ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2024 - Volume 14 - Número 3

Mortalidade perinatal: análise de necropsias médico-legais no período de 2018 a 2022

Perinatal mortality: analysis of necropsies from 2018 to 2022

RESUMO

OBJETIVOS: caracterizar perfil sociodemográfico da população de estudo; analisar a causa mortis descrita no laudo; identificar os eventos que contribuíram para o óbito; avaliar a qualidade do preenchimento da Declaração de Óbito (DO) e verificar o acompanhamento pré-natal dessas crianças.
METODOLOGIA: estudo transversal, utilizando dados secundários de laudos de necropsias realizadas nos Serviços de Verificação de Óbito de Criciúma e Tubarão. Incluíram-se indivíduos com óbito entre 22 semanas de gestação e o 6º dia de vida, excluindo aqueles com mais de 50% do laudo sem preenchimento. Foram avaliadas as informações presentes na DO, nos laudos da necropsia e nos exames complementares.
RESULTADOS: foram avaliados um total de 212 laudos de necropsia. Dentre esses, 51,4% correspondiam ao sexo feminino e 87,7% eram brancos. A maioria (85,5%) dos casos analisados eram óbitos fetais, sendo as complicações da placenta, do cordão umbilical e das membranas (CID P02) a causa principal de morte, com 73,1% dos casos. Observou-se falta de preenchimento das causas intermediárias em 84,4%, e das condições significativas que contribuíram para o óbito em 98,5% dos laudos. Quanto ao pré-natal, 89,6% realizaram o acompanhamento.
CONCLUSÃO: ressalta-se que a mortalidade perinatal é um indicador crucial para avaliação pré-natal e de fatores relacionados à mãe e à gestação. Isso, porque será por meio das informações epidemiológicas relacionadas a ela que os recursos públicos serão distribuídos, visando reduzir os agravos perinatais e melhorar os indicadores de saúde.

Palavras-chave: Mortalidade perinatal, Autopsia, Atestado de óbito, Cuidado pré-natal.

ABSTRACT

OBJECTIVES: characterize the sociodemographic profile of the study population; analyze the cause of death described in the report; identify the events that contributed to the death; evaluate the quality of the completion of the Death Certificate (DC) and verify the prenatal follow-up of these children.
METHODS: cross-sectional study, using secondary data from necropsy reports performed at the Criciúma and Tubarãos Death Verification Services. Individuals with death between 22 weeks of gestation and the sixth day of life were included, excluding those with more than 50% of the report without completion. The information present in the DC, necropsy reports and complementary tests were evaluated.
RESULTS: a total of 212 necropsy reports were evaluated. Among these, 51,4% corresponded to females and 87,7% were caucasians. The majority (85.5%) of the cases analyzed were fetal deaths, with complications of the placenta, umbilical cord and membranes (ICD P02) being the main cause with 73,1% of the cases. There was a lack of completion of intermediate causes in 84,4%, and significant conditions that contributed to death in 98,5% of the reports. Regarding prenatal care, 89.6% underwent follow-up.
CONCLUSION: it is emphasized that perinatal mortality is a crucial indicator for prenatal evaluation and factors related to mother and pregnancy. This is because it will be through epidemiological information related to it that public resources will be distributed, in order to reduce the diseases and improve health indicators.

Keywords: Perinatal mortality, Autopsy, Death certificates, Prenatal care.


INTRODUÇÃO

O termo mortalidade perinatal pode ser definido como o número de óbitos entre a vigésima segunda semana de gestação e o sexto dia de vida a cada mil nascidos vivos, em um determinado período. Historicamente, sua ocorrência tem sido negligenciada pelos serviços de saúde, os quais poderiam evitar desfechos negativos, uma vez que a etiologia dessas mortes está relacionada à gestação e ao parto1.

