ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo de Revisao - Ano 2015 - Volume 5 - 3 Supl.1

Uma visão ética e bioética do atendimento ao adolescente

A Ethic vision and Bioethics of the assistance of adolescents
Una visión ética y bioética de la atención al adolescente

RESUMO

O artigo busca enfocar os aspectos éticos e bioéticos do atendimento médico ao adolescente, mostrando o que diz o Código de Ética Médica e a legislação brasileira, respeitando as peculiaridades inerentes a essa fase da vida. Definimos quem é o médico mais preparado para atendê-lo, mas, respeitando o seu direito a escolher por quem quer ser atendido. Avaliamos o direito do adolescente à autonomia, inclusive quanto ao sigilo médico, mesmo em relação a seus pais ou responsáveis legais, o que pode variar de acordo com o seu grau de amadurecimento e a sua capacidade de discernimento.

Palavras-chave: adolescente, bioética, ética médica.

ABSTRACT

The article try to focus on the ethical and bioetics aspects of medical care adolescents, showing what does the Code of Medical Ethics and the Brazilian legislation, respecting the inherent to this stage of life peculiarities. We define who is the doctor more prepared to serve him, but respecting your right to choose for those who want to be tended. We assess the teenager's right to autonomy, including with respect to medical confidentiality, even for their parents or legal guardians, which may vary according to the degree of maturation and your judgment.

Keywords: adolescent, bioethics, medical ethics.

RESUMEN

El artículo pretende centrarse en los aspectos éticos y bioéticos de los adolescentes de atención, mostrando lo que hace el Código de Ética Médica y de la legislación brasileña, respetando la inherente a esta etapa de las peculiaridades de la vida. Definimos que el médico está mejor equipado para servirle, pero respetando su derecho a elegir para aquellos que quieren ser atendidos. Evaluamos el derecho del adolescente a la autonomía, incluso con respecto a la confidencialidad médica, incluso para sus padres o representantes legales, que puede variar en función de su grado de madurez y su juicio.

Palabras-clave: adolescentes, bioética, ética médica.


Para analisarmos o atendimento prestado aos adolescentes, precisamos entender que este é singular, pelas peculiaridades desta faixa etária. Devemos ter em mente que precisamos, dentro do possível, respeitar a vontade e a individualidade dos adolescentes, levando, sempre, em consideração a sua capacidade de discernimento e o risco envolvido em cada situação, sempre respeitando o preconizado pela boa prática médica.

Necessitamos, ainda, determinar quem é o adolescente. Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), a adolescência vai dos 10 aos 19 anos. A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) recomenda a adoção do conceito da OMS, o que é corroborado pelo Ministério da Saúde. Já o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei 8069/90, considera que a adolescência vai dos 12 aos 18 anos.

Pela especificidade desta faixa etária, acreditamos que o pediatra é o profissional mais preparado para lidar com essa fase tão única e especial. Devemos lembrar que, no adolescente, temos que continuar os cuidados iniciados infância e que visam prevenir inúmeras complicações na fase adulta. O entendimento de que o adolescente deve ser acompanhado pelo pediatra encontra apoio na Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) 1785, de 2006, que estabelece os critérios para reconhecimento e denominação de especialidades e área de atuação na Medicina e para concessão e registro de título de especialista. Nela encontramos, entre as especialidades médicas reconhecidas, a PEDIATRIA e, entre as suas áreas de atuação reconhecidas, a MEDICINA DO ADOLESCENTE.

Infelizmente, na prática, vemos, com frequência, uma discussão não sobre quem atende o adolescente, mas sim, sobre quem não o atende. Na maioria dos hospitais gerais, a adolescência é uma "terra de ninguém". E vemos que, na maioria das vezes, os Serviços de Pediatria e os de Clínica Médica não estão estruturados para este atendimento.

O Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (CREMERJ) foi muito feliz em seu parecer 160 de 2005, sobre o Atendimento ao Adolescente no setor de Emergência Hospitalar, o qual, em sua ementa, diz que "Considera-se que o atendimento médico ao adolescente deve ser feito, prioritariamente, pelo Pediatra, em locais com estrutura adequada às peculiaridades deste grupo etário. E, ainda, que as unidades devem disponibilizar, aos médicos que desejarem, a possibilidade de aperfeiçoamento de sua competência para atendimento a esses pacientes".

Apesar de todas essas considerações sobre quem faz o atendimento ao adolescente, não podemos esquecer que precisamos também ouvi-lo a respeito de por quem ele quer ser atendido. Não podemos esquecer que, com algumas limitações, o adolescente deve ter respeitada a sua autonomia.

Conceituamos autonomia como a capacidade do individuo em resolver um determinado problema ou situação, valendo-se de seus próprios meios e vontades.

Segundo Paulo Freire, "O respeito à autonomia e à dignidade é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros".

Para Piaget, na idade escolar já haveria a compreensão de boa parte nossos atos e de suas possíveis consequências. Isto se completaria na adolescência, quando adquiriríamos a capacidade de abstração. A partir dos 15 anos, atingiríamos as competências necessárias para o exercício da autonomia. Isso não significa que só então passaríamos a ter direito à autonomia.

A autonomia do paciente está presente no Código de Ética Médica (CEM), entre outros, no "Capítulo V, Relação com pacientes e familiares, que reza que é vedado ao médico, no Artigo 31, desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte".

E o reconhecimento do CEM, ao direito à autonomia do adolescente, está claro, no "Capítulo VII, Ensino e Pesquisa Médica, que diz ser vedado ao médico, no Artigo 101, deixar de obter do paciente ou de seu representante legal o termo de consentimento livre e esclarecido para a realização de pesquisa envolvendo seres humanos, após as devidas explicações sobre a natureza e as consequências da pesquisa. Parágrafo único. No caso do sujeito de pesquisa ser menor de idade, além do consentimento de seu representante legal, é necessário seu assentimento livre e esclarecido na medida de sua compreensão".

E a autonomia do paciente só não deverá prevalecer quando houver incapacidade de decidir pela sua própria vontade, seja por não ter uma compreensão correta do fato, por não conseguir avaliá-lo ou por estar impedido, temporária ou definitivamente, de decidir.

No adolescente, assim como na criança, a autonomia vai estar limitada pela sua capacidade de compreender uma situação e de poder resolvê-la por seus próprios meios. Embora a legislação brasileira, muitas vezes, nivele todos os menores de idade e os considerem incapazes de decidir e dependentes dos pais ou responsáveis legais, devemos entender que isso não pode ser assim. Claudio Leone, em seu artigo "A criança, o adolescente e a autonomia", pontua que o nivelamento que a lei produz, colocando todos os menores praticamente numa mesma posição, ressaltando o caráter progressivo a aquisição de competência por parte de menores e adolescentes, que requer ser continuamente avaliada".

Devemos ter em mente que o discernimento varia com a idade e, além disso, podemos ter crianças de uma mesma faixa etária com diferentes níveis de compreensão e, mesmo, crianças mais novas com maior capacidade de discernimento em relação a outras, com idade superior à sua.

Além disso, é preciso compreender que os pais são responsáveis pelos adolescentes, mas não, os seus donos. O direito do adolescente à autonomia está presente no artigo 17 do ECA, que pontua "O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais".

O respeito à autonomia do adolescente faz com que devamos respeitar, sempre que possível, a sua vontade.

A autonomia faz com que o adolescente tenha, dentro de alguns limites, a garantia do direito ao sigilo. Isto está bem documentado no CEM, no Capítulo IX, Sigilo Profissional, que diz, em seu artigo 74, ser vedado ao médico "Revelar sigilo profissional relacionado a paciente menor de idade, inclusive a seus pais ou representantes legais, desde que o menor tenha capacidade de discernimento, salvo quando a não revelação possa acarretar dano ao paciente".

