ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2024 - Volume 14 - Número 3

Recidiva orbital da leucemia linfoide aguda LLA em crianças: relato de caso

Orbital recurrence of Acute Lymphoblastic Leukemia (ALL) in children: case report

RESUMO

INTRODUÇÃO: A recidiva da leucemia linfóide aguda (LLA) infantil envolvendo o globo ocular é um evento raro, ocorrendo em 2,2% das crianças. A presença de lesões orbitais e oculares específicas está associada a uma maior frequência de recidivas da medula óssea e envolvimento do SNC, levando a uma menor taxa de sobrevida.
OBJETIVOS: Realizar uma análise observacional longitudinal de casos de recidivas orbitárias da LLA em crianças durante tratamento em hospital oncológico referência do oeste do Paraná.
RELATO DE CASO 1: Paciente de 1 ano, feminino, em manutenção do tratamento de LLA, apresentou lesão esbranquiçada em olho esquerdo. Em consulta com oftalmologista, foi constatado em olho esquerdo alteração do reflexo vermelho com vitrite, e no olho direito foi visualizada lesão elevada sugestiva de massa intraocular. Após meses de investigação chegou-se à conclusão de recidiva orbital de LLA, sendo iniciado tratamento conforme BFM-90 para recidivas.
RELATO DE CASO 2: Paciente de 2 anos, feminino, em manutenção do tratamento de LLA, apresentou lesões em pele, edema periocular à direita e estrabismo divergente. Em RM de órbita, constatou-se espessamento difuso dos nervos ópticos em seus segmentos intraconais, caniculares e parte do trajeto cisternal, sugestivo de infiltração dos nervos ópticos pela doença de base. Após confirmação do diagnóstico de recidiva orbital de LLA, realizou tratamento conforme protocolo BFM-90.
CONCLUSÃO: Evidenciou-se por meio desta pesquisa a importância de uma avaliação minuciosa de sinais e sintomas oftalmológicos em pacientes com diagnóstico de LLA, para um diagnóstico

Palavras-chave: Manifestações oculares, Leucemia linfoide, Recidiva.

ABSTRACT

INTRODUCTION: The recurrence of childhood ALL involving the eyeball is a rare event, occurring in 2.2% of children. The presence of specific orbital and ocular lesions is associated with a higher frequency of bone marrow relapses and CNS involvement, leading to a lower survival rate.
OBJECTIVES: Conduct a longitudinal observational analysis of cases of orbital recurrences of ALL in children undergoing treatment at a reference oncology hospital in Western Paraná.
CASE REPORT 1: 1-year-old female patient, undergoing treatment for ALL, presented with a whitish lesion in her left eye. In consultation with an ophthalmologist, an alteration of the red reflex with vitritis was observed in the left eye, and in the right eye an elevated lesion suggestive of an intraocular mass was seen. After months of investigation, it was concluded that there was orbital recurrence of ALL, and treatment was initiated according to BFM-90 for recurrences.
CASE REPORT 2: 2-year-old female patient, undergoing treatment for ALL, presented skin lesions, right periocular edema and divergent strabismus. MRI of the orbit showed diffuse thickening of the optic nerves in their intraconal and canicular segments and part of the cisternal path, suggestive of infiltration of the optic nerves by the underlying disease. After confirming the diagnosis of ALL orbital recurrence, treatment was carried out according to the BFM-90 protocol.
CONCLUSION: Through this research, the importance of a thorough evaluation of ophthalmological signs and symptoms in patients diagnosed with ALL was evidenced, for an early diagnosis and treatment.

Keywords: Leukemia, lymphoid, Eye manifestations, Recurrence.


INTRODUÇÃO

A leucemia linfocítica aguda (LLA) é uma doença caracterizada por uma alta taxa de sobrevida na infância, porém o número absoluto de crianças que morrem por ela representa uma grande parcela dos casos de óbitos infantis por câncer1.

Estudos recentes demonstraram que o envolvimento ocular está relacionado ao pior prognóstico da leucemia na infância. A recaída da LLA infantil envolvendo o globo ocular é um evento raro, ocorrendo em 2,2% das crianças recidivantes2. Tanto na leucemia mieloide aguda (LMA) quanto LLA, a presença de lesões orbitais e oculares específicas foi associada a uma maior frequência de recidivas da medula óssea e envolvimento do SNC, levando a uma menor taxa de sobrevida3. A infiltração de órbita ocorre particularmente em crianças e está associada à protrusão dolorosa de rápido desenvolvimento do globo ocular, edema das pálpebras e quemose conjuntival1.

O diagnóstico precoce é importante para se evitar complicações oculares que possam levar à baixa de acuidade visual no longo prazo e para avaliação de recaídas de tratamento sendo determinante no direcionamento de condutas1.


