Artigo Original
-
Ano 2024 -
Volume 14 -
Número
2
Impacto da pandemia da SARS-CoV-2 na ocorrência de Diabetes em idade pediátrica na Região Autônoma da Madeira
Impact of SARS-CoV-2 pandemic on Inaugural Diabetes cases in pediatric age in the Autonomous Region of Madeira
Beatriz Bonança Pedreira1; Lisa Pereira Soares1; Mariana Rodrigues2; Maria João Borges1; Paulo Rego Sousa1; Manuel Pedro da Silva Freitas1
RESUMO
O objetivo deste trabalho foi realizar uma análise comparativa dos pacientes diagnosticados com diabetes em idade pediátrica na Região Autônoma da Madeira (RAM), antes e após o início da pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2. Uma meta-análise, publicada em agosto/2022 na Nature, constatou um aumento estatisticamente significativo no número de doentes que apresentaram cetoacidose diabética, no âmbito de um grupo de pacientes diagnosticados com Diabetes Mellitus Tipo 1 (DMT1) durante a pandemia. Tal constatação não foi verificada na RAM. A inexistência de um período de confinamento total e o fato de a prática médica ter continuado a ser exercida junto à população apontam algumas possíveis hipóteses para explicar o observado. O histórico familiar foi a única variável do estudo em que se verificou uma diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos. Esse resultado pode evidenciar que os casos de cetoacidose diabética diagnosticados durante a pandemia (alguns provavelmente em doentes que foram previamente infectados por SARS-CoV-2) podem ter uma fisiopatologia diferente, na qual fatores genéticos têm uma importância menor. Sendo a DMT1 uma doença frequente em idade pediátrica, os profissionais de saúde, além de avaliar a glicose e HbA1c regularmente, precisam estar sempre em alerta e manter um elevado grau de atenção aos pacientes, dada a diversidade de sintomas iniciais que essa doença pode ter. Devem ser realizados mais estudos para tentar compreender o que justifica o fato de essa população não ter sido atingida pelo aumento do número de novos diagnósticos de diabetes, nem ser susceptível a uma maior gravidade desses casos.
Palavras-chave:
Cetoacidose diabética, SARS-CoV-2, Diabetes mellitus tipo 1.
ABSTRACT
The objective of this work was to carry out a comparative analysis of inaugural diabetes in pediatric age in the Autonomous Region of Madeira (ARM) before and after the onset of the SARS-CoV-2 pandemic. A meta-analysis published in August 2022 in the Nature Journal found a statistically significant increase in the number of patients who presented with diabetic ketoacidosis among patients newly diagnosed with type 1 diabetes mellitus (T1DM) during the pandemic. The same was not verified in ARM. Some of the factors presented are that in ARM there was never a period of total confinement for the general population, and medicine was always practiced close to the population, among others. Family history was the only study variable in which there was a statistically significant difference between the two groups. This result may show that cases of diabetic ketoacidosis diagnosed during the pandemic, some of them probably in patients who were previously infected with SARS-CoV-2, may have a different pathophysiology in which genetic factors play a lesser role. As T1DM is a frequent disease in children, health professionals must be alert and have a high degree of suspicion given the diversity of initial presentations that this disease can have and regularly assess glucose and HbA1c. More studies should be carried out to try to find out what justifies this population not being vulnerable to an increase in the number of cases of inaugural diabetes or to their greater severity.
Keywords:
Diabetic ketoacidosis, SARS-CoV-2, Diabetes mellitus, type 1.
INTRODUÇÃO
A Região Autônoma da Madeira (RAM) localiza-se no oceano Atlântico e, juntamente com o arquipélago dos Açores, compõe os territórios insulares de Portugal. Essa região tem aproximadamente 40.000 crianças e adolescentes.
Decretada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em janeiro de 2020, como emergência de saúde pública e, em março de 2020, como pandemia, a COVID-19 é considerada uma doença respiratória grave. Além de ser altamente infecciosa, pode ter manifestações com elevada variabilidade de sintomas. Em idade pediátrica, porém, cerca de 80% dos casos apresentam-se como síndromes gripais com ausência de complicações. No entanto, distúrbios cardiovasculares e insuficiência renal têm sido reportados em doentes graves ou em pacientes com fatores de risco ou comorbidades como Hipertensão Arterial, idade mais avançada, doenças cardiovasculares ou diabetes1.
