8.0000.5243).


RESULTADOS

Partiu-se de uma coorte de 432 participantes, entre 0 e 18 anos, com mediana de idade de 9 anos (intervalo interquartil– IIQ: 4-12 anos), atendidos durante o período do estudo. As manifestações clínicas mais observadas nessa amostra de 432 participantes foram febre (100%), exantema (62,8%), mialgia (58,6%) e artralgia (57,1%). Em 95 (22%) dos 432 casos, houve necessidade de internação, com uma mediana de idade de 4 anos (IIQ: 1-10) no momento da internação.

Em seguida, foram selecionados seis casos de lesões vesicobolhosas associados ao diagnóstico clínico e/ou laboratorial para infecção por CHIKV.

Caso 1: Paciente do sexo feminino, parda, cinco anos, 19 kg, foi atendida com sintomatologia sugestiva de arbovirose associada a exantema morbiliforme em tronco com áreas de confluência, formando placas eritematosas. Três dias depois, manteve hipertermia, pele hiperemiada e apresentou bolhas de conteúdo purulento em nádegas e dorso, assim como crostas em região perioral e prurido. A paciente somente fez uso de penicilina benzatina, não sendo necessária internação.

Caso 2: Paciente do sexo feminino, 10 meses de idade, 8 kg, com início dos sintomas sugestivos de arbovirose há quatro dias, queixa-se de vesículas de evolução recente em membros inferiores, edema em membros e face, além de irritabilidade. Foi optado pela internação do paciente, tendo recebido oxacilina durante a internação.

Caso 3: Paciente do sexo feminino, seis meses de idade, 7,4 kg, foi atendida com início dos sintomas há dois dias, com queixas de, após defevervescência, surgimento de pápulas e vesículas em membros. Foi optado pela internação do paciente, que fez uso de oxacilina durante a sua internação.

Caso 4: Paciente do sexo feminino, dois meses de idade, 6,1 kg, com início de sintomas há três dias, evoluindo com exantema associado a bolhas e vesículas em membros. Foi optado pela internação da paciente, que somente fez uso de sintomáticos, não utilizando antibioticoterapia na ocasião.

Caso 5: Paciente do sexo masculino, 1 mês e 14 dias de idade, 6,8 kg, foi atendido com quadro de febre de início no mesmo dia, associado a lesões vesicobolhosas. Em domicílio, fez uso de hidroxizina e dipirona, sem resolução do quadro. Foi optado pela internação do paciente.

Caso 6: Paciente do sexo masculino, dois meses de idade, com peso de 5,8 kg, foi atendido com relato de febre iniciada no dia do atendimento, com exantema em tronco, com disseminação para membros superiores e face, com surgimento de lesões cutâneas vesicobolhosas. Durante a internação, fez uso de vancomicina e oxacilina por 10 dias.

A Tabela 1 mostra os dados demográficos e clínico laboratoriais das crianças participantes do estudo.




A Figura 1 mostra a apresentação clínica de um lactente do sexo masculino, com dois meses de idade (Caso 6).


Figuras 1. A e B: A figura 1 (1a e 1b) mostra a apresentação clínica de um lactente do sexo masculino, com dois meses de idade (Caso 6), na ocasião do 7º e 10º dia de evolução dos sintomas, respectivamente. Legenda: 1 A: Apresentação clínica de um lactente do sexo masculino, com dois meses de idade (Caso 6), na ocasião do sétimo dia de evolução dos sintomas. Apresenta máculas purpúricas no membro superior direito, tronco e glúteos, com pequenas áreas de erosão; 1 B: Apresentação clínica de um lactente do sexo masculino, com dois meses de idade (Caso 6), na ocasião do 10º dia de evolução dos sintomas. Apresenta hipocromia residual no tronco e áreas de descolamento epidérmico na região umbilical e região proximal interna das coxas, correspondente a 10% da superfície corpórea.



É notório, portanto, que em todas as meninas e em 75% desses casos analisados as crianças foram infectadas pelo CHIKV com menos de um ano de idade, sendo tal faixa etária de crianças com lesões dermatológicas atípicas menor que das crianças atendidas na unidade durante o período do estudo. Vale salientar, ainda, que se optou pela internação como conduta para esses mesmos pacientes. Não houve óbitos.

Os sintomas e sinais mais relatados, além de lesões vesicobolhosas, foram febre e exantema, relatados em 100% dos casos. Também em todos os casos, houve evolução de lesões exantemáticas para bolhas e vesículas principalmente em extremidades, como membros inferiores e/ou superiores (75% dos casos). Devido à baixa idade dos pacientes acometidos, houve dificuldade para identificação de sintomas subjetivos, como artralgia e cefaleia.