Em vista disso, buscando trazer melhorias à assistência em saúde, instituiu-se a Política Nacional de Vigilância em Saúde (PNVS), que permitiu a difusão de informações que auxiliaram na adoção de medidas de proteção à saúde da população2. Ao considerar que o processamento dessas informações exige etapas anteriores, foram criados instrumentos padronizados de monitoramento e coleta de dados: os Sistemas de Informações3. Dentre os quais pode-se destacar o Sistema de Informações Sobre Mortalidade (SIM), desenvolvido pelo Ministério da Saúde (MS), que reúne dados quantitativos e qualitativos sobre os óbitos ocorridos no Brasil, tendo como documento básico e essencial para isso as Declarações de Óbito (DO) emitidas no país4.

A emissão da DO, além de apresentar relevância epidemiológica, envolve ainda aspectos éticos e jurídicos, visto que esse é um documento legal e é parte integrante da assistência médica emiti-lo em todos os casos de óbito5. Sendo assim, o preenchimento de seus dados exige grande responsabilidade e, por isso, durante a elaboração da DO, o profissional responsável deve anotar todas as doenças, os estados mórbidos ou as lesões que produziram a morte ou contribuíram para que ela acontecesse6,7, baseando a causa da morte na Classificação Internacional de Doenças (CID).

Entretanto, isso nem sempre acontece, evidenciando-se registros insatisfatórios que provocam inconsistência nos dados epidemiológicos5. Com base nisso, o MS, objetivando aperfeiçoar as informações sobre mortalidade, instituiu a Rede Nacional de Serviços de Verificação de Óbito e Esclarecimento da Causa Mortis, responsável por determinar a causa de óbito nos casos de morte natural, sem violência, assistência médica ou esclarecimento diagnóstico8.

O investimento do Estado na investigação da causa mortis permitiu a ampliação do cuidado pré-natal, o qual, segundo os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, quando de alta qualidade, tem um papel fundamental na sobrevida da mulher e de seu bebê9. No Brasil, esse serviço está principalmente relacionado à Rede Cegonha, um sistema de cuidados subsidiado pelo SUS que tem como função assegurar boas práticas na atenção ao parto e nascimento1,10.

Apesar desses esforços, doenças como a sífilis, condição passível de rastreio e tratamento durante o pré-natal, continuam alimentando as taxas de óbito perinatal. Em 2020, no Brasil, a taxa de mortalidade por sífilis congênita foi de 6,5/100.000 nascidos vivos, sendo que a região Norte apresentou o pior índice do país, com 10,2/100.000. Apesar de a região Sul apresentar o menor índice nacional, o coeficiente de mortalidade por sífilis congênita teve um aumento superior a 150% em um período de dez anos, passando de 1,6/100.000 nascidos vivos em 2010 para 4,1/100.000 nascidos vivos em 202011.

Assim, o estudo objetiva conhecer o acompanhamento pré-natal e o perfil epidemiológico dos fetos e das crianças a partir das 22 semanas de idade gestacional até 6 dias de vida, de forma a identificar a tendência da mortalidade nessa faixa etária e contribuir para um melhor direcionamento de recursos e práticas que possam qualificar a atenção em saúde e reduzir desfechos negativos.


METODOLOGIA

Foi realizado um estudo observacional, de delineamento transversal com enfoque quantitativo, por meio de dados secundários oriundos de laudos de necropsias realizadas nos Serviços de Verificação de Óbito (SVO) de Criciúma e Tubarão, emitidos pela Secretaria de Saúde do Estado de Santa Catarina no período de janeiro de 2018 a junho de 2022. Esses serviços atendem, respectivamente, às regiões da Associação de Municípios da Região Carbonífera (AMREC) – que compreende os municípios de Criciúma, Balneário Rincão, Cocal do Sul, Forquilhinha, Içara, Lauro Müller, Morro da Fumaça, Nova Veneza, Orleans, Siderópolis, Treviso e Urussanga – e da Associação dos Municípios da Região de Laguna (AMUREL) – constituída pelos municípios de Tubarão, Armazém, Braço do Norte, Capivari de Baixo, Grão-Pará, Gravatal, Imaruí, Imbituba, Jaguaruna, Laguna, Pedras Grandes, Pescaria Brava, Rio Fortuna, Sangão, Santa Rosa de Lima, São Ludgero, São Martinho e Treze de Maio.