A quebra do sigilo só está autorizada em caso de justa causa, dever legal e autorização do paciente. A justa causa necessita de algo que justifique um ato excepcional, fundamentado em razões legítimas e de interesse ou procedência coletiva ou de terceiros. O dever legal acontece quando o médico é obrigado à quebra do sigilo, por conta de uma imposição da legislação. A autorização do paciente, dono do sigilo, prescinde de explicação.

O dever legal e a autorização do paciente são situações objetivas, já a justa causa envolve um subjetivismo, pois, frente a uma mesma situação, duas pessoas poderão ter entendimentos diversos, devido à subjetividade.

Há algumas situações em que, a nosso ver, a quebra do sigilo do adolescente seria aceitável pela justa causa: a gravidez, o abuso de álcool ou drogas ilícitas (lembrando que até os 18 anos o álcool e o tabaco são drogas ilícitas), qualquer tipo de violência, a ocorrência de doenças graves, a recusa de tratamento, a necessidade de tratamento de alta complexidade e a presença de risco para ele ou para terceiros.

De qualquer forma, salvo se consideramos que essa atitude poderá acarretar algum risco, devemos avisar o adolescente que precisaremos quebrar o seu sigilo, de preferência, explicando o porquê. Devemos, ainda, oferecer a ele a possibilidade dele mesmo abrir o seu sigilo.

Dentro do seu direito à autonomia, o adolescente tem, ainda, o direito de ser atendido desacompanhado, quando assim o desejar.

Tal direito é abordado no parecer do CREMERJ 203 de 2013, cuja ementa é "O atendimento a menor de idade acompanhado ou não de seus pais e/ou representantes legais deve ser avaliado pelo médico, conforme a capacidade de discernimento da criança ou adolescente".

Aliás, o Conselho Regional de Medicina do de Estado de São Paulo (CREMESP), já se manifestara na Consulta 15663 de 1994, que diz "O adolescente que procura atendimento sem acompanhante, deve ser atendido sem restrições, preservando seus direitos, embasados no artigo 103 (atual artigo 74), desde que o mesmo tenha capacidade de entendimento dos seus problemas e possa, por seus próprios meios, resolvê-los".

Sempre, que o adolescente for atendido sem a presença dos responsáveis, o médico deverá, ao examiná-lo, manter no consultório um auxiliar para evitar qualquer mal entendido, devendo, ainda, sempre pedir, antecipadamente, a autorização do paciente para o exame físico, explicando antes o que vai fazer e o porquê de cada manobra e respeitando uma eventual negativa de autorização.

Para finalizar, precisamos compreender que não é fácil para o médico, o adolescente e a família negociarem, estabelecerem e aceitarem os limites dessa autonomia. Não podemos deixar de ter em mente as singularidades físicas e psíquicas dessa faixa etária, tão bem sintetizadas por Maria Ignez Saito: "Adolescentes são seres especiais que nos ensinam a vivenciar as mudanças do presente, plenos de fé no futuro. Para eles, o futuro é agora e o presente para sempre, sendo o tempo uma variável ilógica entre o poder e a escolha, entre o sonho e a realidade".


LEITURAS RECOMENDADAS

1. Conselho Federal de Medicina (CFM). Resolução 1.931, de 24 de setembro de 2009. Aprova o Código de Ética Médica. Diário Oficial da União; 2009.

2. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp). Guia da relação médico paciente 2001. São Paulo: Cremesp; 2001.

3. Brasil. Lei 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União; 1990.

4. Leone C. A criança, o adolescente e a autonomia. Rev Bioética. 1998;6(1):51-4.

5. Piaget J. O nascimento da inteligência na criança. Rio de Janeiro: Zahar; 1970.

6. Campos Júnior D, Burns DAR, Lopez FA. Tratado de Pediatria. Sociedade Brasileira de Pediatria. Seção de Bioética. 3a ed. São Paulo: Manole; 2014.










Professor Adjunto da Disciplina de Saúde da Criança e do Adolescente e Responsável pela Disciplina de Bioética e Ética Médica. Universidade Nova Iguaçu, RJ

Endereço para correspondência:
Carlindo Machado Filho
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E-mail: carlindo@cremerj.org.br