RELATO DE CASO 1

Paciente de 1 ano, feminino, previamente hígida, em setembro de 2019 iniciou com quadro de febre não aferida por 1 semana, gemência, palidez, sendo realizados exames laboratoriais sugestivos de leucemia linfoide aguda (LLA) e, então, encaminhada para o serviço oncológico de referência do oeste do Paraná. Confirmado diagnóstico de LLA, pré-B Alto Risco. Iniciou o tratamento em setembro de 2019 e entrou em manutenção em agosto de 2020.

Durante o início da manutenção, a mãe referiu aparecimento de lesão esbranquiçada no olho esquerdo. Em consulta com oftalmologista, foi constatada alteração do reflexo vermelho com vitrite em olho esquerdo e no olho direito, visualizada lesão elevada, sugestiva de massa intraocular. Solicitada Tomografia Computadorizada (TC) de crânio e órbitas, apresentando tecido intraocular em região posterior junto à inserção do nervo óptico bilateralmente, com aspecto suspeito de lesão neoplásica. Aventando-se a hipótese diagnóstica de retinoblastoma bilateral.

Após 2 meses de investigação, foi realizada ultrassonografia ocular constatando lesão tumoral sobre o nervo óptico no olho direito, sugestivo de infiltração leucêmica. Em investigação conjunta com outros centros de oncologia pediátrica em Curitiba/PR e São Paulo/SP, chegou-se à conclusão diagnóstica de Recidiva Extramedular Isolada Ocular de LLA.

Iniciada a quimioterapia (QT), com protocolo Berlim-Frankfurt-Munique (BFM-90) para recidiva, conforme Tabela 1, após o aspirado de Medula Óssea (MO), imunofenotipagem e Doença Residual Mínima (DRM) negativa. Realizado nova TC de órbitas, sugerindo resposta terapêutica instituída após início do tratamento.

Paciente iniciou acompanhamento com oftalmologista oncológico em São Paulo. Durante o seguimento de dois anos, apresentou regressão progressiva da massa tumoral e melhora do descolamento seroso de retina.

Após discussão conjunta entre a equipe médica e os responsáveis pela menor, esta foi cadastrada no serviço de transplante de medula óssea em instituição de maior complexidade oncológica de referência do Paraná. Atualmente, segue em fila de espera para transplante de MO e permanece em acompanhamento e tratamento pelo serviço de oncologia pediátrica.





RELATO DE CASO 2

Paciente de 2 anos, feminino, sem comorbidades prévias, iniciou com quadro de dor em membro inferior esquerdo, claudicação e febre intermitente. Realizado Raio-X e TC na cidade de origem, ambas sem alterações. Hemograma com alterações sugestivas de LLA.

Após avaliação na instituição oncológica, foi diagnosticada com LLA. Iniciou o tratamento em janeiro de 2021 e entrou em manutenção em novembro de 2021, conforme protocolo BFM-90.

Durante a manutenção, o paciente evoluiu com lesões em pele, edema periocular à direita e estrabismo divergente. Foi encaminhada para avaliação oftalmológica, na qual se constatou quadro de baixa acuidade visual e estrabismo em olho esquerdo, sem causas oftalmológicas ou presença de leucocoria. Em Ressonância Magnética (RM) de órbita solicitada, constatou-se espessamento difuso dos nervos ópticos em seus segmentos intraconais, caniculares e parte do trajeto cisternal, sugestivo de infiltração dos nervos ópticos pela doença de base.

Logo após, foi realizada punção lombar com resultado positivo para recidiva de LLA do tipo B. Posteriormente ao diagnóstico, paciente começou acompanhamento com oftalmologista em instituição referenciada e foi iniciado protocolo BFM 90 para recidiva (Tabela 1).

Após 6 meses de tratamento, o olho direito recuperou plena visão. No entanto, o olho esquerdo teve uma sequela permanente devido à atrofia do nervo óptico. Conclui-se que o tratamento resultou em uma melhora significativa na visão do olho direito.

Atualmente, paciente clinicamente estável, com lesão de órbita inalterada, sem progressão. Segue em manutenção e acompanhamento pelo hospital oncológico pediátrico.


DISCUSSÃO

A leucemia causa diversas alterações no organismo do indivíduo, sendo a oftalmológica manifestação rara. Essas alterações ocorrem devido a uma infiltração direta da órbita e globo ocular por células neoplásicas ou até por consequência de compostos utilizados no tratamento, ou secundariamente a anormalidades vasculares induzidas pelo próprio tumor1.

Alguns estudos evidenciam que o pior prognóstico da leucemia na infância está relacionado com o envolvimento ocular. Lesões oculares e orbitárias foram associadas a uma maior quantidade de recidivas de leucemias medulares com envolvimento do SNC, resultando em maior taxa de mortalidade3.