O presente estudo, seguiu os princípios éticos de pesquisa da resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS)12, considerando o proveito da pesquisa para prevenção dos agravos perinatais, prevalecendo os benefícios sobre os malefícios em relação aos resultados e às suas discussões. Uma vez que as informações se deram a partir de bancos de dados, cujas informações são agregadas, sem possibilidade de identificação individual, a resolução 510/16, também do CNS13, em seu artigo V, afirma que não há necessidade desse tipo de pesquisa ser registrado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP). Com base nisso, solicitou-se a dispensa do Termo de Consentimento Livre e esclarecido (TCLE), sendo aprovado no parecer 5.178.906.

O estudo teve início após a aprovação do CEP, incluindo laudos de óbito de indivíduos a partir de 22 semanas de idade gestacional até os seis dias de vida, correspondente ao período perinatal. Desses, excluíram-se aqueles com mais de 50% do laudo sem preenchimento. As variáveis pesquisadas foram divididas em dois grupos, um relacionado ao feto ou à criança e outro à sua mãe e à gestação. Quanto ao primeiro, destacam-se: sexo, cor, naturalidade, peso, idade, tipo de óbito, local do óbito, cidade do óbito, assistência médica durante a morte, diagnóstico confirmado por necropsia, causa imediata, intermediária, secundária e básica da morte, conforme a Classificação Internacional de Doenças na décima edição (CID 10), malformações ao exame interno e externo, prova de Galeno e resultados de exames complementares. Já no segundo grupo, as variáveis foram: idade, escolaridade, profissão, número de nascidos vivos, número de perdas fetais/abortos, semanas de gestação, tipo de gravidez, tipo de parto, realização do pré-natal e quantidade de consultas.

A tabulação e o tratamento primário dos dados foram realizados no programa Software Windows Excel e, posteriormente, analisados pelo programa SPSS Version 21. Utilizou-se estatística descritiva para obtenção de frequências de variáveis categóricas, além de medidas de tendência central e dispersão dos dados. As diferenças nas proporções foram testadas pelo teste de Qui-quadrado (X2). O nível de significância estatística adotado foi de 5% (valor de p<0,05).


RESULTADOS

Foram avaliados um total de 212 laudos de necropsia. Dentre esses, 109 (51,4%) correspondiam a indivíduos do sexo feminino, observando-se predominância do fenótipo de cor branca, 186 (87,7%), de acordo com a Tabela 1. Na amostra, a naturalidade de Criciúma (72,6%) foi a mais prevalente, sendo o Hospital o local de óbito em todos os casos analisados, dos quais 204 (96,2%) contaram com assistência médica. A maioria dos indivíduos foram a óbito ainda intraútero, totalizando 182 (85,8%) óbitos fetais, com prova de Galeno negativa em 156 (73,6%). A média do tempo de vida encontrado foi de 41,39 minutos (dp=249,331), variando de 0 a 3.330 minutos, e a média de peso 1500 gramas (dp=1031,36), com variação de 103 gramas a 5150 gramas.




Para determinação da causa mortis, não foi realizada necropsia em um único caso. Quanto aos outros, o diagnóstico foi definido por necropsia utilizando-se do CID 10 para preenchimento da DO. Em relação à causa imediata de morte, a maior parte dos indivíduos avaliados, 155 (73,1%), foi a óbito por complicações da placenta, do cordão umbilical e das membranas (CID P02). A causa intermediária de morte não foi preenchida em 179 laudos (84,4%). Naqueles completos, destaca-se a prematuridade extrema (P07.2), correspondente a 9 registros (4,2%). Das condições significativas que contribuíram para o óbito, as únicas descritas foram diabetes mellitus tipo 2 (E11), malformações congênitas múltiplas não especificadas em outras partes (Q89.7) e malformação congênita dos septos cardíacos (Q21), cada uma delas com 1 registro (0,5%), conforme apresentado na Tabela 2.




Na necropsia, foram evidenciadas malformações ectópicas em 18 indivíduos (8,5%). Dessas, destacam-se defeitos em faces e orelhas com 12 casos (5,7%), e alterações no sistema nervoso central e crânio presentes em 8 (3,8%). No exame interno, verificaram-se malformações em 11 (5,2%), sendo 7 (3,3%) do aparelho respiratório, 5 (2,4%) urinário e 5 (2,4%) cardiovascular. Deve-se destacar que, nos dois casos, em uma mesma análise poderiam ser encontradas mais de um tipo de alteração.