A diabetes mellitus tipo 1 (DM1) é uma doença autoimune com base genética. Fatores ambientais, como produtos químicos, alimentares, infecções virais e estímulos autoimunes contribuem para a sua fisiopatologia. Um diagnóstico precoce é crucial para prevenir a progressão para cetoacidose diabética que consiste numa complicação grave da DM12.
A relação entre a pandemia de COVID-19 e o aumento do número de novos pacientes com diabetes e com cetoacidose tem sido reportada, contudo há estudos com informação contraditória3-12.
OBJETIVOS
O objetivo deste trabalho foi realizar uma análise comparativa dos novos casos de diabetes em idade pediátrica na Região Autônoma da Madeira antes e após o início da pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2.
METODOLOGIA
Considerando que o primeiro caso de COVID-19 na RAM foi verificado no dia 17 de março de 2020 e que o status de pandemia foi decretado pela OMS em março de 2020, estabeleceu-se dois períodos, de 26 meses cada, um antes e outro após o início da pandemia, adotando-se os mesmos meses do ano, para efetuar uma análise estatística comparativa de dois grupos.
O período denominado pré-COVID-19 corresponde ao intervalo entre dia 1º de abril de 2017 a 31 de maio de 2019 e o período pós-COVID-19 entre 1º de abril de 2020 a 31 de maio de 2022.
Foi realizada uma análise retrospectiva e transversal de todos os novos casos de instalação de diabetes diagnosticados no serviço de urgência pediátrico do Hospital Central do Funchal, na Ilha da Madeira, nos períodos supracitados, com recurso ao software hospitalar ATRIUM®.
As seguintes variáveis foram registradas no Microsoft Office Excel®: idade, sexo, intervalo de tempo decorrido entre início dos sintomas e diagnóstico, polidipsia, poliúria, polifagia, perda de peso, astenia, náuseas e/ou vômitos, dor abdominal, glicose, HCO3- e lactato sérico, pH à admissão, histórico familiar de diabetes mellitus, hiperglicemia, hiperglicemia com cetose, cetoacidose, gravidade da cetoacidose, dias de internamento em enfermaria de pediatria e em unidade de cuidados intensivos (UCI).
Os testes estatísticos utilizados foram o teste do qui-quadrado e o teste exato de Fisher para provar se havia diferenças estatísticas entre as variáveis categóricas. Para comparar se existiam diferenças estatísticas quanto às variáveis contínuas, utilizou-se o teste t de Student para a variável idade e os testes não paramétricos para as restantes variáveis contínuas.
Os pacientes foram classificados em 3 grupos: hiperglicemia, hiperglicemia com cetose e cetoacidose como ilustrado na Tabela 1. Nos casos de cetoacidose, foi feita uma classificação quanto à gravidade em leve, moderada ou grave.
O grupo pré-COVID-19 foi composto por 10 pacientes e o grupo pós-COVID-19, por 11 pacientes. A idade média no momento do diagnóstico foi de 10,6 anos no grupo pré-COVID-19 e de 11,4 anos no grupo pós-COVID-19. A mediana do tempo de evolução dos sintomas foi superior no grupo pré-COVID-19 (17,5 dias contra 14 dias do grupo pós-COVID-19).
A polidipsia foi reportada em 90% dos pacientes do grupo pré-COVID-19 e em 81,8% dos pacientes do grupo pós-COVID-19. A poliúria foi reportada em 90% dos pacientes do grupo pré-COVID-19 e em 72,7% dos pacientes do grupo pós-COVID-19. A polifagia verificou-se em 40% dos pacientes do grupo pré-COVID-19 e em 36,4% do grupo pós-COVID-19.
A perda de peso foi mais frequente no grupo pós-COVID-19 do que no grupo pré-COVID-19 (81,8% contra 80%, respectivamente). A astenia foi reportada em 40% dos pacientes do grupo pré-COVID-19 e em 27,3% dos pacientes do grupo pós-COVID-19.
As náuseas e vômitos apresentaram uma maior diferença entre ambos os grupos (10% no grupo pré-COVID-19 contra 45,5% no grupo pós-COVID-19).