DISCUSSÃO

As apresentações clínicas do CHIKV ocorridas durante a infância são bastante inespecíficas e variadas. Entretanto, alguns sintomas são típicos da infecção pelo CHIKV em crianças, como febre abrupta, irritabilidade, mialgia, exantema e letargia. Nos casos descritos, buscou-se explorar as ocorrências atípicas de acometimento cutâneo, com enfoque em lesões vesicobolhosas.

De acordo com a literatura, a apresentação dermatológica em crianças tende a ser diferente da que ocorre em adultos5-8. Robin et al. (2010)9 descreveram 13 casos de menores de seis meses de vida com confirmação laboratorial do diagnóstico de Chikungunya que apresentaram lesões bolhosas graves. O estudo também ressalta que lesões cutâneas graves ocorrem mais em crianças menores de um ano, ainda que seja raro. Nos casos observados nesse trabalho, 66,6% se tratava de crianças entre dois e 10 meses, com diagnóstico laboratorial confirmatório de infecção pelo CHIKV, as quais apresentaram exantema e vesículas durante evolução da doença.

Apesar da predominância de ocorrência em relação ao sexo feminino em nossa casuística, não há consenso na literatura sobre prevalência em relação aos sexos9.

Notório foi, ainda, que há predominância dessas manifestações atípicas em extremidades do corpo, como membro superior e inferior, havendo também acometimento de nádegas e dorso em um dos casos relatados. Valamparampil et al. (2009)10 descreveram uma possível evolução ascendente das lesões cutâneas, iniciando em membro inferior, nádegas, abdome e, posteriormente, membros superiores, poupando pescoço e face. Além disso, foi descrita a ocorrência de edema de membros em 19,6% das crianças, principalmente <1 ano, como também aconteceu neste trabalho, no entanto com acometimento da face.

Por conseguinte, parece não raro a manifestação das lesões vesicobolhosas entre dois e quatro dias após o início da febre, que, em geral é o primeiro sintoma, associado ou não ao exantema. A partir disso, a febre pode desaparecer ou não, mas é comum que o aparecimento de formas atípicas de acometimento cutâneo preceda a defervescência9-11. Todos os casos analisados seguiram essa sequência de evidências clínicas, ocorrendo em 33,3% deles o término da febre após o surgimento das lesões.

Ademais, houve outros importantes achados. No caso 1, manifestou-se otalgia e faringite além dos outros sintomas mais típicos. Atribui-se à otalgia afecção do componente neurológico, mas tanto tal queixa álgica quanto a faringite podem ocorrer em casos de infecção por CHIKV2.


CONCLUSÕES

As apresentações cutâneas são de diferente magnitude de acordo com a faixa etária afetada pelo CHIKV. Lactentes jovens, principalmente menores de um ano de idade, tendem a desenvolver formas mais preocupantes da doença nesse sentido.

As lesões vesicobolhosas, predominantes dentre os casos desse estudo, tendem a aparecer 2-4 dias após o surgimento de febre abrupta e exantema prévio. Em geral, afetam membros inferiores e, posteriormente, superiores, também podendo perpassar abdômen, dorso e nádegas. Não raro, a manifestação cutânea precede a defervescência.

É importante considerar a febre Chikungunya como um diagnóstico diferencial ao avaliar lesões vesiculobolhosas em crianças em novas áreas endêmicas onde os médicos não estão totalmente familiarizados com essa arbovirose emergente. Portanto, os pacientes pediátricos merecem maior atenção e atendimento precoce, a fim de se reduzir as complicações decorrentes da infecção e, assim, reduzir a morbidade da população afetada.


REFERÊNCIAS

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11. Silva Jr JVJ, Ludwig-Begall LF, Oliveira-Filho EF, Oliveira RAS, Durães-Carvalho R, Lopes TRR, et al. A scoping review of Chikungunya virus infection: epidemiology, clinical characteristics, viral co-circulation complications, and control. Acta Trop. 2018 Dec;188:213-24.










1. Universidade Federal Fluminense, Pediatria, Departamento Materno-Infantil, Faculdade de Medicina - Niterói - RJ - Brasil
2. Hospital Getúlio Varga Filho, Emergência Pediátrica - Niterói - RJ - Brasil
3. Universidade Federal Fluminense, Dermatologia, Departamento de Medicina Clínica, Faculdade de Medicina - Niterói - RJ - Brasil

Endereço para correspondência:

Claudete Araújo Cardoso
Universidade Federal Fluminense, Pediatria, Departamento Materno-Infantil, Faculdade de Medicina
R. Des. Athayde Parreiras, 100 - Fátima
Niterói, RJ,
CEP: 24070-090.
E-mail: claudetecardoso@id.uff.br

Data de Submissão: 30/01/2023
Data de Aprovação: 06/07/2023