Para melhor elucidação desses casos, foram feitos exames complementares em 158 (74,5%) fetos e crianças. Em todos esses, o exame anatomopatológico foi realizado, resultando no achado mais prevalente de distúrbios hemodinâmicos e do metabolismo da placenta e anexos em 99 (46,7%) peças analisadas, seguido por deposição de fibrina (35,8%), distúrbios inflamatórios (17,5%) e outros achados (5,2%). O mesmo achado também foi o mais prevalente na análise do cordão umbilical, aparecendo em 13 (6,1%), sendo encontrado apenas um caso (0,5%) de distúrbio inflamatório. Apenas 7 (3,3%) dos indivíduos tiveram outras peças analisadas, sendo elas: pulmões, fígado e rins. Ainda, realizou-se teste rápido para COVID-19 com sangue coletado da câmara cardíaca, em 3 (1,4%) casos, dos quais 2 (0,9%) foram positivos.

Referente aos dados correspondentes à parte materna, a média da idade encontrada foi de 29,08 anos (dp=6,902), variando entre uma faixa etária de 16 a 52 anos. A maior parte dessas mulheres possuíam ensino médio completo (51,9%), e uma grande parte da amostra, representada por 96 registros (45,3%), tinha a profissão classificada em Serviços Domésticos,compreendendo as seguintes ocupações: doméstica, diarista, serviços gerais, passadeira, auxiliar de lavanderia. As informações referentes às características socioeconômicas maternas estão representadas detalhadamente na Tabela 3.




Quanto à gestação e aos antecedentes obstétricos maternos, a maior parte das gestações eram únicas, 195 (92%), sendo o parto vaginal o tipo predominante, com 139 (65,6%) casos conforme representado na Tabela 4. A média da idade gestacional encontrada é de 30,29 semanas (dp=5,687), com uma variação de 22 a 41 semanas. Além disso, 89 (42%) mães não possuíam nenhum nascido vivo e 149 (70,3%) não tiveram nenhum aborto prévio. Com relação ao pré-natal, 190 (89,6%) gestantes realizaram acompanhamento, sendo que 50 (23,6%) realizaram de 1 a 3 consultas, 80 (37,8%), 4 a 6 consultas, e 43 (19,3%) foram a 7 ou mais consultas. Ademais, 26 (12,3%) laudos não continham informações referentes ao acompanhamento pré-natal.




DISCUSSÃO

O presente estudo evidenciou um perfil sociodemográfico caracterizado por maior número de óbitos de indivíduos do sexo feminino (51,4%) e cor branca (87,7%). Quanto à cor da pele, sugerimos que esse predomínio esteja relacionado à colonização europeia de Santa Catarina, com maior prevalência de brancos.

Corroborando os achados por Nobrega et al. (2022)14 e Serra et al. (2022)15, este trabalho encontrou um maior número de óbitos fetais, 85,8% da amostra. Porém, verificou- se um percentual de prova de Galeno, análise de respiração em vida, negativa em 73,6%. Essa diferença pode estar relacionada à não realização do exame durante a necropsia ou ao erro de preenchimento da DO14,15. Isso, porque, segundo a definição proposta pelo MS, o óbito fetal refere-se à morte de um produto da concepção, antes da expulsão ou da extração completa do corpo da mãe, com peso ao nascer igual ou superior a 500 gramas16. Nesse sentido, a maior parte dos óbitos avaliados foi de indivíduos com peso igual ou superior a 1000 gramas, dado compatível com os resultados encontrados por Nobrega et al. (2022)14 e Bezerra et al. (2021)17. O peso é uma variável importante a ser analisada, uma vez que baixo peso ao nascer isolado é considerado um importante fator de risco para mortalidade infantil18.