Quanto aos sintomas oculares, eles podem acontecer de três maneiras: podem ser sinais de apresentação da leucemia, podem aparecer após o diagnóstico ser estabelecido ou podem ser a primeira manifestação de uma recaída após a remissão5.

Diante disso, é de grande importância observar os sinais e sintomas do paciente relacionados ao acometimento do SNC, dentre as queixas pode-se citar diplopia, perda de foco da visão, paralisia muscular extraocular e edema do disco óptico, este podendo ser resultado do aumento da pressão intracraniana ou, ainda, devido à infiltração das células leucêmicas no nervo óptico6.

Conforme a literatura atual, ainda há pouca associação de acometimento do nervo ótico com a presença de blastos na citologia do líquido cefalorraquidiano, o que reforça a importância dos sinais oculares7.

As recidivas da (LLA) podem ocorrer de modo extramedular isolado ou acometer primeiro medula óssea, e, somente após, para locais extramedulares. Em alguns casos, os sintomas oculares podem ser os primeiros indicativos da recidiva da doença8.

Em ambos os casos relatados, os sintomas oculares precederam as demais alterações causadas pela recidiva de LLA. Contudo, o tratamento conforme o protocolo BFM-90 resultou em boa resposta terapêutica, apesar de não ter sido curativo até o momento de estudo.


CONCLUSÃO

Apesar de poucos casos relatados com recidiva ocular de LLA, evidenciou-se por meio desta pesquisa a grande importância de uma avaliação minuciosa de sinais e sintomas oftalmológicos para que possa ser feita a detecção precoce da doença na forma extramedular, seja em pacientes com diagnóstico de LLA, independente da fase de tratamento, ou até mesmo após a remissão.

Por fim, além do diagnóstico precoce, é essencial iniciar o tratamento quimioterápico o mais brevemente possível de acordo com a experiência de cada serviço. Visto que em ambos os casos clínicos houve a regressão tumoral após início de tratamento.


REFERÊNCIAS

1. Barcelos R, Roisman L, Tochetto LB, Tochetto BB, Fontoura TP, Kohler LIA. Alterações Retinianas em Pacientes com Leucemia Linfocítica Aguda (LLA): discussão de tema a partir de relato de caso. Rev Bras Oftalmol. 2021;80(1):33-41.

2. Somervaille TCP, Hann IM, Harrison G, Eden TOB, Gibson BE, Hill FG, et al. Intraocular relapse of childhood acute lymphoblastic leukaemia. Br J Haematol. 2003;121(2):280-8.

3. Russo V, Scott IU, Querques G, Stella A, Barone A, Noci ND. Orbital and ocular manifestations of acute childhood leukemia: clinical and statistical analysis of 180 patients. Eur J Ophthalmol. 2008;18(4):619-23.

4. Laks D, Longhi F, Wagner MB, Garcia PCR. Avaliação da sobrevida de crianças com leucemia linfocítica aguda tratadas com o protocolo Berlim-Frankfurt-Munique. J Ped (Rio J). 2003;79(2):149-58.

5. Vishnevskia-Dai V, Sella SK, Lekach R, Fabian ID. Ocular Manifestations of Leukemia and Results of Treatment with Intravitreal Methotrexate. Sci Rep. 2020;10(1):1-7.

6. Smith OP, Ham IM. Clinical features and treatment of lymphoblastic leukemia. In: Smith OP, Ham IM, Arcerci RJ, editors. Pediatric hematology. Massachusetts: Blackwell Publishing; 2006; 450-81.

7. Pflugrath AE, Brar VS. Bilateral optic nerve and retinalinfiltration as an initial site of relapse in a T child with T-cell acute lymphoblastic leukemia. Am J Ophthalmol Case Rep. 2020;18:1-4.

8. Seher K, Khan SJ. Orbital relapse in children treated for Pre-B ALL, a retrospective case series. J Pak Med Assoc. 2021:71(1):360-2.










1. Centro Universitário Fundação Assis Gurgacz, Medicina - Cascavel - Paraná - Brasil
2. Hospital do Câncer de Cascavel (UOPECCAN), Hospital - Cascavel - Paraná - Brasil

Endereço para correspondência:

Nathália Cristina Machado
Centro Universitário Fundação Assis Gurgacz, Medicina - Cascavel - Paraná - Brasil
Av. das Torres, 500 - Loteamento FAG
Cascavel - PR, CEP: 85806-095
E-mail: naticrismachado@hotmail.com; ncmachado@minha.fag.edu.br

Data de Submissão: 09/08/2023
Data de Aprovação: 07/10/2023