Os valores máximos de glicose verificados foram de 1177 mg/dL no grupo pré-COVID-19 e de 988 mg/dL no grupo pós-COVID-19. A mediana do valor de glicose no grupo pré-COVID-19 e pós-COVID-19 foi de 582 mg/dL e 499 mg/dL, respectivamente.
A mediana dos valores de HCO3- foi de 12,3 mmol/L e de 15,3 mmol/L nos grupos pré-COVID-19 e pós-COVID-19, respectivamente.
A mediana do pH no momento da admissão, bem como os valores mínimos e máximos de cada grupo foram iguais: mediana de 7,2; valor mínimo de 6,9 e máximo de 7,4.
O lactato teve uma mediana de 1,1 mmol/L e 1,6 mmol/L no grupo pré-COVID-19 e pós-COVID-19, respectivamente. O valor máximo no grupo pré-COVID-19 foi de 2,4 mmol/L e de 6,2 mmol/L no grupo pós-COVID-19.
Os valores de Hemoglobina A1C (HbA1C) foram mais elevados no grupo pós-COVID-19 quando comparados com o grupo pré-COVID-19: mediana de 15,3% e 11,3%; respectivamente. Apesar de a diferença dos valores encontrados não ser estatisticamente significativa, para além da mediana mais elevada constatou-se que no grupo pós-COVID-19 os valores mínimos e máximos foram mais altos.
O histórico familiar foi a única variável do estudo em que foi verificada uma diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos. 70% dos pacientes apresentaram histórico familiar positivo no grupo pré-COVID-19, sendo essa percentagem de 18,2% no pós-COVID-19 (p=0,017).
Quanto à classificação dos quadros de instalação de diabetes, foi verificada hiperglicemia apenas no grupo pós-COVID-19, em 18,2% dos doentes.
A hiperglicemia com cetose foi averiguada em 30% e em 18,2% dos pacientes do grupo pré-COVID-19 e pós-COVID-19, respectivamente.
A cetoacidose foi observada em 70% e 63,6% dos doentes do grupo pré-COVID-19 e pós-COVID-19, respectivamente. A percentagem de casos com gravidade moderada foi igual nos dois grupos (42,9%), a gravidade leve esteve presente em 42,9% dos pacientes do grupo pré-COVID-19 e em 28,6% do grupo pós-COVID-19. Foram verificados casos graves de cetoacidose em 14,3% dos pacientes do grupo pré-COVID-19 e em 28,6 % do grupo pós-COVID-19.
O tempo de internação foi avaliado quanto à duração total de dias e quanto aos dias em que houve necessidade de internação na enfermaria de Pediatria ou em UCI.
90% e 90,9% dos pacientes do grupo pré-COVID-19 e pós-COVID-19, respectivamente, necessitaram de internação na enfermaria de pediatria, sendo a mediana de dias internados de 5 e 6, respectivamente.
10% dos pacientes do grupo pré-COVID-19 e 18,2% dos pacientes do grupo pós-COVID-19 necessitaram de internação em UCI. A mediana de dias de internação foi de um dia no grupo pré-COVID-19 e de 3,5 dias no grupo pós-COVID-19.
A mediana do número total de dias de internação foi de 4,5 dias no grupo pré-COVID-19 e de 6 dias no grupo pós-COVID-19.
Apesar de o grupo pós-COVID-19 ter apresentado uma mediana mais elevada de dias de internação em enfermaria de pediatria e em UCI, comparativamente ao grupo pré-COVID-19, essa diferença não revelou significância estatística.
O grupo pós-COVID-19 apresentou uma percentagem mais elevada de casos com cetoacidose grave quando comparado com o grupo pré-COVID-19, mas essa relação, mais uma vez, não foi estatisticamente significativa.
Os resultados encontram-se descritos em maior detalhe na Tabela 2.
DISCUSSÃO
Uma meta-análise, publicada em agosto de 2022 na Revista Nature, que incluiu 24 estudos com um total de 124.597 crianças com diagnóstico novo de diabetes, constatou um aumento estatisticamente significativo no número de doentes que apresentaram cetoacidose diabética entre os pacientes confirmados com DM1 durante a pandemia, especialmente nas formas graves de cetoacidose quando comparados com os respectivos grupos antes da pandemia11.