A causa de óbito mais prevalente, representando 73,1% da amostra, foi devido ao “feto ou recém-nascido afetado por complicações da placenta, do cordão umbilical e das membranas”, CID 10 P02, diferente do que foi observado em outros estudos, como em Guarulhos19, no qual foi identificada “hipóxia intrauterina e asfixia ao nascer”, e no Espírito Santo17, o qual apresentou “feto e recém-nascido afetados por fatores maternos e complicações da gravidez, trabalho de parto e parto”, como causas mais prevalentes de óbito. É importante ressaltar que todas essas causas são consideradas como mortes evitáveis por intervenções do Sistema Único de Saúde do Brasil20, evidenciando-se a relevância da atenção básica em saúde e de um pré-natal adequado, uma vez que ambos podem alterar o desfecho de uma gestação de maneira positiva.

Ainda com relação a causa mortis, este estudo demonstrou falha no preenchimento de alguns campos durante a elaboração da DO, visto que a causa intermediária da morte foi descrita em apenas 15,6% dos casos, e as condições significativas que contribuíram para o óbito, em 1,5%. A investigação da morte intrauterina permite a intervenção precoce em gravidezes futuras, tendo em conta o aumento do risco de recorrência desses eventos em gestações subsequentes21. Por esse motivo, os campos descritos são de suma importância durante o preenchimento da DO. Sendo assim, doenças comuns na gestação e que causam aumento no número de óbitos, como diabetes mellitus, pré-eclâmpsia, sífilis devem constar nesses espaços, auxiliando na elaboração de dados epidemiológicos consistentes que contribuam para a intervenção por parte dos gestores nesses pilares22.

Pela análise dos resultados, foi possível perceber que poucos óbitos estavam relacionados a malformações externas e internas. Por isso, fez-se necessária uma investigação complementar com alguns exames, dentre eles, pode-se destacar o anatomopatológico da placenta e cordão umbilical realizado em 74,5% dos indivíduos. Os achados mais prevalentes estão relacionados a distúrbios hemodinâmicos e do metabolismo (46,7%), que podem incluir hemorragia, infarto, trombose e congestão vascular. Um estudo retrospectivo realizado em Porto Alegre21 para análise de exames laboratoriais e anatomopatológicos da placenta e do cordão umbilical de natimortos encontrou dados destoantes; nele, a maioria das análises (39,6%) demonstrava infecção relacionada à alta prevalência de gestantes com histórico de sífilis e outras infecções bacterianas vaginais. No mesmo estudo, a má perfusão placentária ficou em segundo lugar, apresentando um percentual de 37,9% de infartos21.

O perfil sociodemográfico materno configura uma idade média de 29,08 anos, ensino médio completo (em média onze anos de estudo – 51,9%) e ocupação na área de serviços domésticos (45,3%). Esses dados são compatíveis com um estudo realizado em uma capital do Nordeste brasileiro15, na qual a maior ocorrência de óbitos perinatais foi em mães com 9 a 11 anos. Entretanto, Broday e Kluthcovsky (2022)23 encontraram uma associação significante entre óbitos infantis e escolaridade materna de até sete anos. Apesar de não ter sido evidenciada uma baixa escolaridade no presente estudo, tal achado pode estar relacionado ao analfabetismo funcional, caracterizado por indivíduo com formação acadêmica, mas sem destreza de aplicar os conhecimentos em seu contexto diário, comprometendo a aquisição e compreensão de informações importantes, fator fundamental durante o acompanhamento pré-natal24.

Quanto à gestação das mulheres avaliadas, a maioria apresentava gestação única (92%), com duração média de 30, 29 semanas e parto realizado por via vaginal (65,6%). Uma análise das características maternas e dos desfechos perinatais realizada por Brito et al. (2022)25 foi ao encontro desses achados, evidenciando gestações únicas. Apesar de as gestações múltiplas apresentarem fator de risco importante para o óbito perinatal23, esse tipo de gestação é um evento pouco prevalente e, por isso, as gestações únicas estão mais presentes. No mesmo estudo, 78% dos partos foram cesáreos, dados que representam o segundo país em maior número desse tipo de parto no mundo25, entretanto, diverge do achado neste trabalho. Uma explicação para isso pode ser o número de óbitos fetais analisado, em que o parto vaginal corresponde à via com menores complicações e mais indicada nesses casos.

O passado obstétrico é outro fator importante quando se deseja avaliar os desfechos perinatais. Segundo as DO analisadas, a maioria das mulheres eram nulíparas (42%) e não apresentavam aborto prévio (70,3%). No estudo nordestino15, 71,95% não apresentavam abortos anteriores, corroborando as análises desse, e 51,85% apresentavam histórico de 2 a 4 partos, divergindo do presente estudo. Uma corte realizada em Vitória26 para avaliar os desfechos adversos perinatais concluiu que a chance de uma gravidez apresentar intercorrências aumenta conforme o maior o número de gestações. Essa divergência encontrada na amostra analisada pode estar associada ao planejamento familiar, com consequente redução do número de filhos por mulher e gestações mais tardias.

Em relação ao pré-natal, o acompanhamento foi realizado por 89,6% das gestantes e o número de consultas mais prevalentes foi entre 4 e 6 (37,8%). O MS preconiza que sejam realizadas no mínimo seis consultas, sendo uma no primeiro trimestre, duas no segundo e três no terceiro22. Como a média de semanas de gestação ficou em 30, 29 semanas, correspondente ao início do terceiro trimestre, de maneira geral, as gestantes estariam cumprindo as recomendações preconizadas pelo MS. Resultado importante, visto que, na metanálise realizada por Wondemagegn et al. (2018)27, o segmento pré-natal adequado demonstrou redução significativa da taxa de mortalidade perinatal. Pois, durante o acompanhamento gestacional, o médico consegue disseminar informações e alertas, além de diagnosticar precocemente doenças gestacionais e alterações fetais, o que impacta diretamente sobre o número de óbitos na faixa perinatal28.

Com base nos dados apresentados, é possível traçar um perfil sociodemográfico das crianças que foram a óbito no período perinatal. Este, foi composto por indivíduos do sexo feminino, de cor branca e peso maior ou igual a 1.000 gramas. A maior parte teve óbito fetal, sendo a causa mais prevalente descrita no CID 10 P02, com investigação complementar por exame anatomopatológico, evidenciando distúrbios hemodinâmicos e do metabolismo. Com relação à mãe, a idade média encontrada foi de 29,08 anos, sendo que a maioria apresentava ensino médio completo e profissão relacionada a serviços domésticos. Grande parte das gestantes realizou acompanhamento pré-natal, com 4 a 6 consultas, tendo gestação única, parto vaginal e média de idade gestacional de 30,29 semanas.

Por fim, é importante salientar que a mortalidade perinatal é um indicador crucial para a avaliação da atenção pré-natal e de fatores relacionados à mãe e à gestação. É através desses números que informações relevantes são coletadas para elaboração de iniciativas e medidas de saúde pública. Por isso, o correto preenchimento da DO é indispensável, fornecendo informações epidemiológicas consistentes que otimizem a distribuição de recursos, de forma a reduzir agravos perinatais.


REFERÊNCIAS

1. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde e Secretaria de Atenção à Saúde. Manual de Vigilância do Óbito Infantil e Fetal e do Comitê de Prevenção do Óbito Infantil e Fetal. Brasília, DF: Editora MS; 2009.

2. Ministério da Saúde (BR). Resolução nº 588, de 12 de julho de 2018. Institui a Política Nacional de Vigilância em Saúde. Diário Oficial da União [Internet]. 2018 Ago; [acesso em 2021 Out 6]; Seção 1. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2018/Reso588.pdf.

3. Ministério da Saúde (BR). Biblioteca Virtual em Saúde. Áreas Temáticas BVS MS: Vigilância em Saúde [Internet]. Brasília; 2008; [acesso em 2021 Out 6]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/svs/inf_sist_informacao.php.

4. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Sistema de Informações Sobre Mortalidade (SIM) [Internet]. Brasília; [acesso em 2021 Out 6]. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/vigilancia-em-saude-svs/sistemas-de-informacao/sistema-de-informacoes-sobre-mortalidade-sim.

5. Laurenti R, Jorge MHPM. O atestado de óbito: aspectos médicos, estatísticos, éticos e jurídicos. 1. ed. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo; 2015.