Tendo em conta os resultados obtidos neste estudo, o mesmo não se verificou na RAM.
Uma razão que justifica o aumento do número de pacientes com cetoacidose grave como apresentação inicial consiste no atraso ou demora para recorrer ao Serviço de Urgência (SU) por medo de ser infectado com SARS-CoV-2 e também pelas medidas rigorosas de confinamento que foram impostas por muitos países12,13.
Na RAM nunca existiu um período de confinamento total para a população em geral. Houve, contudo, vários meses em que o isolamento no domicílio, a partir de determinadas horas da tarde, foi obrigatório.
Nessa região, durante a pandemia, para que os cuidados de saúde de proximidade pudessem continuar a ser prestados, foi criada uma linha telefônica, que se mantém operacional até hoje. A linha tem como objetivo esclarecer dúvidas dos pais, orientar casos que possam ser tratados a distância ou recomendar que os pacientes se desloquem ao SU, caso seja indicado.
Uma hipótese que tem de ser colocada é que a incidência e gravidade dos casos de instalação de diabetes podem não ter aumentado na região, porque a população continuou a recorrer ao SU em situações de gravidade, bem como por ter sido mantida uma medicina de proximidade.
A RAM possui apenas um hospital público, o que implica que todos os novos casos de diabetes acabem por dar entrada no mesmo hospital. O Hospital Central do Funchal é o único local de toda a região com urgência pediátrica aberta 24 horas e a única internação de pediatria em funcionamento. Apenas esse hospital possui uma UCI pediátrica com capacidade para receber um caso grave de cetoacidose que cumpra critérios para tal. Embora existam vários centros de saúde e clínicas privadas que atendam crianças e adolescentes, todos esses encaminham os casos, que necessitam de tratamento imediato e vigilância durante um período de tempo, para o hospital em questão.
No início da pandemia, essa região também procedeu à expansão da área dedicada à observação pediátrica no serviço de urgência de forma que pudessem existir dois circuitos: de pacientes com infecção suspeita ou confirmada de SARS-CoV-2 e de pacientes sem essa suspeita ou confirmação. Essa alteração proporcionou alguma segurança às famílias durante o deslocamento à urgência.
Adicionalmente, os profissionais de saúde da RAM realizam ativamente rastreios oportunistas e programados de diabetes mellitus que permitem que, em muitos casos, seja feito um diagnóstico precoce e, noutros casos, sejam explicadas medidas preventivas como modificações do estilo de vida da criança e da família.
Outro fator que não pode ser esquecido é a literacia em saúde sobre esse tema. A temática da diabetes é várias vezes abordada em campanhas de sensibilização gerais ou específicas dirigidas a cuidadores, professores e educadores, bem como às próprias crianças e adolescentes de forma que o diagnóstico possa ser feito o mais precocemente possível.
Por esses motivos e dadas as particularidades da região em estudo, previamente explicadas, existem algumas justificativas que podem contribuir para que não tenha ocorrido um aumento do número de casos de instalação de diabetes, nem da gravidade deles na RAM.
Apesar disso, neste estudo foi verificado que no grupo pós-COVID-19 houve uma mediana mais elevada de dias de internação em enfermaria de pediatria e de cuidados intensivos, bem como uma percentagem ligeiramente superior de pacientes internados comparativamente ao grupo pré-COVID-19. Apesar de esses resultados não terem sido estatisticamente significativos, vão ao encontro dos resultados obtidos noutros estudos5,13.
Casos mais graves no momento da admissão, geralmente com o diagnóstico de cetoacidose grave, associam-se a internações de maior duração e à necessidade de internação em cuidados intensivos, em alguns casos.
Não pode ser esquecido que, além das várias vagas de COVID-19 e respectivas medidas de saúde pública impostas, também houve uma alteração na sazonalidade de vários vírus respiratórios como Influenza, Vírus Sincicial Respiratório, Rhinovírus ou Coxsackie, que também podem estar relacionados com os novos casos de diabetes12.
Numa revisão sistemática e meta-análise realizada em 2022, foi constatado que houve um aumento estatisticamente significativo na HbA1c nos novos pacientes diagnosticados com DM1 durante a pandemia quando comparados com o período pré-pandemia14.
Neste estudo, os valores de HbA1C foram mais elevados no grupo pós-COVID-19 quando comparados com o grupo pré-COVID-19: mediana de 15,3% e 11,3%, respectivamente. Apesar de a diferença dos valores encontrados não ser estatisticamente significativa.
Durante a pandemia, foi observado maior sedentarismo por parte das crianças e adolescentes, que foram forçados a cumprir isolamento em casa, sobretudo após o fechamento das escolas. Além disso, os hábitos alimentares das famílias sofreram alterações. Havia um medo instalado de que pudessem faltar bens alimentares por haver um consumo superior à capacidade de compra, quer por proibição de sair de casa, quer pela limitação do poder de compra, que algumas famílias sofreram com a redução de seus salários, bem como com o aumento de preços de determinados produtos, acompanhado pela falta de mercadorias frescas em alguns supermercados. Essa junção de fatores fez com que houvesse um aumento do consumo de comidas altamente processadas, com prazos de validade mais longos, economicamente mais apelativas e mais disponíveis para compra. O fato do tempo que as crianças e adolescentes passavam em casa ter aumentado também fez com que aumentasse o número de snacks que realizavam em vez dos habituais lanches planejados pelos pais15,16.
O histórico familiar foi a única variável do estudo em que se verificou uma diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos, não tendo sido abordada nos estudos consultados. Esse resultado pode evidenciar que os casos de cetoacidose diabética diagnosticados durante a pandemia, alguns deles provavelmente em pacientes que foram previamente infectados por SARS-CoV-2, podem ter uma fisiopatologia diferente na qual os fatores genéticos têm uma menor importância. Essa diferença deveria ser investigada noutros grupos populacionais de forma a contribuir para uma melhor compreensão da fisiopatologia e a epigenética da DM1.
Por outro lado, considerando que a região em estudo é insular e, por isso, funcionando um pouco como um ambiente fechado e com uma população total estimada de 250.769 habitantes (Censo 2021) verifica-se uma elevada importância do histórico familiar, devido à baixa variabilidade genética inerente.
LIMITAÇÕES
O fato de o conteúdo apresentado neste artigo se basear numa população insular com poucos habitantes e consequentemente poucos doentes não permite que seja feita uma extrapolação dos resultados, porém apresenta a particularidade de estudar uma população diferente, nem sempre contemplada em estudos científicos.
Por ser um estudo retrospectivo realizado através da consulta de registros clínicos, é sempre suscetível de viés. Neste estudo apenas as variáveis descritas foram consideradas. Fatores como o stress, a alimentação e fatores ambientais não foram analisados. Destacamos que existe uma nova classificação da cetoacidose diabética publicada posteriormente à realizaçao deste estudo pelo que a classificação utilizada não é a mais atual17.
CONCLUSÃO
O histórico familiar foi a única variável do estudo em que foi verificada uma diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos, não tendo sido abordada nos estudos consultados. Esse resultado pode evidenciar que alguns casos de cetoacidose diabética diagnosticados durante a pandemia poderão ter uma fisiopatologia diferente na qual os fatores genéticos apresentem uma menor importância. Essa diferença deveria ser investigada noutros grupos populacionais, de forma a contribuir para uma melhor compreensão da fisiopatologia e a epigenética da DM1.
Sendo a DM1 uma doença frequente em idade pediátrica, os profissionais de saúde devem estar sempre em alerta e ter um elevado grau de atenção com a diversidade de sintomas iniciais que essa doença pode ter e avaliar a glicose e a HbA1c de forma regular.
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1. Hospital Central do Funchal, Serviço de Pediatria - Funchal - Região Autônoma da Madeira - Portugal
2. Hospital Central do Funchal, Centro de Investigação Dra. Maria Isabel Mendonça - Funchal - Região Autônoma da Madeira - Portugal
Endereço para correspondência:
Beatriz Bonança Pedreira
Hospital Central do Funchal
Av. Luís de Camões, 6180
9000-177, Funchal, Portugal
E-mail: beabopedreira@gmail.com
Data de Submissão: 23/03/2023
Data de Aprovação: 03/01/2024