6. Conselho Federal de Medicina (CFM). Resolução nº 1779, 11 de novembro de 2005. Regulamenta a responsabilidade médica no fornecimento da Declaração de Óbito. Diário Oficial da União; 5 Dez 2005; Seção 1:121.

7. Ministério da Saúde (BR). Conselho Federal de Medicina (CFM). Centro Brasileiro de Classificação de Doenças. A declaração de óbito: documento necessário e importante. 3. ed. Brasília: Editora MS; 2009.

8. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS). Portaria GM/MS nº 1.764, de 29 de julho de 2021 [Internet]. Brasília; 2021; [acesso em 2021 Out 8]. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-gm/ms-n-1.764-de-29-de-julho-de-2021-335340105.

9. Nações Unidas (BR). Saúde e Bem-Estar. [Internet]. Brasília: Casa ONU Brasil, Setor de Embaixadas Norte; [acesso em 2021 Out 18]. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/3.

10. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 1.459 de 24 de junho de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS – a Rede Cegonha. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília; 2011; [acesso em 2021 Out 15]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt1459_24_06_2011.html.

11. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS). Boletim epidemiológico (Sífilis: 2021). [Internet]. Brasília; 2021; [acesso em 2022 Out 16]. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2021/boletim-epidemiologico-de-sifilis-2021.

12. Ministério da Saúde (BR). Resolução nª 466, de 12 de Dezembro de 2012. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília; 13 jun 2013; [acesso em 2022 Abr 8]; Seção 1. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/res0466_12_12_2012.html.

13. Conselho Nacional de Saúde (CNS). Resolução nº 510, de 07 de abril de 2016. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília; 2016 Mai 24; [ acesso em 2022 Mai 13]; Seção 1. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2016/Reso510.pdf.

14. Nobrega AA, Mendes YMMB, Miranda MJ, Santos ACC, Lobo AP, Porto DL, et al. Mortalidade perinatal no Brasil em 2018: análise epidemiológica segundo a classificação de Wiggleworth modificada. Cad Saúde Pública [Internet]. 2022; [citado 2022 Out 4]; 38(1):e00003121. DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311X00003121. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/PbGVP7GjGKDyLG9q46KdZnP/?lang=pt.

15. Serra SC et al. Fatores associados à mortalidade perinatal em uma capital do Nordeste brasileiro. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2022; [citado em 4 Out 2022]; 27(4):1513-24. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-81232022274.0788202. Disponível em: https://www.scielosp.org/article/csc/2022.v27n4/1513-1524/#.

16. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 72, de 11 de Janeiro de 2010. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília; 15 Jan 2010; [acesso em 2022 Out 4]; Seção 1. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2010/prt0072_11_01_2010.html#:~:text=III%20%2D%20%C3%B3bito%20fetal%3A%20%C3%A9%20a,dias)
%20de%20gesta%C3%A7%C3%A3o%20ou%20mais.


17. Bezerra IMP, Ramos JLS, Pianissola MC, Adami F, Rocha JBF, Ribeiro MAL, et al. Perinatal Mortality Analysis in Espírito Santo, Brazil, 2008 to 2017. Int J Environ Res Public Health [Internet]. 2021 Nov 6; [cited 4 Oct 2022]; 18(21):11671. Available from: https://www.mdpi.com/1660-4601/18/21/11671.

18. Ferraes NB. Mortalidade neonatal no estado de Santa Catarina: estudo analítico de 2001 a 2019. Repositório UFSC [dissertação]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2021; [citado 2022 Out 4]; 42 p. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/224509/TCC%20-%20Nicolas%20Biehl%20Ferraes%20%28Vers%c3%a3o%20Final%29.pdf?sequence=1&isAllowed=y.

19. Sasaki AK, Venancio SI, Minto CM. Mortalidade perinatal em Guarulhos: análise sob o enfoque da evitabilidade. Bol Epidemiol Paul [Internet]. 2021 Set; [citado 2022 Out 6]; 18(213):26-39. Disponível em: https://periodicos.saude.sp.gov.br/BEPA182/article/view/37182.

20. Malta DC, Duarte EC, Almeida MF, Dias MAS, Morais Neto OL, et al. Lista de causas de mortes evitáveis por intervenções do Sistema Único de Saúde do Brasil. Epidemiol Serv Saúde [Internet]. 2007 Out-Dez; [citado 2022 Out 6]; 16(4):233-44. Disponível em: http://scielo.iec.gov.br/pdf/ess/v16n4/v16n4a02.pdf.

21. Grandi MM. Morte fetal intrauterina: o papel anatomopatológico da placenta e do cordão umbilical [dissertação]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde; 2021. 121 p.

22. Governo do Estado de Goiás (GO). Secretaria de Estado da Saúde. Pré-Natal [Internet]. Goiás: 2019 Nov 22; [acesso em 2022 Out 1]. Disponível em: https://www.saude.go.gov.br/biblioteca/7637-pr%C3%A9-natal#:~:text=No%20Brasil%2C%20a%20partir%20desse,semana%2C%20sejam%20realizadas%20consultas%20mensais.

23. Broday GA, Kluthcovsky ACGC. Infant mortality and family health strategy in the 3rd health regional of Paraná, from 2005 to 2016. Rev Paul Pediatr [Internet]. 2022; [cited 2022 Oct 7]; 40:e2020122. DOI: https://doi.org/10.1590/1984-0462/2022/40/2020122. Available from: https://www.scielo.br/j/rpp/a/rkFkzpgY3VGNdYFX7RXMvMC/?lang=en.

24. Ribeiro VM. Alfabetismo funcional: referências conceituais e metodológicas para a pesquisa. Educ Soc [Internet]. 1997 Dez; [citado 2022 Out 7]; 18(60):144-58. DOI: https://doi.org/10.1590/S0101-73301997000300009. Disponível em: https://www.scielo.br/j/es/a/5pH848XC5hFCqph7dGWXrCz/.

25. Brito FAM, Moroskoski M, Shibawaka BMC, Oliveira RR, Toso BROG, Higarashi IH. Rede Cegonha: maternal characteristics and perinatal outcomes related to prenatal consultations at intermediate risk. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2022; [citado 2021 Out 7]; 56:e20210248. DOI: https://doi.org/10.1590/1980-220X-REEUSP-2021-0248. Disponível em: https://www.scielo.br/j/reeusp/a/VVgkpwpPxF8r5syTdkFS3sM/abstract/?lang=en.

26. Ruschi GEC, Antônio FF, Sarti TD, Zandonade E, Miranda AE. Desfechos adversos perinatais e apoio matricial em Vitória, Espírito Santo, 2013-2014: um estudo de coorte. Cad Saúde Colet [Internet]. 2021 Out; [citado 2022 Out 7]; 29(2):190-200. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1414-462X202129020425.

27. Wondemagegn AT, Alebel A, Tesema C, Abie W. The effect of antenatal care follow-up on neonatal health outcomes: a systematic review and meta-analysis. Public Health Rev. [Internet]. 2018 Dec 17; [cited 2022 Oct 7]; 39(1):33. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6296103/.

28. Chou VB, Walker N, Kanyangarara M. Estimating the global impact of poor quality of care on maternal and neonatal outcomes in 81 low- and middle-income countries: A modeling study. PLoS Med [Internet]. 2019 Dec 18; [cited 2022 Oct 7]; 16(12):e1002990. Disponível em: https://journals.plos.org/plosmedicine/article?id=10.1371/journal.pmed.1002990.










1. Universidade do Sul de Santa Catarina, Acadêmica do Curso de Medicina - Tubarão - Santa Catarina - Brasil
2. Universidade do Sul de Santa Catarina, Professora Doutora em Ciências Biológicas: Bioquímica na Universidade do Sul de Santa Catarina - Tubarão - Santa Catarina - Brasil

Endereço para correspondência:

Maria Eduarda Brígido Machado
Universidade do Sul de Santa Catarina, Acadêmica do Curso de Medicina - Tubarão - Santa Catarina - Brasil. Av. José Acácio Moreira, 787, Dehon, Tubarão, SC, Brasil. CEP: 88704-900.
E-mail: me.brigido@gmail.com

Data de Submissão: 29/03/2023
Data de Aprovação: 18/07/2023